Volume 3

Capítulo 107: A Flor Sobre as Pedras

Ela não conheceu sua família.

A única história de sua origem era de que foi encontrada ainda bebê, enrolada em trapos, em uma região do Reino de Prata onde haviam muitas rochas e apenas uma planta conseguia sobreviver, a flor de pedra.

Por mais de uma década ela foi chamada pelo nome da planta, e Flor de Pedra cresceu. Ele viu muito entrarem e saírem dos Ratos. Até que aquele menino chegou.

Ele era para ser apenas mais um, mas não era. Estava sempre com cara de doente, mas ainda assim fazia sua parte. Ela não entendia, mas tentava não se importar, seu trabalho enquanto Rato, era cuidar dos menores, e ele era um dos maiores, devia aprender a sobreviver.

Então depois de um ano ele sumiu. E depois de mais um ano ele reapareceu, mas diferente. Agora parecia saudável, falava mais e tinha um plano para ajudar os Ratos, e ainda os chamava de irmãos.

Então Lilás ganhou um nome, e Flor de pedra sentiu inveja. Mas o menino lhe deu um nome também. E ela sentiu felicidade, agora ela se chamava Adênia, a flor que supera as pedras e desabrocha em meio ao calor do deserto.

Eles enfrentaram uma batalha, e depois fugiram para o Leste. Os ratos agora eram pessoas livres, e ela os guiava em direção àqueles que ousavam manchar o nome de seu irmão.

O Deco que um dia significou “desnutrido” agora era a cor do amanhecer.

Quando Deco se perdeu, Adênia foi uma das que o procurou. E quando se encontraram ele guiava uma multidão de pessoas perdidas, assim como ele e ela já foram.

Deco lhe deu a missão de liderar um exército de pessoas livres em busca de acabar com a desigualdade naquele mundo. Uma tarefa árdua, mas recompensante. Em quase dez anos eles já haviam conseguido criar uma cidade até.

Mas quando os heróis partiram de volta para seu mundo original, Deco ficou triste, ele havia sido deixado para trás. Então ele deixou a Montanha Solitária, o Reino do Leste, e as Pessoas Livres, e vagou por todo o continente em busca do segredo dos deuses.

Então ele desapareceu.

E meses depois Jonas reapareceu, com a notícia de que Deco estava no mundo dos heróis, e que uma nova guerra estava chegando. Dessa vez os reinos estavam desorganizados, e só quem poderia fazer alguma coisa era Adênia e seus guerreiros.

Então ela aceitou aquela missão de proteger o seu mundo.

Adênia seria a Flor de Pedra que desabrocharia em campo de batalha para que todos vissem o quão belo é o nascer do sol no Reino do Leste.

Sua espada estava pronta para aquela guerra. Sua alma ansiava por aquele momento. Seu coração pulsava pelo desejo de uma batalha.

E quando a primeira flecha tocou o chão, ela e seus guerreiros já haviam começado a avançar em direção ao sul. 

Iniciou-se um balé de guerreiros desviando de flechas, ou se defendendo delas com armas ou magia. E assim Adênia e seus guerreiros sobreviveram ao primeiro ataque, mas o segundo estava vindo, e um terceiro estava sendo preparado.

Em um breve olhar para trás, ela viu que tudo que estava depois da plataforma de madeira não havia sido sequer tocado por nanhuma das flechas mágicas dos soldados do Sul. Com certeza o poder de Jonas estava sendo bem utilizado.

Mas não havia tempo para perder pensando nos que ficaram na retaguarda, ela tinha uma multidão de inimigos à sua frente, e eles estavam se preparando para defender a investida frontal e quase suicida de Adênia.

Quando a segunda leva de flechas chegou ao chão, as Pessoas Livres já haviam saído da área de ataque, e novamente não huve nenhuma baixa. Mas eles estavam conscientes de que no próximo não teriam a mesma sorte.

Carregar suas pessoas para uma investida suicida não era do gosto dela, mas aquelas pessoas se voluntariaram para ter a chance de morrer em batalha, após uma vida de escravidão. Morrer pelo bem das suas famílias, uma honra maior do que morrer miseravelmente para sustentar a opulência de um nobre maldito.

E ela odiava nobres.

Aqueles que se opunham a ela naquele momento não eram nobres, mas lutavam em nome deles. Nobres não vão à guerra, eles enviam seus subordinados. E era por isso que Adênia ia à frente de seus homens, ela queria que eles soubessem que ela também estava disposta a morrer por eles, e com eles.

Então o terceiro ataque chegou. Ela cessou a corrida e se jogou atrás de uma rocha, e com ela outros que tiveram a mesma ideia. Explosões tomaram de conta do campo de batalha, o resultado de feitiços que encantavam os projéteis para explodirem ao entrar em contato com qualquer alvo sólido.

Três segundos foram o suficiente, ela saiu da proteção rochosa e mais uma vez avançou sobre seus inimigos, que agora estavam a uma distância curta e preparavam a próxima onda de ataques. Um olhar de relance e ela viu seus companheiros caídos, muitos mortos, muitos feridos, mas a maioria ainda estava de pé e a seguia.

Os que seguiam Adênia lhe davam força para avançar e não desistir, ela sabia o quão bom era o sentimento de não estar sozinha. E os que caíram lhe fazim sentir mais ódio por seus inimigos. E agora ela estava muito puta.

Seu ódio lhe deu mais força como se fosse uma fonte de combustível, assim como seu irmão dizia se sentir. E quando a quarta onda de ataques estava pronta para ser lançada, Adênia chegou nas linhas de frente de seus inimigos.

Ela só conseguia imaginar o quanto estava se sentindo feliz ao ver a expressão de medo nos olhos daquele que seria sua primeira vítima. Ele estava com a flecha pronta para ser disparada, mas ainda terminava de recitar o encantamento, então seus lábios se moveram mais rápido, e sua cabeça voou em direção aos céus.

No mesmo movimento que decepou a cabeça do inimigo, Adênia cortou a corda do arco, impedindo assim que a flecha fosse disparada. Ainda em movimento pelo efeito cinético da sua corrida, ela saltou por cima do próximo arqueiro e, caindo entre quatro inimigos, decapitou todos eles em um único movimento.

Cortar a cabeça de alguém era a forma mais eficaz de matar alguém, disse uma vez um veterano de guerra, e se a pessoa continuar viva mesmo sem cabeça, então fuja o mais rápido possível. Desde que tinha ouvido isso pela primeira vez, Adênia sempre conferia se suas vítimas ainda se mexiam mesmo decapitadas.

Seus soldados também haviam chegado às linhas do Sul, e agora usavam a vantagem do combate corpo-a-corpo, que era uma desvantagem para os arqueiros. Mas não havia tempo para subestimar os oponentes, o momento era de desviar de espadas, flechas e projéteis mágicos de diversas formas.

Bolas de fogo caíam do céu, a terra rachava sob seus pés, e até o vento parecia tentar cortar-lhe a pele. Mas ela seguiu se protegendo como podia, e matando os que conseguia. O fio de sua espada passava pela carne dos inimigos como faca quente na manteiga. Um espaço se formou ao seu redor, um segundo para respirar e avaliar a situação.

Adênia rapidamente se reagrupou com mais cinco dos seus, costas com costas eles observavam os oponentes que procuravam manter distância e revidar com magias. No chão, corpos de amigos e inimigos mortos, o sangue escorria e se misturava sem dinstinção de nacionalidade.

Um som grave ecoou, alguém na retaguarda inimiga estava soando um chifre. Então os sobreviventes começaram a recuar sem dar as costas a Adênia e seus homens, uma decisão sábia por parte deles. Os guerreiros livres olharam para sua líder esperando que ela desse a ordem de perseguir os inimigos, mas ela ficou em silêncio. Algo em seu peito dizia que aquele não era o momento.

— Vamos reagrupar! — Adênia ordenou — Peguem os corpos dos nossos, mas não toquem em nenhum inimigo. Caso haja algum inimigo ferido, deixem-o para que os seus venham buscá-los.

Seus homens pareciam insatisfeitos com a decisão dela, mas não ousaram discutir. Ela sabia que eles a respeitavam, e ao mesmo tempo temia levá-los a uma armadilha, ou que algum dos sobreviventes inimigos pudesse ter uma carta na manga, isso não seria incomum.

Ela lembrava de casos passados em que soldados do Sul haviam se deixado capturar de propósito e, quando levados ao acampamento para interrogatório, usaram uma magia de autodestruição. Foi um estrago feio, e só não foi pior porque Deco estava lá.

— Conseguimos impedir que nossos inimigos avançassem, isso já é uma vitória. Ainda há muita guerra pela frente.

Não era a vitória que ela desejava, mas serviria para mostrar ao mundo que ela, sozinha, poderia fazer com quem ficasse em seu caminho.



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