Volume 2

Capítulo 66: O Desaparecimento de Felipe

Mais um dia surgia no Leste junto ao sol que emergia trazendo a sua luz sobre as planícies repletas de campos agrícolas e pastagens, uma brisa calma e fria soprava sobre as plantas, despertando os pássaros e animais para mais um dia de tranquilidade.

A sombra da Montanha Solitária se estendia em direção ao Oeste escondendo a luz do nascer do dia por algumas dezenas de quilômetros, e quem via a cena podia facilmente entender o significado do nome da sede do poder no Reino do Leste, uma montanha solitária em meio a uma planície. Parecia belo e ao mesmo tempo triste.

Em meio à penumbra da montanha um pontinho amarelo se movia rapidamente, seguido por um borrão acinzentado. Era Felipe, seguido por Valmir, e mesmo usando mantos escuros ainda era possível ver as mangas amarelas da jaqueta de Felipe, a cor se destacava em meio ao verde e cinza da vegetação à sombra da Montanha Solitária.

Desde que Felipe encontrou segredos escondidos aos olhos de todos, no diário de André, o Herói Sábio ficou inquieto para investigar mais a fundo, porém, com a constante vigilância dos filhos de Miraa isso seria impossível. A possibilidade que Felipe via de que os misteriosos poderes de André estariam de alguma forma ligados ao segredo da origem daquele mundo lhe tiravam o sono, e por isso o Guardião da Sabedoria não foi capaz de dormir por três noites.

Incapaz de suprimir os seus instintos de sempre querer saber de tudo, Felipe chamou seu segurança pessoal e saiu da segurança entediante da Montanha Solitária e foi em busca de sua aventura pessoal. O herói sabia que Valmir ficaria triste em deixar a companhia da Assassina do Leste, mas naquele momento seria necessário.

Ao mesmo tempo, sentada em uma espécie de janela no lado escuro da montanha, Shiduu estava sozinha observando os dois que se moviam para distante. A filha de Miraa que dedicara sua vida inteira às missões de assassinato, ao longo de seus 35 anos jamais imaginou que se sentiria tão atraída por um homem como sentiu ao conhecer Valmir.

Mesmo tendo recebido dezenas de declarações de amor e propostas de casamentos, ela sempre teve como foco o bem do Leste, mas a partida daquele homem de um mundo diferente estava sendo difícil. E mesmo que sua beleza escondesse a idade real, ela sabia que seria questão de tempo até que suas habilidades físicas começassem a decair, então era o melhor momento para investir em um relacionamento.

 — Além do mais… — Shiduu disse para si mesma — Se acontecer mesmo essa guerra, talvez não tenhamos outra oportunidade.

Depois de rir um pouco da sua atitude miserável, parecendo uma adolescente camponesa apaixonada por um cavaleiro de armadura, Shiduu entrou a montanha, ainda haviam questões importantes a serem discutidas, e mesmo que não fosse a primeira dos filhos de Miraa, por ser a mais velha a sua opinião sempre era muito importante.

No caminho Shiduu respirou forte algumas vezes, até que conseguisse recuperar o foco, mudando a sua expressão apaixonada para uma mais fria, a que estava mais acostumada a usar.

Chegando ao salão do trono, ela viu quase todos os seus irmãos reunidos, uma coisa extremamente rara desde o desaparecimento de Miraa, quando cada um deles teve que cuidar de assuntos diferentes para garantir o funcionamento do reino, e por isso acabaram se distanciando.

 — Estou atrasada? — Shiduu perguntou a Baruu.

 — Não irmã, nós apenas estávamos discutindo algumas questões técnicas de diplomacia, sei que não é o seu assunto favorito.

 — Ótimo, então espero que a nossa convidada não demore muito. — Shiduu se encostou em um dos pilares de pedra escura e fechou os olhos, absorta ao que os seus irmão mais inteligentes discutiam.

Não demorou muito até que Malii, a Feiticeira, entrasse avisando que a tão esperada visita estava chegando. Assim como Shiduu ela também não tinha interesse em assuntos complexos, então deixou para ir apenas no último momento.

Passos leves foram ouvidos entrando no salão, imediatamente os assuntos diplomáticos de menor relevância foram substituídos por um silêncio no qual era possível se ouvir os batimentos cardíacos de cada uma das pessoas ali.

Anne chegou ao salão principal um pouco tensa, olhando para todos os lados ela não viu Felipe ou Valmir, o que piorou mais ainda a sua situação interna. Mas ela, por fora, aparentava serenidade.

Era a primeira vez que a heroína da telecinese adentrava o salão principal da Montanha Solitária, onde ficava o trono de pedra, símbolo máximo de poder no Reino do Leste. 

Após admirar o enorme trono que parecia ter sido escavado em uma rocha, e a coroa estranha que passava uma sensação de ser fortemente perigosa, Anne observou que havia um segundo trono, menor e pouco chamativo ao lado do primeiro.

No segundo trono estava Renee, o atual regente no Reino do Leste, um homem enorme, mesmo sentado ele parecia ser muito mais alto do que Anne, seus braços pareciam dois pilares e seus olhos escuros pareciam ser feitos da mesma rocha que compunha as paredes do castelo onde estavam, mesmo que chamassem o lugar de montanha.

Mas a pessoa mais perigosa na opinião da heroína era Shiduu, até André parecia não confiar totalmente em sua própria irmã mais velha. Mesmo mantendo cuidado com todos ali, Anne permanecia com a Assassina do Leste no seu campo de visão.

Uma garota muito bonita e bem-vestida, que parecia ser totalmente diferente dos demais se levantou e cumprimentou Anne.

 — Olá! Sei que nos conhecemos mas permita que eu me apresente formalmente… — A garota de cabelos acobreados falou com uma voz doce enquanto exibia um sorriso lindo — Sou Baruu, a Diplomata do Leste, fui eu quem pediu para que você viesse aqui tão cedo.

 — Onde está o Felipe? — Anne perguntou olhando para todos os lados, observando que estava praticamente cercada.

 — Ele deu uma saída, mas não se preocupe, apenas queremos fazer algumas perguntas a você. — Explicou Baruu.

 — Tudo bem… — Anne concordou e fez um movimento com a cabeça — Mas acredito que qualquer dúvida que tiverem, é melhor perguntar ao Felipe.

 — Nesse caso é uma questão de opinião, e já temos a resposta de Felipe, agora gostaríamos de conhecer a sua opinião sobre um determinado assunto.

 — E qual o assunto?

 — A fuga do Cavaleiro de Prata há quatro anos…

 — Eu sei o mesmo que os outros sabem, que ele enganou a todos nós, e que o André ficou para trás segurando o nosso inimigo em comum enquanto nós fugíamos. Foi o próprio André que mandou que passássemos…

 — Há uma suspeita de que um dos heróis tramou com o Cavaleiro de Prata para ajudá-lo a ir para o mundo de vocês. — Baruu sorriu e comentou — Devido a isso o Deco acabou ficando preso nesse mundo por mais quatro anos, e o meu pobre irmãozinho quase sucumbiu à loucura.

 — E o que os leva a imaginar que um de nós faria isso?

 — Apenas vocês sabiam o segredo da chave, isso segundo o diário do Deco, então pode ser contestada a informação por ter sido deixada pelo nosso irmão mais novo, mas nós preferimos acreditar nele do que em vocês. Entretanto, Felipe corroborou a informação, mas ainda queremos saber a sua opinião a respeito.

 — E se eu não quiser responder? — Anne tentava manter a calma perante o que parecia ser um interrogatório em território inimigo.

 — Acho que você nos compreende, não é? — Baruu permanecia sorrindo elegantemente — Em todo esse tempo aqui nunca confiou em nenhum de nós, e sempre buscava estar perto de Felipe durante momentos públicos. Confiança é algo difícil de se conquistar.

 — Fomos inimigos uma vez… — Anne forçou um sorriso — É estranho….

 — E por isso mesmo também não confiamos em você! — Afirmou Gouroo, o arqueiro.

 — Espero que entenda a nossa forma de pensar. — Baruu disse fazendo uma mesura.

 — Claro que eu entendo. — Anne disse mais relaxada.

 — Que bom! — Renee finalmente se manifestou — Então por favor se renda sem resistência desnecessária, você está presa sob a lei do Leste por ameaçar a vida de um filho de Miraa.

Como se o chão faltasse sob seus pés, Anne deu dois passos para trás, enquanto encarava o regente do Leste, por instinto ela ainda tentou usar seus poderes para fugir, mas pela primeira vez em quase treze anos se sentiu totalmente indefesa.

 — É um feitiço de anulação de poderes baseado na pedra de restrição criada pelo reino de Cristal. — Explicou Malii — Fui eu mesma que fiz a adaptação.

 — Já sabemos que foi você quem traiu seu próprio grupo e ajudou o Cavaleiro de Prata a fugir. — Baruu continuava falando gentilmente.

A atitude relaxada da irmã de André irritava a heroína, Anne fez menção de avançar na garganta de Baruu, mas antes que seus pés se movessem uma lâmina fria tocou o seu pescoço, e quando ela virou o rosto viu Shiduu com uma expressão demoníaca.

 — Quando você chegou aí? — Anne sentiu o sangue gelar — Eu não tirei os olhos de você….

 — Está subestimando uma assassina no seu próprio território? — Shiduu deu um leve riso — Eu chamo isso de autoconfiança! Muita autoconfiança para alguém que pode morrer a qualquer momento.

 — Mas… Não… Eu… não entendo…. — Anne não conseguia formular uma frase inteira — …Felipe?

 — Sim, ele deixou um bilhete nos avisando que você é uma traidora! — Exclamou Malii — A traidora foi traída!

 — Fique quietinha por favor, ou terei que separar a sua cabeça do resto do corpo! — Shiduu sussurrou ao ouvido da heroína.

Anne sentiu suas pernas tremerem e a respiração ficar pesada, ela não sabia como Felipe havia descoberto o seu segredo, mas agora, depois de tanto tempo estava totalmente enrascada, e sua vida estava por um fio.



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