Volume 2

Capítulo 69: Revolução de Bronze

Alguns dias se passaram desde que Jaiane, Raniely e mais alguns soldados da Aliança internacional saíram do acampamento para a capital do Reino de Aço em busca do apoio do rei. Nesse meio tempo a tranquilidade se manteve na pequena clareira onde estava localizada a base temporária da AI.

Todas as manhãs e tardes haviam trocas de turnos dos soldados sentinelas, os que estavam desocupados ficavam apenas realizando alguns exercícios físicos para manterem a forma. De vez em quando, pequenos grupos se aventuravam na floresta em busca de um animal selvagem para complementar a alimentação, afinal carne é importante e a maioria das provisões era comida em conserva ou desidratada.

A pessoa mais calma em meio a toda a animação dos soldados era o Cavaleiro de Prata, mantendo uma rotina fixa de aparecer em público saindo da sua barraca ao nascer do sol e desaparecendo na floresta momentos após, e só retornando ao pôr do sol, quando mal chegava e já se enfiava em sua barraca, sem nunca comer com os outros ou ao menos tirar alguma parte da armadura.

 — Aquela lata deve ser quente… — Diziam os soldados da Aliança Internacional sempre que viam o homem de armadura andando pelo acampamento.

Em mais um dia monótono e repetitivo, onde o Cavaleiro de Prata recomeçava sua rotina, quase como um ritual, enquanto guardava o retorno de Jaiane e Raniely, uma movimentação estranha lhe chamou atenção.

Sons de galope vindos do sul da floresta, como que dezenas de cavalos marchassem em velocidade com direção ao centro de área de vegetação. Em busca de identificar os invasores, o Cavaleiro de Prata subiu em uma formação rochosa como se ignorasse o peso do metal que compunha a armadura, e o que ele viu lá de cima fez surgir um sorriso por debaixo do elmo prateado.

Soldados com armaduras semelhantes à do cavaleiro de Prata, com exceção das capas vermelhas esvoaçantes e dos escudos com desenhos de feras. Eram tropas do Reino de Bronze, conhecidos como soldados vermelhos, anos antes eram cerca de dois mil homens e mulheres, mas após a última guerra menos de quatrocentos restaram.

E pelo que o Cavaleiro de Prata podia observar, se aquele fosse o pelotão completo seriam menos de uma centena atualmente.

O que mais lhe chamou atenção foi que, pela formação que mantinham pareciam estar em fuga. O da frente era claramente o líder do destacamento, logo atrás iam aqueles que pareciam ter pouca experiência de combate, no meio os feridos, e por fim os mais experientes saudáveis, carregando arcos de longo alcance.

Prevendo a possibilidade de um conflito caso os soldados vermelhos adentrassem o perímetro da base da AI, apressou-se em intervir. Aquele não era o local e nem o momento para um embate entre grupos que poderia ter interesses comuns.

Mas àquela distância o rádio portátil de ondas curtas não teria alcance suficiente para mandar um aviso para o acampamento, e sem um cavalo seria difícil chegar a uma zona de contato a tempo de evitar um confronto. Mesmo assim não custava tentar.

Os soldados vermelhos e o Reino de Bronze seriam ótimos aliados para a Aliança internacional.

Ao longe, na mesma direção em que os soldados vermelhos seguiam, um som de tiro alto e solitário foi ouvido. Um tiro de aviso… mas, os guerreiros do Reino de Bronze não sabiam o significado, pois nesse mundo não haviam armas de fogo.

Era inevitável a batalha, ou melhor, o massacre dos soldados vermelhos pelas armas de fogo dos soldados da Aliança. Ao ouvir o primeiro tiro, o Cavaleiro soube que estava próximo às tropas aliadas, mas o rádio ainda não tinha alcance suficiente.

O som de tiros ecoou pela floresta, centenas de disparos por armas de projéteis impulsionados por ignição explosiva, uma tecnologia desconhecida pelos bravos soldados de Reino de Bronze. Alheios ao perigo, as tropas vermelhas avançaram rumo ao seu fim iminente.

 — Cessar fogo! — A voz do Cavaleiro de prata foi ouvida no rádio dos soldados — Parem de atirar ou vou acabar com a raça de vocês!

Antes que o cavaleiro de armadura acabasse de falar as balas pararam de cruzar a floresta, e o silêncio voltou a reinar. Agora até mesmo os pássaros fizeram silêncio, mas ainda podia se ouvir leves gemidos, vozes fracas de agonia dos soldados vermelhos que pareciam se despedir do mundo dos vivos sem ao menos saber a causa de suas mortes.

Foram apenas alguns segundos de disparos, mas fora o suficiente para deter um grupamento militar de renome naquele mundo. Enquanto os soldados de armadura tentavam entender o que havia atacado seu batalhão, se viram cercados por dezenas de homens vestindo roupas cuja cor imitava os tons da floresta, carregando objetos de metal alongados e de ponta oca.

Compreendendo que aqueles eram os atacantes, e que estavam em desvantagem, o líder do grupo ordenou que seus soldados se rendessem. Lutar naquela situação levaria ao fim do grupo inteiro, talvez se rendendo ele pudesse obter respostas.

 — Eu sou Baruc, o atual líder dos soldados vermelhos. Nós estamos nos rendendo, sem nenhuma resistência… 

 — É um milagre que ainda estejam vivos! — Disse uma voz levemente rouca, abafada em meio a sons de metal, em um tom que passava tranquilidade e ao mesmo tempo impunha respeito — E parte desse milagre se deve à minha intervenção…

 — O Cavaleiro… de Prata! — O líder dos soldados vermelhos arregalou os olhos quando viu a figura prateada se aproximar.

 — Senhores! — O homem de armadura reluzente se aproximou — Ao que parece suas armaduras são quase resistentes às balas, mas se eu não ordenasse o fim do ataque, creio que todos vocês estariam mortos nesse exato momento.

 — …balas? — O líder dos soldados vermelhos ficou confuso.

 — Oh! Perdoe-me… — O cavaleiro de Prata fez uma mesura — As vezes eu confundo o senso comum dos dois mundos. — E apontando para a arma de fogo do soldado da aliança, ao seu lado, continuou — Essas armas são do mundo dos heróis, eles disparam pequenos projéteis capazes de atravessar armaduras e matar pessoas à distanciais inimagináveis!

 — Uma magia de outro mundo? — Um dos soldados vermelhos indagou — Foi assim que quase nos mataram em segundos?

 — Sim e não! — Respondeu o soldado ao lado do cavaleiro de Prata — Quase os matamos em segundos graças a essas armas, e só não o fizemos devido à ordem de parada, mas isso não é magia… É tecnologia! Suas armaduras e espadas agora são coisas do passado!

Enquanto a conversa se estendia em meio à tensão, o Cavaleiro de Prata observava os arredores, vendo que mesmo com a chuva de balas os soldados vermelhos ainda estavam vivos, sem nenhuma baixa e apenas alguns gravemente feridos, enquanto pensava:

 — Incrível como essas armaduras são resistentes, quase tanto quanto a minha! — E virando para os soldados da AI ordenou — Levem os feridos até o acampamento e cuidem dos seus ferimentos, temos bastante material de primeiros socorros.

Enquanto os soldados da aliança iniciavam os primeiros socorros e levavam os soldados vermelhos para o acampamento, o Cavaleiro de Prata resolveu obter algumas informações de Baruc.

 — Passei muito tempo fora. — Disse o homem de armadura prateada — Não sei como estão as coisas por aqui, apenas alguns boatos que me desagradaram um pouco e forçaram o meu retorno prematuro…

 — Creio que tais boatos devem ser verdadeiros se falam a respeito da crise na União Maior do Oeste. — Baruc respondeu com tristeza — Depois da guerra, quando achamos que as coisas iam se ajeitar, na verdade deu tudo errado…

 — Fale-me do Reino de Bronze! — O Cavaleiro de Prata instigou em um tom gentil — E também o porquê de estarem fugindo.

 — As notícias do Reino de Bronze são tristes, estamos em meio a uma guerra civil. — Explicou Baruc — Depois que Flek deu um golpe nos outros três reinos do Oeste uma grave crise se instaurou na região, desde o Reino de Prata ao Reino de Cristal.

 — Aquele moleque mimado… — O Cavaleiro de Prata rosnou — É só deixar sozinho que ele estraga tudo!

 — E por que não fizeram nada? — Perguntou um dos soldados da Aliança — Vocês são um exército, deveriam proteger o seu país… digo, reino. 

 — Os soldados vermelhos protegem o reino, não matamos nossos civis, então optamos por não intervir e seguir protegendo as fronteiras, e quando a crise passasse juraríamos lealdade ao novo rei, não importando quem fosse…

 — Alguns viram isso como traição, pois queriam que tomássemos partido de algum lado no conflito, então muitos de nós foram capturados e torturados, nem sabemos ao certo se ainda estão vivos!

 — Mas recentemente o número de facções diminuiu drasticamente e apenas três grupos brigam pelo poder, um deles é o exército interno, que protege a segurança dentro das cidades e aldeias. Diferente de nós, eles estão acostumados a atuar contra civis e não seguem um código moral tão rígido.

 — É deles que estamos fugindo! — Completou um dos soldados vermelhos.

 — Pelo visto, esse mundo permanece a mesma porcaria de antes de eu sair, com a diferença que sem a minha presença para guiar esses reinos, tudo desandou de vez! — O Cavaleiro de Prata disse olhando para o horizonte.

 — Você não está se achando demais? — Perguntou um dos soldados da Aliança.

 — Anos atrás eu comecei uma guerra, tempo depois eu a encerrei e fiz com que todos os sete reinos ficassem estáveis, aí passo um tempinho de férias e descubro que tudo que fiz foi jogado aos ares, isso é uma tremenda falta de respeito com o meu trabalho duro.

 — Mesmo após todo esse tempo o seu nome não foi esquecido, tenho total certeza de que se você ainda estivesse aqui, nesse mundo, nada disso teria ocorrido.

 — Então os senhores soldados vermelhos estariam dispostos a se aliarem a mim e à Aliança 

 — Para nós seria a maior honra, trabalhar junto ao grande cavaleiro de Prata, principalmente se não precisarmos ficar contra esse exército que usa “balas”…

 — Pelos deuses! — O Cavaleiro de Prata falou alto abrindo os braços ao céu — O grande guardião os trouxe aqui para nos encontrar, ou de que outra forma tamanha coincidência poderia ocorrer? Convido-os a se aliarem a mim e aos bravos soldados da aliança do Outro Mundo!



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