Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 38: Perdido

Após terminar os experimentos, Victor entregou uma mochila pesada para Hiroshi e saiu da horta subterrânea. 

Ele caminhava pelas escadas difíceis com maestria, desviando de todas as rachaduras e fendas sem nem hesitar ou olhar para baixo, prova de que vinha para esse lugar com tanta frequência que já havia decorado todo o caminho. 

Enquanto Hiroshi, que não tinha esse costume, gradativamente acabou ficando para trás. 

 — Qual era o caminho mesmo... — perguntou, ao se deparar com uma bifurcação, já não conseguindo nem ver onde estava Victor. 

Ele escolheu um dos lados e seguiu reto, não reconheceu o caminho, voltou e tentou ir pelo outro lado, mas encontrou um túnel interditado com uma ponte quebrada a frente. Andou todo o caminho de volta, tentou começar novamente, mas nem chegar ao início conseguiu, se perdendo ainda mais. Após uma longa caminhada, cheia de subidas e descidas, curvas e mais túneis, Hiroshi finalmente viu uma luz acima de sua cabeça. 

— Oi! Alguém está aí?  

Sem resposta, ele deixou a mochila no chão e pulou em direção a luz, se arrastando por um caminho apertado e chegando a uma sala fechada. 

Dentro dessa sala iluminada por lamparinas, havia algumas cadeiras, um equipamento que parecia um radar, desligado, do tamanho e formato de um armário grande, alguns livros com anotações em russo no chão e no lado oposto a entrada, uma porta de ferro, sem maçaneta, apenas com um círculo de vidro em seu topo. 

Hiroshi andou em direção ao equipamento, apertou alguns botões, mas nada aconteceu. Já a porta, Hiroshi olhou pelo vidro, mas não viu nada além de um enorme salão vazio.  

A porta se abriu com um empurrão leve, então Hiroshi entrou. Para sua decepção, ele havia visto corretamente, lá estava repleto de nada. 

— Será que ainda está em construção? 

Sem mais nada de interessante, Hiroshi voltou, pegou a mochila e continuou a caminhar pelos túneis. 

— Depois vou perguntar o que era aquilo para o Pavlov. 

Algum tempo depois, Hiroshi encontrou uma saída, diferente da que havia entrado, mas perto o suficiente para se localizar. 

Aliviado, ele desabou no chão e encarou o céu estrelado. 

“De que adiantou ser forte em uma situação como essa?” 

Quase cochilando ali mesmo, Hiroshi se beliscou, levantou e bateu em suas roupas para tirar a sujeira. 

— Melhor ir logo avisar que estou bem, antes que alguém cause um alvoroço por meu sumiço. — E foi em direção a mansão. 

Ele atravessou o labirinto, conversou com alguns guardas, que o guiaram pela mansão até a cozinha central, agradeceu eles e encontrou Victor cozinhando sozinho. 

— Por acaso é chefe de um homem só? Onde estão o resto das pessoas? — perguntou Hiroshi, procurando algo para comer. 

— Onde diabos você estava? — retrucou Victor. 

— Perdido naquela caverna. Você não olhou para trás nem uma vez mesmo... Posso comer isso? — perguntou, segurando um sanduiche. 

— Tira as mãos do meu jantar! Pode comer qualquer coisa que sobrar depois... Mas antes, os outros já estão levando as entradas, me ajude nas sobremesas. 

— Mas o prato principal que é a melhor parte... — disse Hiroshi, lavando as mãos e trocando de roupa. 

— Qualquer prato pode ser a melhor parte. Faça o que quiser na sobremesa. 

— Tudo bem, mas onde que fica... 

— As carnes ficam lá atrás daquela porta dos fundos, caso queira fazer alguma maluquice. Os armários superiores da direita têm os temperos, os inferiores, panelas e utensílios, os superiores na esquerda tem ingredientes mais básicos, os inferiores têm equipamentos parecidos com os que eu uso lá embaixo. Se quiser algo mais exótico, a duas portas daqui tem um depósito cheio de produtos do exterior, e é claro, também tem a mochila que você trouxe. E a uma porta, tem produtos locais. 

— Como você consegue todos esses ingredientes? Ah, não é esse armário...  

— Com dinheiro, simples assim. 

— Será que é... Esse? — Depois de abrir quase todos os armários e andar várias vezes pelas três portas, Hiroshi reuniu tudo que precisava e começou a preparar a sobremesa. — E de onde que vem tanto dinheiro?  

— Isso você vai ter que perguntar para o Pavlov, até eu queria descobrir esse segredo!  

— As frutas... 

— Sazonais lá no fundo, as outras ficam ali. — E apontou para cima, onde ficavam penduradas diversas cestas e redes. 

— Enquanto eu estava perdido eu encontrei uma sala esquisita com uns equipamentos de metal mais esquisitos ainda, sabe o que é? 

— Deve ser alguma coisa do Pavlov ou do antigo dono dessa mansão. 

— Conhece quem ele era? 

— O antigo dono da mansão? Não sei muito, mas parece que o Pavlov conseguiu comprar esse terreno por um preço baixo graças a ele ter enlouquecido. 

— Entendi... Bom, acabei aqui 

— Mas já? Pode deixar o prato aqui e vai dar uma volta, porque ainda vai demorar. Ainda vou ter que terminar, servir o prato principal e só depois eu mando eles levarem. 

— Vou para a estufa, em quanto tempo eu volto? 

Victor pegou e girou um cronômetro, então entregou para Hiroshi. 

— Quando isso tocar, vá direto para mesa.  

Hiroshi saiu da cozinha, andou reto por um tempo e percebeu que novamente não fazia ideia de como chegava no lugar. 

— Com licença, para onde fica a estufa? — perguntou Hiroshi para um homem que parecia um mordomo. 

— Você é o convidado de honra, não é? Por favor, siga-me. 

No meio do caminho, porém, eles acabaram trombando com Pavlov, que levou Hiroshi consigo. 

— Por onde esteve Hiroshi? Fiquei sabendo que desapareceu no meio do tour pela casa, antes mesmo que pudesse conhecer meu outro filho... O que faz dessa uma oportunidade melhor ainda! Venha jantar com a gente! Aí eu apresento você aos outros. 

— Espera, eu estava indo para... — Mas vendo que o mordomo havia saído silenciosamente, ele só pode concordar com o convite. 

Nesse raro e breve momento em que Pavlov estava sozinho, sem a presença de seus assessores, secretários e pilhas de papeis, Hiroshi achou que finalmente conseguiria resposta para tantas dúvidas que haviam surgido desde que havia chegado, porém, em um piscar de olhos, eles haviam chegado e nenhuma de suas dúvidas conseguiu ser respondida. 

— Boa noite! Como foi o dia de vocês? — Pavlov abriu as altas portas da sala de jantar com entusiasmo, mas a resposta foi completamente fria. — Essa fase... Quando eram menores eles pulavam para me abraçar quando eu chegava do trabalho. Hiroshi, essa é a minha família. Família, esse é o Hiroshi. 

Todos os empregados se curvaram profundamente em direção a Pavlov. Mikhail fez um cumprimento sutil, sorrindo. A esposa de Pavlov nem olhou em sua direção e continuou comendo e a última pessoa na mesa acenou com a cabeça. 

— Um, dois três... Quatro pessoas? — Além de Pavlov, sua esposa e seu filho, havia mais uma criança sentada na mesa de jantar, o que fez Hiroshi perguntar: — Vocês tinham dois filhos? 

O sorriso de Pavlov se esvaiu, deixando lugar para uma expressão surpresa direcionada a Hiroshi. 

— Então você só visitou meu filho e o Victor... — Ele respirou fundo, mandou seus funcionários saírem e explicou: — Antes de tudo, essa é a Yoko, minha adorável esposa e esse é o Doma, meu segundo filho.  

— Prazer em conhecê-los — disse Hiroshi, que assumiu a culpa e admitiu que foi um erro dele ter ficado trancado por dois dias testando um prato antes mesmo de ter finalizado as visitas que Pavlov havia indicado. 

Essa explicação só fez os quatro ficarem mais desconfortáveis ainda, o que fez Hiroshi ficar mais nervoso e começar a repassar tudo que havia feito desde que chegou à mansão, mas sem sucesso ao descobrir no que mais havia errado. 

— Indo direto ao ponto, antes de você cometer mais algum erro e alguém aqui perder o apetite, o Mikhail e o Doma tem mães diferentes, mas só uma ainda está nesse mundo. 

Por Mikhail se sentar do lado oposto a Doma e Yoko, Hiroshi conseguiu ter uma ideia de quem ele estava falando. 

— Meus pêsames. 

— Já faz um tempo, não se preocupe. — E Pavlov chamou os empregados de volta. 

— ...Acho melhor eu sair por hoje. 

— Relaxe, não é para tanto. Sente-se onde achar melhor. 

Hiroshi se sentou ao lado de Mikhail e Pavlov se sentou na ponta da mesa. Em seguida, os outros cozinheiros trouxeram o prato principal, mas ao começarem a explicação, Pavlov pediu para eles pararem. 

— Já que você e o chefe de cozinha ficaram tanto tempo juntos trabalhando nesse ingrediente novo, você pode explicar esse prato? 

— É claro, bom... Nas primeiras horas, eu e o Victor estávamos tentando deixar um prato gelatinoso, o mais nutritivo e saboroso o possível, mas não conseguíamos fazer isso sem sacrificar outros aspectos importantes da receita. Ao invés disso, nós decidimos ir por outro lado, que é o prato de hoje, espero que gostem. 

Os cozinheiros auxiliares rapidamente arrumaram a mesa e colocaram uma colher de sobremesa, um prato de porcelana e uma tigela cheia de água. 

— Um pedaço de carne? Isso é tudo que você preparou? — perguntou Yoko. 

— Fico feliz que nossa tentativa foi tão convincente. 

Mikhail impacientemente pegou uma colherada da carne falsa e comeu, seguido por Pavlov que deixou escapar um leve riso.  

— Experimentem vocês também! — incentivou Pavlov. 

— É bom, mas ainda não entendo o motivo de ter trazido esse homem até aqui — comentou Yoko, após todos terminarem de comer. 

— “Não diga isso, não vê o quão impressionante é esse prato?”, é o que eu gostaria de dizer, mas realmente fiquei um pouco decepcionado. Os pratos que cozinhou antes eram mais... Impressionantes? — disse Pavlov. 

— Esse não era esse o intuito desse prato e não é comigo que vocês têm que reclamar. Eu cozinhei a sobremesa. — Hiroshi fez um pequeno gesto em direção a Mikhail, que ainda apreciava o prato, com uma expressão maravilhada. 

— Agora entendi... Me perdoe, julguei mal o seu prato — disse Pavlov. 

Depois de um tempo, os pratos foram recolhidos e a sobremesa foi distribuída. 

— Antes era uma carne que não era carne, agora é uma maça que não é uma maça? — perguntou Yoko. 

— Comam — disse Hiroshi. — Espero que aproveitem.  

Pavlov deu a primeira mordida, abriu um sorriso e soltou uma gargalhada. 

— Era isso! Esse é um prato com a sua cara!  

Yoko e Doma também não conseguiram esconder o “isso é delicioso!”, que estava estampado em seus rostos, mas Mikhail fez o contrário e visivelmente forçou uma reação positiva. 

— A partir de hoje, espero que possam compartilhar juntos essa felicidade durante as refeições. Eu sugeri que fizéssemos os pratos adaptados apenas para Mikhail, mas Victor fez questão de que todos pudessem sentir a inovação... Enfim, semelhante ao prato principal, sugerimos que essas sejam as novas refeições de Mikhail, mas ainda precisamos de sua aprovação, Pavlov. 

— É óbvio que está aprovado!  

— Vá para o observatório mais tarde... Hiroshi — ordenou Yoko, que saiu, assim que terminou de comer. 

— Será que vou ser demitido? — perguntou Hiroshi. 

Hahaha, quem sabe?  

Após todos terminarem, Pavlov voltou a ser rodeado de pessoas, Doma e Mikhail foram levados aos seus quartos para dormir e a guia de antes voltou para levar Hiroshi. 



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