Volume 1 – Arco 8

Capítulo 61: Tapas

 Tiago havia acabado de chegar no vestiário com o nariz sangrando. Foi recebido por Diego com um soquinho no ombro, resolvendo não lhe dar um abraço por estar completamente encharcado de suor. Margô, no que lhe concerne, apenas saiu, aborrecida, mas nenhum dos dois lhe deu atenção.

— O que tu falou para a Mini que irritou tanto ela? — perguntou depois de colocar um algodão nas narinas do amigo.

— Eu fiquei provocando ela, dizendo que o Balthazar não gosta dela de verdade e que era melhor que se afastasse dele.

— Um pouco cruel, não? — riu,

— Talvez. — Deu de ombros. — Mas se fosse de outro jeito não teria provocado ela, não acha?

— E VAMOS À SEGUNDA LUTA! — Voltou a gritar Gutierrez, após fazer dois minutos de comentário a respeito da luta de Tiago e Mini, sempre elogiando a sagacidade e estrategia do loiro. — DO LADO VERMELHO, PESANDO 40 QUILOS E MEDINDO 1 METRO E 46 CENTÍMETROS, MARGÔ KAYKA ROSA! 

A menina saiu do vestiário, ainda aborrecida, socando o ar. Assim que apareceu subindo o ringue uma multidão começou a gritar. Até mesmo algumas meninas da arquibancada dos frios estavam torcendo por ela, até porque seu adversário era…

— E DO LADO AZUL, PESANDO 41 QUILOS E MEDINDO 1 METRO E 47 CENTÍMETROS, LEÔNIDAS LUPIN!

E no que se referia a gritos da multidão, Leo não ficava atrás. Quando passou por baixo das cordas afim de entrar no ringue e sorriu para todos como se tudo não passasse de uma grande brincadeira, todos começaram a gritar. Alguns desejavam sorte, porém a maioria jogava ofensas. Ele respondia com um leve aceno de cabeça, debochado.

Sua aparência era muito diferente da de Margô. Ele estava vestido casualmente, como sempre se encontrava. Uma calça social, sapatos, camisa com as mangas dobradas até o cotovelo e com dois botões abertos. Seus cabelos estavam rebeldes como sempre, enfeitados apenas pelas orelhas pontudas de lobo.

Já sua adversaria estava verdadeiramente preparada para a situação, encarando tudo de forma séria. Short curto e flexivél, camisa sem manga branca com alguns detalhes pretos. Luvas nas mãos e os pés descalços, enfaixados. Seu cabelo estava preso para poder facilitar a movimentação. O olhar era de seriedade, diferente do de Leo.

— SE CUMPRIMENTEM! — Assim fizeram. A única diferença foi que Leo, ao encostar o seu punho com o da menina fez um efeito de explosão que pareceu lhe divertir. A menina apenas ficou mais aborrecida. — E COMECEM!

Os primeiros movimentos vieram rápidos de mais. A garota aproveitou a posição despreocupada do adversário a sua frente para ir para cima, interrompendo o seu bocejo. Quando o seu punho atravessou o rosto de Leo, um soco a atingiu na orelha, a lançando no chão.

Ela não havia acertado ele e sim sua imagem, sua ilusão. Talvez ela não tivesse aquela informação, afinal de contas Diego nunca disse aquilo para ninguém exceto o seu amigo, Tiago. Agora se sentia mal por não ter comentado sobre os poderes do rapaz no treinamento que tiveram.

— UMA ILUSÃO! ISSO É MUITO RARO, MINHA GENTE! UM RAPAZ DESSA IDADE QUE JÁ SABE USAR SEGREDOS DE TRAMPISTA COM TANTA FACILIDADE NÃO É ALGO QUE SE VÊ TODO DIA!

Era notável a surpresa do professor. Em lutas passadas, Leo nunca revelara seu segredo. Sempre conseguia se livrar de seus oponentes sem grandes esforços, usando suas habilidades. Nesse caso, ele resolveu usa-lo. 

— Acho que ele quer humilhar ela — disse Diego. — Ou mostrar o quão forte ele é sem se esforçar.

— Talvez — comentou Tiago. — Mas não sei se isso combina muito com o Lupin. Não me olha assim, o Lupin pode até ser zombeteiro e baderneiro, mas não é de humilhar as pessoas por diversão. 

— Para alguém que já foi agredido por ele, você até que tá defendendo muito.

— Vai por mim, ele é a última pessoa no mundo que iria querer humilha a Rosa. Não, isso iria chamar muita atenção para ele. E ele não gosta de holofotes.

— Então o que ele está fazendo, afinal?

— Não sei. — Tiago deu de ombros. — É como o meu vô diz, a partida só acabada quando termina. — E os dois sorriram.

Margô se levantou e recuou. Leo ria de forma jocosa. Lentamente os dois se aproximaram, um estudando o outro. A garota com os punhos abertos próximos do rosto, o rapaz com as mãos no bolso.

Após se encararem, os dois, como se estivessem sincronizados, investiram. Ela com um soco, ele com um pulo. A menina errou o golpe, pois o garoto conseguiu se desviar para o lado, fez um novo clone que confundiu a direção para onde se desviou e, ainda com as mãos no bolso, aproveitou para acertar seu calcanhar na nuca de sua adversaria.

Ela não ficou para trás. O golpe a fez se agachar e, aproveitando o embalo, deu uma rasteira em Leo. O garoto caiu de costas no chão, porém logo se levantou com a ajuda de suas mãos. Ela avançou e ele recuou. Todas às vezes que tentava lhe acertar um soco, o rapaz se desviava para trás, ainda com o sorriso bobo na cara.

Quando chegaram no meio da quadra, ele subitamente parou e não havia apenas um Leo, porém cinco, todos cercando a moça. Como um coro as cinco figuras falaram suficientemente alto para que Diego pudesse ouvir do vestiário a frase do garoto-lobo.

— Agora você me vê, agora não vê mais.

Os clones correram em direção a Margô. Assim que chegaram a uma certa distância, a moça pôs às duas mãos no chão e rodou com os pés abertos, como se fosse uma hélice, eliminando todas as imagens e acertando o peito do verdadeiro.

Ele deu alguns passos para trás com a mão no peito. Assim que olhou para frente, viu um punho se aproximando de seu rosto com tanta velocidade que certamente não daria tempo de fazer nada. O impacto foi direto em seu nariz, lhe fazendo recuar ainda mais. A garota aproveitou e lhe agarrou pelo braço, uma rasteira para que caísse no chão e um mata-leão.

Parecia que seria o fim para ele, principalmente naquela posição sem muita saída. Entretanto, quando a câmera se aproximou no rosto do garoto, Diego e Tiago viram um sorriso ainda estampado em seu rosto, embora estivesse vermelho.

Instantes depois, com a mão livre, segurou o rosto de sua dominadora e com o dedão pressionou a região da garganta da menina. Margô lhe soltou e lhe chutou para longe. Depois se levantou desengonçada e foi até um dos cantos do ringue, tossindo muito enquanto massageava a área lesionada.

Leo não foi tão abrupto assim. Quando se levantou, meio cansado, estalou o pescoço e com muita calma e em uma posição relaxada encarava sua oponente tossir enquanto recuperava o folego. Assim que a garota o encarou, ele lhe disse algo. Imediatamente ela lançou sobre ele, furiosa.

Assim que pulou, foi surpreendida mais uma vez, já que aquela era mais uma de suas imagens. Como punição pelo seu erro, acabou levando um tremendo chute na região interna das coxas, a fazendo desabar de forma ridícula no chão. Depois ficou com as mãos na perna atingida, gritando de dor.

— CARAMBA! IMAGINA A DOR QUE ELA DEVE ESTAR SENTINDO! — disse o comentarista.

Ninguém estava entendo mais nada. Margô era uma excelente lutadora. Todas as suas lutas foram resolvidas com poucos golpes. Na verdade, ela mal era atingida em suas lutas. Logo, todos acreditavam que suas técnicas eram infalíveis e que poderia muito bem dar conta de um Lupin.

Mas seu oponente não estava apenas vencendo a luta, como estava em uma completa vantagem. Como poderia Leo ser mais forte em técnica, em poder e em estratégia que uma Rosa?

As coisas ficaram ainda mais estranhas quando Leo, de forma despretensiosa, se aproximou de Margô e estendeu uma de suas mãos para que ela se levantasse, enquanto tapava um bocejo com a outra. A garota segurou sua mão e, de uma forma desleal, aproveitou o embalo para lhe desferir um soco no rosto.

Surpreendido, o garoto foi para trás. Até ele parecia surpreso com aquela atitude. Enquanto o público não sabia se vaiava ou se comemorava o acerto desonesto, Margô, instantaneamente, apareceu velozmente na frente de seu adversário, lhe lançando um novo golpe no rosto, poderoso o suficiente para lhe lançar as cordas.

— E AÍ ESTÁ O TELEPORTE DA NOSSA DUELISTA! UMA AULA DE COMO SE USAR OS PODERES DE TROCA! LEO FICOU COM CARA DE BANANA, SEM ENTENDER NADA. MAS O TEMPO ESTÁ ACABANDO, SERÁ SE VAMOS TER DE DECIDIR O CAMPEÃO POR PONTOS?

Assim que o professor fez menção aos pontos, a menina investiu no garoto encostado nas cordas. Leo estava com a guarda aberta, porém assim que ela se aproximou o suficiente, conseguiu aparar seus golpes e segurou os dois braços da menina com uma mão, a puxou para perto de seu corpo e deu um tapa em seu rosto. 

Ninguém entendeu nada. Ele estava com os nós doloridos e não queria lhe dar um soco? Até mesmo Margô não parecia ter entendido, pois fez cara de confusa e irritação. Antes que qualquer um pudesse prever, Leo deu outro tapa em seu rosto, no mesmo lugar. Depois, mais outro, e após esse, mais um, seguido de mais outro.

Margô só foi conseguir se afastar do garoto que lhe esbofeteava quando a mão de Leo já estava tatuado em vermelho na bochecha da garota. Ele continuou nas cordas, então ela aproveitou para lhe chutar o peito. Não funcionou. Com um rápido movimento, ele segurou sua coxa e lhe deu um tremendo tapão na cara.

— O QUE TÁ ACONTECENDO, MEUS AMIGOS?

A garota rodopiou e caiu no chão. Se levantou enfurecida, embora não pudesse fazer nada. Levou mais dois tapas no rosto e por último um direto na nuca, tão violento, mas tão violento, que o estalo reverberou por todo o local.

Ela andou um pouco para frente, protegendo a nuca. Leo a puxou pelo rabo de cavalo e deu um tapa em sua orelha. Ela se virou e tentou lhe dar soco. Ele segurou seu braço. Ela tentou com o livre, porém também foi seguro. Depois empurrou a menina para longe. Enfurecida, ela investiu, porém ele apenas deu mais um tapa em seu rosto.

Os frios já estavam praticamente rolando de tanto rir da desgraça da menina. Os quentes nem conseguiam contestar a barulheira da outra arquibancada, já que mal eles acreditavam no que estavam vendo.

— Ele tá só brincando com ela — disse Diego. — O que ele quer é provar que é mais forte, não outra coisa.

— Pode ser, mas presta atenção. Assim que o professor disse que o vencedor poderia ser escolhido por pontos, a Rosa ficou desesperada com essa possibilidade e partiu para cima dele. Isso porque, obviamente, o Lupin tem mais pontos, e ela queria assegurar a vitória.

— E o que uma coisa tem a ver com a outra?

— Tem a ver que o Lupin percebeu o desespero dela — comentou enfaticamente. — E começou a dar tapas nela para ter mais pontos. Ah, você não sabe? Os pontos são contabilizados por números de acertos e não necessariamente se você está sendo efetivo nos ataques.

Além disso, e Diego percebeu, isso provava de vez que Leo tinha mais controle da situação do que aqueles dois podiam imaginar.

— Que tipo de pontuação é essa? — indagou, indignado.

— Por mais que seja uma final, não é um torneio de verdade, Murdock. É mais um amistoso do que um mata-mata.

— Continua sem fazer sentido. E pela milésima vez, para de me chamar pelo sobrenome!

— 30 SEGUNDOS, MINHA GENTE! — alertou Gutierrez.

Finalmente, o garoto largou sua adversaria, a deixando com às duas bochechas e a parte de trás do pescoço completamente vermelhas. Ela se distanciou, os olhos marejados.

Leo estalou os dedos, o pescoço, e fez um sinal de “pode vir” com as mãos. A menina, enfurecida, correu em sua direção. Antes de lhe alcançar, antes de atingir ele, muito antes na verdade, a garota começou a projetar um poderoso soco no ar. Aquilo não o atingiria, porém todos entenderam o que ela estava fazendo.

No instante seguinte, a garota desapareceu e reapareceu a centímetros de distância de Leo. Seu punho, que já vinha ganhando velocidade por conta do embalo, iria se encontrar com o rosto do oponente, que se mantinha, para a surpresa de todos, calmo e aparentando estar satisfeito.

Ora, poucas pessoas notaram. Talvez apenas Gutierrez tenha notado e alguns outros, como Diego e Tiago: Leo estava com os braços levantados e com os dois mindinhos para cima.

— ACABOU! MARGÔ VEN…! — começou a gritar Gutierrez para ver se conseguia desfazer o que viria a seguir. Mas não teve jeito, era tarde de mais.

O soco da menina amassou o sorriso branco do oponente. E todos viram quando ele foi arremessado por cima das cordas, em uma pose completamente contorcida, caindo fora do ringue.

Margô tinha ganhado, porém infelizmente com uma falta. Mais uma e ela seria desclassificada. 

— Então era isso que ele queria fazer? — perguntou Tiago para si mesmo, enquanto Gutierrez fazia os comentários animados. 

— O quê?

— Acho que ele queria deixar a Rosa irritada ao ponto de não prestar atenção na rendição e fazer ela ganhar uma falta. 

— Bom, ele realmente fez isso, mas pelo que vi podia ter ganho.

— Sim, ele podia ter ganhado. O que significa que ele fez isso por outro motivo. — Continuou a pensar mais um pouco até por fim chegar a conclusão: — Ele queria ajudar.

— Ajudar? Quem? A gente? Olha, eu posso até dizer que o Leo é mesmo inteligente e bem habilidoso, mas, por favor, ele não iria ajudar a gente. E essa historia de deixar a Margô com raiva, cara, ele só deixou ela irritada com os tapas. Todo mundo ficaria com raiva disso…

Falando nela, Margô chegou no vestiário no mesmo instante, pisando tão forte no chão que parecia que este lhe fizera algum mal. Começou a bater em tudo que estava a sua frente até chegar em uma pia que tinha ali perto para molhar os cabelos e o rosto. Seus cabelos estavam com mechas escarlates e pretas.

— Aquele idiota! — começou ela a praguejar. — Quem aquele bosta pensa que é? Um imbecil, isso sim! Que ódio daquele idiota, idiota! Sabe o que aquele idiota tava falando? — Ela se virou para os dois, que apenas a encararam de volta e balançaram a cabeça negativamente. — Ele disse que eu não sou digna de ser uma Rosa! O que ele sabe sobre ser uma Rosa? Aquele… Lesado! Argh! Que ódio desse idiota!

Diego não sabia se sentia pena da menina ou da toalha que ela estava torcendo nas mãos.

— Ah, vai ver ele só queria te irritar para te distrair. Ele não tava falando sério…

— Cala a boca! — gritou ela de forma estérica. — Eu disse para não falar comigo! Vocês dois! Nunca mais!

— Mas foi você que…

— Cala a boca! — E saiu, resmungando e batendo em tudo que lhe passava pela frente.

Os dois garotos se encararam, confusos, e depois deram de ombros.

— E AGORA! A TERCEIRA LUTA! DO LADO VERMELHO….

— Agora é sua vez — disse Tiago. — Boa sorte, e foca no que você tem de melhor que é a resistência.

— Tá — disse nervoso.

E nervoso, ele saiu em direção ao ringue para enfrentar Golias.



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