86: Eighty Six Japonesa

Autor(a): Asato Asato


Volume 6

Capítulo 2: A vida é uma sombra que passa

“A seguir, ponto 183-570. Estima-se que o inimigo seja um grupo do tamanho de um pelotão de Ameise.”

“Unidade inimiga confirmada pela visão. Um pelotão de Ameise… Incluindo três alvos.”

“Entendido. Gunslinger, abrindo fogo.”

Na antiga fronteira do Reino Unido, nos territórios da Legião ao longo das regiões do sul da cordilheira do Dragon Corpse, os preparativos para a próxima ofensiva estavam em andamento. Destacamentos blindados compostos por unidades da Legião de classe pesada estavam sendo concentrados nas linhas de frente, enquanto os preparativos para uma ofensiva aérea eram feitos atrás deles.

No horizonte entre os céus prateados e a deslumbrante paisagem de neve branca, três Zentaurs e um pelotão de Ameise estavam agachados em uma encosta íngreme voltada para o oeste enquanto a neve se acumulava sobre eles. Suas ordens eram para permanecer em espera. Essas máquinas de combate não tinham noção de tédio e permaneciam ociosas — sem desgosto ou tédio — enquanto esperavam o comando para atacar.

Foi então que o ruído repentino de um pedaço de metal de alta densidade e alta velocidade perfurando uma armadura soou no ar antes que o som fosse absorvido pela neve. Um dos Zentaurs caiu impotente no chão, tendo sido baleado em seu núcleo central.

A vizinha Ameise virou seus sensores compostos na direção do Zentaur que havia caído como uma marionete com suas cordas cortadas. E ao fazê-lo, as duas unidades Zentaur restantes foram abatidas uma após a outra. Esses projéteis perfurantes de alta velocidade viajaram a uma velocidade inicial de 1.600 metros por segundo – mais rápido do que seu tiro poderia ecoar.

No momento em que Ameise se voltou para reconhecer o destino dos Zentaurs, eles não tiveram nem um momento livre para transmitir notícias do ataque inimigo à sua unidade de Comandante Supremo. O Ameise ficou totalmente indefeso contra a saraivada de cartuchos de 88 mm disparados com precisão de laser, disparados tão rápido quanto seu mecanismo de recarga automática poderia operar.

“A supressão de alvos e unidades periféricas está completa, Sir Ceifador.”

“Entendido. Kurena, mude de posição. Seu próximo alvo é uma finta. Ludmila, ponto 202-358. Presume-se que seja uma unidade blindada composta principalmente por Löwe. Por favor confirme.”

“Um momento por favor. Grupo Malinovka, uma mudança de posição. Mova-se para o ponto—”

Enquanto ela ouvia a conversa de Shin com o comandante do Grupo Malinovka- o Sirin chamado Ludmila – Kurena levantou Gunslinger de sua posição de atirador. Ela estava no meio de uma floresta de coníferas negras, seus topos como lanças brandidas contra o céu. Como os espinhos na espinha de um dragão.

A neve densa, que havia caído dos galhos próximos quando o recuo de seus tiros sacudiu o ar, escorregou da fuselagem de sua unidade. A neve não derretia nessa temperatura, então ela permanecia branca e em pó. O céu acima desta floresta nas zonas contestadas, que ficavam relativamente próximas ao território da Legião, estava de fato selado por uma camada de prata. Era provável que por trás do Eintagsfliege que formava esse véu de prata estivessem suas unidades comandantes, os Rabe.

E assim, para manter sua silhueta escondida deles, sua armadura Juggernaut foi tingida de branco com tinta de camuflagem. Ainda assim, no momento em que ela atirasse, o estrondo estrondoso da torre de 88 mm exporia sua posição. Como tal, antes que aqueles irritantes vigias aéreos se aproximassem dela, Kurena usou os galhos grossos como cobertura para mudar rápida e cautelosamente a posição de Gunslinger.

Shin, que também estava explorando as zonas contestadas, e os Alkonosts encarregados de confirmar e recuperar seus alvos também repetiam um ciclo de cobertura e mudança de posição. Sua força para esta série de emboscadas – que consistia no esquadrão Spearhead e uma única companhia de Alkonosts – era relativamente pequena e, portanto, eles tinham que cumprir sua missão evitando hostilidades abertas tanto quanto possível.

“Um trabalho bem feito, Lady Gunslinger. Darya, retirando-se.”

Ela recebeu uma transmissão pela Ressonância Sensorial do Sirin encarregado de fazer o reconhecimento à frente – Darya. Ela tinha cabelo rosa trançado e parecia ainda mais jovem do que as outras Sirins, todas feitas para parecerem meninas.

Eles cooperaram na Base da Cidadela de Revich e estavam trabalhando juntos mesmo agora que haviam se mudado para a base de reserva. Graças às suas muitas operações conjuntas repetidas, Kurena e o resto dos Processadores se acostumaram a trabalhar em conjunto com os Sirins. As forças gerais definidas para participar da operação Montanha Dragon Fang eram menores do que antes, mas a força de invasão em si não era muito diferente em comparação com o rascunho original do plano.

Dito isso, Kurena ainda não estava acostumada a lidar com essas garotas, que se consideravam existências descartáveis.

“Mas, sinceramente, seria melhor você deixar esse dever para nós. Estas podem ser as zonas contestadas, mas ainda estamos operando perto dos territórios da Legião. Esta missão é muito perigosa para vidas humanas.”

“Não é como…você pode fazer as acrobacias que eu posso, certo?”

Ela quase os chamou de descartáveis, mas se conteve a tempo. Ela não queria dizer isso. Essas foram as mesmas palavras que os porcos brancos dirigiram ao Eighty-Six. Mas os Sirins eram diferentes dos Eighty-Six.

Não somos como essas coisas. Podemos ser parecidos, mas não somos como eles.

“…Isso pode ser verdade. Nós nos especializamos em combate corpo a corpo até agora, então não temos a mesma proeza de atirador que você, Lady Gunslinger. Mas se você nos emprestar seus dados de tiro e Juggernaut para que possamos analisar suas técnicas de tiro, podemos estudá-los de acordo. E assim que ganharmos experiência de combate suficiente…”

Kurena franziu os lábios com força com essa sugestão.

“Não tem jeito…”

Isso é tudo que eu tenho. Este campo de batalha é o único lugar onde posso estar ao lado de Shin. Eu gostaria que ele me levasse de volta com ele no dia em que caísse na batalha. Desde então, Shin e eu deixamos de ser iguais. Eu não era mais um salvador, eu me tornei alguém procurando ser salvo. Não posso apoiar Shin… Ele não vai confiar em mim. Mesmo agora, quando ele está sendo atormentado por alguma coisa. Então, no mínimo, isso… Não tem jeito…

“…Estou desistindo disso para qualquer um.”

“Entendido. Esquadrão Spearhead e grupo Malinovka, retirando-se da área de batalha.”

Shin suspirou quando a ordem de retirada de Lena chegou do centro de comando da base de reserva. Como sempre, a imagem de um mundo branco foi projetada em sua tela ótica. Fazia meio mês desde que ele tomou sua decisão. Uma parte dele não podia deixar de sentir que estava fugindo dela. Ocupou-se obstinadamente com os preparativos da operação, escondendo-se nos combates e nas tarefas cotidianas que a acompanhavam. Tudo em uma tentativa de adiar a tarefa que ele percebeu que tinha que fazer.

Ele precisava fazer algo que era incapaz de fazer até agora, ele precisava imaginar seu próprio futuro.

Mas, embora ele entendesse isso, meio mês se passou e ele ainda não tinha ideia do que realmente deveria fazer. Ele sabia que estava apenas parado e sem fazer nada, mas não conseguia se mover.

Ele não tinha nenhum objetivo pelo qual lutar, afinal. Nada que ele quisesse fazer. Nenhum lugar que ele quisesse ir, nenhuma visão de si mesmo que ele quisesse se tornar. Embora ele se fizesse essas perguntas incansavelmente, ele não conseguia encontrar uma única resposta. Ele não tinha nada além do vazio paralisante que sentia o tempo todo.

A única coisa que ele realmente podia sentir era a sensação de urgência queimando em seu coração. No momento em que ele percebeu isso, as emoções surgiram, obrigando-o a fazer alguma coisa.

“Você pode desejar por isso.”

Então ela disse. E ele queria responder a essas palavras. Mas ele veio vazio…

“Não tenho nada, Lena.”

Ele sussurrou essas palavras muito baixo para ser captado pelo Para-RAID desligado e sem fio. Lena disse que queria felicidade para todos. Mas isso foi…

“O que as pessoas que não podem desejar nada devem fazer…?”

O que aqueles que não podem responder a essa oração devem fazer…?

Aparentemente, ter imagens de campos de flores desenhados nas paredes do refeitório era algo que todas as bases da linha de frente do Reino Unido tinham em comum.

“Sério, como você continua inventando essas operações?”

A base de reserva na segunda linha de frente do Reino Unido era o posto atual do Ataque Alfa do Setor Eighty-Six. Era cercada por florestas e montanhas, que eram alimentadas por um grande rio. Em contraste com a impressão estéril que as palavras terra do norte podem invocar, o Reino Unido foi abençoado pelo esplendor da natureza. Havia muitos ingredientes naturais para cozinhar.

Raiden falou com a boca cheia de ensopado de peixe, que havia sido cuidadosamente fervido para realçar todo o sabor dos ingredientes. Pode ter sido um pouco saboroso demais para alguém que não estava acostumado. Lena sorriu para ele.

“Na época em que comandava o esquadrão Brísingamen e durante a ofensiva em larga escala, tive que lutar usando tudo o que tinha. No entanto, admito que desta vez tirei um pouco…bem, uma grande parte do sono do desenvolvedor do sistema.”

Ela tentou não pensar muito nos objetos que Vika enviou além dos itens que eles iriam usar.

Theo, de garfo na mão, acrescentou:

“A propósito, ouvi dizer que Anju e Kurena serão separadas do resto da unidade durante a operação da Montanha Dragon Fang. E também as forças de atiradores e de supressão de superfície para os outros esquadrões.”

“Admito que não posso mostrar exatamente meu valor dentro da fortaleza inimiga.”, disse Anju.

“Tenho certeza que posso acertar minhas marcas mesmo em lugares apertados, no entanto.” Kurena disse mal-humorada.

Raiden suspirou exasperado.

“É por isso que estamos usando essa sua habilidade para esmagar as unidades inimigas.”

“Desta vez, o Reino Unido não pode se dar ao luxo de nos emprestar nenhuma força para nos proteger enquanto avançamos… Ter vocês duas mantendo o inimigo preso pela retaguarda enquanto avançamos será mais útil para nós do que ter você conosco.”

Depois de ouvir essas palavras de Shin, Kurena sorriu com orgulho.

“Certo! Deixe para mim!”

“…Meu Deus, menina, você é uma simplória…”, comentou Frederica com um toque de exasperação. “Espero que você não se veja enrolada no dedo mindinho de algum homem vil.”

“Com licença?!”

Quando Kurena ficou de pé, derrubando sua cadeira com um baque, Shin, Raiden e Theo começaram a embaralhar suas porções dos únicos cogumelos salgados do Reino Unido na bandeja de Frederica.

“Aaah! O que vocês estão fazendo?!”

“Você foi um pouco longe demais desta vez, Frederica.”, disse Anju gentilmente.

“Hmph! Não vê? Shin, Raiden e Theo estão do meu lado!”

Kurena estufou o peito. Ao contrário da infantilidade de suas palavras, aquele gesto acentuou suas curvas maduras, o que levou Frederica a rosnar com raiva. Olhando para essa troca, Lena riu. Todos os Eighty-Six pareciam deprimidos desde a batalha na base de Revich, mas parecia que estavam começando a se recuperar.

Na verdade, nada foi realmente resolvido. Mas eles pareciam ter trocado de marcha desde que chegaram a esta base da linha de frente – para o campo de batalha. Shin e os outros Processadores estavam recuperando sua alegria e suas proezas de combate. Eles podem ter sido jovens no meio da adolescência, mas ainda eram Eighty-Six – guerreiros que sobreviveram ao setor Eighty-Six por anos. Ser capaz de ajustar rapidamente suas mentalidades era uma habilidade que eles naturalmente precisavam desenvolver.

“E não são só vocês dois. A retaguarda e a unidade anexa de Vanadis ficarão para trás…”

Um barulhento “Você conseguiu, Ceifador!”, cortou Raiden, que voltou seu olhar para uma mesa próxima. Shin ignorou aquele grito. Lena voltou o olhar para Shin, mas ele não olhou para trás. Ocorreu a ela que, desde que chegaram a esta base, Shin não falava com ela fora de questões relacionadas ao trabalho. Ele olhou para baixo em contemplação, fingindo não notar os olhos dela nele.

Quando foi a última vez que eles se falaram? Ah, certo, depois da grande conferência, naquele jardim coberto de neve e estrelado. Quando, por um momento, ele mostrou a ela a expressão desdenhosa, mas confusa de uma criança perdida.

Sobre o que era tudo isso…?

“Pessoal da Shiden, hein…? Eu sei que a força principal do Reino Unido foi muito mal, mas eles realmente serão suficientes para defender o QG?”

“Ei, Ceifador! Não me ignore! Eu sei que você pode me ouvir!”

“Você não precisa se repetir. Eu posso ouvir você muito bem. Apenas sente-se quieto e seja uma boa cão de guarda, como sempre.”

“Ah-ha-ha-ha! Você finalmente admite, hein?! Não se preocupe. Minha unidade manterá Sua Majestade aqui sã e salva. Ao contrário de você, Ceifador!

Os dois pareciam ter começado algum tipo de discussão animada e sem sentido. A visão deles brigando fez um sorriso brincar nos lábios de Lena e empurrou aquela ansiedade momentânea e irritante para o fundo de sua mente.

Por um tempo, pelo menos.

A função principal da sala era um escritório pertencente a um membro da família real, mas ainda funcionava como uma base de linha de frente. Quando Lerche entrou na câmara, que era muito mais sombria do que qualquer outra no palácio, ela descobriu que seu mestre ainda estava olhando para um documento eletrônico holográfico pairando no ar.

“Sua Alteza, a base está prestes a entrar em ação. Você deve se preparar para dormir… Ou melhor, acredito que você deveria fazer uma pausa primeiro. Vou servir-lhe um pouco de chá.”

“Obrigado… Mas antes disso… Ei.”

Tirando os óculos que usava para trabalhar na mesa, seu mestre silenciosamente chamou seu nome.

“Lerche.”

Ele falou com ela com um tom casual, mas Lerche franziu os lábios. As Sirins não eram equipadas com nenhum sentido além da audição e da visão e não tinham funções para respiração ou digestão. Mas a única exceção era a capacidade de mudar suas expressões faciais.

Vika a encarou com seus frios olhos violeta enquanto ela permanecia parada na frente da porta do escritório. Lerche pensou que podia entender por que aqueles que procuravam caluniar esse homem o chamavam de serpente. Quando ele olhou para ela assim, parecia que algo totalmente desumano a prendeu em seu olhar. Uma serpente negra, cativante e de sangue frio. A maneira como seus olhos violetas Imperiais a encaravam, como se estivessem vendo sua alma, era realmente aterrorizante.

“O que você disse a Nouzen durante a última operação?”

“…Nada em particular.”

“Você está mentindo. Ele tem evitado você desde aquela carga final. E ele não tem sensibilidade para ser repelido por todos vocês porque são um pássaro da morte ou uma boneca mecânica. O que significa que ele não está evitando os Sirins, ele está evitando você. E a causa disso deve ser algo que você disse. Estou certo?”

Sua expressão ficou tensa. Esta foi uma pergunta vinda do homem que concedeu a ela tanto sua consciência quanto seu propósito. Ela tinha que responder. Como sua criação, como alguém que se reconhecia como sua espada, ela não podia se permitir recusar. E ainda…

“Sua Alteza… Até eu tenho palavras que gostaria de guardar para mim mesmo.”

Eu – esta única Sirin chamada Lerche – sou um fracasso que não poderia se tornar a garota chamada Lerchenlied. Embora eu seja feita de seus restos, produzido pelo desejo de recriá-la, sou apenas um recipiente inútil que falhou em capturar sua essência.

No entanto, apesar do fato de Vika deixá-la ficar ao seu lado como sua guarda pessoal, ela não podia contar a ele o que havia dito a Shin. Sua proclamação de que, como alguém que não estava mais vivo, ela nunca poderia alcançar a felicidade ao lado de outro…isso significava que, enquanto Vika estivesse ao seu lado, ele nunca encontraria alegria.

Os backups das redes neurais e quase-personalidades dos Sirins foram armazenados na planta de produção. Mesmo que um Sirin fosse destruído em batalha, eles poderiam ser facilmente reproduzidos. Mas isso não era verdade para Lerche. Sua estrutura cerebral e quase personalidade não puderam ser reproduzidas. Nenhum backup existia para ela – a única cópia da mente e personalidade de Lerche só existia dentro de seu crânio.

Lerche…era a única quem guardava Lerchenlied.

No entanto, isso não foi causado por nenhum tipo de limitação técnica. Era o que Vika queria. Lerchenlied voluntariamente entregou seus restos mortais a ele para se tornar uma Sirin, mas isso foi apenas porque esse era o desejo de seu mestre, Vika. Pelo menos, era nisso que Vika acreditava. E assim, quando se tratava de Lerchenlied e apenas dela, ele acreditava que seu renascimento deveria ser um caso único. Se Lerche quebrasse neste ponto, Vika deixaria sua alma livre.

Então ela não poderia dizer a Vika que ela se considerava uma farsa que não trazia alegria a ninguém quando ele amava Lerchenlied tanto. Nunca.

Vika zombou dela.

“Eu sei disso. Eu nunca inseri uma diretiva para sempre obedecer a minhas ordens quando inicialmente programei você, sabia? Estou te perguntando apesar disso. O que você disse para ele?”

Ele não estava ordenando que ela respondesse. Ele estava pedindo para ela responder.

Lerche contorceu o rosto em angústia. Todos os Sirins receberam a capacidade de mudar suas expressões faciais, apesar de serem armas. Eles receberam rostos humanos, vozes, olhos e pele. Com toda a honestidade, esses recursos eram desnecessários para o combate e serviam apenas para diminuir a taxa de produção. E, apesar disso, pesquisas foram feitas para reproduzir esses recursos usando materiais artificiais.

A base para o conceito dos Sirins era um corpo mecânico nascido do desejo de Vika quando criança de criar um novo recipiente vivo para sua mãe morta. Essa ideia foi reforçada para a batalha e simplificada para fins de produção em massa.

E mesmo que fossem máquinas de combate produzidas em massa… Mesmo que fossem apenas pálidas imitações de uma verdadeira forma humana…elas ainda eram bonecas que poderiam ter se tornado a mãe que ele perdeu ou a garota que ele amava. Eram bonecos que poderiam ter se tornado humanos.

Certamente, como seu criador, ele não queria vê-los sendo enviados para a batalha e tratados como peças sobressalentes. Então, como ela poderia recusá-lo, quando ele demonstrava tanto afeto por eles? Ela teria que responder. Mesmo que essa resposta o machucasse.

“…Por sua vontade, Sua Alteza.”

“Acho que faz sentido que, no meio mês em que estamos estacionados aqui, coletemos tantos deles.”

A equipe de manutenção Reginleif do Ataque Alfa incluía um grande número de funcionários de manutenção Eighty-Six. O sargento Guren Akino e o Cabo Touka Keisha, encarregados de atender o Undertaker, foram dois desses exemplos.

“Quero dizer, é difícil porque a Legião não quer que reutilizemos ou reciclemos seus restos mortais. Especialmente quando se trata de tipos de combatentes como o Löwe. Eles fritam seus processadores centrais junto com o restante de suas funções para proteger dados confidenciais. Mas como essas coisas são mais para apoio logístico, apenas seus processadores centrais são conectados para fritar a si mesmos… Então, em teoria, deveríamos ser capazes de remendar algo reciclando seus restos.”

Os restos de incontáveis ​​unidades da Legião em ruínas estavam espalhados em um hangar não utilizado. Guren falou com Shin, que apareceu para um relatório de status, enquanto apontava o polegar para os destroços. Ele era um homem alto com cabelo avermelhado que tinha crescido desbotado pela exposição à luz do sol, e um par de olhos azuis que tinham uma espécie de brilho sarcástico neles.

Touka era uma Sapphira de sangue puro com cabelos dourados esvoaçantes que parecia totalmente deslocada no macacão brusco da equipe de manutenção. Enquanto ela falava, suas feições justas e delicadas se suavizaram em um sorriso.

“Mas, por si só, é toda a tecnologia que está em uso desde antes da guerra. Até mesmo a Federação o utilizou, então suponho que a Legião realmente não se importe em tê-lo. Isso nos ajuda em operações como esta, no entanto. Isso nos poupa do incômodo de ter que criá-los do zero.”

Ambos faziam parte da equipe de manutenção que costumava ficar estacionada na mesma base que Shin no Setor Eighty-Six. Na época, Shin constantemente destruía seu Juggernaut, então ele tinha que vir até eles para manutenção com bastante frequência. Como tal, eles se lembraram de Shin mesmo anos depois.

“Mas heh, pensar que você acabaria sendo capitão. E pensar que aquele pequeno garotinho daquela época se tornou esse cara.”

…Ainda assim, eles permaneceram em pé de igualdade durante seu primeiro ano após ser convocado. Ser tratado assim, como se fosse uma criança, era irritante. Guren sorriu com a forma como Shin o olhou sem palavras. Havia um toque de amargura em seu sorriso.

“Mas realmente, você só ficou maior, não é? Você ainda quebra os Reginleifs tanto quanto você usou para quebrar os Juggernauts. Quando se trata disso, você não mudou nem um pouco.”

Shin piscou algumas vezes com essa declaração.

“…Eu não?”

Ele estava na mesma base que Guren há sete anos. Quando ele ainda estava convencido de que era o culpado por Rei tentar matá-lo. E na época, ele também acreditava, em algum lugar de seu coração, que a maneira como seus camaradas morriam e o deixavam para trás… De alguma forma, era sua culpa. A verdade é que eles foram constantemente despachados para os campos de batalha mais perigosos.

Mas desde então, ele cresceu. Sua voz havia mudado. Ele encontrou alguns camaradas que viveram batalhas com ele, e ele pensou que havia mudado de várias maneiras. Ele acreditou nisso. Mas…

Ele não tinha mudado? Desde aqueles dias? Realmente?

Guren sorriu, sem perceber as dúvidas que brotavam em Shin.

“Sim. Você está um pouco mais forte do que naquela época e parece mais confiável. Mas a maneira como você mergulha no perigo é a mesma. A maneira como você lutou sempre me fez pensar se você tinha um desejo de morte ou algo assim.”

Mesmo quando ele deixou o hangar, Shin ainda estava sobrecarregado com as palavras de Guren. Touka, que estava ao lado deles, abriu um sorriso, mas não negou o que disse.

Ele realmente não mudou? Não nas últimas duas semanas, desde que percebeu que precisava mudar. Mas desde o Setor Eighty-Six? Realmente?

“Shin.”

Os corredores da base da Federação Unida sempre foram complicados, como se fossem moldados a partir de algum tipo de labirinto. Chegando a um entroncamento dos corredores, Shin parou e olhou para quem o chamava: Kurena.

Antes mesmo de perceber quem ela era, Shin franziu as sobrancelhas em perplexidade enquanto perguntava:

“…O que há com esse olhar?”

“Huh…? Ah!”

Kurena olhou para sua roupa e de repente ficou vermelha. Dito isso, Shin não via o que justificava o embaraço. A jaqueta de seu uniforme estava fora e pendurada em seu braço, e a gravata de sua blusa estava desfeita. Shin pessoalmente não se importava muito, mas teve que perguntar, pois ainda era tecnicamente uma violação dos regulamentos militares.

“Isso é, er, ah… Não é nada!”

Kurena estava, por algum motivo, muito perturbada com isso. Enquanto ela balançava os braços em algum gesto sem sentido, Shin facilmente percebeu com sua visão cinética que uma de suas mãos estava segurando algum tipo de gargantilha prateada.

…Pensando bem, Kurena e Anju estavam programadas para verificar alguns equipamentos de suporte que receberam para a próxima missão. Por alguma razão, ninguém estava disposto a explicar que tipo de equipamento era. Frederica, Lena e, estranhamente, até mesmo Vika se recusou a falar sobre isso na frente dele. Ele uma vez perguntou a Marcel sobre isso, que simplesmente ficou rígido em silêncio com uma expressão muito pálida.

De alguma forma, recuperando a compostura, Kurena continuou a conversa.

“Esqueça isso. Hum… Ei, Shin.”

Ela olhou para ele com seus olhos dourados.

“Você está, tipo…em pânico agora?”

“………”

Shin semicerrou um dos olhos.

…Droga. Eu estava tentando esconder para ninguém ver…para que Lena não notasse. Eu não queria que isso influenciasse como eles me veem.

Com o coração pesado de preocupação, Kurena olhou para Shin, que estava carrancudo como se tivesse acabado de tocar em uma ferida aberta. Ele provavelmente fez essa cara ao perceber que Kurena poderia dizer que ele estava lutando com alguma coisa. Ele não podia aceitar fazer ninguém – ou seja, Kurena – se preocupar com ele.

Ele sempre vai me ver apenas como uma irmãzinha problemática, não é?

“…Desculpe. Isso está incomodando você?” ele perguntou.

“Não, não, tudo bem. Isso não foi o que eu quis dizer. Eu só queria te dizer uma coisa.”

Quando ela percebeu como Shin parecia estar em pânico? Foi quando eles chegaram a esta base no Reino Unido, em algum momento durante as duas semanas que passaram treinando para o próximo ataque. O calor do combate,  foi quando Kurena passou a maior parte do tempo com Shin. Foi quando ela estava ainda mais perto dele do que Lena, e útil para ele da única maneira que ela podia – como uma atiradora de elite.

Ela percebeu que Shin estava em pânico. Que ele estava tentando ir para algum lugar distante, algum lugar que não era aqui. Como se algo o pressionasse, incitando-o a se apressar e ir embora, embora o próprio Shin provavelmente não soubesse onde aquele lugar poderia ser. E assim ele não foi a lugar nenhum. Ele estava preso no lugar, e essa falta de progresso só serviu para aumentar seu pânico.

Apesar do fato de que se ele não soubesse para onde ir, ele não teria que ir a lugar nenhum para começar.

“Er… Se é difícil para você, não precisa se forçar a mudar.” Por um momento, os olhos de Shin se arregalaram levemente. Kurena olhou diretamente para ele enquanto continuava:

“Desde que saímos do Setor Eighty-Six e viemos para a Federação, todo mundo tem nos dito para não sermos nós mesmos. Mas chegamos até aqui sendo quem somos, sabe? Então acho que está tudo bem se ficarmos assim.”

E ao dizer isso, Kurena percebeu: O que ela estava tentando dizer não era Você não precisa mudar. Era Por favor, não mude. Porque se eles deixassem de ser os Eighty-Six e se tornassem outra coisa…

Você escolheria estar em algum lugar que não seja o campo de batalha… O único lugar onde posso estar com você.

“Então eu acho que você não precisa tentar mudar se não quiser. Você não precisa fazer aquela expressão de dor. Acho que podemos ficar do jeito que estamos.”

Por favor, não mude. Fique do jeito que você é. Acho que não podemos fazer essa escolha do jeito que estamos agora, mas ainda quero que nosso relacionamento continue assim: como companheiros Eighty-Six que lutarão e morrerão juntos no mesmo campo de batalha.

“Eu não acho que você precisa mudar.”

A expressão de Shin endureceu. Parecia que ele tinha acabado de entender alguma coisa.

“…Certo. Estamos indo muito bem até agora.”

Mesmo que algum dia perdessem toda a sua força e caíssem em batalha, pelo menos saberiam que lutaram até o fim. Essa era sua única fonte de orgulho e, mesmo que se tornassem o tipo de pessoa que só poderia desejar esse destino, não seria um erro. Viver e morrer assim não era algo de que se envergonhar.

Foi assim que eles sobreviveram ao Setor Eighty-Six, um lugar de morte certa. Eles decidiram manter seu orgulho e não queriam descartá-lo. Então não foi um erro. De forma alguma, foi um erro. E ainda…

“Ainda assim, não é que eu não queira mudar. Eu preciso. Percebi que tenho que desejar algo. Então…”

Não foi um erro. Eles poderiam ficar do jeito que estavam, se quisessem morar sozinhos. Ou com alguém que compartilhava seu modo de vida, como outro Eighty-Six. Mas isso não era verdade se eles quisessem viver ao lado de outra pessoa. Porque esse modo de vida iria machucar aquela pessoa.

Shin desviou o olhar daqueles olhos dourados desesperados e apegados, sabendo muito bem o quão cruel era fazer isso.

“Não podemos ficar do jeito que estamos.”

Algo estava errado com Shin. Era isso que Lena vinha sentindo nos últimos dias. Na superfície, não havia problemas para falar. Sua redação, preparação e relatórios para a próxima operação estavam todos em ordem, e ele estava calmo e controlado como sempre.

Mas parecia que algo o estava incomodando. Ela não conseguia se livrar desse sentimento, nem conseguia descobrir qual era o problema. E então Lena decidiu trazê-lo sozinha.

“Você acha que algo está incomodando Shin?”

“Por que você não pergunta a ele?”

Olhando para cima de seu assento em seu escritório, ela encontrou Raiden sentado no pequeno sofá próximo, segurando uma xícara de chá em uma mão e olhando para ela com uma expressão totalmente exasperada. Como se dissesse O que você está me pedindo?

Lena franziu a testa com a resposta dele. Shin não responderia a essa pergunta mesmo se ela perguntasse a ele, e é por isso que ela perguntou a Raiden, que era o amigo mais próximo de Shin. Talvez se Raiden fosse o único a fazer a pergunta, Shin realmente responderia… Raiden negaria isso, é claro, mas o pensamento de que Shin iria dizer a ele algo que ele não estaria disposto a compartilhar com ela a deixou bastante infeliz.

“E você, Shiden? Ele te contou alguma coisa?”

“…Sua Majestade, você deve estar realmente contra uma parede aqui. Parece que o Ceifador e eu nos damos bem o suficiente para ter uma conversa franca? Você sabe que não.”

É verdade que, sempre que se encontravam, os dois começavam a discutir e brigar como crianças.

“Sempre achei que era como diziam: você tem que estar perto para discutir com alguém…”

“Nah, não, sem chance disso. Eu e o Ceifador simplesmente não gostamos um do outro. Como um lobo e um tigre, somos inimigos naturais. Não nos damos bem em nível genético, eu e ele.”

“…Lobos e tigres não são inimigos naturais, e o tigre vai sair por cima. Qual de vocês deveria ser qual, afinal?”

Ignorando completamente a piada de Raiden, Shiden enfiou outro bolo de chá em sua boca e o mastigou de uma maneira distintamente barulhenta e indelicada.

“Mas sim, até eu posso dizer que algo está errado com ele. Não como se ele fosse falar com alguém sobre isso. Você poderia apenas ordenar que ele faça isso, Sua Majestade. Você é a comandante dele.”

“Isso é…”

Isso era verdade. Se um subordinado dela apresentasse problemas que pudessem interferir no sucesso da operação, era seu dever questioná-lo e resolver o problema ou mandá-lo resolver por conta própria. E se ambos não fossem possíveis, ela precisaria retirá-lo da operação.

“…Não é isso que eu quero dizer.”

Ela queria que ele dependesse dela como amigo, não como oficial comandante. Lena baixou os ombros.

Ainda assim, um oficial comandante tinha seus deveres a considerar.

“Shin, se alguma coisa estiver incomodando você, estou disposto a lhe dar uma orelha.”

“O que é isso de repente?”

Lena não sabia como conduzir a conversa para o assunto, então decidiu ir direto ao ponto. Shin respondeu a sua pergunta com uma expressão confusa. Frederica, que por acaso estava no escritório de Lena na hora, soltou um suspiro exagerado por algum motivo.

“Parece que você está pensando em algo por um tempo agora. Estou disposta a ouvir se você quiser falar sobre isso, ou posso aumentar a frequência de suas sessões regulares de aconselhamento.”

“Aaah…” Shin fez uma expressão de dor por um momento.

Mas ele logo reprimiu essa emoção e balançou a cabeça.

“É uma questão pessoal. Eu nem diria que está me incomodando, por si só.”

“Mas seria um problema se acabasse interferindo na operação.”

“Acho que sempre excluí essas coisas durante as operações de combate… Ou houve algum tipo de problema?”

Lena estava sem palavras. Verdade seja dita, a capacidade de Shin para completar os objetivos operacionais era irrepreensível. Mas ela não conseguia afastar a sensação de que havia algo forçado e fabricado na expressão que ele agora usava em seu rosto pálido e geralmente estoico. Ele parecia o mesmo de sempre, mas algo estava diferente. Como se algo estivesse vacilando por trás daquela fachada, mas ele tinha que manter isso reprimido na frente de Lena.

“Bem, não, não houve problemas, mas…”

Ela não conseguiu pensar em nada para refutar isso. E quando Lena ficou em silêncio, Shin ainda não disse nada a ela. Enquanto isso, Frederica olhou para os dois sem palavras com uma expressão duvidosa. Foi então que uma batida na porta quebrou o silêncio constrangedor. Annette espiou dentro do quarto. Para compensar a escassez de mão de obra, ela e Grethe também chegaram à frente com o restante do Ataque Alfa.

“Lena, essa conversa vai demorar muito? Preciso do Capitão Nouzen emprestado quando terminar. Você sabe, por falar nisso.”

Lena deu um aceno de cabeça perplexa enquanto Shin a olhava interrogativamente. Era um assunto que ela havia discutido com Annette antes, mas não era realmente algo que eles não pudessem falar na frente de outras pessoas.

“Sim, mas você pode discutir isso aqui também.”

Annette abriu um sorriso.

“Vamos. Vamos supor que ele tenha que me dizer que é muito difícil de implementar durante a operação. Você quer que ele diga isso na frente de seu comandante…? Duvido que o capitão se importasse, e ele provavelmente diria isso de qualquer maneira. Mas tenha consideração por ele.”

Isso era verdade.

“Sim, você está certo… Então vá em frente, Capitão. Me desculpe.”

Shin suspirou ao sair do escritório com Annette. Pode ter sido apenas por coincidência, mas ele foi salvo. Quando Lena perguntou se algo o estava incomodando, ele ficou muito surpreso. Ele não queria que ela, de todas as pessoas, percebesse que algo estava errado com ele, mas aparentemente, isso transparecia em seu rosto independentemente.

A imagem de sua expressão incomodada e sua voz preocupada como um sino prateado surgiram em sua mente novamente.

“Se alguma coisa estiver incomodando você, estou disposto a lhe dar ouvidos.”

…Mas eu não posso te dizer.

Como ele poderia dizer a ela que nunca poderia realizar seu desejo? Que ele queria mudar a si mesmo, mas não sabia como fazer isso? Que ele não queria ser um fardo para ela. Que ele não queria machucá-la novamente?

“Isso é tudo para nossas intenções. Qual é a sua opinião como comandante em cena? Lena me disse para não aprovar se achasse que atrapalharia a conclusão da operação.”

“Eu não acho que isso vai atrapalhar a operação, mas…”

Annette levou Shin a um dos vários armazéns barulhentos que estavam cheios de munição e pacotes de energia preparados para a próxima operação. Shin respondeu à pergunta dela, ficando em um dos cantos enquanto lia o documento eletrônico que ela lhe entregou.

“As manobras de combate de um Reginleif podem danificar seu corpo se você não estiver acostumado. Acho que vai ser duro para um não combatente como você, major Penrose.”

Annette deu de ombros casualmente.

“Até Frederica embarcou em um Reginleif antes, certo? Se uma criança pode aguentar, não vejo por que eu não posso.”

“…Entendido. Vou escolher alguém para transportá-lo. Eu recomendo que você se familiarize com isso antes do tempo, Major. Posso organizar sessões de treinamento para você também, se quiser.”

“Obrigado. Isso é muito atencioso da sua parte,” disse Annette.

Ela então começou a provocá-lo um pouco.

“Achei que você iria me ouvir, no entanto. Você sempre costumava ceder sempre que eu perguntava algo ridículo.”

Ela disse isso sabendo que Shin não parecia se lembrar muito sobre o passado deles. O que ele lembrava pareciam ser as memórias mais triviais e sem importância. Suas respostas eram sempre casuais, Eu não me lembro ou curtas talvez. Ela esperava a mesma coisa agora, mas Shin ficou estranhamente calado.

“…Capitão?”

“Eu realmente não…”

Shin desviou o olhar, então ela não conseguiu encará-lo.

“…Eu realmente não teria concordado se você tivesse me perguntado algo verdadeiramente ridículo…Rita.”

Os olhos de Anette se arregalaram de surpresa, mas no momento seguinte, ela baixou as sobrancelhas enquanto um sorriso melancólico brincava em seus lábios.

“Certo, eu não sou apenas a Major Penrose, sou?”

Rita. Era assim que Shin sempre a chamava antes de ser enviado para o campo de concentração. Seus pais já haviam falecido – um havia morrido por suicídio, enquanto o outro perecera em uma ofensiva em larga escala – e ela nunca contou a Lena sobre esse apelido. Depois de saber que Shin não se lembrava dela quando eles se reuniram, ela pensou que ninguém jamais a chamaria por esse nome novamente.

“Você se lembrou de alguma coisa sobre mim?”

“Não completamente. Sinto que há mais coisas que não consigo lembrar do que coisas que consigo, mas…”

Shin deu uma única e curta respiração.

“Mas a verdade é que eu nunca perdi essas memórias. Então pensei que deveria me desculpar por não ter me lembrado até agora.”

“Isso é bom. Não é sua culpa que você não conseguiu se lembrar… E se você tivesse se lembrado de tudo, eu teria que pedir desculpas.”

De repente, sentindo um olhar sobre eles, eles olharam em volta apenas para encontrar Fido espiando por trás da sombra de um dos contêineres. Annette o enxotou com um aceno de mão. Um Scavenger não poderia ter vontade ou emoções próprias, mas a maneira como seus grandes sensores ópticos redondos pareciam estar olhando para eles dava a impressão de que estava preocupado com Shin. Foi muito fofo.

(nt: realmente muito fofo)

Como uma nota trivial, Fido era o mesmo nome que Shin dera a seu cachorro de estimação enquanto crescia. Suas convenções de nomenclatura simplistas não pareciam ter amadurecido.

Annette não sabia exatamente quando ele se lembrava mais dela, mas provavelmente estava esperando o momento certo para mencioná-lo. Lena estava um tanto atormentada recentemente pelo fato de Shin parecer estar pensando em algo, então talvez isso estivesse relacionado a essa mudança em seu estado mental.

Sim, Lena. Agora, Annette não era a amiga de infância do jovem diante dela…mas a amiga de Lena.

“Ah, e mais cedo. Achei que, se não interferisse, as coisas ficariam chatas, mas não procupe muito a Lena. O fato de você estar sendo esquisito está pesando sobre ela há dias. Ela teve que criar coragem para fazer essa pergunta, então não a esnobe muito, ok?”

“………”

Annette percebeu, com uma pitada de exasperação, que seu hábito de dar o tratamento silencioso sempre que as coisas se tornavam inconvenientes para ele não havia mudado nada. Fazia dez anos e ele ainda agia como uma criança pequena.

Mas provavelmente porque, de certa forma, ele ainda era apenas uma criança. Shin era um Eighty-Six que serviu cinco anos em um campo de batalha onde estava fadado a morrer. Ele não deveria ter futuro e não precisava pensar no que aconteceria quando se tornasse adulto.

Então ele não poderia se tornar essa coisa que ele nunca havia pensado. Os adultos foram os primeiros a ir embora, então só as crianças ficaram no Setor Eighty-Six. Eles não tinham pais, professores ou irmãos mais velhos para servir de exemplo para eles.

Foi então que Annette percebeu:

Isso é…muito ruim.

Sem saber para onde está indo. Ter que viver sem nem saber o que quer…

“Ei, espero estar pensando demais nisso, mas… Será que o que está te incomodando é…”

De repente, os olhos vermelho-sangue diante dela esfriaram. Tendo experimentado essa mudança na atitude de Shin pela primeira vez, Annette engoliu nervosamente.

“…a Legião?”

“Sim… Desculpe. Meu esquadrão provavelmente vai se posicionar agora.”

O que significava que ele tinha que ir.

“Certo. Cuide-se por aí.”

Mesmo alguns minutos depois que Shin saiu, Lena ainda estava dominada por um humor estranho. Frederica, até então calada, abriu os lábios para falar.

“…Nada de bom virá de estar com tanta pressa, eu digo.”

Virando-se para encará-la, Lena descobriu que os olhos vermelho-sangue de Frederica não estavam fixos nela, mas sim, eles estavam traçando os movimentos de Shin através da espessa parede de concreto.

“Shinei não é tão forte quanto você pode acreditar que ele é. Nem ele mesmo se entende… Ele está cheio de dúvidas, isso aí, e já faz um bom tempo. E assim, apressá-lo para uma resposta só serviria para encurralá-lo ainda mais.”

“……….?”

Shin…não era forte?

“Isso não pode estar certo…”

“Certamente, você se lembra do momento em que conheceu Shinei.”

Lena piscou uma vez. A primeira vez que ela o conheceu? Ao lado do memorial Juggernaut? Não…

“Você quer dizer quando lutamos contra o Morpho, certo?”

“Sim. Pense em como Shinei era naquela época. Ele era… A maneira como ele agiu então também faz parte de Shinei. Um lado dele que ele nunca teria desejado mostrar a você.”

Ela se lembrou da voz que ouvira naquela época, naquele campo de batalha de flores de lycoris. A pessoa com quem ela falou no passado – Shin – era…

Naquele momento, um alarme estridente soou no pequeno escritório.

“O que é isso?!” exclamou Frederica.

“Este alarme…!”

Não deveria ter havido uma caça hoje, mas várias unidades foram despachadas para as zonas contestadas, criando um desvio para ofuscar seu plano. E o esquadrão implantado estava…

“Eles foram atingidos por uma contraofensiva da Legião e foram forçados a recuar…!”

Quando Shin chegou ao hangar, vários membros do esquadrão Spearhead já estavam presentes. Ele seguiu o cabelo ruivo de Kurena enquanto ela corria para a sala de espera e chamava por Guren. A força que eles tinham em alerta em caso de emergência já havia sido destacada, mas o número de inimigos era muito grande. Eles não tinham poder de fogo suficiente para manter a linha até que seus aliados dispersos pudessem recuar para um local seguro.

“Guren, o esquadrão Spearhead está se mobilizando… Estamos prontos para partir?”

“Claro que está. Eu não seria um bom trabalhador de manutenção se vasculhar os restos da Legião me fizesse esquecer de consertar as plataformas, não é?”

Voltando o olhar, Shin teve um vislumbre de Touka agarrada ao Undertaker enquanto terminava de carregar munição nele. Fido e o resto dos Scavengers se alinharam enquanto eram carregados com pacotes de energia sobressalentes, revistas e outros armamentos que eram usados ​​exclusivamente por algumas de suas unidades.

“Há uma nevasca lá fora… Tenha cuidado.”

“Certo.”

Shin assentiu e, enquanto se afastava, desenrolou seu cachecol por um momento para prender seu Dispositivo RAID. Envolvendo o lenço em volta do pescoço novamente, ele ativou a Ressonância Sensorial. O Ataque Alfa não tinha muitos oficiais e, portanto, os oficiais do estado-maior recebiam regularmente direitos de comando. Shin não chamou o comandante, porém, ele apenas ressoou para entender a situação antes do briefing.

A situação estava bem ruim. As transmissões dos membros do esquadrão chegaram rapidamente, suas vozes se sobrepondo na confusão: Segundo pelotão isolado. Sem munição. Nós fomos encalhados. Solicitando resgate… Segundo Tenente Irina Misa, KIA.

O rosto daquela garota madura que serviu como vice comandante de Rito no esquadrão Claymore surgiu na mente de Shin. Ao contrário de Rito, ela era dócil e obediente. Ela era, ao lado de Rito, uma das companheiras de esquadrão de Shin no Setor Eighty-Six antes de ele ser transferido para outro esquadrão. Ela esteve ao lado de Rito até as ofensivas em larga escala.

Ele se lembrou de seu sorriso reservado e das conversas ocasionais que tiveram. Mas era apenas uma vaga lembrança e, à medida que sua mente se aguçava em preparação para a batalha, a lembrança pouco fez para despertar qualquer emoção. Ele baniu esse pensamento para um canto congelado de sua mente.

Não havia necessidade de emoção agora. Sua mente, afiada como uma lâmina afiada, disse-lhe isso. Quando ele entrou na sala de briefing, uma voz o chamou do lado.

“Shin.”

Era Lena, que lutava para recuperar o fôlego. Seu dispositivo RAID estava preso ao pescoço, como esperado. Como comandante tático, é claro que ela ouviu o relatório da morte. Seus olhos prateados se nublaram com profunda dor. Mas no momento seguinte, ela o reprimiu com sua própria força de vontade.

“Vamos começar o briefing assim que todos estiverem reunidos. Será rápido, então você poderá partir o mais rápido possível.”

“Entendido.”

Ele abriu a porta e deixou Lena entrar primeiro. Os membros do esquadrão que já estavam lá entraram imediatamente na sala. Os passos nervosos e as vozes daqueles que estavam atrasados ​​em fazer o seu caminho para o hangar podiam ser ouvidos ao fundo.

Shin observou seu cabelo prateado passar enquanto ela passava, e foi então que ele percebeu: Lena estava de luto no momento. Suas palavras e atitude não fizeram nada para mostrar isso, mas isso foi apenas porque ela reprimiu suas emoções como parte de seu dever como comandante. Mas a morte de Irina a doeu.

E, no entanto, ele não conseguia sentir nenhuma tristeza. Claro, parte disso foi porque sua mentalidade mudou em preparação para a batalha. O campo de batalha não oferecia trégua para lamentar a morte de um amigo. Tristeza e dor eram para quando a batalha terminasse – caso contrário, alguém simplesmente seguiria aquele camarada morto até o túmulo. Shin sabia disso muito bem depois de sete anos de luta.

E, no entanto, havia mais do que isso. Para os Eighty-Six, a morte era um modo de vida. Era de se esperar uma morte de Eighty-Six, par para o curso. Era verdade para todos… Até para o próprio Shin. Uma parte dele realmente acreditava nisso…

Shin sentiu um pequeno arrepio percorrer seu corpo. Ele só conseguia se ver como um monstro. Um monstro que percorreu uma estrada solitária para o campo de batalha, pavimentada pelos cadáveres de seus companheiros. Apenas um monstro tomaria como certa a morte daqueles ao seu redor.

Ele achava que já havia percebido que essa não era uma maneira de viver — que viver como se fosse morrer no dia seguinte, correr para a morte, passar por cima de cadáveres e ter sede do fim. Não era uma maneira de passar pela vida. Ele pensou ter percebido que precisava ter esperança no futuro, mesmo que não pudesse imaginá-lo.

Mas era como se alguém o tivesse agarrado pela mão. Como se no momento em que ele tentou avançar, alguém o tivesse segurado com tanta força que ele não conseguia se livrar. Mas quando ele se virou, ele se viu cara a cara com ele mesmo – um Shin mais baixo e mais jovem, antes mesmo de sua voz falhar. Era o Shin que acabara de pisar no Setor Eighty-Six, quando as pessoas começaram a chamá-lo de Ceifador porque todos sempre o deixavam para trás e morriam.

O jovem Shin sorriu para ele. Afinal…

Eu estaria melhor vivendo como se fosse morrer amanhã, pensando que a morte é apenas um modo de vida para os Eighty-Six. É melhor não pensar no futuro que nunca terei — ou em nenhum futuro.

E você é o mesmo. Você está prestes a cortejar a morte no Setor Eighty-Six, ao longo de uma estrada pavimentada com cadáveres.

Um monstro obcecado pela morte.

“………!”

Ele percebeu uma mentira que contou a si mesmo e isso o encheu de pavor. Mas mesmo essa emoção foi deixada de lado no momento seguinte, quase automaticamente. Isso foi realizado por sua consciência, que havia se acostumado demais com o campo de batalha e agora era mais mecânica do que humana.

A razão pela qual ele não podia deixar de lado sua identidade como um Eighty-Six não era porque ele não podia desistir desse orgulho. Era porque em algum lugar em seu coração, ele ainda desejava esse destino. Esse destino de morrer com certeza em algum momento…

Estava nevando quando eles se posicionaram para apoiar a unidade em retirada, exatamente como Guren havia dito. Esta nevasca aparentemente estava forte desde antes do amanhecer. O véu branco inibia a visibilidade de seus sensores ópticos, e seus sistemas de mira a laser não estavam se saindo muito melhor. Mas essas condições também se aplicavam à Legião. O esquadrão Spearhead era comandado por Shin, que era capaz de localizar a posição do inimigo sem depender da visão, então, de certa forma, eles realmente tinham a vantagem.

A brisa da montanha às vezes soprava o vento nevado sobre eles em lençóis, e uma floresta virgem de coníferas assomava à frente como uma sombra escura no branco ofuscante. Se eles passassem por aquela floresta, o vento não seria tão intenso.

O Undertaker de Shin liderou cautelosamente o esquadrão Spearhead pela estrada escura e sem trilhas. A neve era sólida no clima abaixo de zero e fazia sons de trituração quando eles passavam por ela. A proximidade dos lamentos dos fantasmas o alertou de que eles haviam se infiltrado na zona de combate.

Ele checou a tela do radar, que mal conseguia captar os sinais azuis de seus aliados, e gritou.

“Rito.”

A Ressonância Sensorial conectada. Isso confirmou que a pessoa para quem ele estava ligando não estava morta ou inconsciente, mas a resposta de Rito veio quase alarmantemente atrasada. Como se estivesse paralisado de tanto medo que sua voz não pudesse sair imediatamente.

“Capitão.”

O tom de sua voz – Shin já o ouvira inúmeras vezes no campo de batalha. Era a voz trêmula de uma pessoa que foi tomada pelo medo ao ver a morte de outra pessoa ou a perspectiva de sua própria morte.

“Capitão, eu… eu não posso ser como eles. Como os Sirins. Eu não quero acabar assim, então eu.”

Shin olhou para cima em sua cabine. Rito ainda estava assombrado por aquele evento. A imagem daquelas garotas, que estavam rindo enquanto morriam de mortes sem sentido, parecia um reflexo do fim iminente do Eighty-Six. Como prova de que seu juramento e orgulho de lutar até o fim não tinham sentido. Ele passou a duvidar da única coisa que tinha para sustentar quem ele era. “Rito, recue… Pegue todos que ainda estão vivos e fuja da área de combate.”

Ele disse a ele friamente: Você não pode lutar como está agora. Aqueles que tiveram seus espíritos destruídos pelo medo da morte e pela loucura da batalha, que duvidaram de si mesmos e congelaram, não tinham lugar no campo de batalha. E se Rito não o ouvisse, ele morreria e envolveria os outros Processadores em seu esquadrão.

“…En-entendido.”

“Temos Shiden…o esquadrão Brísingamen vindo pela retaguarda. Reagrupe-se com eles por enquanto.”

Rito de alguma forma conseguiu acenar em resposta e fez seu grupo recuar. Shin deu um passo à frente como se fosse tomar o lugar deles e trocou a Ressonância Sensorial para seus subordinados.

“Todos os membros do esquadrão Spearhead, estamos prestes a entrar em combate. A julgar por seu posicionamento, devemos esperar uma força de Grauwolf e Stier, cada um deles em um grupo do tamanho de um batalhão. E…”

Ele semicerrou os olhos ao ouvir algo: um grito arrepiante que ecoou em seus ouvidos como um trovão – como o estrondo de um canhão – mesmo a essa distância. Eles sinalizaram aqueles que assimilaram as redes neurais dos mortos de guerra: Ovelhas Negras, e suas versões avançadas, os Cães Pastores.

E então havia as unidades comandantes do exército fantasmagórico, cujas vozes soavam ainda mais altas e claras do que as unidades de soldados. Estes foram os que absorveram os cérebros dos mortos logo após sua morte e ainda retinham a inteligência, o conhecimento e as memórias que tinham em vida.

“…Há um Pastor. Provavelmente um Dinosauria.”

Os Dinosauria eram monstruosidades de aço que ostentavam o maior poder de fogo e armadura de todos os tipos de Legião produzidos em massa. O esquadrão de Shin avançou pela floresta nevada enquanto mantinha um espaço entre cada unidade. Eles visavam enfrentar esse poderoso inimigo com cautela e se moviam por terrenos acidentados que não permitiam que sua grande estrutura tivesse muito apoio ou liberdade de movimento.

Foi então que a neve espessa que havia se acumulado sobre uma das grandes rochas que pontilhavam o terreno escorregou de forma não natural. Uma grande sombra saltou do pó pálido, revelando sua forma maciça e metálica através da cortina branca.

Ele havia literalmente se encravado sob a neve espessa. Mesmo com uma altura de quatro metros e um peso total de mil toneladas, sua forma maciça ainda se movia com o silêncio exclusivo da Legião. Ele avançou em direção ao flanco do Undertaker enquanto o Juggernaut liderava o resto do esquadrão.

Ele caiu nessa.

“Fogo!”

Todos os membros de seu esquadrão foram alertados com antecedência sobre seu esconderijo e imediatamente dispararam contra ele. Shin se esquivou da carga do Dinosauria com um movimento quase rolante quando uma barragem de balas APFSDS de 88 mm (Sabot de Descarte Estabilizado Perfurante de Armadura) o salpicou.

(Nota: sabot é um tipo de recipiente.)

Shin sabia que o inimigo estaria mirando em Undertaker e usou a si mesmo como isca para permitir esse contra-ataque perfeito. Mas a velocidade de reação da Legião permitiu que o Pastor a evitasse. Sua estrutura colossal saltou no ar e, ao pousar, levantou uma densa névoa de neve. As árvores coníferas que foram atingidas por seu impacto casual quebraram e caíram com um barulho estrondoso.

O Dinosauria então virou as duas metralhadoras pesadas no topo de sua torre, cada uma delas mirando em um alvo diferente. A torre de canhão de 155 mm e seus armamentos coaxiais secundários, todos travados em alvos separados. Os Juggernauts se dispersaram, evitando suas linhas de fogo. Shin moveu Undertaker enquanto mantinha seu olhar na monstruosidade de metal, virando seu Juggernaut para que fosse capaz de ultrapassar o ponto cego do Dinosauria de acordo com as táticas estabelecidas.

A forma como atacou agora há pouco…

Este Dinosauria parecia agir como se soubesse como Shin e seu esquadrão se moveriam. Embora ambas as nações empregassem o Feldreß, a filosofia de design por trás das unidades da Federação era diferente da do Reino Unido. E como eles operavam em conceitos diferentes, suas fuselagens também foram projetadas de maneira diferente. As estratégias que poderiam adotar também diferiam.

O Barushka Matushka empregou uma torre de longo alcance de calibre 125 mm e um sistema de controle de armas de alta fidelidade para derrubar o inimigo com intenso poder de fogo que foi disparado com precisão de laser. O Reginleif, em contraste, especializou-se em combate de alta mobilidade. Mesmo quando implantados no mesmo campo de batalha e terreno, a posição e as estratégias que podiam adotar eram diferentes.

E este era o campo de batalha do Reino Unido. A Legião nesta região enfrentou e adaptou contramedidas que seriam eficazes contra Barushka Matushkas. E, no entanto, este Dinosauria parecia ler com precisão as ações e movimentos do esquadrão Spearhead e seus Reginleifs.

O que significava…

“É um Eighty-Six.”

“Parece que sim.”

Shin respondeu rapidamente ao resmungo baixo de Raiden. Os mais familiarizados com as táticas do esquadrão Spearhead – com o Eighty-Six – eram outros Eighty-Six. E eles eram as pessoas mais experientes em combate nos países vizinhos que poderiam ser transformados em Ovelhas Negras e Pastores.

E ainda por cima…

Shin semicerrou os olhos. Este Dinosauria, este uivo…

Essa voz…

Era familiar. Foi alguém que lutou ao seu lado no Setor Eighty-Six por um breve período de tempo. As palavras finais que o fantasma estava uivando sem parar não eram familiares por si mesmas, então provavelmente não morreram diante dos olhos de Shin. Mas…

“Salve-nos.”

Kaie, que havia desejado algo semelhante em algum momento, já havia partido. A maioria das Ovelhas Negras foram consideradas obsoletas e substituídas pelos Cães Pastores mais eficientes. O que significava que Kaie, que havia se tornado uma Ovelha Negra, agora estava descartada. Mas alguns outros ainda estavam presos, ao que parecia. Alguns daqueles que foram transformados em Pastores ainda permaneceram.

Eu tenho que levá-los de volta. Prometi que os levaria comigo. E acho que essa promessa…é algo que não preciso duvidar.

“Raiden… eu tenho esse aqui. Como sempre, quero que você lide com os inimigos ao redor e assuma o comando enquanto me protege.”

Mas a resposta de Raiden estava cheia de dúvidas.

“Espere, não estávamos apenas dando cobertura para os outros enquanto eles se retiravam? Precisamos manter nossa posição até que o esquadrão de Rito esteja em segurança. Tudo o que temos a fazer é parar essa coisa. Não precisamos nos dar ao trabalho de destruí-lo.”

“É um Eighty-Six… Eu quero tomá-lo de volta.”

Raiden ficou em silêncio por um momento.

“…Entendido. Mas não faça nenhuma loucura. Vou dar cobertura ao resto do esquadrão para você.”

“Mais uma vez, ele parece determinado a derrubar um Dinosauria sozinho.”

Frederica sussurrou amargamente enquanto olhava para o mapa, que só podia mostrar a batalha entre o Undertaker e o Dinosauria ocorrendo a vários quilômetros de distância na forma de blips.

Lena olhou para baixo, sentindo o medo no sussurro de Frederica. A Legião poderia atuar em um nível muito superior ao que os humanos eram capazes. Mas mesmo entre eles, o Dinosauria era o tipo mais forte. Um Feldreß pilotado por um humano normalmente não poderia esperar ter chance contra ele.

Shin considerou necessário usar armas brancas para atacar os pontos fracos do Dinosauria e do Löwe. Lena não pretendia argumentar contra seu raciocínio. Mesmo tendo experiência em comandar batalhas, ela não tinha experiência em enfrentar a Legião de frente e não tinha o direito de duvidar das escolhas de Shin. Não quando ele sobreviveu sete anos lutando contra a Legião até a morte.

Mas ela não podia deixar de se sentir preocupada. Ela podia ouvir os outros Processadores em seu esquadrão gritando: “Nouzen, afaste-se disso.”, “Não podemos atirar quando você está tão perto.”, “Estamos implorando, recue.”

Shin não respondeu, é claro.

Ele provavelmente estava muito focado na batalha para ouvi-los. Assim como quando enfrentou o Phönix no terminal subterrâneo… E quando arriscou a vida lutando contra os Dinosauria possuídos pelo fantasma de seu irmão, Rei.

Sempre que ele ficava assim, Lena ficava um pouco assustada. Era como se ele estivesse voluntariamente à beira da morte… E algum dia, ele pode realmente cair e nunca mais voltar.

“…Shin.”

Ele sempre teve força para lutar e sobreviver. Mas recentemente, ele parecia…

“Você está realmente bem…?”

A blindagem frontal do inimigo era espessa o suficiente para desviar até mesmo um tiro de seu próprio canhão de cano liso de 155 mm à queima-roupa. Um canhão Reginleifs de 88 mm não poderia penetrá-lo. Ele chutou a neve em pó e pisou no chão frio, seu peso maciço derrubando as árvores enquanto avançava em direção a Shin.

Shin pilotou o Undertaker descontroladamente para evitá-lo, usando as diversas formações rochosas e saliências – e até mesmo os troncos das coníferas próximas como pontos de apoio. Ao se esquivar do fogo de Reginleif, ele tentou acertar os pontos mais finos de sua armadura.

Tinha que ter sido originalmente um Eighty-Six. Parecia estar correndo à força pela floresta de coníferas, que normalmente seria um terreno impróprio para um Dinosauria, mas apesar do que parecia ser um comportamento descuidado, ele escolheu suas posições com cuidado, escondendo sua armadura traseira o tempo todo. Ele era cauteloso com o peso leve do Juggernaut e consciente de suas táticas estabelecidas de enrolar estruturas com uma âncora de arame e usar essa elevação para atirar de cima.

Derrotá-lo seria difícil.

Mesmo que as áreas, exceto a blindagem frontal, pudessem ser penetradas pelo canhão de 88 mm e os bate-estacas nas pernas do Reginleif fossem capazes de romper sua blindagem superior, ele ainda precisava ser extremamente rápido. Rápido o suficiente para danificar qualquer um que não fosse um Processador muito acostumado a lutar nessa velocidade.

Mas embora tenha sido uma batalha difícil, ainda foi possível para o Reginleif sair por cima. No mínimo, não foi nada comparado à quando ele lutou contra seu irmão naquele caixão de alumínio.

Suas duas metralhadoras giratórias eram um incômodo, pois disparavam uma barragem consistente de balas. Ele lançou projéteis HEAT com fusíveis de proximidade e os destruiu com sucesso. Ele então se aproximou cuidadosamente do Dinosauria e cortou uma das pernas que sustentava seu peso de mil toneladas.

De alguma forma, ele poderia dizer que seu contra-ataque estava chegando. Ele evitou o chute de sua perna em forma de estaca sem sequer olhar para ela. Ele então se esquivou de um segundo e terceiro chute dando pequenos saltos, mas então sua perna traseira direita afundou profundamente na neve congelada.

“Tch…!”

Undertaker parou no lugar. Sua perna estava presa na neve. Tudo parecia se mover em câmera lenta. Quando a torre de 155 mm desviou para mirar nele, ele ativou o bate-estacas de sua perna presa para ejetá-lo com força. O bate-estacas de 57 mm detonou pólvora, lançando a perna presa para fora da neve. Nesse ínterim, ele usou as três pernas restantes para pular para a esquerda, escapando da linha de fogo.

Em seguida, o rugido das torretas do tanque dispara e as ondas de choque do projétil roçando contra ele guincharam contra a armadura de Undertaker. A torre principal do Dinosauria precisaria de algum tempo para recarregar após o disparo, e o armamento secundário à direita da torre não poderia mirar nele desta posição. Ambas as metralhadoras já foram destruídas.

Isso significava que, neste momento, Shin estava livre para atirar sem nenhum contra-ataque. Sua mira já estava definida para rastrear sua linha de visão e ele colocou o dedo no gatilho da torre de 88 mm—

De repente, houve um alerta: Bate-estacas perna direita traseira danificado.

Este som estridente de alarme, destinado a alertar o processador, trouxe Shin de volta aos seus sentidos. Os olhos de Shin se arregalaram em compreensão. Agora, ele estava mais uma vez prestes a se tornar a própria imagem de uma máquina de guerra – um monstro obcecado pela morte.

Como um monstro indo para a própria morte no campo de batalha, ele facilmente esqueceu aquelas palavras que o convidavam a voltar vivo…

E aquele momento de realização foi uma abertura. Aquele alarme soando em seus ouvidos permitiu que o inimigo diminuísse a distância até ele. E a grande forma do Dinosauria, que, àquela distância, preenchia toda a sua tela ótica, balançou para trás e ergueu a perna como uma arma.

“…!”

Ele reflexivamente puxou o manche de controle para trás, forçando Undertaker a pular para longe. Era tarde demais para se esquivar, mas essa tentativa de pelo menos minimizar o choque recebido veio menos de uma decisão consciente e mais por reflexo. Ambas as pernas deixaram o chão quando ele saltou para o lado e, no momento seguinte, houve o tremor do impacto. Ele levantou uma das pernas de Undertaker para bloquear o golpe, mas o som dela estalando junto com sua âncora de arame encheu seus ouvidos. O sistema de controle emitiu um alerta estridente.

E então Shin desmaiou.

“Huh…?”

O que acabou de acontecer?

Lena não conseguiu processar imediatamente o que acabara de ver projetado na tela principal de Vanadis. Algo que ela não conseguia acreditar que acabara de acontecer. Algo que ela nunca teria esperado, que ia além de sua compreensão.

O blip do Undertaker foi lançado de volta de sua posição, em uma direção diferente de onde estava indo um momento atrás. Ele se moveu contra o controle de seu Processador e foi jogado de lado como um pedaço de lixo, rolando no chão por alguns momentos antes de parar. Permaneceu indefeso e imóvel no chão, mesmo com o inimigo avançando sobre ele bem na sua frente.

Shin foi atingido…por um ataque…?

Wehrwolf e Laughing Fox ficaram no caminho do Dinosauria enquanto se preparava para lançar outro ataque. Ambos atiraram nele, chamando sua atenção. Foi programado para priorizar os alvos mais ameaçadores primeiro. Ao fazê-lo, outros Juggernauts correram para o lado de Undertaker.

O blip de Undertaker permaneceu imóvel na tela do radar. Seu sinal não havia desaparecido, então não foi destruído fatalmente. Mas não se moveria. Seu Para-RAID não conectava.

Marcel gemeu de frustração.

“Por que ele não fez isso…?!”

Lena sentia o mesmo. Ele poderia ter evitado aquele golpe. Ele deveria ter se esquivado. Lena sabia que ele podia, já que o viu fazer isso durante muitas sessões de treinamento e em batalhas grandes e pequenas. O Reginleif se movia com uma velocidade que danificaria o corpo de um piloto normal, mas Shin o operava com facilidade.

Não, foi além do que ela viu que ele era capaz. Por cinco longos anos, ele operou aquele caixão de metal que não resistia nem ao fogo de metralhadora e, mesmo assim, investiu contra as fileiras inimigas, envolvendo-as com armas brancas sem receber um único golpe fatal. Por cinco anos, ele sobreviveu ao Setor Eighty-Six.

Ele nunca levaria um golpe direto de uma única Legião. Mesmo que fosse um pastor.

Então…por que?

Mas Lena permaneceu estupefata apenas por um momento. Ela logo se virou para um dos oficiais de controle. O Reginleif estava equipado com vários sistemas que o Juggernaut – que supostamente era um drone – não tinha.

“Como estão os sinais vitais dele?!”

“Temos uma leitura deles. Seu pulso, pressão sanguínea e respiração estão todos dentro da faixa permitida. Mas ele não está respondendo aos alertas.”

Frederica ofereceu seu próprio comentário, com o rosto pálido de medo. Seus olhos carmesim deixaram escapar um brilho rubi – prova de que sua habilidade estava em operação.

“Não parece que ele sofreu ferimentos graves. Ele está apenas inconsciente, creio eu. Raiden e os outros também o chamam, mas ele não responde.”

“Apresse-se e recupere-o! Shiden, posicione o esquadrão Brísingamen e proteja-os!”

Independentemente da cultura e do país, os quartos de hospital sempre pareciam ter uma cor branca estéril. E assim, quando seus olhos se abriram, ele se deparou com a visão de um teto que registrou em sua mente nebulosa como desconhecido e, ao mesmo tempo, de alguma forma familiar. Como regra, as instalações hospitalares eram mantidas higiênicas para prevenir infecções. Por essa razão, eles foram feitos de branco, para que a sujeira se destacasse.

Percebendo que estava dominado por pensamentos inúteis e sem sentido, Shin empurrou as mãos contra o lençol e sentou-se. Sentindo a desagradável sensação de algo grudado nele e percebendo uma sombra no canto de seu campo de visão, levou a mão à testa. Foi recebido com a sensação seca de um pedaço de fita adesiva, destinado a segurar uma gaze. Aparentemente, ele foi cortado acima do olho esquerdo, perto da cicatriz.

Era uma cicatriz que ele ganhou durante sua batalha com seu irmão. Eles estavam no território da Legião na época, sem nenhuma instalação médica à vista. Seu ferimento foi costurado pelas mãos de um amador e deixou uma cicatriz.

Ele lutou contra um Dinosauria Pastor naquela vez também, mas… Ele não se distraiu e não desviou o olhar de seu enorme oponente durante aquela batalha. Shin não pôde deixar de cerrar os dentes de frustração. Ele cravou os dedos na pele da testa.

Isso nunca tinha acontecido antes. Nem uma vez ele perdeu a concentração por causa de uma questão que pesava em sua mente e deixou um inimigo levar a melhor sobre ele.

Shin podia ouvir o som do tecido duro de um uniforme militar mexendo-se atrás da cortina fina que cercava sua cama… Alguém sentado ao lado de sua cama acordou.

“Oh? Você finalmente acordou?”

Assim que ele ouviu essas palavras, a cortina foi aberta casualmente. Seus olhos, que se acostumaram à penumbra da cabine e à escuridão de suas pálpebras fechadas, foram momentaneamente ofuscados pelo brilho da lâmpada. Shin reflexivamente apertou os olhos e se viu olhando para um par de olhos de cores estranhas. Um deles da cor do índigo profundo e o outro branco como a neve.

A dona daqueles olhos levantou a mão casualmente e acenou para ele. Ela tinha pele morena e cabelos ruivos desgrenhados.

“Yo.”

“…O que você está fazendo aqui?” Shin perguntou com um olho fechado.

Shiden cacarejou para ele, não se importando com sua atitude.

“Quem você esperava encontrar aqui? E heh, fale sobre saudações ingratas, hein, Ceifador? Raiden está lidando com os relatórios em vez de você, e Sua Majestade está limpando sua bagunça, então vim aqui para cuidar de você. Quero dizer, fui eu que tirei você daquele campo de batalha, sabe?”

“………”

Olhando em volta, ele percebeu que estava na enfermaria do hospital da base reserva, em uma sala para pacientes com ferimentos leves que não exigiam cuidados intensivos. Ele havia sido despojado de seu grosso traje de voo blindado, já que provavelmente atrapalhava seu tratamento, e um uniforme sobressalente estava dobrado na mesa lateral. Ao notar o tecido azul claro colocado casualmente sobre ele, Shin moveu-se para tocar seu pescoço. Ele não conseguia sentir o cachecol, é claro. Tinha sido retirado quando o trataram.

O olhar de Shiden caiu sobre a cicatriz em seu pescoço, mas ela não fez nenhum comentário.

“O médico disse que você não bateu a cabeça e não há sinais de concussão. Mas eles querem que você descanse aqui por um dia ou dois para estar no lado seguro. Afinal, eles costuraram alguns pontos em você.”

Ela apontou o polegar na direção da testa para ilustrar. Então seu sorriso desapareceu quando ela perguntou:

“Você se lembra do que aconteceu?”

“Mais ou menos.”

Ele conseguia se lembrar tão claramente que desejava poder esquecer.

“…E o Dinosauria?”

“Essa é a primeira coisa que você pergunta…? Bem, sim, é um Pastor. E um Eighty-Six ainda por cima. É triste dizer, mas escapou. Nosso objetivo não era derrotá-lo de qualquer maneira.”

“Como está meu Juggernaut?”

“Parece que eles podem consertar isso, de uma forma ou de outra… Apesar de ser mecânico… Uhhh, Guren, foi? Ele estava gritando como um assassino sangrento, então certifique-se de visitá-lo mais tarde. Ele disse que você ainda está quebrando seus equipamentos o tempo todo e não amadureceu, afinal.”

“Sim.”

Pular para trás matou a maior parte do impacto, mas seu equipamento ainda levou um chute direto de um Dinosauria. O fato de ele ter escapado com dano reparável foi uma dádiva de Deus.

“Faz sentido ele dizer isso. Eu o coloquei em apuros novamente. Desta vez.” Shiden foi a única a olhá-lo com um olho fechado.

“Você diz isso conscientemente ou o quê? Eles não se importam com o dano da plataforma, eles se preocupam com você se machucar. Idiota.”

Shin foi levado direto para o centro médico, enquanto a forma quebrada de Undertaker foi carregada sozinha para o hangar. A surpresa de Guren só fazia sentido. Ele viu os destroços do Undertaker, mas Shin não estava lá.

“…Eu não posso acreditar que você cometeu esse tipo de erro estúpido. Ei…”

Ela inclinou a parte superior do corpo para frente em sua cadeira dobrável. Shiden olhou para ele com olhos que não mostravam nenhum sinal de ridículo ou riso. Eram os olhos frios de alguém que havia sobrevivido muitos anos no Setor Eighty-Six, mesmo que ela não passasse tanto tempo lá quanto Shin.

“…você está realmente bem?”

“………”

Shin olhou para baixo, desviando o olhar. Ele sabia disso mesmo sem ela dizer nada.

Ele não estava bem.

Ele não sabia a que futuro aspirar ou o que desejar. Por todo o tempo que passou agonizando sobre isso, ele não conseguiu encontrar nada para desejar. Ou qualquer forma de preencher esse vazio dentro dele. Ele sabia que não poderia continuar vivendo enquanto corria para a morte, mas percebeu que estava obcecado com a morte que o cercava. Ele pensou que estava enfrentando a morte de frente, mas isso era apenas uma desculpa para evitar ter que desejar o futuro.

E agora ele nem conseguia se separar durante a batalha, o que sempre foi capaz até agora. Até agora, durante o combate, ele sempre foi capaz de deixar ir e esquecer tudo, mas essa agonia o estava segurando. Agora, ele tinha que duvidar de si mesmo. Ele não podia dizer que não havia mais problemas com ele.

“Isso não é apenas por causa do que aconteceu naquela base da cidadela, é…? Isso foi uma visão desagradável, com certeza. Parece o que podemos acabar sendo. Mas você não deveria estar pensando nisso agora. É inútil. Pelo menos por enquanto.”

Shiden estreitou seus olhos heterocromáticos friamente.

“Deixe-me dizer-lhe isto. Do jeito que você está agora, não podemos deixar você fazer parte da força de ataque na próxima operação, Comandante de Operações. Vou pedir a Lena que fique de prontidão no QG. Considerando sua habilidade, você deveria estar de volta à base de qualquer maneira, comandando a batalha à distância… É a mesma coisa que você disse a Rito. Se você não conseguir manter o foco durante a batalha, você só será um fardo para todos os outros.

“Eu sei.” ele respondeu amargamente.

Ela estava certa… Realmente era a mesma coisa que ele disse a Rito. Shiden zombou enquanto ela considerava Shin.

“Hmph, você realmente está deprimido, não é? Você nem está me respondendo. De qualquer forma, vá com calma e descanse. Fique aqui por alguns dias e não pense nessas merdas. Além disso, Lena está ficando histérica por causa de você, então certifique-se de consertar as coisas lá… Ah—”

O som de saltos batendo apressadamente no chão se aproximou deles. Alguém parecia ter entrado correndo na sala.

“Shiden! Disseram que Shin acordou…”

Lena correu para a sala, esquecendo-se completamente da dignidade de seu escritório e das maneiras elegantes, e parou de repente ao ver Shin. Ela corou por um momento, observando-o sem seu traje de voo e apenas com sua camiseta, mas ela balançou a cabeça para afastar esses pensamentos de sua mente. Seus olhos prateados então se umedeceram com lágrimas.

“Shin… Obrigado Senhor…”

O olhar dela congelou um pouco diante dos olhos dele, e suas feições delicadas se contorceram dolorosamente ao ver a gaze e a ferida sob ela. Shin então percebeu que podia ver a cicatriz em seu pescoço. Afinal, seu cachecol havia sido retirado com o resto de seu traje de voo.

Ele prontamente levou a mão ao pescoço na tentativa de esconder a cicatriz. Ele não disse a Lena que foi seu irmão quem o infligiu e não tinha nenhuma intenção de compartilhar isso com ela. Para esse fim, ele não queria que ela visse. Esse movimento reflexivo a fez prender a respiração por um momento. Shin, que estava olhando para baixo na hora, não percebeu a reação triste de Lena.

“Seus ferimentos…”

“É só esse corte na minha testa. Nada mais.”

Ele poderia dizer que tinha vários outros pequenos ferimentos, mas não os mencionou. Ele quase não sentiu nenhuma dor no momento. Todos eram ferimentos leves e Shin nem os reconheceu.

“Você diz isso, mas eu posso ver as bandagens… Juro… O médico militar disse que você deve descansar nos próximos dias, então volte para o seu quarto e faça exatamente isso.”

“…Desculpe.”

“Sim, temo que desta vez você não vai escapar sem uma bronca, Capitão… O que aconteceu? Isso não é como você.”

“Ah, Majestade. Eu já conversei com ele sobre isso, então não o censure muito.”

Shiden se intrometeu na conversa, mas Lena a ignorou. Ficar olhando para baixo deixou um gosto ruim na boca de Shin, então ele se levantou da cama e vestiu a parte de cima do uniforme.

“Minha mente vagou…e eu perdi o foco. Não vai acontecer de novo.”

“’Perdeu o foco’…?”

Lena hesitou por um momento, mas acabou decidindo que precisava repreendê-lo como oficial comandante desta vez. Ela ergueu as sobrancelhas claras e falou com ele com um olhar ligeiramente severo.

“Isto é por causa do que quer que esteja incomodando você ultimamente, não é? É por isso que você tropeçou. Estou errado?”

“Eu disse que seria um problema se acabasse influenciando na operação. Pedi-lhe para resolver isso participando de mais sessões de aconselhamento ou consultando-me se não conseguir resolver isso sozinho… Vou ouvi-lo, não importa o que você tenha a dizer. Esse é o meu dever. E é o que eu quero. Parece que algo está perseguindo você, como se estivesse sendo empurrado contra a parede… Todos estão preocupados com você. E eu também. O que há de errado, Shin?”

Enquanto ela falava, sua careta gradualmente se suavizou, e ela simplesmente olhou para ele seriamente com seus olhos prateados. Mas Shin desviou o olhar.

Ele não podia dizer a ela que era um fator prejudicial ao mundo que ela desejava. Que ele ainda estava indo para a morte em vez do futuro que ela desejava. Que ele não pertencia ao lado dela agora e que, embora quisesse mudar isso, não sabia como.

Ele não queria que ela, de todas as pessoas, soubesse sobre o vazio que o consumia por dentro.

“Nada.”

Lena fez uma careta ansiosa.

“Você não pode dizer isso quando está fazendo essa cara. Contar para alguém pode fazer você se sentir melhor…”

“Não há nada.”

“Você está mentindo… Você sempre diz isso, mas você não estava bem, estava? Se você está com dor, não me importaria de lhe emprestar um ouvido… Não, eu quero que você me diga. Eu, hum, quero apoiar você e…”

Shin ficou irritado com a conversa improdutiva e atacou em tom severo.

“Não há nada… Não tem nada a ver com você e não tenho nada para lhe dizer.”

E só então ele percebeu o que havia dito. Os grandes olhos de Lena se arregalaram, aparentemente congelados nele. E então umedeceram, como se uma rachadura tivesse atravessado aquelas profundezas de alabastro.

“…Por que você diz isso?”

Sua voz continha um calafrio que ele nunca tinha ouvido antes.

“Você diz que não há nada, mas é óbvio pelo seu rosto que algo está errado. Você parece estar com dor, como se estivesse em agonia, mas nunca diz nada. Você não quer falar comigo…? Eu sou realmente tão pouco confiável? Eu realmente não sou boa o suficiente para ajudá-lo? Não estamos…?

Lágrimas escorriam de seus olhos e corriam por suas bochechas brancas. Um após o outro. Shin olhou em choque enquanto suas lágrimas corriam livremente como água rompendo uma represa. Ele sabia que tinha que dizer alguma coisa, mas sua mente estava girando e ele não conseguiu pensar em nada.

E enquanto Shin permanecia sem palavras, a expressão de Lena desmoronou na frente dele.

“Não estamos lutando juntos…?”

Sua pergunta reverberou como um grito. E sem esperar resposta, Lena deu meia-volta e saiu correndo.

“E-ei! Sua Majestade… Lena!”

Shiden a seguiu em uma pressa confusa. O som de suas pesadas botas militares foi ficando cada vez mais distante. E, no entanto, Shin não conseguia se mover. Ele simplesmente permaneceu onde estava enquanto o som de seus passos o deixava para trás.

* * *

Há quanto tempo ele estava parado ali? Quando o tumulto e o som de seus passos diminuíram, Shin finalmente caiu em si. Mesmo que ele quisesse ir atrás dela, Lena estava fora do alcance da voz. Ele soltou um suspiro alto e informou ao médico da enfermaria que estava indo para seu quarto antes de sair.

Assim que ele saiu da enfermaria, uma voz falou com ele do lado.

“Você não vai atrás dela, Nouzen?”

“…Você estava assistindo?”

Vika encostou as costas na parede ao lado da porta de correr da enfermaria e deu de ombros casualmente.

“Insensível como sou, até eu sei que não devo me intrometer em certas situações embaraçosas. Posso dizer que minhas palavras nem sempre são bem-vindas.”

Vika então voltou seu olhar para o corredor, sinalizando a direção que Lena tomou. Shin respondeu depois de dar um pequeno suspiro.

“Eu sei que preciso me desculpar.”

Ele sabia que isso era definitivamente culpa dele, mas não sabia dizer o que havia feito de errado. Ele a atacou, e isso foi claramente um erro. Ele a machucou, e isso estava errado. Mas o que magoou Lena não foram suas palavras insensíveis, mas a troca logo antes disso. E ele não poderia dizer o que ele fez de errado lá.

Se fosse julgar simplesmente pelo que Lena disse, o problema estava no fato de ele não ter contado nada a ela. Mas os problemas com os quais ele estava lutando agora não eram relacionados a Lena. Ele não queria causar-lhe preocupação desnecessária, ser um fardo para ela. Ele não queria que ela soubesse dessa angústia pela qual ele estava passando, o que parecia ainda mais patético quanto mais ele colocava em palavras.

“Pedir desculpas quando eu nem sei o que fiz de errado…só iria machucá-la ainda mais.”

Tudo o que ele fez foi machucá-la. Naquela época – e agora também.

“Isso me deixa…tão triste.”

Vika inclinou a cabeça, seu rosto claro desprovido de seu sorriso habitual.

“Você é surpreendentemente covarde.”

Seu comentário pegou Shin completamente desprevenido.

“Covarde…?”

“Sim, e não quero dizer em termos de batalha. Na verdade, você é destemido a ponto de ser imprudente nessa frente, e isso é perigoso à sua maneira, eu acho. Mas mesmo assim…”

Com as costas ainda contra a parede e os braços cruzados, Vika se inclinou para frente e olhou para Shin com um olhar para cima. Eles tinham aproximadamente a mesma altura, mas Shin era um pouco mais alto que Vika. Por causa dessa pequena diferença de altura, Vika estava olhando com seus olhos violetas Imperiais para os olhos vermelho-sangue de Shin. Eram de um tom de púrpura quase artificial e monstruoso.

“Mesmo como um terceiro nisso, posso dizer. Algo está interrompendo seus pensamentos.”

Ele estava fingindo estar imerso em pensamentos, então ele realmente não teria que pensar.

“Não é que você não saiba o que fez de errado. Você simplesmente não quer pensar nisso. Você também era assim com relação à sua família, agora que penso nisso. Não é que você não consiga se lembrar, você simplesmente não queria se lembrar. Você não queria abrir velhas feridas… Você diz que não sabe o que fez de errado, que não consegue se lembrar. Mas eu acho que, na verdade, você não quer. Você não quer ter esperança.”

“Isso é…”

Ser informado de tudo isso o fez instintivamente tentar negar. Dizer que não podia esperar por um futuro, que não tinha futuro. Era assim que ele pensava, mas percebeu que a verdade era que na verdade não queria desejar um. Ele acreditava que a morte era apenas uma maneira de os Eighty-Six não terem esperança em um futuro.

Nesse caso, ele também teve que admitir que a maneira como se sentia, que pensar que não tinha futuro, estava errada. Ele estava prestes a esperar por um futuro e os desejos que ele continha…mas ele não podia se permitir desejá-los. E no momento em que percebeu isso, Shin inconscientemente encobriu esses sentimentos, fingindo que nada havia acontecido.

Mas o dono daqueles olhos violetas riu, sem perder aquele lampejo de emoção.

“Certo, eu não te contei ainda, contei…? Eu conhecia seu pai. Eu até falei com ele. Seu pai, Reisha Nouzen, era um pesquisador de inteligência artificial, assim como Zelene. Você gostaria que eu lhe contasse sobre nossa troca? Você faria bem em me ouvir, supondo que não toque em nenhuma ferida aberta.”

“……..?!”

Essas palavras surpreendentes fizeram a respiração de Shin ficar presa na garganta.

“Seja um bom menino…Shin…”

Ele não conseguia se lembrar agora. Mas ele sabia que realmente tinha memórias deles. A voz de sua mãe e o sorriso em seus lábios. Sua mãe, seu pai, seu irmão… Todos aqueles rostos e vozes. Sim, ele se lembrava de todos eles. E percebeu, ao mesmo tempo, que não queria lembrar.

E não era apenas que lembrá-los o faria detestar essas memórias. Era porque ele sabia que essas memórias eram muito parecidas com as coisas que ele desejaria. Era o tipo de felicidade que Lena descrevia. Ele percebeu que suas memórias e a felicidade de que ela falava eram parecidas, e era por isso que ele não podia se permitir lembrá-las.

Por isso, ele não queria pensar naquela felicidade. Ele não queria se lembrar disso. Porque e se ele se lembrasse, estendesse a mão para isso, desejasse, apenas para que fosse mais uma vez…?

Isso o assustou.

“…Isso pode ser verdade.”

“Você finalmente admite. As pessoas da sua idade preferem morrer a deixar que os outros vejam suas fraquezas. Mas isso só incomoda aqueles ao seu redor. Se você está sofrendo, então diga. E com relação a Milizé, vou em frente e digo já que está ficando muito irritante de assistir – mas é o mesmo problema com ela. Você diz que não quer ser um fardo para ela, mas sua recusa em confiar nela só aparece como falta de confiança, e isso causa dor a ela.”

O príncipe deu de ombros, sem saber que o que ele acabou de dizer não combinava com sua idade e parecia condescendente.

“Você deveria se desculpar com ela, se puder. E isso é falar por experiência, mas se há algo que você deva dizer a ela, você deve dizer essas palavras enquanto ainda tem chance. Porque uma vez que essa chance acaba, tudo o que resta é arrependimento.”

“…Você está sendo extremamente gentil hoje, Serpente das Algemas.”

Shin deu uma resposta sarcástica na tentativa de irritá-lo, mas Vika não pareceu se importar.

“Sim… Por causa de Lerche.”

Shin semicerrou os olhos ao ouvir aquele nome.

“Aquela menina de sete anos disse a você algo que não deveria. Então, pense nisso como um pedido de desculpas. Eu normalmente não ficaria tão preocupado com sua turbulência interior, mas depois de ouvir que ela ajudou a desencadear isso, eu não poderia ficar parado e ignorá-lo.”

E então Vika falou, com uma voz desprovida de emoção, como se estivesse olhando para algo que havia ido longe demais e agora estava fora de alcance.

“E aqui você quer encontrar a felicidade com alguém.”

“………”

“Não faz diferença para mim o que você realmente pensa. Mas se é assim que você se sente.”

Shin então percebeu que Lerche era, de fato, baseado na garota que era a irmã de leite de Vika. Vika nunca contou a ele sobre ela, mas Lerche compartilhou um pouco. Quem foi, realmente, que desejou ser feliz ao lado de alguém…?

“Mesmo que você não queira desejar a felicidade, você realmente acha que não desejá-la irá poupá-lo da tristeza? Não vai. Quer você anseie pela felicidade ou não, você experimentará a perda, e a perda dói. É a dor mais insuportável de todas.”

O Príncipe Serpente sorriu levemente. E ao fazê-lo, continuou falando com uma raiva profunda e honesta.

“E a pessoa que você deseja ainda está viva. Nesse caso, se houver algo que você precise dizer a ela, sugiro que diga agora. Pois se você a perder… você nunca mais poderá dizer nada a ela. Mas tenho certeza de que você está dolorosamente ciente disso.”

 

Para todas as preocupações de Shiden, esta era a base de outro país, que não era familiar para ela. A cultura do Reino Unido era, para começar, bastante diferente tanto do Setor Eighty-Six quanto da Federação, assim como o layout fundamental de suas estruturas. E essa base de reserva foi construída para ser intencionalmente confusa, de modo a enganar os intrusos, o que significa que sua estrutura era muito mais difícil de navegar.

Lena estava usando escarpins desajeitados e não era boa em correr, então até onde ela poderia ter ido? Depois de procurar em todos os cantos, Shiden finalmente alcançou Sua Majestade, que estava caída sobre uma mesa no canto de uma sala de reunião vazia. Grethe estava sentada ao lado dela, aparentemente surpresa com seu comportamento incomum. Raiden estava a uma distância que não era nem muito longe nem muito perto de Lena, aparentemente incomodado por não conseguir quebrar o silêncio. Ele olhou para Shiden e fez uma pergunta.

O que aconteceu?

Shiden respondeu da mesma forma.

Ela teve uma discussão com aquele imbecil do Shin.

Ah, então é por isso.

Raiden concluiu sua troca curta e sem palavras com um encolher de ombros cansado. Shiden sentiu o mesmo. Era visível com um olhar que algo estava incomodando Shin. Ele normalmente mantinha seus sentimentos reprimidos, assim como a própria Shiden fazia, então ela simpatizava com ele. Mas atacar Lena, de todas as pessoas?

Shin parecia composto à primeira vista, mas a verdade é que ele tinha um pavio bastante curto. Era difícil perceber isso, pois sempre que não gostava de alguma coisa, rapidamente se calava. Além disso, ele era indiferente com aqueles que não conhecia bem, mesmo que eles fossem hostis a ele.

E o fato de Shin e Lena terem discutido…significava que ele não conseguiu manter aquela indiferença e tom e ficou bravo. Isso provavelmente mostrava que Shin via Lena como alguém próximo a ele – ou talvez alguém com quem ele queria se aproximar.

Mas tirando isso, Sua Majestade estava sentada diante dos olhos de Shiden agora. Era difícil dizer se ela notou Raiden, que hesitava em falar, Shiden, que entrou correndo na sala atrás dela, ou mesmo Grethe, que estava sentada ao seu lado. Ela ficou sentada, com a cabeça baixa. Seu longo cabelo prateado estava espalhado como uma borboleta que encharcou suas asas na chuva.

“Hum… Você está bem, Sua Majestade?”

Com a cabeça ainda caída, Lena murmurou uma resposta, com a voz abafada.

“Desculpe.”

“…Pelo que você está se desculpando?”

“Quero dizer…” Lena fungou. “Uma comandante chorando na frente de seus subordinados, só porque um de seus soldados a rejeitou.”

Aparentemente, ela pensou que era vergonhoso. Grethe, que estava sentada ao lado dela, abriu um sorriso amargo.

“É quase como se você estivesse me culpando aqui.”

Lena ergueu a cabeça surpresa com aquela declaração inesperada.

“…Por quê?”

Ela falou de maneira terrivelmente casual, considerando o quão restrita ela geralmente era, mas ninguém, incluindo Grethe, parecia se importar. Grethe respondeu, aquele mesmo sorriso nos lábios.

“Um comandante não demonstra emoções na frente de seus subordinados. Isso é certo, mas a verdade é que um oficial comandante é algo que você se torna quando é muito mais velho do que seus filhos. Somente quando você está em uma idade em que pode controlar suas emoções um pouco melhor, até certo ponto. É por isso que as pessoas podem esperar que não vamos gritar ou chorar.”

Alguém se tornava oficial geralmente depois de concluir o ensino superior, o que significa que atingiria o posto mais baixo de segundo-tenente aos vinte anos, no mínimo. Mesmo assim, eram tratados como novatos por suboficiais veteranos e comandavam uma unidade apenas com a ajuda desses oficiais.

Levava pelo menos alguns anos, dependendo das habilidades individuais de cada um, para alcançar o posto de primeiro-tenente ou capitão. Ninguém seria promovido ao posto de oficial de campo antes dos trinta anos. Um primeiro-tenente ou capitão na adolescência era terrivelmente incomum, para não falar de Lena, que era uma oficial de campo.

“O fato de que você teve essa responsabilidade imposta a você quando ainda é jovem e ainda não tem suas emoções resolvidas apenas mostra o quão bagunçada toda essa situação realmente é. É nossa culpa – a culpa dos adultos – que não pudemos consertar as coisas antes de chegarmos a isso. Então você não precisa se fortalecer assim.”

Lena baixou as sobrancelhas pateticamente.

“Mas eu… devo dar o exemplo para os Processadores…”

Lena percebeu que, no final das contas, isso era o que ela achava mais difícil de suportar. Ela honestamente não se importava com sua dignidade como oficial, mas não queria que os Eighty-Six ficassem desiludidos com ela. Ela não queria que eles a vissem como esta princesa frágil que explodiria em lágrimas com a menor quantidade de dor.

Ela já havia derramado lágrimas patéticas várias vezes na frente de Shin, e isso a deixou ainda mais desesperada para não parecer uma princesa chorona. Ela queria mostrar a eles que não era quem ela realmente era.

“Todos sabem que você se saiu bem, então ninguém pensaria mal de você por causa de algumas lágrimas derramadas. Se alguma coisa, eles podem pensar que você é mais cativante por isso. Certo?”

Ela lançou um olhar provocador para Raiden, que a ignorou descaradamente. Ela estava obviamente se referindo a alguém que não estava aqui, mas Grethe não foi mais fundo. Lena então respondeu à pergunta.

“Eu tive uma discussão com Shin.”

Dizer isso só a entristeceu novamente, porque seus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez.

“Parecia que algo o estava incomodando há muito tempo. Achei que ele ainda estava preocupado com a última operação, mas recentemente ele tem agido de forma ainda mais estranha. Então eu disse a ele que o ouviria, se ele estivesse disposto a falar.”

A Rainha Manchada de Sangue então fungou como uma criança pequena.

“Mas ele disse que não era nada. Ele não quis me dizer nada. Ele não vai confiar em mim.”

Tanto Grethe quanto Raiden tiveram um silencioso e não-verbal Oh…que cruzou suas mentes. Sim, claro que Lena ficaria magoada com isso.

O capitão Nouzen é realmente um menino por completo…, refletiu Grethe.

Devia arrastar aquele idiota até aqui e fazê-lo trocar de lugar comigo. Os pensamentos de Raiden sobre o assunto eram um pouco diferentes.

“Ele disse que não quer falar sobre isso comigo… Que ele não quer falar comigo.”

“Senhor…” Até Grethe teve que revirar os olhos. “Isso é… Sim eu entendo. Mas eu já te disse isso antes, certo? Discordar e discutir é natural. Se você não discutisse, eu teria que me perguntar se vocês dois estavam muito distantes. Quanto mais dois corações se chocam, mais próximos eles se tornam. Se você pode lutar e fazer as pazes, talvez seja melhor fazê-lo enquanto esta guerra continua.”

“Ela está certa, Sua Majestade. Você mesmo me disse que precisa estar perto para discutir.”

“………”

Mas Lena não pensava assim neste caso.

“…Se eu fosse o Raiden…”

A própria Lena ficou surpresa com o quanto sua voz parecia amuada e infantil.

“Se eu fosse Raiden ou Theo, Shin teria falado comigo. Ele teria contado comigo.”

Diferente de mim. Essas duas últimas palavras eram tão feias que ela de alguma forma conseguiu se obrigar a engoli-las. Na verdade, sempre que ele falava com Raiden, Theo, Anju, Kurena, assim como Marcel, seu contemporâneo da academia de oficiais, Lena descobriu que estava de alguma forma deslocada. Ela até se sentia assim às vezes com Fido (que não conseguia falar), Vika e Dustin.

Ele parecia diferente com eles, ao contrário de como normalmente era quando falava com ela. Sua expressão era diferente ao redor deles. Ele era mais abrupto, evasivo, desatento e…sim, sem reservas. Como se ele não estivesse se segurando. Como se estivesse falando com um igual. Essa foi a sensação que Lena teve, e isso a frustrou.

“Bem…eu não sei sobre isso.” Raiden a olhou com um sorriso amargo.

Era um sorriso surpreendente e estranho que carregava um profundo arrependimento. Ele olhou para Lena com aquele sorriso irônico e meio agridoce.

“No final, somos apenas Eighty-Six, iguais a ele. Mas ele é o nosso Ceifador. E é por isso que podemos lutar ao lado dele, mas não podemos fazer mais nada por ele… Como você pode.”

“Capitão.”

Enquanto se dirigia para seu quarto no setor residencial da base, Shin parou ao encontrar Rito esperando por ele.

“Ouvi dizer que você se machucou… A culpa foi minha, não foi? Desculpe.”

“…Não.”

Shin balançou a cabeça levemente. Não foi culpa de Rito. Ele não podia culpá-lo por seu estado de coisas. Afinal, ele estava tão cheio de dúvidas quanto Rito. Rito olhou diretamente para Shin com seus grandes olhos de ágata, suas profundezas repletas de arrependimento e dor.

“Capitão. Sobre a próxima operação…o ataque a Montanha Dragon Fang, er…”

“…Você prefere ficar no QG?”

Shin terminou a frase de Rito, já que ele estava gaguejando em hesitação. Foi uma operação assustadora, considerando o tamanho das forças da Legião em comparação com as deles. Mesmo tendo apenas Rito não participando foi um golpe doloroso. Mas Shin não iria forçar alguém que não queria lutar na batalha. Qualquer um que entrou em batalha contra sua vontade. provavelmente não voltaria.

Mas para a surpresa de Shin, Rito balançou a cabeça com firmeza.

“Não, é o contrário, Capitão. Não me tire da operação. Vou…resolver isso antes da hora de partir.”

“Mas… você não está com medo?”

Ele não estava com medo da morte que o esperava no final da batalha…? Do destino reservado para os Eighty-Six?

Estou assustado.”

Rito finalmente respondeu, seus lábios pálidos e brancos franzidos. E ele disse isso recusando-se a encobrir qualquer coisa, com o olhar ainda tão tímido quanto antes. E ainda…

“Mas eu…eu não posso fugir da batalha, afinal. Eu odeio o quão vergonhoso isso soa.”

Um Eighty-Six que escolheu lutar até o fim nunca poderia aceitar fazer algo tão desagradável quanto fugir. Eles nunca poderiam cair em algo tão deplorável.

“Eu não quero… jogar fora minha própria identidade.”

Mesmo que ele ainda duvidasse de qual era essa identidade.

 



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