Volume 2
Capítulo 90: Acertando os Ponteiros
Era um fim de tarde como qualquer outro. Pela estrada linear que cortava as planícies da região muitos carros seguiam com diversos destinos. Talvez apenas um estivesse sem destino certo, ou pelo menos a um destino que não pudesse ser alcançado através daquela estrada.
— Para onde vamos? — Lídia perguntou tentando quebrar o silêncio que a atormentava desde horas atrás quando os cinco entraram no carro.
Lídia, a secretária de Felipe dirigia o carro, e todas as suas tentativas de interação com os demais foram um fracasso. Isso a irritava.
Ao lado dela, no banco do carona vinha Zita, a ex-ruiva. A garota que teve seus podres roubados parecia estar com o pensamento em outro mundo, literalmente. De vez em quando dava uns suspiros, mas nada de falar.
No banco de trás se espremiam Sônia, a conselheira da Aliança Internacional, Wagner, o ex-heróis das armas, e André, o cara mais estranho dos cinco. André estava no meio, entre Sônia e Wagner, com a cara mais amarrada que o normal.
— Qual o plano de ação? — Lídia perguntou mais uma vez — Vamos ficar dentro desse carro para sempre? Ou quem sabe sair caçando demônios com meu revolver mágico? Ou podemos adotar um cachorro gigante que fala e resolver mistérios…
— Lídia, se acalme. — Zita disse.
— Me acalmar? — Lídia reclamou — Eu fui a única entre os cinco aqui que levei um tiro.
— Foi de raspão. — Sônia disse.
— Não é como se o sol estivesse nascendo ao oeste. — Zita disse.
— Mas o sol não nasce ao oeste. — Sônia comentou.
— É uma frase do Outro Mundo. — Explicou Zita — Significa algo como “não é o fim do mundo”. Lá eles acreditam que no fim dos tempos haverá uma noite que durará uma semana inteira, e depois o sol nascerá ao oeste.
— É uma velha profecia. — Completou Wagner — Eu cheguei a ficar sabendo da existência dela, mas não sabia que a duração da noite era tão longa.
— Ponto… — André falou com uma voz arrastada — Agora começaram a falar, quero ver calarem a boca.
— Eeeh. Até o André falou… — Zita riu — Pronto conseguiu o que queria, Lídia.
— Como era mesmo a ideia de ficar nesse carro pra sempre? — Sônia abaixou a cabeça e cobriu o rosto com as duas mãos.
— Ainda teríamos que parar para abastecer e comprar comida. — Wagner respondeu.
— Esse carro é movido a energia elétrica, toda a parte externa é composta de células fotovotáicas, e toda a estrutura é uma enorme bateria, então não precisamos nos preoucupar com gasolina. Quanto à comida, a Zita tem uma mochila de suprimentos que dá para um mês.
— Felipe planejou tudo, não precisamos nos preocupar. — André disse — Apenas vamos seguir o que ele previu.
— E por acaso ele previu que o Getúlio ia fazer aquela merda? — Sônia perguntou se o encarar.
— Sim.—André respondeu, gerando surpresa nos demais — Inclusive ele pediu que eu ficasse de fora o quanto fosse possível ou teríamos uma chance alta de reduzir o número de sobreviventes.
— Então ele previu que o Getúlio ia passar a perna na AI, dar uma de enviado de deus e invadir a jerusalém dimensional? — Lídia perguntou.
— Não leu aquilo?
— Só o começo, depois fica endereçado a você, e eu não tive tempo de ver tudo.
— Em resumo… — André explicou — Ele calculou as probabilidade de um evento ocorrer, a as probabilidades das ramificações desse evento. Assim, dependendo do que acontecer, eu posso me preparar para a próxima situação. Por exemplo, se Alice fosse falar conosco, havia 89% de chance de ela estar com medo de Getúlio, e estar se preparando para uma revolta também.
— Nem me fale daquela doida! — Sônia rosnou — Ela tentou me intimidar, ameaçando a minha vida e reduzindo a minha influência dentro da Aliança.
— Logo você… — André deu um sorriso sarcástico, que foi respondido por Sônia com um olhar de ódio.
— Não fale do que não sabe! — A conselheira disse.
— E o que você fez com o livro das previsões? — Perguntou Lídia.
— Fala do livro de Felipe? — André perguntou, mas parecia desinteressado — Eu li, decorei tudo e depois destruí.
— Você decorou tudo que dizia ali? — Lídia quase capotou o carro — Isso é praticamente impossível.
— Já fiz muitas coisas que as pessoas julgavam impossível.
— A maioria das pessoas não é capaz de entender o pensamento de felipe, quanto mais decorar todo um livro após ler apenas uma vez. — Lídia disse admirada.
— Na verdade ele leu uma quinze vezes. — Comentou Zita.
— Não sou como a maioria, sou melhor. — André disse, ignorando o comentário da ex-ruiva.
— É por isso que niguém vai com a sua cara. — Wagner comentou — Você é muito arrogante.
— Olha quem fala… — André revirou os olhos — O cara que se achava intocável só porque andava com o Cavaleiro de Prata. Agora tá aqui, precisando da nossa carona.
— Que eu saiba o carro não é seu! — Wagner rosnou.
— Lídia está sob minha proteção e de Zita, então o carro é nosso.
— E desde quando você consegue proteger alguém? — Wagner continuou — Os filhos do leste so sabem matar, você principalmente.
— Eu deveria ter te matado então.
— Faço minhas as suas palavras.
— Ainda não aceito o fato de Leonardo ter nos atrapalhado da última vez.
— Acho que também não vou conseguir aceitar nunca.
—Nunca é tarde para resolver as coisas, Leonardo não está aqui e acredito que Zita não vai se importar se eu quebar a sua cara agora.
— Dez minutos de troca de socos sem perder a amizade? — Wagner perguntou.
— Nunca fomos amigos… — André respondeu — Mas dez minutos de soco nunca é demais. Lídia, se puder parar em um local adequado, nós resolvemos isso e seguimos a viagem.
— Pela primeira vez na vida eu concordo com o André.
— É sério que vocês querem parar no meio do nada para se agredirem? — Sônia reclamou.
— Um copo de água e uma boa surra são coisas que eu não nego a ninguém. — Retrucou André.
— E tem um bom tempo que a gente precisa resolver isso. — Completou Wagner.
Lídia parou carro em um local plano e com um capim na altura do joelho, os dois rapazes concordaram que aquela era um bom local para acertar os ponteiros. Todos os cinco desceram, ela e Zita ficaram encostadas no veículo, Sônia acompanhou os dois até onde eles fariam o duelo.
Se posicionando de forma que o sol não ficasse no rosto de nenhum, ambos se encararam por poucos segundo, estavam em silêncio, mas pela expressão de cada um era possível perceber que remoiam o passado.
Wagner foi para cima, sem finta, sem artimanhas, sem truques. Apenas os punhos fechados e um olhar de raiva. André não estava muito diferente, mas aguardava em posição defensiva, com os punhos fechados, braços erguidos à frente do rosto e cabeça levemente abaixada.
Wagner desferiu três socos rápidos, mas André conseguiu defender com os braços e tentou revidar. Foi a vez de Wagner se defender, mas André atacou com cinco socos fortes. Um dos socos acertou o peito de Wagner.
Se deixar se acertado era parte da estatégia de Wagner, usando isso ao seu favor ele retribuiu com um soco visando o rosto de André, mas este abaixou-se no último momento e o ataque pegou apenas de raspão.
Ambos deram um passo para trás e voltaram a se atacar, dessa vez Wagner ergueu seu corpo em um chute giratório, André abaixou o corpo ao máximo e desviou, seguindo com um chute alto. As pernas dos oponentes se chocaram em pleno ar, provocando o estalo e os jogando em direções opostas.
Dois segundos depois os jovens já haviam se posicionado para prosseguir a luta. Três passos rápidos de cada e eles se encontraram com um soco na cara do outro, desitindo da brincadeira de tentar avaliar o oponente ou se defender, apenas descer a porrada.
Por um minuto ou mais os dois trocaram uma sequencia de socos mirando o rosto um do outro, parecia uma competição de resistência na qual venceria o que mais aguentasse levar socos no rosto. Aos poucos lábios foram estourados, supercílios partidos, narizes emagados, e até um dente caiu no chão.
Em meio à troca de socos, André ainda tentava esquivar para os lados em uma tentativa de reduzir o dano causado pelo oponente, mas isso reduzia o dano causado por ele também. No fim ele desitiu, ambos os punhos direitos se encontraram no ar, o punho esquerdo de André acertou o abdômen de Wagner, e o punho esquerdo de wagner encontrou a orelha direita de André, o atordoando.
André golpeou com a cabeça, acertando o meio da face de wagner com a testa, quebrando o nariz do antigo herói das armas, o sangue escorreu sujando metade do rosto e descendo pelo pescoço. Ambos se afastaram um passo, mas André não esperou se recompor e saltou sobre Wagner.
O punho direito acertou o rosto em cheio, a cabeça atingiu o tórax, e o punho esquerdo foi no joelho direito. Um acerto triplo que levou os dois ao chão. Wagner ainda girou o corpo, mesmo caído, atingindo a clavícula de André com o cotovelo.
André sentou-se sobre o tórax de wagner e desferiu uma sequência de socos que acertaram o rosto do oponente, quando sua mão direita começou doer ele passou a bater em wagner com a mão esquerda, mesmo enfaixada.
Sônia estava abismada com a cena, não esperava que chegassem a tal ponto, ela olhou no relógio e viu que estava completando o período de dez minutos que fora proposto.
— O combinado era de apenas dez minutos, então já chega. — Zita gritou — Se limpem e voltem pro carro, temos uma viagem longa pela frente.
Wagner estava desacordado, seu rosto destruído pelos socos que levou, os punhos de André estavam cobertos de sangue, e sua expressão era uma mistura de cansaço e alívio.
— Achei que você ia matar ele! — Exclamou Sônia.
— Ainda não.. — André disse arfando, e sentando ao lado do oponente desacordado — Ele e os outros ainda não sofreram o suficiente.
— Então você deseja mesmo ter uma vingança?
— Sim, de cada um dos que foram culpados pelo meu sofrimento.
Sônia engoliu em seco enquanto observava o rapaz que tanto parecia com o seu filho, mas ela nunca havia visto alguém com um olhar tão frio. Talvez ele fosse mesmo o monstro que os outros tanto afirmaram.