Volume 3

Capítulo 122: Dia de Trégua

Nilo caminhou por entre os soldados de cristal, passando cima de cadáveres e desviando dos homens de armaduras cintilantes como se fosse mais importante que eles, enquanto os guerreiros de Esmeralda o encaravam com um misto de gratidão e curiosidade.

Passando pela plataforma de madeira onde estavam Esmeralda, Jonas e Lucas, Nilo não fez questão sequer de cumprimentá-los, apenas continuou andando em direção ao acampamento das Pessoas Livres do Leste.

Aos poucos ele começou a ver alguns rostos conhecidos e se sentir em casa. Para quem nunca teve uma casa, sua família é seu lar. E para quem nunca teve uma família, seus amigos são o porto para onde retornar.

Ele se sentiu emocionado em ver seus amigos mais uma vez.

— Você chegou! — Adênia correu e o abraçou.

Outros também se aproximaram, todos felizes com a volta de um dos mais importantes do grupo. 

De longe Ametista já acenava e gritava por Nilo, ele se jogou em cima dele e de Adênia, caindo abraçada com ambos. Algumas da Pessoas Livres que viveram com Nilo nos tempos de rato fizeram o mesmo, gerando um amontoado humano.

Assim que conseguiu se livrar de todas as pessoas em cima dele, e cumprimentou demoradamente cada uma deles, Nilo viu Brogo e Jairo, antigos parceiros de aventura que conheceu quando reencontrou Deco, anos antes.

Adênia, Ametista, Brogo e Jairo levaram o feiticeiro para dar uma volta, conhecendo o acampamento e explicando a atual situação da guerra para ele. As vezes precisavam parar para alguém cumprimentar Nilo, já que ele era bem famoso entre as Pessoas Livres do Leste. Mesmo que Adênia e Deco fossem os fundadores, Nilo foi uma espécie de mentor de ambos, e isso lhe concedia um status elevado no grupo.

Uma garota magra, usando um vestido simples, e sem nenhuma arma o cumprimentou também.

— Iffy! — Nilo abraçou a garota — Quanto tempo? De todas as pessoas do mundo, você é a que eu menos esperava ver aqui!

— Muito tempo mesmo — Ela respondeu enquanto correspondia o abraço — Quando a crise de alimentos assolou o norte do Reino de Prata, toda Utab se tornou palco de uma revolta sem precedentes. Então convenci o que restou da minha família a vir para Parva, e me alistei nas Pessoas Livres como forma de garantir que eles seriam aceitos… — Iffy explicou.

— Acho que passei muito tempo fora do grupo. — Nilo comentou — Mas fico feliz que esteja viva depois de tudo…

— E a melhor parte é que tenho minha consciência tranquila. — Ela disse sorrindo.

— Nada no mundo é melhor do que poder deitar a noite e dormir sem arrependimentos. — Nilo concordou batendo de leve no ombro dela.

A garota sorriu e assentiu com a cabeça, em seguida pegou dois baldes e continuou suas atividades. Era isso que significava ser uma das Pessoas Livres, cada um tinha sua liberdade, mas todos trabalhavam pelo coletivo. Nenhum deles estava ali para lucrar em cima do trabalho dos outros.

Passando o olhar pelo acampamento, Nilo viu algumas pessoas que já conhecia, mas que não eram exatamente do grupo. Alguns eram heróis… Desde quando eles se aliaram com os heróis? 

Aquele grandalhão musculoso e sem camisa era, com muita certeza, Kawã. E agora mesmo o herói que detinha habilidades dos animais estava conversando animadamente com Brogo como se nunca antes tivessem tentado se matar.

Havia até uma sensação estranha de que os dois estavam se dando bem demais. Se Nilo não soubesse que Brogo tinha uma queda por homens grandes e musculosos, acharia que era coisa da sua imaginação fértil e caótica.

Mais à frente Leonardo estava cozinhando alguma coisa, acompanhado por Van-Nee e uma garotinha. Aquela devia ser a filha deles, Andréia, pelo que Nilo lembrava. Ela tinha a beleza da mãe, mas o olhar afiado e os movimentos ágeis eram uma herança totalmente paterna.

Adênia indicou um lugar para Nilo se sentar, Brogo e Jairo sentaram-se de um lado, Adênia e Ametista do outro. 

— Aqui… — A garotinha, filha de Leonardo, entregou uma cuia com comida para Nilo — A comida do papai é ruim, mas é melhor do que a sopa de batatas da mamãe.

— Eu ouvi isso! — Van-Nee reclamou.

— Pode comer sossegado, não há indícios de movimentação inimiga. — Leonardo disse.

— Depois da surra que você sozinho deu neles, duvido que queiram fazer outro movimento idiota. — Adênia deu uma risada enquanto falava.

— Sim, mas gastei muito poder ali. — Nilo disse em meio a um bocejo cansado — Usei muitos feitiços e itens mágicos combinados, mas ele não precisam saber.

— Isso mesmo! — Jairo concordou — Deixa pensarem que aquele é seu poder de verdade.

Nilo pôs uma colherada da comida na boca, e realmente era bem ruim. Mas ele se lembrava de ter comido coisa pior, e também de ter passado fome. Quando se lembrava que fingia ter comido para deixar que os menores se alimentassem, nos tempos de rato, ele se sentia muito orgulhoso de si mesmo.

E ver todas aquelas pessoas no acampamento fazia ele sentir que todo seu esforço e trabalho duro valeu a pena. Mesmo que algumas coisas ainda não fizessem sentido.

— Por que mesmo estamos trabalhando com Jonas? — Nilo perguntou — Achei que éramos inimigos dele.

— Muitas coisas mudaram… — Ametista respondeu — Estávamos em paz com o Sul até uns dias atrás também.

Leonardo contou então tudo que havia acontecido, enquanto Adênia e Ametista completavam com informações que ele desconhecia. Foi uma história bem longa, ele até teve tempo de repetir a cuia de gororoba, que era como Leonardo chamava sua comida.

— Então, deixa ver se eu entendi… — Nilo estava confuso — O cara ali prendeu sua esposa e filha, ameaçou elas e você não fez nada?

— Eu coloquei ele na linha de frente. — Leonardo retrucou — Agora a cabeça de Jonas é a mais desejada do continente.

— Isso não parece ser suficiente.

— Ele não tinha capacidade alguma de ferir minha filha, mesmo se tentasse…

— Ele é um dos 32 heróis!

— Vou te mostrar como ele é medroso. — E virando-se para Andréia, disse — Vá até o Jonas ali e diga a ele que você não tem medo dele.

— Quê? — Nilo ficou de boca aberta com a atitude desleixada de Leonardo.

Sob o olhar atento do grupo, a garotinha andou animadamente pelo acampamento até chegar onde Jonas estava sentado, de costas para ela. Andréia tocou o ombro de Jonas, e quando ele se virou, assustou-se e rolou pelo chão três vezes antes de criar uma barreira cúbica ao seu redor.

Estava muito longe para ouvir o que a garotinha disse, mas conforme ela voltava, Nilo viu Jonas desfazer sua barreira e gritar alguns xingamentos de baixo nível. Andréia virou-se para ele e o repreendeu por tais palavras. E Jonas se desculpou com ela.

Nilo não conseguiu segurar a risada. Um dos grandes heróis estava baixando a cabeça e pedindo desculpas a uma criança de seis anos. Uma criança havia repreendido a boca suja de um dos três heróis do reino de Prata.

Ele viveu por aquele momento.

Se não fosse a tensão da guerra eminente e o exército inimigos a algumas centenas de metros à frente, Nilo até acharia que era tudo uma grande brincadeira, um encontro de amigos. Mas o carvão e as cinzas das piras funerárias de seus irmãos ainda estavam espalhadas em meio às barracas do acampamento.

Se teve uma coisa que ele aprendeu desde sua infância nas ruas, sua adolescência no mundo, e sua vida adulta na guerra, foi que cada momento deve ser aproveitado ao máximo, e cada oportunidade de sorrir não deve ser desperdiçada. Um sorriso é um dia a mais de vida.

Olhando para aquela criança com um cajado mágico em meio a todos aqueles homens e mulheres destinados à guerra, Nilo até se sentia mal. Mas não poderia fazer nada, aquele era um mundo onde cada soldado a mais poderia fazer a diferença, mesmo que tivesse apenas seis anos.

Como que para atrapalhar seus pensamentos, um estrondo característico foi ouvido por todo acampamento. Nilo olhou para a direção de onde havia o efeito da barreira do som sendo rompida e viu que se tratava exatamente do que ele havia imaginado.

Josiley havia retornado.

— Ele chegou! — Josiley gritou — O André está na Montanha Solitária!

— Que notícia boa! — Jairo comemorou.

— Ele virá para cá? — Adênia perguntou animada.

— Claro. Mas antes ele precisa falar com Iffy.

Todos os olhares se voltaram para a garota. Alguns se perguntavam o que André queria com ela, mas os mais antigos sabiam do que se tratava.

— Anne… — Brogo rosnou.


Nota do autor:

Então pessoal, deixando aqui uma arte conceitual feita por mim mesmo. O personagem escolhido foi a Zita, nossa garota de fogo.

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