Volume 1 – Arco 8

Capítulos 58: Perguntas

Era sábado quando a Profª. Domingues solicitou a presença de Diego em sua sala, avisando que era de suma importância que o rapaz fosse até lá. Ele foi bem aborrecido, já que iria perder um bom tempo de descanso pela manhã e o seu treino a tarde; treino este que fazia com Dani, Lauro e Tiago, uma preparação para a final.

Como esperado, o rapaz ficou por lá um bom tempo fazendo reforço. Suas notas estavam tão ruins, mas tão ruins, que Domingues se viu obrigada a dar uma aula particular para o rapaz. 

Sua sala era enorme, ou talvez fosse ela que era muito baixa e em comparação seus objetos pareciam maiores. As estantes de sua sala chegavam até o teto, sendo necessário subir por uma escada. Sua mesa era duas vezes maior que uma mesa normal e as cadeiras tinham pernas muito compridas.

O rapaz demorou um tempo para conseguir sentar- se em frente de sua mesa e responder os exercícios que a professora estava passando.

A maioria das perguntas ele já havia visto em outras provas. Ainda assim, ele sempre se deparava com três perguntas da qual não fazia a menor ideia de como resolvê-las, nem se um dia já havia as acertado.

— Professora, a senhora pode me ajudar com essas perguntas? — Empurrou a folha em direção a ela e apontou com sua caneta as questões. — Quais são as respostas dessas três?

— Pesquise! Não posso dar as respostas para o senhor de bandeja. Na hora das provas finais não vai ter eu para respondê-las.

— Eu sei, mas é que essas três perguntas sempre caem nas provas que eu faço. Só quero saber as respostas delas.

Ela deu uma leve espiada e leu as perguntas. Depois voltou o olhar para o rumo de Diego, meio perturbada.

— Como não sabe as respostas? Era para o professor Riddley ter lecionado sobre esses assuntos no início das aulas!

— Eu só cheguei em novembro aqui, professora.

Ela fez uma cara de desconfiada.

— Ah, tá bom! — Puxando a folha para perto de si, leu as três questões. — “Como deve ser tratado o leigo/opulento/assistente-social que por ventura recebeu um parasita de um nocivo tipo v?” Essa é muito fácil, senhor Murdock. Pense comigo, o que é um nocivo tipo v?

— Eu não sei.

— Senhor Murdock! — exclamou ela em tom de repreensão. — O senhor deve saber que separamos os nocivos em tipos de cores. E que só existem quatro tipos de cores. O “tipo v” é de verde!

— Espera um segundo, e o vermelho? Qual o tipo?

— Tipo X! — Ficou emburrada. — Agora, não sei se o senhor está sabendo, pelo visto não, mas os nocivos verdes tem uma habilidade diferente dos de outras cores. Eles são capazes de colocar parasitas dentro do corpo de uma pessoa.

— Ah, acho que ouvi o professor Ridley falar alguma coisa assim uma vez.

— Acha é? — murmurou ela, indignada. — Pois bem. A pergunta é pura e simplesmente: O que se deve fazer quando alguém tem um parasita dentro do corpo?

Esperou por um tempo a resposta do rapaz.  

— Nós… Tiramos o parasita de dentro da pessoa?

— Não! — A professora estava começando a perder a paciência. — Meu Deus, senhor Murdock. Não há como retirar o parasita de uma pessoa. Ou seja, a única maneira de ajudar ela é sacrificando a pessoa. Essa é a resposta, o procedimento é sacrificar a vítima. Não faça essa cara, os parasitas são raros. E realmente não existe cura para isso, o hospedeiro morre em duas semanas. Agora vamos, a segunda pergunta: “Qual é o maior ponto fraco dos nocivos a ser explorado no caso de uma infestação de níveis inferiores a superiores?”

— Essa eu sempre coloco as pernas.

— Mas nem todos os nocivos têm pernas, senhor Murdock. Alguns são vermes, que rastejam pelo subsolo. E a pergunta se refere a todo tipo de nocivos, desde os mais fracos aos mais fortes.

Diego parou para pensar. O maior ponto fraco de um nocivo, um ponto fraco que todos tinham em comum.

— Os olhos, senhor Murdock — respondeu a professora. — Todos os nocivos têm olhos. E esses são os maiores pontos fracos de um nocivo. De qualquer um. Essa é a resposta, os olhos. Agora, a próxima pergunta. — Ela estava apressada, o rapaz mal tinha tempo de refletir direito. — “Além dos olhos como sendo o ponto mais sensível de qualquer criatura nociva, quais os tipos de gases de alta temperatura que podem ser considerados a maior fraqueza de um nocivo de qualquer tipo?”

— Agora que reparei que a resposta da segunda estava na terceira — riu.

— Pois é. — Domingues lhe lançou um olhar tão aborrecido que fez o rapaz murchar levemente em cima da cadeira. — O senhor sabe o que é um gás de alta temperatura?

Pensou em responder: “Um pum”, porém decidiu não arriscar sua sorte. A professora estava mesmo aborrecida com tamanha estupidez. Ao invés de falar qualquer asneira, resolveu apenas balançar a cabeça.

— Nesse caso, senhor Murdock, é fogo. A pergunta responde tanto à segunda questão quanto à ela mesma. Gás de alta temperatura, fogo. A fraqueza de qualquer nocivo é o fogo, além dos olhos. 

— Então é por isso que meu tio gosta de usar aquelas armas?

A professora o encarou com os olhos semicerrados e depois lentamente foi empurrando a folha cheia de questões para o rapaz.

— Eu diria que é questão de gosto pessoal, senhor Murdock. Agora faça logo o resto das questões e pesquise nos livros.

— Ah, mas a senhora pode me ajudar só nessas outras aqui…?

— Pesquise nos livros, senhor Murdock — disse com impaciência.

— Mas só essas…

— Os livros!

 

 

Durante a tarde de sábado, o rapaz já estava se sentindo menos disposto do que o normal. Isso não se devia apenas ao fato de ter passado muito tempo na sala da professora Domingues, revisando inúmeras vezes questões e mais questões a respeito dos assuntos abordados nas provas do Craveiro.

Na realidade, se fosse apenas isso, talvez ele fosse até poderia estar um pouco mais disposto. O outro motivo era o treinamento que teria de passar agora a tarde com Tiago, Lauro e Dani na enorme quadra que ficava no prédio de eventos. 

É lógico que outras pessoas também estavam lá para treinar para as finais, do primeiro até o último ano. A final era feita por série. Ou seja, cada aluno de cada série tinha a sua própria final. Os do primeiro ano competiam na final do primeiro ano, o segundo na segunda e assim por diante até o último ano. 

Era fácil de decorar, o problema era que todos tinham de revezar um horário para si na quadra se quisessem treinar. Enquanto isso, todos os outros, e quando se referia a todos eram todos mesmo, até aqueles alunos que nada tinham a ver com as finais, ficavam observando.

Uma dessas pessoas era Faramir, que obviamente e sem despertar surpresa a ninguém iria participar das finais do quinto ano. Na realidade, causaria espanto caso o albino rapaz não estivesse participando das finais.

E acompanhada do bem-visto e aparentado rapaz vinha com ele em sua cola a bela Lorena Leindecker. Além de todo mundo olhando para si, ainda teria de aguentar os olhares penetrantes daqueles olhos esmeraldinos. Teria de se controlar para não ficar olhando demais, alguém poderia perceber.

Enquanto caminhava até o centro da quadra para treinar, reparou em outra pessoa, e ele quis muito bater com toda a força em sua testa por ter se esquecido daquela pessoa: Margô, sua, pelo visto, antiga amiga. 

Margô passou todo o treino emburrada, sem dialogar com Tiago ou Diego. O treino não foi problema, já que consistia apenas de passagem de estratégias e qualquer exercício físico, afinal de contas eram apenas crianças, tecnicamente não tinha motivos para fazerem treinos mais avançados do que manter o corpo aquecido.

Todas as estratégias eram dadas por Dani e Lauro. Não eram as coisas mais espertas do mundo, pois de qualquer forma ninguém sabia quem iria enfrentar quem, mas já sabiam quem seriam os três adversários do lado de lá.

Do lado dos quentes, os três escolhidos foram Diego, Tiago e Margô. Diego e Tiago sendo por puro acaso, já que foram uns dos únicos que não fizeram bagunça no refeitório, a grande queima de fogos de Dani e Lauro; os dois receberam duas enormes advertências.

Do lado dos frios os três escalados haviam sido Mini, Leo e Galadriel. Entretanto, misteriosamente, o garoto pálido como um papel decidiu que não iria mais competir por ter quebrado o braço ou coisa parecida. Desta forma teriam de eleger outro finalista, este que ainda era um mistério para os quentes do primeiro ano.

— E aí, Cachorro, preparado para apanhar? — perguntou Mini, chegando perto deles. A quadra era um retângulo dividido em dois, onde cada turma teria o mesmo tempo para treinar, por isso não era incomum que trocassem palavras. — Não me esqueci da última vez. Você vai ver…

— Vou ver o quê?! — Diego se lançou em cima da menina, batendo seu peito contra o dela. 

— Ei! Ei! Ei! — interrompeu Leo, empurrando o rapaz da cicatriz para longe de sua amiga com uma mão em seu peito. — Não sou especialista, mas acho que os professores tiram pontos caso aconteça alguma briguinha desnecessária. 

— Tiram, mas só se acontecer alguma briga — falou Dani, se intrometendo na conversa com os braços cruzados. — E pelo que eu estou vendo não está acontecendo nada. Só ela provocando nosso competidor.

— É, e com testemunhas — complementou Lauro logo atrás.

Leo apenas deu uma risada.

— Desculpe, esqueci que você é o especialista. Quer dizer, eu chamaria de fanático, mas…

— Sai daqui, Leo! — sibilou Diego, se contendo para não dar um soco na fuça do orelhudo a sua frente.

Para sua surpresa, o garoto deu um passo para trás. Pareceu involuntário. Aquilo lhe surpreendeu, entretanto logo voltou a ficar irado com a feição debochada que Leo tinha em sua face.

— Tudo bem, não tá mais aqui quem falou, aberração.

Aquela última palavra lhe tocou. Antes era chamado de Cachorro, agora aberração. Esse era o novo apelido que haviam lhe dado? Não, se fosse, Mini também teria lhe chamado pelo novo apelido. Aquilo era pessoal, era isso que diziam seus instintos, ou o que considerava ser seu instinto: Uma vozinha na sua cabeça.

Sem medir esforços, puxou a gola da camisa de Leo, o forçando a ficar cara a cara com ele.

— Do que você me chamou?

— Ei, o que está acontecendo? — perguntou ao longe o professor Gutierrez, que ficava no palco observando as coisas.

— Não gostou, aberração? — Leo arregalou os olhos enquanto cuspia as palavras. Isso fez Diego fazer uma careta de raiva. — É, você é uma aberração. Não sabia? Eu sei que você é.

— Vocês dois! — gritou o professor. Imediatamente os dois se soltaram.

— Do que está falando? Isso é mais alguma brincadeira da sua turma idiota?

Leo deu uma risada forçada, embora estivesse com os olhos atentos, se afastando para trás com cautela.

— Você tem um cheiro podre — sibilou, apenas o suficiente para que o rapaz o ouvisse. — Naquele dia, no beco. Você ficou estranho. Seus olhos ficaram estranhos, sua pele. — Fez uma leve pausa. — Mas sabe a coisa mais estranha daquele dia?

Diego engoliu em seco. Se lembrava do que tinha acontecido. Perdeu a cabeça e subitamente ficou quente e agressivo. Foi o mesmo dia em que descobriu as habilidades de Leo, o de fazer imagens holográficas de si mesmo, despistando seus alvos, um ilusionista, um chamado Trampista.

Naquele dia viu o rapaz assustado como nunca o tinha visto antes. Exceto por hoje. Hoje Leo não estava assustado, não como naquele dia. Mas estava atento, estava com passos cautelosos e calculados. 

E depois daquele dia Diego nunca mais viu Leo se aproximar dele. Teve uma vez no baile, porém o debochado rapaz ainda assim estava distante. Desde aquele dia, o garoto com as orelhas pontudas na cabeça estava lhe evitando. Sim, isso explicaria o comportamento. 

Agora, por que? Medo? E o que viu naquele dia no beco para lhe deixar assim? Diego só ficou irritado, nada de mais.  

— O que? — perguntou. — O que foi tão estranho?

— O seu cheiro — respondeu. — Essas orelhas aqui não são de enfeite, Murdock. Eu sou um multi-tipo. Metade Trampista metade Transfigurador. Eu sou um Lupin, da família dos lobos. Eu já saí em muitas missões com os meus pais, pode apostar que sim. Já vi e já matei alguns nocivos. Fracos, tenho de admitir. Mas sabe uma característica dos lobos? — Diego balançou a cabeça negativamente. — Reconhecer cheiros. E sabe qual foi o cheiro que eu senti em você naquele dia?

O rapaz já sabia a resposta que viria a seguir. Ele tinha uma leve ideia, embora não quisesse nem pensar que fosse real. Não, não. Certamente seria outra coisa, tinha de ser. A resposta o assustaria. Afinal de contas, o que seu tio estava fazendo com ele para que aquela resposta fosse possível?

Assustado o rapaz deu um passo para trás, engoliu em seco e perguntou finalmente:

— Qual?

Leo deu uma risada forçada, maligna e ao mesmo tempo ameaçadora. Em seus olhos não haviam deboche, apenas o olhar de um predador natural encarando com ferocidade, intimidação e cautela, uma coisa maior. Não uma presa, mais sim um outro predador, maior, mais forte, mais ameaçador.

Ele abriu a boca e respondeu:

— Você, aberração, tinha cheiro de nocivo.



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