Volume 1

Capítulo 36: Sétima Página do Diário (1)

Levei 41 dias para me recuperar totalmente, nesse intervalo tive aulas sobre o funcionamento do Reino do Leste, este era um dos requisitos para ser um dos filhos do Leste. Junto comigo, tinha Surii, ela não gostava muito das aulas teóricas, e preferia as aulas práticas, principalmente as de combate.

Eu estava ansioso para iniciar meu treino de combate, mas Miraa exigiu que meu corpo se recuperasse totalmente. Assim foquei toda minha concentração em aprender as disciplinas básicas: Geografia, Matemática, Agricultura e Conhecimentos Básicos dos Reinos.

Enfim havia chegado o dia em que eu começaria meu treino de artes marciais, Miraa tirou alguns minutos da sua apertada agenda de governante para me levar pessoalmente ao local de treino e me apresentar formalmente aos meus “irmãos”.

Vi dez pessoas enfileiradas de frente para a porta, quando entramos. Miraa começou a apresenta-los assim que entramos, apontando para cada um da esquerda para a direita:

— Primeiro filho. Yobaa, 21 anos, Cavaleiro.

Olhei bem, reparei na armadura de cor escura, porém brilhante, além da longa espada protegida por uma bainha decorada com muitos detalhes dourados. Como não estava de elmo, pude reparar ainda em seus traços faciais, rosto longo com expressão terrível, e cabelos pretos bem curtos.

— Segundo filho. Renee, 21 anos, Guardião.

Também usava armadura, em azul e prata, e tinha um escudo com três quartos do seu tamanho, e olha que ele era o maior de todos ali. O cara devia ter mais de 2 metros e pesar uns 150 kg sem a armadura, com ela devia passar dos 300 kg. Também tinha cabelos curtos, em um tom de preto mais claro do que o primeiro.

— Terceiro filho. Shiduu, 23 anos, Assassina.

Linda, pele morena, cabelos pretos amarrados em rabo de cavalo, usava um conjunto de couraça fino e leve, possuindo várias adagas curtas para arremesso presas em seu cinto, sorria de uma forma maligna. E era mais velha do que os dois primeiros, entendi que talvez a ordem dos filhos não fosse pela idade.

— Quarto filho. Gouroo, 18 anos, Arqueiro.

Era o único dos homens que possuía cabelos longos, estes tinham uma cor acinzentada, pele clara. Usava roupas leves, marrom e verde, possivelmente para se camuflar na floresta, um arco longo feito de um metal sem brilho estava preso à sua cintura acompanhando o comprimento de sua perna, do outro lado uma aljava repleta de flechas.

— Quinto filho. Malii, 19 anos, Feiticeira.

Aparência singela, cabelos curtos em um azul escuro, quase preto, usava um manto longo que lhe cobria todo o corpo, com exceção da cabeça e dos pés, e uma bolsa à tiracolo.

— Sexto filho. Tibee, 19 anos, Médica.

Pele morena como a de Shiduu, toda de branco, cabelos presos em uma bandana, também branca, ela batia o pé como se estivesse inquieta com algo.

— Sétimo filho. Udoo, 16 anos, Explorador

Pele desgastada pelo sol, meio sujo, usava um chapéu de couro, jaqueta de couro, calça de couro (bastante remendada), pelas olheiras parecia não dormir há alguns dias. Tinha uma enorme mochila no chão ao seu lado, talvez fosse viajar, ou estivesse chegando.

— Oitavo filho. Baruu, 16 anos, Diplomata.

A pessoa mais bem vestida no local, belíssima, diferente de Udoo sua pele parecia jamais ter sido tocada pela luz do sol, usava um vestido típico das damas da alta sociedade, sua postura era elegante, seus cabelos entre o loiro e o ruivo estavam arranjados em um penteado complexo, usava óculos e segurava um livro.

— Nono filho. Kai, 14 anos, Artesão.

Era pouco maior do que eu, e parecia muito feliz, usava um macacão com vários bolsos, levemente sujo, tinha cabelos pretos e curtos, mas seus olhos eram de uma cor muito clara, quase branca.

— Décimo filho. Surii, 13 anos, Ladra.

Olhei para a única deles que eu conhecia, ela usava roupas melhores, um conjunto de tecido com partes em couro batido, de tonalidade escura, com certeza ajudaria ela a se esconder no escuro. Tinha ainda duas adagas curtas curvadas, mesmo que fossem pequenas, as armas não ficavam totalmente escondidas atrás das magras costas da garotinha.

— Décimo primeiro filho. Deco, 13 anos, Espião.

Eu sorri e acenei para eles…

— Peraí… Espião? — Eu olhei para Miraa esperando que ela dissesse que era brincadeira.

— Preciso de um espião, e você é o único dos meus filhos que ainda é desconhecido! Não se preocupe, você receberá um treinamento adequado!

Eu simplesmente não tive palavras para contraria-la. Miraa foi embora dizendo:

— Yobaa, como primeiro filho eu deixo a você a tarefa de ensinar o básico sobre combate para o seu novo irmão caçula.

O treinamento iniciou assim que Miraa saiu, e sob o olhar atento dos outros 9, Yobaa me agrediu durante o dia inteiro, a cada golpe impiedoso e muito dolorido ele me explicava como eu deveria ter reagido e o que deveria melhorar.

À noite, eu estava tão destruído que não consegui ir jantar, pelo menos Surii trouxe a minha comida no quarto, o que me impediu de dormir com fome. Miraa mandou Tibee me curar e me dar um chá para relaxar a dor e me ajudar a dormir.

No dia seguinte a sessão de tortura continuou, o no outro dia também, e quando vi já tinham passado semanas. O mais interessante foi que após quase seis meses eu já estava até acostumado com os violentos golpes que levava, até mesmo conseguia desviar de um quarto dos ataques de Yobaa. Tibee sempre dizia que eu acabaria morrendo e que ela não cuidaria mais da minha saúde. Mas continuava cuidando.

Cansado de minhas tentativas de esquiva, Yobaa sugeriu que eu começasse a aprender técnicas de ataque também, e para isso Renee se juntou ao meu treino, eu tinha que tentar ataca-lo enquanto me protegia dos ataques de Yobaa.

Surii tinha treinamentos diferentes, incluindo andar silenciosamente com Shiduu, e escalada com Gouroo. Sempre que nos encontrávamos nas refeições ela estava muito animada com seus avanços, eu por outro lado estava sempre à beira da morte. Mas pelo menos estava alimentado.

Um belo dia de sol, enquanto era surrado por Yobaa e Renee, já notando meu corpo mais leve do que há meses atrás, mesmo tento ganhado um pouco de peso, resolvi tentar algo diferente e ver até que ponto o meu treino deu resultados.

Ao desviar de Yobaa com um giro lateral, corri de frente ao encontro de Renee, que imediatamente respondeu se colocando atrás de seu enorme escudo, e investindo contra mim. Pisei no escudo de Renee e usei a força cinética da sua investida para me lançar na direção oposta, indo ao encontro de Yobaa, que não esperava uma atitude tão impetuosa.

Atravessei a guarda de Yobaa em alta velocidade, acertando o meu chute de voadora com os dois pés na região do peitoral, senti no mesmo instante uma dor aguda em minha perna direita, devo ter exagerado no meu movimento.

Yobaa foi arremessado a uns 5 metros, eu queria manda-lo mais longe, mas seu tamanho e o peso de sua armadura acabaram por me impedir. Caí estirado, me levantando em seguida, mas Yobaa também foi rápido. Ele mal rolou duas vezes após a queda e já se pôs de pé, me atacando com um chute.

Eu fui arremessado por mais do que 5 metros, talvez mais de 10, não sei… Senti o pé de Yobaa pisar em minha cabeça, ele deve ter ficado irritado com o meu ataque repentino. Ouvi quando Renee pediu para ele tirar o pé de cima de mim, mas ele disse que não, que eu merecia apanhar um pouco para saber quem mandava.

Até cheguei a imaginar que ele estava brincando, após tanto tempo, estávamos bem próximos, nunca imaginei que ele teria uma atitude tão feroz e impulsiva. Yobaa levantou o pé e descarregou todo o seu peso sobre a minha cabeça, me deixando tonto a ponto de quase desmaiar. Ele repetiu. E de novo. E de novo. E de novo.

Eu tinha certeza de que meu ataque não o tinha machucado, nem mesmo sua enorme armadura tinha sido danificada, não haviam motivos para tanto, mas Yobaa continuava a pisar sobre mim, como se eu fosse a razão de todos os problemas do mundo. E de pensar que por mais de 6 meses eu tinha me esquecido como é ser um nada.

Só queria ser forte, eu queria ter poderes como os outros, ou ser capaz de usar uma arma, se eu tivesse uma adaga, apenas uma daquelas que Surii carregava o dia todo… aposto que ninguém pisa na cabeça de Surii… Tudo isso só aconteceu por que eu saí da toca dos ratos, eu devia ter ficado lá, não ter ido àquela merda de Castelo de Prata… eu só me ferro nessa bosta… eu me odeio… eu odeio tudo… eu odeio…

Senti minha respiração mais pesada e minha cabeça mais leve, um grito horrorizado, um som metálico estridente, de repente me senti bem, como se nada estivesse acontecendo, ao meu redor tudo começou a ficar borrado, acinzentado.

Eu não entendi o que aconteceu, mas quando dei por mim estava de pé, arrodeado por uma névoa escura e densa, semelhante à da Grande Falha.

Que merdaOutra alucinação… — Pensei.

Só então reparei em Yobaa caído no outro lado da sala de treino, sua armadura destruída, muito sangue ao seu redor, nem ao menos se mexia.

Enquanto tentava entender, senti uma mão tocar meu ombro e a voz maternal de Miraa ecoar pelos meus ouvidos:

— Calma minha criança… Vai ficar tudo bem!

Olhei assustado ao meu redor, Miraa continuava atrás de mim, segurando o meu ombro, todos os outros filhos do Leste estavam nos olhando assustados. Entendi que não era uma alucinação, provavelmente aquilo era minha culpa, e eu nem sabia o que tinha feito.

Não segurei a vontade de chorar. As lágrimas escorreram pelo meu rosto, enquanto Miraa novamente dizia:

— Calma! Vai ficar tudo bem! Agora solte essa adaga… por favor



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