Volume 2

Capítulo 98: Ao Leste e Além

Shiduu entrou em seu banheiro particular, desenrolando-se de sua toalha felpuda e exibindo seu corpo invejável, apesar de algumas cicatrizes espalhadas por sua pele morena. Entrando na banheira com água morna, ela se deixou relaxar.

Nas inúmeras missões que havia realizado em nome do Reino do Leste, a mais velha em idade dentre os filhos de Miraa experimentara diversos tipos de prazeres e luxos. A banheira com água quente e sais perfumados foi algo que descobriu no Reino de Cristal, e quando voltou para casa pediu que uma fosse construída em seu quarto.

Desde então sempre manteve contato com mercadores do reino no extremo oeste, não deixando faltar o estoque de perfumes e óleos de banho. Aquele era um luxo que ela exigia dar a si mesma.

— Uma pena que aquele cara não está aqui para eu aproveitar esse momento em uma boa companhia…

Falar sozinha era outra coisa que ela se permitia quando estava em seu momento de privacidade. Mas aquele dia estava apenas começando, e Shiduu não esperava receber aquela visita repentina.

Um brilho se formou à sua frente, e em menos de um segundo um clarão a deixou quase cega. Mesmo sem conseguir ver o que estava acontecendo, Shiddu sentiu algo grande cair dentro da banheira.

Seus reflexos a fizeram saltar longe, em direção de onde havia deixado suas roupas e armas. Ainda cega, ela tateou até encontrar uma das adagas, ao mesmo tempo sentiu sua visão retornando.

— Aí chefe, deu certo? — Uma voz conhecida veio da banheira.

Shiduu olhou com atenção, sua visão foi retornando até que ela conseguisse reconhecer Felipe, ele estava de pé dentro da banheiro, com a boca aberta e olhar de espanto. Só então Shiduu lembrou que estava nua.

— Des-culpa… — Felipe disse enquanto girava o corpo lentamente até ficar de costas para Shiduu, em seguida levantou as mãos — Se puder não me matar eu ficaria imensamente agradecido…

Shiduu não sabia como reagir àquela situação, dentre tudo que ela já tinha passado na vida, alguém aparecer do nada dentro da sua banheira pessoal era novidade. Ela viu quando Valmir se levantou com dificuldade.

— Ai droga… — O segurança disse quando viu a situação em que ela estava — Eu falei que não era uma boa ideia…

— Com chegaram aqui? — Ela questionou.

— Teletransporte. — Felipe respondeu, saindo da banheira de costas para Shiduu.

— Isso deveria ser impossível… — Ela comentou — Mas é claro, nada é impossível para um heroi… Ah, quer saber? Saiam daqui logo, estão atrapalhando meu banho! É meu momento de relaxar, e depois eu vou cobrar explicações.

Felipe e valmir caminharam em direção à porta, Felipe tentava não olhar para a assassina pelada e com uma adaga na mão ao seu lado, enquanto isso Valmir dava olhares carregados de malícia e segundas intenções.

— Esperem! — Shiduu disse em tom impositivo — O Valmir… — Ela engoliu em seco e continuou — E-ele fica…

Felipe deu um sorriso sugestivo para o segurança, e saiu de lá com pressa, ele sabia que Valmir estava com fome mas não ia discutir com uma das pessoas mais perigosas do Reino do Leste.

Demorou um pouco até que Shiduu e Valmir se juntasem aos demais na mesa de refeição, quando os dois chegaram encontraram Felipe, Renee, Kai e Tibee conversando sobre a guerra, enquanto aguardavam os demais para o jantar.

— …inclusive já chegaram as primeiras caravanas de refugiados. — Dizia Renee.

— Tenho certeza que não foi uma decisão fácil, os mais novos são obviamente contra a inserção do Leste nesse empreitada, enquanto os mais velho, já calejados, não devem ver muitas opções.

— As coisas seriam mais fáceis se você apenas pudesse nos dizer qual a opção correta.

— Essas coisas não existem! — Felipe sorriu — No final o que vale é o resultado e não o que motivou a guerra.

— Odeio essas sabedorias sofistas!

— Não é sofisma, veja bem, todos dizem que essa guerra é inevitável, e por isso niguém tenta evitá-la. Então a pergunta correta não é: Devemos ou não entrar na batalha?”, e sim: “Como devemos agir durante a batalha?”.

— E mais uma vez você diz coisas que não fazem o menor dos sentidos.

— Tudo bem, vou tentar resumir e explicar de uma forma que todos possam compreender. É tudo culpa do André!

— Quê? — Um coro de vozes ecoou.

— Nos últimos quatro anos e meio ele viajou por aí causando pequenas ações que geraram uma bola de neve, e tenho certeza de que ele planejou tudo. O resgate dos escravos nos reinos do oeste quebrou a economia local, os refugiados levados para o Sul aumentaram o poder do exército de Long-Hua, a destruição de uma das três pontes sobre a Grande Falha limitaram o escoamento de alimentos para as cidades dos reinos de Prata e de Aço, e tudo isso levou o prícipe Flek a dar um golpe nos outros três reinos do oeste. Mas com a queda de flek, os reinos ao redor do Reino de Prata se vêem tentados a atacar o reino que fica ao centro do continente.

— Mas todos nós sabemos que foi Jonas quem matou Flek!

— E todos nós sabemos muito bem que ele só matou Flek para salvar Esmeralda, e adivinha quem levou a informação de que ela estava sendo mantida em cativeiro?

— Não consigo imaginar Deco e Jonas conversando amigavelmente sobre salvar Esmeralda…

— Afff… — Felipe esfregou a testa — André nunca foi com a cara de Jonas, e vice-versa. Mas se você adicionar Victoria…

— Ela foi uma das poucas que nunca ficou contra o nosso irmão mais novo.

— Exatamente! E foi ela quem convenceu Jonas a vir, não que fosse difícil, mas ela é uma das poucas pessoas que tem Jonas e André como amigos em comum, sem contar que é parte da guarda da princesa regente, ela tinha quase como obrigação vir salvar esmeralda.

— Falando assim parece fazer sentido, mas ainda tenho minhas suspeitas…

— Claro que tem! — Felipe o interrompeu — Mas você não esteve em Motog, se soubesse os segredos dos deuses que estão escondidos lá acreditaria em mim e entenderia qual o significado de tudo que o André fez.

— Está dizendo que ele manipulou meio mundo, começou uma guerra e você concorda com ele?

— Não. Estou dizendo que entre todos os envolvidos ele é a pessoa que está menos errada.

— E qual será a sua atitude? Vai entrar na guerra ou ficar apenas manipulando como anos atrás?

— Não tenho interesse em guerras, e dessa vez não tenho obrigação nenhuma em participar. Meu destino já está traçado rumo ao leste.

— Já está no Leste.

— Não o Reino do Leste, mas o extremo leste, além mar. Eu vou até a morada dos deuses, onde os últimos segredos desse mundo habitam.

Os filhos do Leste se entreolharam icrédulos, nunca haviam ouvido falar de alguém que foi tão longe.

— Posso ir junto? — Shiduu peguntou — Tenho meus motivos para qurer ir lá também.

Felipe olhou para Shiduu, depois para Valmir e por fim para Renee.

— Não vou te impedir, mas acho que você seria mais necessária aqui…

— Não. Eu já estou cansada dessa vida de guerras, mortes, sofrimento… — Ela retrucou — Quero me aposentar de tudo isso.

— Por mim tudo bem. — Renee disse.

Ninguém presente se opôs à decisão de Shiduu de partir com Felipe e Valmir, então naquela noite houve uma grande festa. Shiduu deu a Tibee a chave do seu quarto, lhe permitindo acesso à banheira e os sais de banho como presente de despedida.

E antes que o sol emergisse completamente na linha do horionte o três partiram rumo ao litoral buscando alguém que fosse louco o suficiente para levá-los oceano a dentro rumo ao extremo leste.

Segundo as informações do gerente do cais, só havia um homem com tamanha coragem. Seu nome era Nivaa.

Não foi muito difícil achar o homem, ele estava deitado em uma rede de pano atada entre o mastro do barco e a cabine do capitão.

Felipe mostou uma sacola cheia de moedas de ouro e disse:

— Queremos ir à morada dos deuses e precisamos de alguém louco o suficiente.

— Vocês são as segundas pessoas loucas o suficiente para quererem ir ao fim do mundo.

— E quem foi a primeira? — Felipe perguntou, mas sua expressão dizia que ele já sabia a resposta.

— Vocês saberão quando chegarem lá.

Os três subiram no barco e deixaram o vento empurrar a embarcação lentamente em direção ao extremo leste.

Conforme se afastavam da costa os três olhavam para a infinidade de água que estavam prestes a cortar.

— É sério… — Disse valmir — Quem foi a primeira pessoa?



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