Volume 1

Capítulo 46: Meus Segredos (2)

Sônia acabara de confirmar a possibilidade de uma guerra entre os dois mundos, André ficou alguns momentos em silêncio, Sônia continuou falando.

— Sei que todos vocês têm um forte apego àquele mundo, que já lutaram para salvá-lo por diversas vezes, mas um exército armado com tecnologia de ponta, armas de fogo e outras armas superiores não pode ser derrotado por um grupo de cavaleiros medievais.

— Onde você quer chegar?

— Não interfira nessa guerra, peça ao outros que não façam nada precipitado, lá vocês podiam ser muito poderosos mas comparados com o treinamento tático e as armas dos soldados daqui, seus poderes não são nada demais.

— Vou lhe dizer o mesmo que disse ao sargento Fidelis: Parece que vocês não entendem como funcionam os nossos poderes.

— Sabemos muito bem, conhecemos tudo sobre cada um deles, capacidades, potenciais e limites, a Aliança Internacional tem tudo registrado. Não importa o que vocês façam, um time de especialistas já elaborou um plano de contenção contra cada poder.

— Então me diga o que a aliança acha do modo quimera do Kawã!

— Como assim?

— Modo quimera! Ele quase me matou uma vez usando isso, não é possível que não saibam disso…

— …

— Como eu imaginei, todos temos segredos que não contamos a ninguém, independentemente do nível de confiança.

— Faz tempo que eu não sei o significado de confiança, tudo é apenas um jogo de interesses, garoto.

— Desde a morte do seu filho?

— Não falo sobre os meus assuntos pessoais… Mesmo tenha descoberto informações ultra confidenciais…

— Novamente a sua resposta evasiva será suficiente.

— Tem mais alguma coisa que queira saber?

— A criança que está neste túmulo era seu filho, e temos exatamente o mesmo nome e idade, uma coincidência desagradável, mas acredito que existe algo mais para termos vindo justamente aqui…

— Seu objetivo é apenas me irritar?

— Quem sabe, talvez assim eu convença você a fazer a AI desistir de entrar em guerra com o Outro Mundo.

— Não é assim que as coisas funcionam, você é apenas uma criança criada em outro mundo, não entende das políticas daqui.

— Não. Eu fui o que de pior pode surgir em tempos de guerra. Eu entendo muito bem das políticas que envolvem guerras e ambições.

— “Foi”? No passado? O que exatamente mudou que talvez não esteja nos relatórios dos seus colegas?

— No Outro Mundo eu era apenas uma criança perdida em meio à guerra, vivendo sobre cadáveres, me alimentando de sangue e caos, mas agora será diferente. Chega de guerras, apenas refazer o que foi destruído e recuperar o tempo perdido.

— Então não vai interferir com a Aliança e o Outro Mundo?

— Gostaria de, se possível, ficar de fora. Mas eu nunca consigo o que quero…

— E o que você quer exatamente?

— Eu sofri muito naquele mundo, perdi muitas pessoas queridas em uma guerra, então depois que acabou fui deixado para trás, fiquei por quatro anos preso naquele inferno! Eu quero ver o caos… Agora quero que a AI, o Outro Mundo e os heróis entre em guerra uns contra os outros enquanto apenas assisto de longe.

— Pensei que não quisesse uma guerra…

— Não queria, no passado! Mas se vocês não podem resolver isso de outra forma, torcerei para que se aniquilem mutuamente, e tudo que preciso fazer é interferir um pouquinho sem agir diretamente.

— E por que acha que isso vai funcionar?

— Porque eu não sou uma criança mais, não será como foi quando eu cheguei ao Outro Mundo. Agora eu sei exatamente o que fazer, agora estou em paz comigo mesmo! E um homem quando está em paz não quer guerra com ninguém!

— Essa frase é o trecho de uma música, não ache que vai parecer mais inteligente apenas por repeti-la.

— Eu sei que é uma música, inclusive é uma das minhas favoritas… Minha mãe cantava ela para mim todos os dias no hospital, antes de eu morrer… um dia antes de fazer 12 anos…

Sônia não teve reação que não fosse ficara estática, como se as palavras de André revirassem as dores do seu passado. André deu de ombros como se o seu passado já não importasse mais e se virou para sair, deixando um pedaço de papel dobrado sobre o túmulo do filho de Sônia.

Sônia continuava assustada, encarando o último herói a retornar como se fosse um fantasma, André olhou para trás com os olhos marejados e completou:

— Sua voz era tão linda…

Enquanto André caminhava para a saída do cemitério, uma lágrima desceu pelo rosto de Sônia.

— E pensar que vim até aqui a toa… 

Sônia se virou e viu Gledson aparecer por entre as sombras, porém mantendo seu corpo em um estado quase invisível.

— Não se preocupe com o que eu ouvi… Eu estava apenas garantindo que o Deco… Digo, o André, não iria fazer nada problemático.

Sônia encarava Gledson como se não conseguisse reconhecê-lo mas manteve o silêncio.

— Sabe dona Sônia, todos nós ao voltarmos não éramos as mesmas crianças, foi difícil a readaptação, minha família até hoje não se acostumou comigo. Imagina a situação do André…

— Ele é um monstro… — Sônia falou enxugando os olhos.

— Assim como eu, Elizabeth, Leonardo, Felipe e você. Somos monstros e temos que conviver com isso! Apenas aceite… Ele foi quem mais sofreu naquele mundo, mas foi o único que nunca fez das dificuldades sua fraqueza, o que muitos veem como um monstro eu vejo como o verdadeiro herói entre os 33.

Ao fim dessas palavras o corpo de Gledson já estava misturado às sombras e apenas sua voz ecoava pelo local. Sônia pegou o papel dobrado deixado por André, abriu e mais uma vez lágrimas escorreram pelo seu rosto.

Era um desenho de duas crianças, André e Zita, feito na festa de um ano da chegada do heróis, André havia guardado por muitos anos.

— Como é possível? Eu o vi morto, mas essa é a minha criança… Meu filho… Aquele monstro é o meu filho?

— Meu reino são as sombras, tudo que é sombrio me pertence, e o seu lado obscuro não pode ser escondido de mim. Não adianta o quanto repita para si mesma, eu sempre saberei que não há um cadáver nesse túmulo.

A voz de Gledson ecoava baixinho apenas para os ouvidos de Sônia, enquanto ela enfiava o papel dobrado por entre os seios, disse ao comunicador escondido no decote:

— Aqui é a conselheira Sônia, consegui informações importantes, então se quiserem me matar e perderem a chance de obtê-las… Esse é o momento. Caso contrário, convoquem uma reunião extraordinária para ainda hoje!

Após segundos de silêncio Sônia ouviu a voz de Alice xingando no outro lado da linha.

Pelo menos ele me conseguiu mais um tempo de vida

Sônia sorriu e caminhou na direção oposta à de André.



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