Volume 3

Capítulo 141: Reunião

Em cima de uma formação rochosa foi armada uma cobertura simples, havia uma mesinha, quatro cadeiras e um conjunto de chá. Um bule de alumínio e quatro xícaras não era digno de servir a um rei, mas Long-Hua não se importava com esses detalhes.

— Quanto tempo, garoto! — O rei do Sul exclamou ao ver André — Bom dia também às duas damas que o acompanham.

À direita de André estava Zita, sua companheira. À esquerda, Sônia.

— Long-Hua… — André suspirou — Sente-se, temos que conversar sobre alguns equívocos que aconte…

— Calma, não apresse as coisas. — Long-Hua fez um gesto com a palma da mão aberta — Por que não seguimos o protocolo? Já que me convidou para um chá em pleno campo de batalha, e eu o agraciei com a minha presença, me apresente a terceira pessoa.

Era óbvio que Long-Hua falava de Sônia, ele já conhecia André e Zita.

Assim que os quatro estavam devidamente sentados, André serviu uma xícara de chá para si e outra para Long-Hua, Zita se serviu, mas Sônia recusou a bebida. Em vez disso, ela falou:

— Meu nome é Sônia, sou a mãe dele! — Ela disse.

— Mãe? — O Rei do Sul moveu a cabeça para encarar Sônia — Achei que a sua mãe fosse a Miraa…

— Adotiva. — Sônia corrigiu imediatamente — Eu sou a mãe biológica, ou seja, legítima.

— Pensei que ainda estava em dúvidas sobre o André ser seu filho verdadeiro. — Zita comentou.

— Por enquanto ele será… — Ela respondeu em um tom mais confidencial.

— Que maravilha! — Long-Hua exclamou — Estamos em família, praticamente.

— Não, você ainda é apenas um conhecido. — André retrucou.

— Eu e Miraa tivemos o mesmo mestre na nossa juventude, somos praticamente irmãos de treino. — Long-Hua disse para Sônia — Posso ser considerado um tio adotivo dele, não é?

— Tecnicamente, sim. — Ela concordou.

— Não existe essa de tio adotivo. — Zita comentou.

— Agora existe, eu inventei e vou registrar. — Long-Hua tomou um gole do chá.

— Eu te chamei aqui para resolver essa questão da guerra. — André pulou a enrolação e foi direto ao ponto — Houve uma leve confusão nas informações, o Jonas acabou metendo os pés pelas mãos e envolvendo minhas pessoas nisso.

— Eu imaginei. — Long-Hua disse de forma calma — Mas foi bom.

— Bom…? — André ficou confuso.

— Eu estava ansiando por essa guerra, é um ótimo treino para os meus soldados. — O Rei do Sul suspirou — Eles precisarão ser fortes para encarar a próxima etapa. Infelizmente, não poderei estar sempre no comando, então achar alguns bons líderes antes de você pôr tudo a perder, é importante.

— Não era assim que as coisas deveriam acontecer…

— Não era assim que você queria que acontecesse, mas é assim que funciona! — Long-Hua mudou da expressão relaxada para uma mais séria — Apenas continue fazendo o que sempre fez, não pense ou planeje nada, vá com a correnteza e deixe que os verdadeiros líderes tomem as rédeas dessa guerra.

— Pare de falar merda! — André falou de forma agressiva.

— Vamos fazer uma pausa, a dama que se apresentou como sua mãe parece querer fazer uma pergunta. — Long-Hua ignorou propositalmente a reação de André e se voltou a Sônia.

— Não mude de assunto no meio de uma conversa. — André reclamou.

— Espere um pouquinho e vou brincar com você, agora é hora dos adultos conversarem. — Long-Hua apenas balançou a mão para André.

— Busco alguém que pode ter vindo para esse mundo por acidente. — Sônia disse.

— Não posso garantir que ele esteja aqui, mas se souber o nome, poderei ao menos dizer se o conheço.

— Haroldo, é o nome do homem que busco! — Sônia respondeu — E também uma garota, devia ter uns dez anos quando chegou aqui, o nome dela é Julia.

— Haroldo…? Acho que já ouvi esse nome antes. Mas Julia… nunca ouvi um nome como esse.

André deu um olhar desconfiado para Long-Hua.

— Nesse mundo é normal que apareçam e desapareçam pessoas o tempo todo. Vou pedir para que a minha rede de informantes procure por essas pessoas, já que tenho a segunda maior rede de informações do continente.

— Pensei que fosse a maior. — Zita comentou.

— Agora são os Ratos, ou melhor, as Pessoas Livres do Leste. Estão em todos os lugares.

Isso fez André dar um sorriso leve.

— Só acho estranho que nunca tenham conseguido achar esse Haroldo. Ou a tal Julia.

Isso desfez o sorriso de André.

Então houve um pequeno momento de silêncio. Mas logo foi quebrado por Long-Hua:

— O chá estava ótimo, mas devo retornar ao meu acampamento. Tenho que fazer alguns planejamentos para o ataque que lançaremos sobre vocês em breve. — E encarando Sônia, ele completou — Direi aos meus soldados que não a machuquem, caso sua senhoria não reaja.

— Farei meu melhor. — Sônia respondeu.

— Não podemos continuar com isso! — André reclamou — Eu te chamei aqui justamente para esclarecer esse mal-entendido.

— Não há nada a ser esclarecido…

— A Era do Caos está chegando…

— Eu sei. Tínhamos até um acordo de cooperação!

— Ainda temos.

— Suas pessoas quebraram os termos!

— Sob ordens de Jonas, não minhas.

— Pessoas do meu povo morreram.

— Ainda há restos das piras do meu povo no acampamento.

— Você trouxe pessoas problemáticas do seu mundo para cá.

— Essa aí que diz ser minha mãe pode ser esquisita, mas é de boas. — André deu de ombros — Problema mesmo são os que vieram por conta própria, não comigo.

— Então aquele pessoal que abatemos na floresta não estavam com vocês?

— Que pessoal? — Sônia perguntou, ignorando o fato de André ter a chamado de esquisita.

— Um tal de Getúlio… 

— Onde ele está? — Ela ignorou André mais uma vez.

— Morto.

— Pode me dar mais detalhes?

André deu um olhar para Sônia, ela estava se intrometendo demais na conversa de dois líderes, como se eles fossem seus subordinados.

— Eles estavam na Floresta Sagrada, fui investigar, me atacaram, morreram.

— Amo esses relatórios resumidos… — André deu um leve sorriso.

— Mais detalhes…? — Sônia sugeriu.

— Eu peguei as coisas deles… — Long-Hua disse a contragosto — E falei com uma tal de Alice.

Enquanto o rei falava, Sônia serviu uma xícara de chá para si mesma e tomou um gole.

— Agora sim estamos chegando a algum lugar. — Sônia sorriu.

— Alice é uma mulher que veste aço? — O Rei do Sul perguntou a André.

—Não sei, mas vi ela usando uma espada, certa vez, e quase matou essa aí. — André respondeu apontando para Sônia.

— Então ela quer te matar? — Long-Hua deu uma risada — Mãe e filho são bons em arranjar inimigos!

— Ela me culpa por ter “matado” o pai dela. — Sônia comentou.

— Assuntos de família são mesmo complicados. — Long-Hua assentiu.

— Você não imagina o quanto… — Sônia concordou.

Então fizeram mais alguns segundos de silêncio. E novamente, Long-Hua quebrou a calmaria:

— Por que não nos exercitamos um pouco? — Ele perguntou para André.

Como se previsse o que viria a seguir, Zita pegou a bandeja como bule e as xícaras e deu dois passos para trás. Sônia olhou para os dois ainda sentados, e depois para Zita e, mesmo sem entender o que estava acontecendo, se afastou também.

— Isso é desnecessário… — André respondeu em meio a um suspiro.

— Você sabe como as coisas são resolvidas nesse mundo.

— Sei, e por mais que eu goste de uma boa violência física sem motivo, devo recusar.

— Não, você não deve!

— Cara, não faz isso…

— O chá acabou!

A mesa e a cobertura foram arremessados para cima com um chute de Long-Hua.

— A conversa diplomática acaba quando a mesa tocar o chão novamente! — Anunciou o Rei do Sul.



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