Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 25: Perigo

A casa da garota se movia por toda a Linfrutes. Dormir no meio das fendas foi como estar em um barco nas ondas.

Esmael fez a mesma coisa que eu e fomos acordados por Sisa. 

Aparentemente, ela não precisava dormir muito. Tive dúvidas se precisava comer também, mas ela estava com um copo de café na mão direita e uma espécie de bolo vermelho na outra.

Enquanto isso, Bila estava no lugar de guardar tralhas guardando e organizando algumas coisas. Trancava armários, empilhava armas e também escrevia notas em tudo.

— Não existe nenhuma transportadora de armas não? Eu mesmo ofereceria meu quarto para guardar essas tralhas. Seria interessante ter uma granada, sabe? — perguntei interessado em um arsenal particular.

— Eu não quero ser processado por deixar um parasita se explodir, então deixe esse arsenal escondido, garota. — Esmael puxou o travesseiro de onde dormíamos e bati o coco em um espinho. — Deixe um aviso caso alguém ache ele.

— Não se preocupem. Eu pedirei para os laços sumirem parte do armamento com o tempo. É meio difícil de algumas armas sobreviverem sem comida, sabe?

Entendi bem, pois a maioria das armas eram vivas, como o Croc, que não via a hora de ser resgatado. Ele devia estar em um laboratório, lembrando dos bons tempos que passou comigo pisoteando suas costas.

— Estou com um cagaço, mas acho melhor salvarmos o Croc logo — falei bocejando.

Sisa sorriu para mim e ofereceu o café para eu tomar. Dei um gole e a minha letargia após acordar foi embora.

Seja lá onde Croc estivesse, eu salvaria ele com a ajuda de Bila, Esmael e Sisa. 

— Se quiser ir rápido, é bom indicar pros laços onde fica a base de Nevi. Graças a Deus eu não faço ideia de onde esteja — falou Bila.

— Sabe onde fica Belomur? — Esmael riu.

Bila levantou uma orelha quando ouviu o nome do centro de Linfrutes. Eu também fiquei surpreso.

— A Nevi está debaixo daquela extratis. Se vocês acham que apenas os frutos de uma árvore podem ser podres, acho melhor averiguarem as raízes dela — explicou o xenoprago.

Hmmm! Dá para chegar lá. — Bila soltou um sorriso torto.

Os laços apareceram logo em seguida. Estavam esperando as instruções da Encapetuzada.

Fiquei pensando como eles não sabiam onde ficava a base de Nevi, pois eles eram quase ligados a Linfrutes, mas talvez não fosse o caso.

Pelo menos sabiam onde era Belomur e como nos trazer para debaixo do centro. Fizeram esforço para fazerem uma espécie de concordância ao se embolarem.

— Todo mundo preparado? — Esmael se esticou e levantou.

Fizemos sim com a cabeça após conferirmos nossos acessórios. Eu tinha conferido a cesta de frutas, o estilingue e o gancho de ossos.

100% pronto. Bastava nos chegarmos abaixo de Belomur, o que seria desconfortável. 

Os buracos onde entrei até agora eram perigosos e pontiagudos, porém, assim que comecei a ir até a base de Nevi, tudo piorou.

Os espinhos vermelhos viraram uma junção de escarlate com diamante negro e o cheiro neutro se transformou em uma impregnação de sangue queimado no meu nariz.

Presumi que estávamos no caminho certo. Quanto mais podre, mais perto de Nevi.

A podridão também não era um caos completo, pois significava que ninguém limpava as passagens há um bom tempo. Estávamos seguros por ali.

— Eu devia ter pego um pregador. — Apertei o meu nariz.

— Para de reclamar. Já estamos chegando. — Esmael olhou para mim. — E lembra: achar o Croc, pegar ele e sair de Linfrutes o mais rápido possível. 

— Sem problemas.

— Se tiver algo chamando a atenção, apenas vire o rosto e foque no Croc, entendeu? 

Eu sabia que poderiam ter coisas que pediriam minha ajuda na base de Nevi, mas prometi a Esmael que eu não daria uma de herói. 

Pegaríamos apenas o que nos interessava e ponto final. 

— Você também, garota. Não lasca com tudo — Esmael cutucou Bila.

Eu sinceramente tinha mais esperança na Bila do que eu. 

Se eu estava saturado de Linfrutes por ficar apenas alguns dias, imagina quem nasceu, cresceu e se lascou aqui.

Talvez fossemos o gatilho que Bila precisava para sair da cidade. Apressei o passo para que isso acontecesse e não demorou muito para vermos uma luz fraca.

Assim que Esmael percebeu ela, foi averiguar sem colocar a cabeça para fora.

— Chegamos — cochichou. 

De imediato, Bila mandou seus laços ficarem de prontidão e não parou por aí.

Ela passou por mim e focou apenas neles. Fiquei que nem um bobo observando ela, pois Bila abraçou os laços e vi algumas lágrimas saindo de seu rosto.

Era a despedida deles, então apenas fui logo atrás de Esmael para deixar eles sozinhos. Sisa ficou para trás conversando com ela e os laços.

Se tinha alguém preparada para amenizar o peso da situação, era Sisa. Suas folhas eram capazes de fazer uma sombra de conforto. 

— Deixe elas. Foco na missão. — Esmael virou meu rosto para frente. 

Realmente precisaríamos de foco, pois, pela primeira vez na vida, pensei que eu não acharia alguém.

Em minha frente, não era um caos como eu imaginava. Eu pensei que veria corpos decepados ou espetados na toca de Nevi, mas era um pouco diferente.

Estávamos em um beco e dava para ver o que nos esperava: uma base sendo construída. 

Nas paredes, haviam marcas de explosões e biodemônios capazes de se agarrarem na parede trabalhando. Eles decoravam e refinavam a toca.

Aquele fedor da entrada não era descuido de Nevi com o estoque de doadores de sangue. Era um óleo fedido que saia a cada martelada dos seus capangas tentando construir a base.

Estavam colocando vegetações mortíferas na parede. Era uma vegetação que se movia e fincava quem chegava perto. Foi furiosa o suficiente para arrancar o braço de um biodemônio acima de nós.

Voou sangue no meu pé. Minha bota apenas se descosturou e lambeu o chão — descobri algo que não queria.

Os prédios e ruas também estavam sendo construídos ou reformados. O formato deles era de crânio humano. Os mais cabeçudos eram prédios, os medianos pareciam ser supermercados e os pequenos talvez fossem casas.

Das construções, sai um pó flamejante e no centro de tudo havia um crânio gigantesco em formato de cabeça de dragão. 

Eu senti uma dor intensa só de olhar para aquele local. Tomara que eu não morra decapitado por Nevi, pois ela parecia gostar de cabeças.

— Minha cabeça tá doendo um pouco. — Cocei a testa.

— Então coça ela ao invés da testa. — Esmael me deu um peteleco e bati de cara em um cano. 

— Exagerei na força.

Fez um barulho feio. Os biodemônios que trabalhavam olharam para baixo e comecei a tremer. Mal cheguei e eles já iam me descobrir.

Felizmente, tentaram enxergar para baixo, esgueiraram por onde estavam agarrados, mas não viram nada e voltaram aos trabalhos.

No beco onde eu estava, não havia luz nenhuma e a cidade era pouco iluminada. O máximo que se via era o pó flamejante e gels luminosos usados pelos trabalhadores.

Eu estava invisível aos olhos deles, porém eu conseguia vê-los como aspectos vermelhos de fantasma se movendo. Minha visão noturna deixava os copos como uma névoa e as construções em um tom monocromático.

— Firma esse corpo. — Esmael me puxou para o lado dele. — Juro para você que tem mais gente que enxerga no escuro nesse chiqueiro.

— Certo. 

Fiquei rente à parede e esperei Bila e Sisa saírem do buraco. Os laços ficaram de prontidão e deram um tchau quando olhei para eles. 

Era hora de irmos. Ficar naquele beco poderia ser perigoso. Vai saber o que eles poderiam ter para detectar intrusos.

— Se conheço muito bem aquele hipopótama, ela deve ter levado o Croc para a casa. Hmmm… — Esmael andou de um lado ao outro. — Acho que a cesta de frutas terá outro uso, então guarde elas bem. Vamos lá.

Fomos para fora do beco e não seria nada fácil chegar na casa de Box. Na rua, globos oculares em cima de postes estavam olhando cada canto da toca.

Eles tinham uma memória curta, então não serviam para guardar informações. Infelizmente, eram capazes de alertar todo mundo ao ficarem flamejantes caso notassem algo estranho.

Para piorar, havia pessoas perambulando na rua. Não pareciam ser soldados de Nevi, apenas biodemônios e xenopragos que moravam por ali. Talvez seriam obrigados a denunciar nossa presença.

— Não tem como andar por esse lugar sujo — presumi.

— Calma. Viemos preparados. Há diversas formas de driblar a nossa presença. Sisa é boa nisso. — Ele fez alguns sinais para a moça.

De imediato, a biodemônia estendeu seus braços e os ramificou em pequenos filhotes. Eram pequenos o suficiente para entrarem na minha orelha.

Ela os levou até o poste e entrou dentro dos globos oculares. Depois de um tempo, só ouvi barulhos de choro e cortes de visão.

Era uma forma meio brutal de hackear os olhos, mas funcionou. Ninguém seria visto por eles. 

Bastaria repetirmos o processo até a casa de Box e rezarmos para ninguém nos perceber entre as ruas, becos e armadilhas da toca de Nevi.

Apressamos o passo e deixamos Esmael na frente. Ele era o único que sabia onde Croc poderia estar. 

— Tenham cuidado — avisou o xenoprago.

— Sempre tenho. Você ficaria de cara se soubesse o quão cuidadoso sou com minhas coisas.

— Tipo o Júnior? — Bila riu e tirou um ovo de sua bolsa enquanto corríamos.

— Tipo o Júnior. — Peguei o ovo que ganhei na igreja.

— Tenha mais cuidado, pois precisaremos. — Esmael apontou para uma placa entre diversos prédios e achei que até o ovo se quebrou quando a viu.



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