Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 18: Desfechos

A geleia focou os holofotes em Box, então consegui ver seus detalhes ao se transformar. A experiência foi desagradável.

Suas cicatrizes tinham se aberto e sua pele havia se desfiado como um pequeno rolo de lã querendo formar um tecido maior. Suas mãos; não consigo nem descrever o que foi aquilo.

Ela mudou até demais.

“Os sons de creck não sairão da minha cabeça… nem a imagem do que a baixinha se transformou”, pensei com o estômago borbulhante. 

No andar abaixo de mim, estava uma fera que li na antiga Zooclopédia: um hipopótamo gigantesco. Era maior do que as tarascas.

Não quis ser pessimista, mas apostei que os oberons eram incapazes de enfrentar aquilo. Quando a geleia moldou o grupo novamente, tirei minhas dúvidas se eu estava errado ou errado.

Box avançou para cima de tudo e todos. Devorava o que via pela frente.

Os mais sortudos, como os pais da fauna e a Mini-Bila sobreviviam por pouco. Ou corriam para o segundo andar, quase me derrubando, ou se escondiam debaixo de construções.

A minha sorte foi que a projeção era real, porém inofensiva aos espectadores. Os golpes, os espinhos, as projeções, menos o cheiro, eram provindos de uma gelatina que fazia apenas cócegas. 

Fraca no físico, mas forte na destruição da mente. 

Presenciar todas as mortes ao meu redor me machucava.

Conforme Box passava por cima de crânios, corações e pernas, debati comigo mesmo se valia ver a projeção até o final.

— Se quiser, pode sair do templo!!! — gritou Bila.

— Você queria me explicar o que aconteceu aqui, então vou ficar até o fim. Já vi coisas piores…

— Está acabando. Não se preocupem, ervas daninhas — avisou Box.

Com as palavras da hipopótama, os Oberons se renderam ao abaixar as armas. 

O grupo da hipopótama também cessou fogo e foram render os adversários. 

A base de coronhadas e empurrões, a gangue de Nevi juntou os Oberons perto de um altar. No meio da confusão, estava a Mini-Bila abraçada pelos pais, chorando. 

Box, ainda transformada, deu passos lentos e pesados para perto dos prisioneiros. Dirigiu-se aos pais de Bila, Beni e Boros. 

— Temos um acordo, né? O estoque de vocês, barriguinhas vazias, para a Nevi. Quero todas as mentoais que tiverem.                 

— Vamos prepará-las. Não se preocupe — falou Boros. A cabeça baixa.

— Me preocupo sim, sabe por quê? 

Box olhou para a Mini-Bila e apontou uma pata para a garota. Alguns de seus aliados entenderam algo que não percebi, então arrancaram a pequena dos braços da mãe.

A fauna projetada se debateu, mas conseguiu tirar apenas risadas maldosas.

— Pois ainda estou com fome. Acho que essa idiotinha e fedidinha aquecerá meu estômago por um tempo. 

— NÃO!!! — gritaram os Oberons e os pais de Bila.

Antes de se levantarem do chão, Box abriu a boca e abocanhou a Mini-Bila. 

Entrei em choque por um tempo. 

De imediato, olhei para a fauna real e ela estava rangendo os dentes atrás de uma pilastra. Obviamente, ela estava viva no presente, então…

Bhur! 

A hipopótama vomitou a Mini-Bila, que se machucou no processo. 

— Não quero comer essa lombriga. Você é que nem merda, serve para porra nenhuma, a não ser nutrir o solo. Como você é anti digestiva, você ficará aqui nutrindo o solo dos mentoais. 

Deu uma vontade imensa de socar a geleia até ela virar suco, mas eu estava no andar de cima e demoraria para chegar ao altar.

Não foi apenas eu que fiquei irritado. A Bila real socou a parede do pilar, arrancando uma lasca, seus dedos sangrando, com a mão.

Comecei a entender sua vontade de acabar com Nevi e tudo ligado a ela. Entretanto, não sei ao certo se o melhor caminho é acabar com tudo. Os hematomas roxos do mundo sempre existirão.                                                    

Discutirei bastante com Elideus a questão de hipopótamos extintos e se devem ficar extintos, pois eram inconsequentes e imparáveis.

— Ainda estou com fome… — Box fixou os olhos sérios para a bonsai dos Oberons. — Uma saladinha cairia bem agora.

Sem perder tempo, a hipopótama foi para cima da biodemônia. Alguns Oberons mais jovens tentaram proteger a raiz de seu povo, porém acabaram sendo devorados juntos.

Nhac! Nhac! Nhac!

— Queria um alface e ganhei logo um vinagrete completo. — Box lambeu os lábios e virou uma xenopraga novamente. — Tragam o Aprendizado para cá. Quero que coloquem algumas ervas daninhas e um dos dois pais da idiotinha e fedidinha dentro dele.

Os oberons arregalaram os olhos ao ouvir a palavra Aprendizado. Na verdade, todos que sabiam o significado daquela palavra ficaram espantados.

Bila e a Mini-Bila tiveram a mesma atitude: arranhar o chão com as suas unhas e negar o máximo possível a situação.

Infelizmente, a frustração das versões da fauna de nada adiantaram. 

Ouvi passos e grunhidos de esforços adentrando no templo. 

A porta da entrada, que não consegui abrir no presente, foi aberta em apenas um empurrão. 

A fumaça do Jardim Enervado, azul e cheiroso como um mentoal bem feito no passado, adentrou no local, acompanhado por correntes e xenopragos puxando algo.

— Minha nossa! — surpreendi.

Uma garra perfeita para cavar tocou o solo dos oberons. A fumaça se dissipou bem na hora, dando espaço a um focinho em forma de alga cheirando o lugar.

O Aprendizado era uma criatura cega com pelos pretos e uma barriga aberta, cheia de dentes e ossos à mostra. 

— Meu fiel escudeiro chegou. Por favor, façam uma fila indiana para facilitar nosso trabalho — avisou Box.

A baixinha foi para perto do animal e o acariciou. A criatura fazia uma cara de horror a todas as outras pessoas, mas, para sua dona, sorria com todos os dentes afiados.

Quando os dois se desgrudaram, os membros da gangue de Nevi juntaram alguns oberons e esperaram outra ordem de Box.

Fiquei mais ainda sem reação ao ver alguns biodemônios pedindo misericórdia na fila.

Box apenas balançou a cabeça para eles e chegou perto dos pais de vida. Escolheria apenas um deles para o Aprendizado, então começou a alternar o dedo indicador entre eles.

— Uni duni... Foda-se. Vai os dois mesmo. Não quero ter que voltar aqui depois para pegar mais exemplos

— Não — clamou Mini-Bila, fraca devido à hipopótama.

Box pegou os pais da pequena com uma força surpreendente e os juntou na fila. 

Com um assobio de Box, que foi alto até para mim, o Aprendizado abriu sua barriga, ou boca, e deu passos para frente. 

Os oberons foram empurrados para a criatura. Conforme eles se aproximavam da fera, os dentes abocanhavam os indefesos, porém não os machucavam.

As pessoas simplesmente entravam na barriga do Aprendizado e não davam mais nenhum sinal de existência. Parecia até que estavam sendo teleportados para um Isekai, mas não era o caso.

Chegou a vez do pai e da mãe da Mini-Bila. 

Olhando, os olhos cheios de lágrimas, para a filha, entraram. 

Ouvi dois gritos; depois mais nada. 

Sem entender muito bem o que tinha acontecido, a pequena tentou correr atrás dos parentes. Ela caiu na primeira investida ao tropeçar no pé de Box.

— Calma, idiotinha e fedidinha. O seu pessoal está bem. Só entraram na barriga do meu Aprendizado e ficarão lá junto de gases sonolentos e MORTAIS se permanecerem por muito tempo. 

— Sua baixinha de uma figa — falou Mini-Bila.

Box pegou a garota pelo pescoço e não sei o que aconteceu depois, pois a geleia se dissolveu. Voltou para o centro do templo e ficou por lá.

A projetora estava amassada, acabada, entristecida como eu e Bila. Sua dureza de gelatina estava parecendo com as minhas lágrimas. 

— Depois disso, só piorou tudo — falou a Bila real, recolhida entre os joelhos no andar de baixo. — Foi desastre atrás de desastre para falar a verdade. Tudo começou nesse templo e terminou no meu motivo para acabar com Nevi, que é…

Bila falou algo, mas foi baixo o suficiente para ser abafado pelo som de passos atrás de mim. 

Me virei de costas de uma vez e fiz uma esquiva instintiva, porém não era alguém que me preocuparia. 

De um cômodo, saiu um cabelo de coqueiro e uma cabeça de cervo. Eram Esmael e Sisa. Eles estavam no templo esse tempo todo.

— Finalmente te achamos, moleque do caralho — falou o xenoprago. — Você desaparece e já arruma uma namoradinha nesse meio-tempo? Quero te perguntar várias coisas, mas primeiro me apresenta essa garota. 

— Nada de namoro, somos parceiros de negócio. E sou eu que devo te fazer perguntas.

— Tu é meu parasita, lembra? Sou eu que vou fazer perguntas. 

— Tá. Essa dali é Bila e foi ela que me salvou naquela fumaça maluca…

Tive que ser o primeiro a falar sobre o meu paradeiro, porém alterei partes da história verdadeira. Por mais que eu tenha um contato próximo com Esmael, não sei o que um invasor de Paraíso é capaz de fazer com Bila.

Talvez, se eu falasse sobre a Encapetuzada, ele apenas pegaria a garota pelos chifres e a levaria à polícia de Linfrutes. 

Uma das coisas que aprendi ao morar com o xenoprago durante as últimas semanas é que ele sempre escolhe a rota mais fácil. 

Capturar Bila é o modo easy, ainda mais depois da projeção. Matar Nevi é o modo hardcore.

Para a defesa da fauna, modifiquei primeiramente a parte da fumaça:

Não foi ela que ativou a lata, mas foi ela que me salvou ao sair de sua casa e me tirar da confusão pelo braço. Corremos bastante durante essa fase por uma vila morta e fomos parar em um bar amigável. Perdidos, tivemos a ajuda de um barman. Ele deu uma dica de usarmos o aplicativo do Meliodes de parasita e hospedeiro para encontrar Esmael e funcionou bem. Até ganhei um presente de Bila. Viemos para o Jardim Enervado em um pulo e aqui estamos.

— Coincidentemente, Bila conhece esse local, que tem uma projeção e tanto. Vocês viram a geleia por acaso? — perguntei olhando para Sisa e Esmael.

— Pode ter certeza que sim.  A gangue da minha velha conhecida, e irmã de Sisa, sempre me surpreende. 



Comentários