Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 10: Busca

Eu me perguntei por onde começar a busca pelo Encapetuzado e descobri a resposta: pelo começo.

O início de tudo foi no porto, então fui vasculhar os destroços.

Primeiramente, levantei um pedaço de madeira e olhei debaixo dela. Segundamente, me dei conta que não adiantaria de nada revirar o local.

As únicas coisas que ajudariam eu, Esmael e Sisa seriam bocas ou órgãos parecidos. Por sorte, haviam diversas línguas soltas ali.

Seguimos para perto de dois biodemônios recolhendo partes de barracas e eles foram bem simpáticos. Ao contrário daquele diabrete, eles pediram apenas meia mecha de cabelo em troca de informações.

Cada vez mais perto da calvície, paguei o preço e dei outro chute na canela de Esmael.

— Para com isso — xingou.

— Você me deixa careca e ainda reclama? — Apontei um punho para ele.

— É por uma boa causa e pra aumentar o lucro do turismo local. — Olhou para os dois biodemônios.

— Histórias de mini zumbis e mechas de cabelo vendem, meu rapaz.  — falou o comerciante.

— As do Encapetuzado também. Nos fale sobre elas.

Após diversas reclamações de roubos na minha orelha, comecei a ouvir coisas interessantes dos comerciantes.

Um deles apontou para uma possível direção que o meliante estaria e soltei um sorriso. Até dei um passo para aquele lado, mas seria besteira.

O outro comerciante indicou um caminho diferente.

Levantei a sobrancelha e cocei a cabeça. Se nem as pessoas que viram o Encapetuzado sabiam a sua possível localização, seria difícil achá-lo.

Até tentamos pedir informações para outros comerciantes, mas sempre acabávamos em convergências a não ser por uma palavra: Calis.

Um lugar onde meu pé sangraria ao pisar, meus olhos seriam espetados na primeira oportunidade e espinhos acabariam com minha mente.

O anúncio do show de horrores que me disseram funcionou, pois suei e balancei a cabeça. Obviamente, Esmael não encararia essa, então suspirei em alivio até ver o rosto de Sisa.

Ela olhou sério para mim e o xenoprago. Queríamos fugir de Calis, mas ela nos forçaria a investigá-la.

Entre encarar seus espinhos que eriçaram em minha frente e possíveis construções pontiagudas, escolhi a segunda opção.

Além de não querer virar espetinho, ver a moça chorando seria pior.

Enquanto eu colocava a incubadora na minha mochila, o barco-vivo era levado embora pelos polícias.

Ao perceber Sisa ir perto da jaula e dar uma de suas margaridas à criatura, prometi para mim mesmo que não deixaria aquele laço ser cortado.

— Temos um Croc pra salvar. — Apertei as alças da mochila.

— E um transporte barato pra garantir — falou Esmael.

Fomos para perto do barco-vivo e chamamos Sisa para irmos embora. Ninguém precisava ficar com Croc. A multa estava aplicada.

Demos tchau! para a criatura e fomos para Calis.

Esmael sabia onde ficava o local, então chegamos nele depois de uma longa caminhada.

Parei de andar assim que o xenoprago pediu para pararmos e observar o nosso arredor.

— Cuidado com os pés a partir de agora. — Apertou sua bota.

Se a água do porto era a saliva de Linfrutes, Calis era os dentes do distrito.

As estruturas pontiagudas pioraram no quesito perigo. Antes elas pareciam com galhos de árvores atrapalhando uma caminhada. Dava para desviar delas.

Em Calis, seriamos obrigados a convivermos com os espinhos pulsantes.

As paredes se apertaram e o chão virou um campo minado de obstáculos perigosos.

Estendi minha jaqueta ao máximo que consegui para evitar arranhões e andei. A cada passo, eu sentia golpes finos como a barriga dos primeiros xenopragos e biodemônios que vi em Calis.

Os sinais de vida apareceram em pouco tempo, porém com menos movimento do que no porto.

Em Calis, as pessoas se moviam devagar pelas estruturas e entravam em casas triangulares com mais lentidão ainda. O problema da velocidade não era ter que desviar dos espinhos.

A maioria dos habitantes eram velhos com marcas feias nas canelas, diabretes sem pernas se rastejando para fendas e jovens sem experiência alguma se machucando ao caírem.

Na verdade, Calis era os dentes podres e quebrados de Linfrutes.

Quando parei de olhar para uma mãe correndo com suas 17 crianças para dentro de um buraco, Esmael assobiou para mim.

— Abram suas mochilas e despejem tudo que tem no chão — avisou o xenoprago. — Estamos sendo observados por muitos olhos.

Despejei comida, algumas ferramentas e coloquei a incubadora com cuidado no solo. Logo uma biodemônia vermelha saiu de um buraco do teto e caiu perto da minha mochila.

Analisando todos os meus objetos, ela deu um joinha.

— As coisas estão instáveis por aqui depois do evento da bomba de pragas, desculpe o transtorno — disse ela.

— Não somos espiões, relaxe. — Esmael sorriu.

Enquanto os dois conversavam, eu recolhia os objetos e minha mochila, porém fui parado pela garra da biodemônia ao pegar a incubadora.

— Esse será o preço do pedágio. Tem alguém precisando de um desses. — Pôs as mãos no ovo, mas peguei o pulso dela.

— Ele é meu — falei.

Sem muito esforço, ela me deu um peteleco na testa e cai no chão.

Para amenizar a queda, estendi minhas mãos, porém elas foram atravessadas pelos espinhos do solo. 

Gritei tão alto que um eco tomou conta do ambiente. Apertei as duas mãos e piorei mais ainda a situação.

Era sangue por todo lado. Uma dor por todo o corpo.

Quando olhei tonto para um dedo meu, percebi que não dava para mexê-lo e fiquei mais desesperado ainda.

Um frio tomou conta do meu corpo, principalmente na região da barriga, depois nos ombros e finalmente nos meus braços. O gelado estava se movendo pela minha pele.

Sisa correu para perto de mim e abriu minha jaqueta. O tecido da roupa estava pulsando.

Ao perceber aquilo, coloquei a mão nos bolsos internos apontados por Sisa e a dor começou a diminuir.

— Os furos do garoto vão sarar, — pausou Esmael — mas o trauma psicológico não. Que tal nos dar 400.100 falsos pro tratamento dele?

— Tá brincando, né? — A biodemônia riu.

— Devolver o ovo dele já basta também.

— Sinto muito, mas sem chances. — Guardou a incubadora em um de seus bolsos.

— Não quero ter que pegar ele de volta.

A biodemônia se afastou de nós correndo e deu um pulo, porém não conseguiu chegar onde queria.

Ela pulou sem forças. Foi como tentar dar uma enterrada e ser obrigado a fazer uma bandeja no basquete.

O motivo do imprevisto estava no pescoço dela. Um dardo estava pendurado em sua garganta. Era igual ao de Palatino… e aos espinhos de Sisa.

Ao meu lado, ela estava com um de seus dedos apontados para a biodemônia. Outro dardo estava no gatilho e pronto para voar.

— Ela maneirou no veneno, então você vai apenas desmaiar daqui alguns minutos. — Esmael chegou perto da biodemônia e a recostou em uma pilastra. — Eu queria entrar mais em Calis e perguntar sobre uma pessoa pra um amigo, mas nem vou precisar.

— Arrombado — xingou ela.

— Teu pai, aquele chifrudo. — Sorriu.

Fui para perto deles com as mãos nos bolsos. Eu sentia a minha pele ser restaurada aos poucos.

— Encapetuzado… — balbuciei. — Sabe sobre ele?

— Vocês não são os primeiros a perguntar sobre essa praga. — Riu até não poder mais. — Os últimos que queriam achá-lo morreram feio. Que tal perguntar pros meus amigos ali?

A biodemônia acenou com a cabeça e olhei para trás. Diversos outros biodemônios e xenopragos apareceram.

Estavam com pistolas de dardos nas mãos. Pediram para levantarmos as mãos ao alto.

Obedeci a ordem e vi a região dos meus machucados. Os furos se cicatrizaram apesar de terem deixado cicatrizes gritantes.

Arquei a sobrancelha por causa da eficácia do tecido da jaqueta e por Esmael e Sisa não terem sequer mexido o ombro.

— Onde vocês arrumaram essas pistolas? — perguntou Esmael encarando a biodemônia sentada.

— Cortesia da chefia.

— Sinto muito, mas vou ter que consultá-la pessoalmente. — Deu passou para cima dos atiradores. — Frepe, a situação mudou um pouco. Teremos que interrogar esse pessoal sobre coisas além do Encapetuzado.

Ele virou seu rosto para mim e congelei por um momento. Seus olhos viraram uma esfera verde completamente preenchida e suas unhas se estenderam.

As mudanças em seu corpo não paravam ali, mas seria impossível entendê-las no momento, pois um pedaço de lata atingiu a minha cabeça.

Não desmaiei, pois era leve. O problema foi uma fumaça negra saindo dela e tomando conta do ambiente.

Um cheiro de óleo queimado infestou meu nariz, então comecei a espirrar. Ouvi disparos começarem.

Thwack! Thwack!

Aquela sensação da floresta do evento tomou conta de mim de novo. O pior de tudo era pensar nas únicas pessoas que me restaram.

Coloquei as minhas mãos na parede e fui à procura de Sisa e Esmael. Antes estavam perto de mim, mas sumiram do nada.

Até pensei em gritar o nome deles, mas não daria para ouvir minha voz naquela confusão. Os únicos sons que saiam da fumaça eram de gemidos finais e sangue voando.

“De novo não.” Coloquei as mãos nas orelhas e dei passos para longe da fumaça.

Ouvi sons de uma corrida se aproximar e apressei o passo, porém fui parado.

— Vem comigo — falou uma voz perto do meu ouvido.



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