Volume 1
Capítulo 2: Mente inebriante
A noite fedia a cerveja e sangue, estava em uma situação deplorável sem uma moeda no bolso, nessa taverna me afoguei, caneca atrás de caneca, essa cerveja barata quase me fez lembrar de algo. Esse lugar de quinta categoria não me merecia. Assim como a cerveja, minhas opções estavam acabando.
Sobrevivi a muitas coisas durante as grandes guerras, não pensei que meu fim fosse com essa cerveja barata. Bebendo minha última, uma sensação horrível desce junto, quase come se tivesse entalado no meio do caminho Já acabei com a décima bebida e como não estou bêbado o suficiente, quero meu dinheiro de volta.
Me levantei com a graça de um anão, pude notar o quanto essa taverna era nojenta, existiam várias garrafas quebradas, jogadas por minha mesa, obra de algum baderneiro, vejo outros elfos em situações parecidas com a minha, alguns anões lançam olhares em minha direção, obviamente de inveja afinal quem poderia levar um estilo de vida como o meu? Uma vida sem dono, sem obrigações e sem responsabilidades.
— Olha esse braço enfaixado! — um humano bêbado falou.
— Silencio, o elfo pode escutar! — outro humano do grupo se manifestou.
— Certeza que o braço deve estar podre de maldição!
— Não tenho nada contra elfos, mas… — a conversa se tornou abafada demais para escutar.
Me dirigindo ao balcão, vejo em minha frente um orc que encostava no teto, uma carranca está estampada em seu rosto junto a vários dentes tortos e amarelos, um cheiro de merda fez meus olhos arderem quando me aproximei.
— Ei, senhor! Quero meu dinheiro de volta! — falava enquanto o mundo rodava ao meu redor.
— Hum… você nem mesmo pagou, e mesmo que tivesse, não iria devolver, principalmente para um elfo. — ao abrir a boca, um bafo de podridão escapou.
— Não preciso ficar ouvindo esse tipo de coisa, principalmente de um orc de peruca… Acho que acabei falando, isso deveria estar só na minha mente. — coçando a cabeça, tentei colocar os pensamentos no lugar.
— Seu elfo bastardo! Saiba que sou uma mulher! — falou a aberração verde.
— Espera, estou tentando lembrar de algo…
Me concentrei para entender o que acabei de ouvir, meus pensamentos são interrompidos por um soco violento vindo dessa coisa verde.
Fui arremessado para longe do meu querido banco, um gosto metálico circulava por minha boca, aos meus pés, estava uma visão do paraíso: uma linda garrafa de cerveja. Quando iria a alcançar, essa coisa verde e peluda roubou a garrafa que eu iria roubar.
— Ei! Que atitude rude! Essa garrafa era minha, com certeza! — berrei enquanto lutava para ficar de pé.
— Nojento! Você não sairá, mas aceitarei caso pague como saco de pancada. — o orc estalou seus dedos.
Essa coisa falava demais, com certeza não sabia seu lugar, já eu me preparava, ela andava em minha direção sem nenhum tipo de postura ou preparo, sem nenhuma técnica, isso seria uma jogada fácil.
Aquele sorriso amarelo e torto beijará esse chão nojento, ela se aproximava mais e mais, com certeza não sabia do tamanho do perigo que havia se metido.
Antes que minhas mãos habilidosas alcançassem o cabo de minha espada, meu rosto, logo seguido por meu corpo, foi jogado ao chão, a bola verde de musgo e merda se colocou em cima de min, juntando suas mãos e lambendo os beiços. Perdi a noção de tudo, substituindo cada sensação por um mar de nada.
(…)
Meus olhos se abriam com dificuldade, um cheiro de metal impregnava meu nariz, junto a isso uma dor latente em minhas costas. Recobrando meus sentidos pouco a pouco, fui levantando e falhando.
A taverna já não existia, em minha volta apenas uma rua lamacenta e pilhas de lixo. A noite caiu impiedosamente, meus olhos se acostumaram com a escuridão me fazendo enxergar em tons cinzas, sem minha visão aguçada seria impossível de ver alguma coisa, ainda bem que não possuía um olfato aguçado, pois o forte cheiro de ferro, álcool e urina se juntaram me deixando tonto.
— Essa cidade é nojenta. — murmurei baixo.
Com mais uma falha em tentar levantar, apenas me sentei e pensei, quando
as coisas ficaram tao ruim? Poderia listar meus problemas a noite toda, mas somente um me deixou assim…
— Tudo que ganhei foi um braço amaldiçoado e a porra de uma medalha! — as palavras sairão quando apenas deveriam estar em minha mente.
Tentando me levantar, um som de passos rompeu o silêncio da noite. Uma
figura envolta em uma capa escura se aproximava a passos lentos e largos, um som de placas de metal se chocando me traz para aquele lugar assombrado.
Com esses pensamentos, assumi minha postura para o iminente combate. Removi parte das bandagens do meu braço, com ele segurei as sombras, queimei um pouco de meu sonho, juntando ambos, moldei uma lâmina negra em minha mão esquerda.
— [Lâmina Sombria!]. — Grito no antigo idioma, me preparando para fazer o orc chorar.
Quando consegui levantar, o inimigo desapareceu, talvez fosse por alguma habilidade de Pesadelo, mas enquanto pensava nisso, um golpe poderoso atinge meu rosto, quase como se eu tivesse me chocado contra um enorme muro de pedra. Após o impacto, recuo estrategicamente procurando por meu inimigo.
— Saia de onde você estiver se escondendo seu maldito! Truques baratos não funcionam contra um experiente caçador nato como eu!
Enquanto falava isso eu fuase fomite fentei fixar fem fas fu fismaei. Minha mente está confusa demais, isso foi obra do inimigo, não entendo, que tipo de magia faria tal coisa?
— Kenshu… — uma voz pesada e melancólica quebrou o silêncio.
— Como sabe meu nome? Onde esta você orc maldito? — falava enquanto buscava a direção da voz.
— Kenshu estou na sua frente, apenas pare, após lutar contra uma parede você nem mesmo deveria estar falando ou pensando.
— Não sei do que você está falando… — a dor no meu rosto somente se intensifica.
— Venha comigo, vou te levar para uma pousada. Tenho algo que pode te ajudar.
O estranho retirou algo de seu bolso: uma carta preta com uma escrita em dourado. Por quanto eu poderia vender isso? Foco! Não é uma boa ideia ficar pensando nisso, pode ser uma armadilha desse estranho.
Ele estendeu sua mão, 4 dog tags estavam pressas em sua armadura. Poderiam ser de qualquer soldado que lutou nas Grandes Guerras, mas quase posso dizer que sei quem eles eram: seus sonhos abandonados; as esperanças por um fio; o peso e fardo carregados até os momentos finais. Esses são sentimentos que somente um soldado pode ter.
— Acha que aceitarei isso assim? Me fala quem é você!
— Sou um soldado igual a você.
— Nem um pouco específico
— Sou eu… Kay — retirando seu capuz pude ver quem menos queria, um elfo de cabelo marrom e um abismo onde deveria estar seu olho esquerdo.
— Então… você veio terminar o trabalho?
— Pare com isso por favor
— Ahahaha! Parar? Né? Você aparece do nada assim e quer que eu aceite sua ajuda?
— Você sabe que vida foi difícil para todos
— Foi, né? Nossos irmãos de guerra lutando e caindo por sua culpa!
— Houveram muitas coisas que aconteceram e você nunca quis nem mesmo saber. — falou Kay com um pesar na voz.
— A única coisa que precisa saber é que o sangue deles corre em suas mãos.
— Tenho gastado meus dias limpando esse sangue, e você? Enfim, Isso não levará a lugar nenhum, você vem ou não?
— Aceito, mas não por você, irei pelos meus amigos e inimigos de guerra.
— Certo, Pegue esta chave.
Entregando uma chave de ferro com um papel pendurado, Kay se virou e andou lentamente para as sombras, um nome estava no papel. Gostaria de agradecer, mesmo você não merecendo, esse rosto me traz recordações que gostaria de esquecer, talvez hoje seja um bom dia para morrer.
— Irei ao lugar depois, tenho coisas que gostaria de fazer e você definitivamente não é uma prioridade. — Saindo ainda tonto, cambaleei até sair do beco sem olhar para trás.
Não sei se foi pelo receio de ir ao encontro com o desconhecido, ou a dificuldade de encontrar a pousada, mas continuei vagando por essa cidade por mais alguns minutos. Observando esta carta, não tinha ideia do que poderia vir, talvez fosse alguma armadilha, me sinto mal em rejeitar, porém, pior ainda em aceitar.
(…)
Acabei por encontrar o lugar; mesmo que totalmente acidental, me deparando com essa enorme pousada, era impossível não ver uma placa escrito “INN ackroyd’ parecia bem chique, possuindo uma estrutura reforçada e detalhada com marfim e ouro, provavelmente quem a fez estava onde gastar. Burgueses…
Entrando, me encontrei em um grande salão. Contrastando com a pequena cidade, esse lugar possuía certo grau de imponência, muitas decorações, junto a troféus empalhados em uma mesa: cabeças, garras e caudas, tudo em exibição. Ficaria surpreso, se já não tivesse encontrado tantas aberrações.
Olhando por todo o salão, tapetes e tapeçarias das mais variadas cores deixam esse lugar, ainda mais contrastante com o monótono tom dessa cidade. Um perfume doce de lavanda paira pelo ar, quase me fazendo esquecer o cheiro de lixo.
— Senhor, em que posso lhe ajudar? — Lançando um olhar de desdem é indiferença, o mordomo me encarava.
Urrgh, uma voz irritante e esnobe, me arranca de meus devaneios. Era o recepcionista, trajando uma roupa de mordomo adornada com vários enfeites dourados, obviamente falsos. E ainda assim ele os usava como se fossem relíquias passadas de geração em geração de sua família.
— Preciso saber de qual quarto é essa chave. — falei forçando um sorriso.
Falei um pouco mais alto do que deveria, ser educado fica em segundo plano
por agora. Além do que, o olhar que o recepcionista me mandou foi algo do tipo: “como um qualquer como você está com uma de nossas chaves?”.
— Onde o senhor conseguiu tal chave? — falou me olhando de cima a baixo
— Isso importa?
— Mas é claro que importa. Caso tenha roubado essa chave, não poderia deixar entrar no quarto.
— Qual quarto?
— O quarto…
Droga! Quase consegui uma resposta. Um truque barato, funcional metade das vezes. Fico me perguntando se esse antipático está assim por eu ser um elfo, ou talvez seja pelos hematomas no meu rosto e o leve odor de vômito que me acompanha. Realmente queria saber qual o motivo.
— Senhor, por favor, poderia me dizer qual o quarto dessa maldita chave, antes que eu perca a paciência?
— fiu-fiu
Um som de assobio prendeu minha atenção em uma gaiola, em menos de um minuto meu corpo se enrijeceu como pedra.
O recepcionista se aproximou, me observando como se eu não valesse um segundo sequer de seu tempo.
— Terei de perguntar mais uma vez, onde você achou essa chave?
— K… A… Y… — As letras escapavam de minha garganta com dificuldade.
— Pegarei essa chave e permitirei que você vá embora.
Hoje não é meu dia. Já foi um orc, uma parede e um velho? Tô cansado de ser saco de pancadas.
Juntei o que me restava de força e misturei com meu ódio, mesmo com muito esforço rompi essa magia, se fosse durante a guerra eu já estaria morto. Gastando boa parte de minhas forças, eu consegui romper o feitiço, um simples Imobilizar [Hold Person] não vai me segurar.
Com um pequeno sorriso, o recepcionista se manteve firme e parado, seus olhos brilhavam com interesse e curiosidade.
— Ei você! Eu não deixarei nada assim passar! — sorrindo tal como uma besta, encarei esse maldito por um breve estante.
Retirando uma adaga velha, que sempre escondia em minha perna, a arremessei com exímia destreza mirando à perna desse recepcionista maldito. Porem um barulho de metal se chocando, fez a adaga cair próximo ao mordomo.
— Isso é tudo? Ora, ora, senhor Kenshu, você demorou muito para sair de uma simples magia, e não conseguiu me acertar, mesmo sem minha armadura. Deixe-me apresentar-me, eu sou Hercu…
— VOCÊ NÃO PRECISARÁ SE APRESENTAR SE PERDER A CABEÇA!
Com todo meu corpo quente e pulsando de raiva, avancei sem medo, pulando o balcão. Mesmo sem armas, tinha certeza que iria arrancar a cabeça desse maldito, com meus dentes se for preciso.
Minhas mãos tinham como alvo seu pescoço, o tipo de ataque brutal e selvagem que você esperaria de um animal louco.
— Impressionante. — disse coçando se seu queixo.
Fui parado em meio ao ar, será que foi magia? Não… algo segura meu pescoço, uma energia negra envolve a mão desse maldito.
— Saiba que não gosto de elfos, mas você conquistou minha curiosidade. Ouvi muitas coisas sobre você. Espero que você seja tudo que nosso amigo falou, mas, é claro que não vou deixar essas ofensas passarem assim — disse lambendo os lábios.
Com essas palavras minha garganta queimou como se tivesse engolido fogo, tudo ficou preto e branco, meus olhos se fecham e meus músculos fraquejaram, tudo que pude ouvir foi um profundo e irritante zumbido.