Volume 1

Capítulo 22: Quarta Página do Diário

Eu estava muito assustado, a carroça tremia, e os 4 guardas que me levavam pareciam dispostos a me matar a qualquer momento, então achei melhor ficar em silêncio para não enfurecer eles, eles estavam armados, enquanto eu estava amarrado.

Viajamos a noite inteira, quando sol estava nascendo, e eu morria de sono e medo, finalmente paramos, um guarda delicadamente me arremessou no chão e deu um forte chute no meu abdômen, gritando:

— Acorda moleque! Hora da diversão…

Olhei aquela pessoa nos olhos, me segurando para não chorar de dor.

— Levanta para apanhar! — Gritou outro soldado, que não tinha um olho — Pagaram pra gente te matar, mas a surra é um adicional, considere como a gente te dando a oportunidade de respirar por mais uns minutos! Ha-Ha-Ha!

— Logo você estará sufocando com a névoa corrosiva… — Disse um terceiro guarda, apontando para algo atrás de mim.

O quarto guarda permanecia em silêncio, encostado na carroça, com cara de poucos amigos. Quanto a mim, amordaçado, e com as mãos amarradas para trás, me levantei com dificuldade, olhei para trás e vi um abismo infinito, meu coração gelou, minhas pernas tremeram, senti vontade de molhar as calças… Mas segurei.

— Essa é a Grande Falha! — Explicou o guarda que não tinha um olho — Tem 1 quilômetro de largura e 120 quilômetros de comprimento! Ninguém sabe qual é a altura, já que a névoa cobre o fundo, e ninguém conseguiu voltar de lá para contar, então só sabemos que é a morte certa!

Eu continuava encarando para aquele abismo, onde a névoa escura e densa flutuava no fundo, era como se ele estivesse me encarando de volta, mas eu não pisquei, na verdade me senti atraído.

— Parado aí! — Gritou o guarda que havia me chutado.

Voltei a mim mesmo, vi meu pé direito acima do penhasco, meu corpo tinha se movido inconscientemente, e agora eu estava prestes a pular por mim mesmo. O guarda puxou uma flecha, amarrou uma corda e mirou com o arco em minha direção.

Eu não vou morrer! — Eu pensei — Eu me recuso a morrer

Virei de frente para os guardas e me lancei para trás, deixando a lei da gravidade agir sobre meu corpo, ao mesmo tempo senti a flecha atingir meu ombro esquerdo, me senti flutuando, lembrei do dia em que cheguei a esse mundo, era a mesma sensação. Com exceção da flecha

Meu segundo de devaneio foi arruinado por uma dor terrível, a flecha no meu ombro estava amarrada, e a corda parecia presa em algo firme na outra extremidade, pois eu fiquei preso sentindo meu ombro segurando as travas na ponta da flecha e ao mesmo tempo sendo rasgado.

— Puxem ele! — Gritou um guarda — Não podemos deixar ele morrer sem dar uma surra primeiro…

— Puxa rápido…

Meu corpo estava pendurado a uns 30 ou 40 metros da borda, enquanto balançava, batendo nas pedras do penhasco, a corda era fina e longa, do tipo que se usava em flechas para pescar, mas a flecha não era apropriada, talvez na pressa ele tenha pego a flecha errada.

CRACK

A flecha quebrou, e novamente a gravidade me empurrou em direção ao fundo, me fazendo bater em algumas pedras, antes de atingir o fundo eu perdi a consciência.

Acordei sufocado com a névoa escura que perfurava meus pulmões, tossi muito, mas não consegui me levantar, tinha perdido muito sangue devido ao ferimento no ombro, além da queda que me machucou muito, já era uma sorte não ter morrido no impacto, talvez a corda a flecha tenha amortecido a velocidade de queda.

Pelo menos o ferimento no ombro já tinha parado de sangrar e a corda que prendia minhas mãos saíram com facilidade, mexi lentamente cada membro do corpo em busca de saber se tinha quebrado algum osso, senti uma dor aguda na coxa direita, meu fêmur estava quebrado, eu não conseguiria me manter de pé.

Após umas horas pude notar que a névoa flutuava um pouco acima de um metro, e talvez esse era o motivo de eu permanecer vivo, mesmo me sentindo intoxicado, contanto que eu não respirasse uma grande quantidade e conseguisse sair logo daquele lugar eu poderia sobreviver.

Eu não vou morrer! — Eu repeti para mim mesmo — Eu me recuso a morrer

Com auxílio da perna esquerda, comecei a impulsionar meu corpo em direção à parede do penhasco, lá a névoa parecia menos concentrada, cada movimento que o meu corpo fazia se arrastando pelo chão era uma tortura, parecia que uma faca em brasa estava sendo fincada na minha coxa direita.

Chorei de dor, gritei, senti vontade de desistir, desisti de desistir, senti fome e sede, bebi lama em uma poça, o gosto era horrível, mas me manteve vivo, a fome continuava.

Tive a primeira alucinação…

Me vi brincando com algumas crianças sem rosto, corríamos felizes, aos poucos elas foram ficando cada vez mais a minha frente, senti o meu corpo cair…

Acordei do meu devaneio como se tivesse mesmo correndo, estava suado e cansado, respiração ofegante, no mesmo instante percebi que era a névoa venenosa que estava fazendo aquilo comigo.

Continuei me arrastando, seguindo a parede do abismo, usei essa ideia para evitar de me mover em círculos. As vezes achava uma poça de lama para matar minha sede, tive inclusive a sorte de achar algumas plantas que sobreviviam ali, não sei como, se a luz do sol não alcançava o fundo devido à névoa densa, usei aquelas plantas amargas para enganar meu estômago, torcendo para que não fossem venenosas.

Continuei me arrastando de costas, a minha coxa já não mais doía, ou talvez eu tenha me acostumado com a dor.

Tive então a segunda alucinação…

Era como se eu estivesse flutuando em um lugar todo branco, com várias caixas e luzes coloridas, eu vi a mim mesmo deitado em uma cama, amarrado com diversos fios coloridos, ao lado da cama, 3 pessoas sem rostos e uma mulher muito bonita, cujo rosto eu consegui ver bem, conversavam, apesar de não saber quem eram, eu senti que os conhecia, essa alucinação foi mais longa e intensa do que a primeira.

Por mais que as pessoas que vi estivessem conversando, eu só consegui ouvir um “bip” agudo, ritmado e repetitivo, que começou a se tornar cada vez mais espaçado, em seguida silêncio. Senti algo estranho, o meu outro eu parecia estar morrendo.

Acordei novamente, dessa vez estava calmo, mas a sede tinha voltado e não tinha nenhuma poça de lama por perto, desisti de ser fraco e apertei o botão do foda-se.

Usei a minha força restante para me levantar, mesmo que a fratura na coxa direita não me permitisse andar, eu ainda podia pular sobre a esquerda, ignorei totalmente a dor da fratura, continuei seguindo a parede em direção a algum lugar, eu precisava sobreviver.

Mesmo tentando ignorar, a dor me tirou um grito de dor.

Após muito pular em uma perna só, eu não sabia nem quanto tempo tinha se passado, eu comecei a ficar exausto, continuei pulando, senti meu corpo ficar afadigado mas continuei, sentir minha respiração falhar, meu coração acelerar, minha vista tremeu, caí.

Tive a terceira alucinação…

Essa foi diferente, em vez de ver algo, eu mantinha meus olhos abertos, mas em minha mente tive a sensação de que algo se aproximava, mesmo que não conseguisse ver, eu senti. Alguém muito grande me olhava, enquanto sorria, não parecia ser humano, fechei meus olhos e senti melhor.

Era algo tão grande quanto um dragão.

Senti um calor se aproximar de mim, e ao mesmo tempo uma voz grave ecoou nos meus ouvidos.

— POR QUE SE RECUSA A MORRER?



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