Volume 1 – Arco 7

Capítulo 55: Uma Conversinha

Era hora de agir. Os dois estavam no chão, com suas mochilas bem firmes nas costas, enrascados. Se fossem abrir a porta da sala teriam de enfrentar o professor e se resolvessem sair pelo duto, único lugar que tinham uma passagem, teriam de levantar a estante mais uma vez e isso demoraria um pouco de tempo.

O Prof. Nemo estava do lado de fora, tentando forçar sua entrada, quando Tiago começou a agir, possivelmente com mais um de seus planos mirabolantes.

Ele arrastou Diego para de trás da porta e os dois ficaram ali. Tirou a chave do bolso e o pano que carregava consigo, um pano de cama.

Tiago utilizou suas habilidades de levitação com a mente para girar a chave na fechadura e fazer com que o homem entrasse na sala. Nemo entrou de uma vez e quase teve um ataque quando viu sua estante quebrada. Assim que olhou para o lado, porém, não viu nada, pois o loiro foi rápido.

Ele jogou o pano em cima do professor, tampando sua visão. E Nemo, atrapalhado do jeito que era, acabou levando um susto e se jogou no chão. Essa foi a deixa para que os dois rapazes saíssem correndo dali, mas não antes de fecharem a porta e trancaram o professor do lado de dentro, deixando a chave do lado de fora para que alguém o ajudasse.

Cheios de adrenalina, eles desceram pelo elevador falando sem parar no que aconteceu e nas consequências que isso traria aos dois mais tarde.

Quando finalmente chegaram no refeitório, se lembraram de sua verdadeira missão. Tinham de ir falar com o Sr. Rosa agora, de modo a lhes mostrar aquele monte de arquivos que conseguiram e ver se algum deles despertava algum interesse no homem.

Quando se dirigiram até o lado de fora do prédio, tiveram uma surpresa: Pelo visto a reunião tinha acabado mais cedo, pois grande parte dos que eram Executivos estava  indo embora. Diego só sabia que eram eles porque Tiago estava lhe dizendo isso.

Os dois ficaram desesperados. Não tinham passado por todos aqueles problemas apenas para, no fim, não conseguirem.

Mas para a surpresa dos dois, Rosa não deixaria o esforço deles ser em vão.

— Rapazes — disse ele, ao lado de sua filha. Os dois se viraram, assustados. — Como andam as coisas?

— B-bem.. É, bem — gaguejou Diego.

— Senhor Rosa, precisamos falar com o senhor, é importante — começou Tiago. — Nós temos uma coisa que pode interessar o senhor.

Rosa levantou uma sobrancelha. Muito rápido, tudo tinha acontecido muito rápido. Margô também ficou confusa, porém ela conseguiu decifrar o olhar de culpa que vinha de Diego.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rosa os analisou Com anos de experiência em negociações e pilantragens era obvio que o homem sabia identificar quando alguém tinha realmente algo interessante para falar.

— Mesmo? — Ele levantou uma sobrancelha. — Então… Bom, me acompanhem, por favor.

Muito rápido. Estava acontecendo muito rápido. Ele sabia de alguma coisa, ele pressentia. Talvez tivesse Antevisão?

De qualquer forma, Orlando os levou até a parte superior do andar de eventos, onde ocorreu o baile a alguns meses atrás. Lá ficava um estacionamento especial, e Diego não demorou a achar o carro, ou melhor, limusine, do homem, já que este também possuía a cor rosa.

Assim que entraram, seus olhos foram inundados pela cor rosa, que se espalhava por todos os assentos. Ao menos era confortável, embora a cor doesse os olhos. 

Os rapazes ficaram sentados de costas para o assento do motorista enquanto o Sr. Rosa se sentava a frente deles com as pernas cruzadas e os braços esticados no assento.

O homem apertou um botão, próximo de onde repousava o braço, e se abriu uma pequena escotilha revelando varias latinhas de refrigerantes e sorvete. Ele deu aos rapazes, que por sua vez agradeceram.

Enquanto se entupiam de comer e beber, Tiago retirava vários arquivos da mochila de seu amigo.

— Senhor Rosa, a gente andou pensando sobre o que o senhor falou a respeito de não querer ajudar a gente a resolver a situação da sua filha… Mas… — Ele procurou algum tipo de validação nos olhos do homem a sua frente. Não encontrou nada além de pura atenção e por isso continuou: — Nós queremos fazer uma troca com o senhor. Vamos lhe dar uma informação que o senhor quer muito.

Não pareceu muito confiante, Rosa continuava parado, com as pernas cruzadas, encarando os meninos com ar de quem esperava ouvir mais.

Imediatamente Tiago começou a mostrar alguns arquivos para o homem, porém nenhum despertou seu interesse, até que ele viu o arquivo com o título Elixir do Ingênuo. Bingo!

— É isso aqui que o senhor estava atrás, não era? — perguntou Diego, reparando nos olhos surpresos de Rosa, até que eles voltaram ao normal encarando o rapaz.

— O que vocês querem que eu faça, exatamente? — perguntou ele, se endireitando, pondo as mãos juntas no colo.

— Que o senhor bote a Rúnica para fora! Que ela pare de mexer com a Margô!

— Não é assim que funciona — disse, aproximando seu corpo para perto dos garotos. — Eu preciso de uma prova para isso. O ideal seria que a minha filha falasse, mas ela tem um orgulho besta…

— Ela só não fala nada porque acha que vai decepcionar o senhor! 

Tchiá…! Tchiá…! Tchiá…! — riu o homem, parecendo não dar importância para aquilo. — Enfim, não vai dar. Sinto muito. Mais alguma coisa?

— Tem que dar! Ela tinha uma foto sua, com uma mulher branca na foto. E eu vi a Rúnica se cortando por conta daquilo. O senhor fez alguma coisa com ela para ela odiar tanto a sua família?

— De certa forma, sim — disse com certo pesar. — Ela era minha prometida, assim como a senhorita Leindecker é do senhor Balthazar, suponho. Mas ela não era uma pessoa muito boa, entende? Cheia de defeitos.

— Então ela odeia a Rosa porquê ela é sua filha? — perguntou Tiago.

— Creio que sim — falou com simplicidade.

— Então espera aí, tem como você casar com outra pessoa mesmo que seja prometido? — quis saber Diego, começando a sentir esperança.

— E isso é importante? — rebateu Tiago. — A gente precisa de um plano para tirar ela do pé da Rosa. E o senhor vai ajudar a gente com isso.

— Sim, sim. Você é muito inteligente, rapaz. Gosto de pessoas assim como você. É como aquele ditado de pessoas velhas: “Queria ter um filho assim.” Tchiá…! Tchiá…! Agora, será que podem me dar esse arquivo para eu dar uma olhada?

— Não! — exclamou Diego. — Não vamos lhe dar nada antes do senhor nos ajudar.

— Se esse arquivo for mesmo o que estou pensando, senhor Murdock, então creio que vou poder pensar em alguma coisa. — Ele estendeu a mão, os olhos fixos nos de Diego. — Sou um homem de palavra, rapaz. Pode confiar em mim.

Hesitante, o rapaz entregou o documento, pois confiava naquela voizinha em sua cabeça da qual chamava intuição, que nesse momento permanecia quieta.

Tchiá…! — riu o homem depois de passar alguns segundos folheando o documento. — E não é que vocês pegaram mesmo?! — Ele olhou para os rapazes. — Sabem o que é o Elixir do Ingênuo? É claro que não, não ensinam isso para os não-formados. É um recurso natural bem peculiar. Se usado em uma pessoa despreparada, faz ela falar demais, falar tudo que perguntar para ela.

— Então é um soro da verdade? — perguntou Diego

— De certa forma, mas ele tem um motivo para ser chamado de Elixir do Ingênuo. — Ele fez uma pausa dramática enquanto encarava os papeis. — Só funciona em pessoas despreparadas, aquelas que nunca sonhariam em ser infectadas com o elixir. Ou seja, só funciona em ingênuos.

Diego não ligou muito para a explicação.

— E então? Vai nos ajudar ou não?

— Ah, sim, claro. — Rosa fechou o arquivo e devolveu displicentemente ao rapaz a sua frente. — Eu acabo de pensar em alguma coisa, uma forma de agradecer essa informação que acabaram de me dar. E isso que eu pensei vai ser bom, bom o suficiente para conseguirem expulsar a professora da escola.

— Vocês? — perguntou Tiago. — É nós que vamos agir e não o senhor?

Vocês já é mais do que o suficiente. O que farão é o seguinte: Haverá uma reunião depois das finais do torneiozinho de vocês, uma reunião muito importante porque vai ter a presença de todos os Executivos da Europa e também a presença do Representante Fiscal da Organização. E quando digo representante, digo que ele é a própria Organização. E quando todos estiverem aqui, sabe o que vocês farão?

— O quê? — quis saber Diego.

Rosa abriu um sorriso e cutucou a capa do arquivo sobre o tal elixir.

— Vão usar o Elixir do Ingênuo na professora de vocês e fazer ela contar toda a verdade para todo mundo. Professores, Executivos, diretores. Sim! Até os alunos vão estar presentes. Daí é questão de segundos para mandá-la embora.

— Mas com isso o Craveiro também vai sair prejudicado — comentou Tiago, chocado. — Ela vai causar uma má impressão na frente de todas essas pessoas e é bem possível que o Representante queira dar um basta na nossa sede.

— Duvido muito, mas se acontecer… Ossos do ofício, não é mesmo? Bom, a decisão é de vocês. Façam isso e vão conseguir dar adeus a professora.

— E como conseguimos esse Elixir? — perguntou Diego, sem hesitação.

— Murdock, não! 

— Boa decisão, rapaz — continuou Rosa, um largo sorriso no rosto. — Se o Craveiro for prejudicado, vai ser por um motivo razoável: a contratação de profissionais desqualificados. Logo você não vai estar fazendo nenhum mal, apenas expondo a verdade.

— E mostrando para Deus e o mundo que temos esse elixir em nossa sede — retrucou Tiago. — Eu vi o arquivo, senhor Rosa, e aí diz claramente que é segredo. Não é para as pessoas saberem que temos isso e nem a quantidade. O senhor não quer nos ajudar, quer acabar com a reputação do Craveiro custe o que custar.

Rosa o encarou por alguns segundos, com afinco. Voltava a lhe analisar. Então, com um suspiro admitiu:

— Você é muito esperto, Tiago. Muito mesmo. E é verdade que esse Elixir é segredo, mas existe algo a mais nessa história: O senhor Monte também está por trás disso. Não se usa esse elixir apenas para revelar a verdade. E quero descobrir o que o Dragão Negro anda fazendo no território da França. Caso não saibam, lá é o único lugar da Europa que tem uma produção desse elixir. Os diretores daqui estão tramando alguma, acho que querem criar laços com as vilas de lá para que comecemos a produzir nossos próprios recursos, sem depender da França como intermediador.

Diego continuou encarando o homem, porém não prestava muita atenção no que ele dizia. Já sabia que seu tio estava por trás de um experimento que envolvia o controle de nocivos, e que ele mesmo fazia parte desse experimento; só não iria contar isso para aquele homem.

Mas uma coisa não parou de perturbar o rapaz da cicatriz.

— O senhor está fazendo tudo isso para benefício próprio — disse ele, com pesar. — Em nenhum momento o senhor pensou na sua filha, não é? Só pensa nos próprios planos.

O homem revirou os olhos e respirou fundo, ficando um pouco inquieto em sua cadeira. Era como uma criança que não gostaria de receber uma bronca de seus pais. Então tentou voltar com o ar de seriedade.

— Escute aqui, você também é muito inteligente. E fico triste que minha filha não possa nem ser comparada a vocês. Corajosos e ousados. Foram atrás desse arquivo, atrás de resolver um problema. E com certeza irão conseguir. Agora, minha filha, a Margô, não a vi fazendo nem metade disso, apenas criando amizades bestas e chamando bastante atenção. — Diego abriu a boca para falar alguma coisa, rebater o homem, porém ele levantou a mão, o censurando. — Agora, consiga o Elixir… e finjam que estão se divertindo.

— Como assim…?

Toc, toc, toc.

Alguém bateu no vidro, e não era ninguém menos do que o diretor Nebeque. Diego guardou o arquivo rapidamente em sua mochila.

— Senhor Nebeque! — disse Rosa, cheio de entusiasmo, abrindo a porta. — Entre, vamos!

— Olá, Orlando. Ah! Olá, meninos. Espero que não esteja atrapalhando nada.

— Ainda bem que o senhor chegou, esses meninos estavam acabando com meus estoques de doces. Sabia que são os melhores amigos de minha filha?

— Claro que sim. Mas, Orlando, se não for muito indelicado da minha parte, gostaria de conversar com você a sós.

— Certo, certo. Obrigado pela visita, rapazes.

Diego e Tiago foram se arrastando para o lado de fora da limusine rosa, e assim que ouviram a porta se fechando atrás deles, indicando que o diretor entrou no carro, saíram correndo em direção ao prédio principal.

— Por que você concordou com aquilo? — perguntou Tiago, quando eles já estavam na porta do local.

Então Diego gritou alto de mais:

— Eu vou ajudar a Margô, e vou fazer qualquer coisa para conseguir isso!

— Eu não preciso da sua ajuda! — falou Margô, chegando cheia de fúria. — Não acredito que foram falar com meu pai mesmo eu dizendo que não queria a ajuda de vocês!

— Senhorita Rosa, não é isso… — começou Tiago, porém foi calado por um soco que atingiu seu nariz e o lançou para trás.

— Para que isso, garota? — Diego a empurrou levemente.

Aquele golpe não foi leve como da última vez. Tiago começou a passar mal de verdade.

— Cala a boca, idiota! Não acredito que eu vim me desculpar com você… Ah! Quer saber? Nem chega mais perto de mim!

Ela pegou o braço do rapaz, rodou e o fez cair de costas no chão, o deixando sem ar por um tempo. Ela correu em direção ao dormitório, deixando os dois, sem folego, lá mesmo.



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