Volume 1 – Arco 5

Capítulo 36: Antevisão

Diego estava parado na porta do prédio, fitando os olhos brilhantes que o encaravam na escuridão. Imediatamente lembrou da criatura que tentou lhe matar na sala dos arquivos. 

Ele fez seu corpo se mexer e correu para dentro, fechando a porta de vidro atrás de si o mais rápido possível e disparando em direção ao elevado. Assim que entrou, apertou o botão OP e o elevador subiu.

Assim que chegou em seu andar o rapaz se lançou até a porta de seu quarto, núm 7. Na porta de cada quarto havia o nome e feito de alguma pessoa. O quarto de Diego era um homem chamado Osvaldo Pacheco, que já havia falecido. A história do homem era tão sem graça para Diego que ele nem se dava o trabalho de prestar atenção.

Abrindo a porta do quarto e fechando com força já do lado de dentro, Diego correu em direção ao banheiro. Na frente do espelho, se encarou por um tempo, voltando a se acalmar. 

Assim que se lembrou do baile, tomou um banho, passando o máximo de produtos que tinha disponível em seu cabelo — a maioria de Fabio, que era muito cuidadoso com os cabelos — e já no quarto começou a caçar em sua mala as roupas de festas separadas por Angela.

Ele achou. Era um terno cinza com alguns detalhes verdes muito finos e requintados. A parte de dentro era branca e nas margens haviam linhas verdes. No conjunto de roupa separados pela empregada havia uma Gravata Ascot. Para sua sorte também havia um manual de como laçá-la ao seu pescoço.

Perfumes, penteados e pastilhas de menta depois, ele andou em direção ao elevador, enquanto se surpreendia com o quão confortável eram os seus novos sapatos reluzentes. Não eram exageradamente brilhantes, mas combinando com o restante de sua beca dava um ar requintado.

Já do lado de fora ele pensou novamente na criatura e na vontade que tinha em correr dali o mais rápido que podia. Não podia fazer. Se saísse correndo acabaria por desmanchar a sua roupa e ele queria ao menos estar o mais apresentável possível.

Enquanto andava a passos rápidos pelas ruas mal iluminadas do Craveiro, seu coração começou a bater de forma que até isso o assustava. Quando estava a poucos metros de chegar no prédio, um arrepio passou pela sua coluna mais uma vez ao ouvir:

— Quem está aí? — Era uma voz velha e arrastada. 

Assim que Diego virou em direção a ela, reparou em um homem esguio, magro e velho chegando das sombras. Ele vinha carregando uma lanterna em sua mão, apontando em direção ao rosto do rapaz.

— Sou aluno, Diego Murdock. — Ele colocava a mão na frente para evitar o flash no rosto.

Rhá! É o sobrinho do Elizel, é? — O velho sorriu e abaixou a lanterna. — Tá fazendo o que aqui a essa hora?

Então Diego tomou mais um susto. Não pela voz do sujeito ou a aparência decadente, mas sim pela cobra que estava enroscada nos seus ombros magros. O rapaz apontou para ela, sem conseguir enunciar nenhuma palavra.

— O que foi? — O velho pareceu entender. — Rhá! Tá com medo da Basil? — Ele passou a mão ossuda por debaixo da cabeça da serpente, como se fosse ela um gato domestico. 

O rapaz tentou recompor sua postura ao notar quem era aquele velho. Era Ernesto, o velho que parecia uma múmia. Os dois tinham se visto por pouco tempo logo no primeiro dia em que chegou ao Craveiro. Naquele dia acabou se familiarizando melhor com o senhor Bjorn, um dos seguranças, embora não o visse com frequência.

Já Ernesto era, impressionantemente, o chefe dos seguranças. Talvez por ser o mais velho, mas com certeza não pela sua força. Era um velho que estava caindo aos pedaços, na visão do rapaz. Para Diego, o fato dele conseguir suportar o peso de uma cobra enorme em seus ombros já era um feito e tanto.

— Não tenho medo de nada — respondeu o rapaz, querendo parecer destemido. Não era um grande fã de cobras, tampouco as grandes como aquela. 

— Pois devia, garoto idiota. — Parecia mais um alerta do que ameaça. — E o que está fazendo aqui? Responda!

— Eu vou para o baile. Só isso. Será se eu posso?

— Se você pode? Quer minha autorização? Por mim vocês estariam todos em seus dormitórios, seus moleques. Não sabem que a noite é o melhor horário para acontecer coisas ruins? — Ele falou em um tom sombrio.

— Ainda bem que temos o senhor como segurança. E a… — Ele engoliu em seco. — A Basil aí. Fazendo… Companhia. 

O velho riu e então voltou a acariciar a criatura, que não parava de fitar Diego com os seus olhos amarelados. Olhos amarelados. Era aquela maldita cobra que estava lhe espiando por trás dos arbustos. E seus sentidos lhe alertaram, é óbvio, pois tinha pavor de cobras.

— Vá logo para seu baile, garoto. — O velho virou as costas e saiu pelo lado oposto. Mas Diego ouviu um murmúrio estranho, quase imperceptível, que se não fosse sua boa audição jamais conseguiria notar. Ernesto sussurrou para si mesmo e à cobra: — Coisas estranhas acontecem por aqui. Não acha, Basil?

Diego tentou imaginar que coisas estranhas seriam aquelas. Tudo que lhe veio a mente foi que Ernesto já era um homem tão velho e antiquado que estava achando estranho ter bailes. Mesmo pensando assim, ele tinha um pressentimento ruim do que iria acontecer. 

Dando de ombros e se forçando a focar apenas no baile, o rapaz finalmente entrou no prédio de eventos. 

Assim que entrou, uma explosão de som preencheu os seus ouvidos. Estava tocando uma música, anos 80. Era até que animada, mas arcaica de mais para os jovens. Apenas uns dois dançavam na pista.

O baile estava acontecendo na quadra de esportes. No palco, que parecia um palco de teatro, estavam duas gigantescas caixas de som. No centro estava uma mesinha com os equipamentos. O DJ era o Prof. Gutierrez, da disciplina Melhore Lutando, narrador e jurado dos torneios. Ele estava vestido como um cowboy de terno. 

Nada mudava em seu animado. Ele estava se balançando para lá e para cá com as músicas bregas, soltando urros no microfone e tentando animar as pessoas. É claro que estava mais passando vergonha do que necessariamente animando, mas ele não parecia se importar.

No meio havia um grande espaço, onde as pessoas poderiam dançar a vontade. Quem verdadeiramente estava dançando sem parar, e sozinha, era a Prof. Domingues, uma mulher baixinha que ensinava Segredos e Seus Mistérios. Era de fato a única que respondia os chamados de Gutierrez. 

Emoldurando esse espaço vazio, quase cercando em forma de um quadrado, haviam mesas enfileiradas uma ao lado da outra com um pano de seda negro. 

A barriga do rapaz começou a roncar, pois em cima dessas mesas havia o maior número de guloseimas e comidas doces que Diego já viu reunido em um só lugar. Ele lembrou do halito de Rafaela e fitou o bolo de chocolate. 

Antes de atacar a comida, tinha de enfrentar a multidão de alunos a sua frente, os que não estavam dançando, o que era um grande número. A maioria estava em mesas pingadas aqui e ali pelo espaço que sobrava, sentados ou em pé, conversando. Todos vestidos socialmente.

O rapaz começou a ir em direção a mesa do bolo de chocolate. Ele pensava que teria de empurrar uma dúzia de alunos até chegar em seu objetivo, mas para sua surpresa, todos notavam a sua presença e lhe davam passagem, murmurando com eles mesmos enquanto olhavam para o rapaz com um sorriso. Ele não conseguia ouvir o que diziam.

No meio da barulheira das inúmeras conversas, o rapaz ouviu uma garota mais velha, do sexto ano, dizer para as amigas:

— O Diego tá como? Um gatinho. — Ela riu com as amigas.

Diego tentou entender se era algum tipo de deboche, porém ficou tão vermelho que decidiu que era melhor manter o foco no bolinho. É claro que não parou por aí. Alguns rapazes também o elogiavam e davam batidinhas em seu ombro. Outra menina, do sétimo ano, chegou a apertar suas bochechas.

— Fofo! — disse ela, com uma voz aguda.

Seu rosto que antes estava vermelho ficou escarlate. Suas bochechas estavam quentes e embora estivesse tentando demonstrar sua irritação, o sorriso estampado no rosto não saia, por mais que ele tentasse. 

Pelo visto um bom banho, uma roupa elegante e muito perfume causavam uma boa impressão. Assim que chegou no bolinho e começou a comer, pensou em alguém que queria que o visse… 

— Murdock! — disse Tiago, enquanto lhe lançava um abraço. O loiro também ficou um pouco vermelho e rapidamente se desvencilhou do amigo. — C-c-caramba… Que terno legal. Quer dizer… Ahm… Pensei que você não fosse vir. A Petterson me avisou, mas eu não acreditei…

— Sei — falou com a boca cheia de bolo. — E cadê ela?

Tiago apontou para frente. Diego viu onde a ruiva estava e sentiu inveja. A Raposava conversava, próxima ao palco, do lado esquerdo das mesas de comida, com Faramir, Rodrigues, alguns outros jovens mais velhos e Lorena.

— Hurum… — O rapaz da cicatriz tentou não demonstrar que sua alegria tinha ido embora. — E cadê o Bruno? A Rafaela disse que você tava com ele.

— E estava mesmo, mas eu pedi para ele voltar para o grupo dele. — Ele apontou para um outro canto, do lado direito da quadra, opostos ao grupo de Rafaela, estava Bruno, Mini, Leo e Galadriel juntos. 

Galadriel e Leo conversavam de forma caustica. O garoto que parecia um papel de tão branco olhava com maldade para todos e Leo ria de tudo, até mesmo das reações nervosas de seu amigo. Mini ficava olhando para seu querido Gabi, como se este fosse feito de ouro, e Bruno estava se empanturrando com doce.

— E por que você mandou ele para lá? — perguntou Diego.

— Por causa do Fabio — respondeu, apontando para o garoto que estava sentado ao pé da porta de saída. Parecia muito mal. — Vou levar ele para o dormitório e aí não queria deixar o Bjorn sozinho.

— O que deu nele? Alguém mexeu nele?

— Não, não foi isso. Eu também não sei direito. Ele estava bem e de repente começou a passar mal.

— Será se comeu alguma coisa estragada?

— Acho que não — respondeu o loiro. — O Fabio disse que presentiu algo estranha e aí ficou assim. Ele começou a falar de que uma coisa ruim estava acontecendo, ou coisa assim.

— Sério? Do nada? E ele não conseguiu explicar? 

Diego ainda estava comendo enquanto ouvia falar sobre o seu colega de quarto. O que fez ele prestar mais atenção aos sintomas do rapaz foi o que Tiago disse:

— Não, claro que não. Ele tem poderes de Antevisão, Murdock. Ele pode sentir ameaças de longe, armadilhas e essas coisas. — O loiro tinha um ar preocupado, do tipo paterno. Era como se encarasse Fabio como um louco. — Enfim. Ele começou a pirar e disse que tinha um nocivo aqui perto.



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