Volume 1

Capítulo 8: O Erro do Truman

Um marujo sentou-se no cesto da gávea do navio, ele observou o mar e a calmaria quase o fez dormir, mas uma visão ao longe chamou sua atenção. Levantando-se, olhou para a sombra negra no horizonte e para o pequeno ponto preto que chegava perto.

Com um salto, ele percebeu o que se aproximava. Colocando a mão em volta da boca, gritou:

— Terra à vista!

Os demais marinheiros escutaram suas palavras, correram para se preparar e foram avisar seu capitão. No entanto, Truman começou a mover-se, ele tinha olhos centrados e se movia com rapidez e delicadeza para não ser percebido.

Aproximando-se da porta da cabine, ele bateu na porta.

— Quem é? — perguntou Sienna do lado de dentro.

— Sou eu! Poderia vir até aqui.

Percebendo que a voz tratava-se de Truman, a jovem abriu à porta. Ela tinha olheiras e os olhos vermelhos, bocejava ao olhar o jovem, havia acabado de acordar.

— O que foi? O senhor Furlan está ocupado e nossa aula não é agora — falou e bocejou em seguida.

— É urgente, venha comigo! — exclamou o jovem com suor descendo pelo pescoço.

Sienna percebeu que o assunto era sério, decidiu seguir o jovem. Ela ainda mantinha suspeitas de todos aqueles que não fossem sua mãe ou Morpheus, mas sentia que o jovem não lhe faria mal.

Os dois atravessaram o convés. Sienna percebeu a estranha movimentação dos marujos e perguntou para o jovem o que ocorria, porém, não recebeu uma resposta, Truman arrastava-a pelo braço em direção ao armazém do navio.

No lugar, ele começou a empurrar um armário. O suor cobria o seu corpo da cabeça aos pés e a pressa que tinha para realizar suas ações apenas o atrapalhavam.

— Truman! — chamou a jovem um pouco preocupada. — O que está acontecendo?

Ele encarou o rosto da jovem, olhou para baixo nervoso e não conseguiu segurar mais.

— Piratas!  — Um silêncio percorreu o armazém, apenas o som dos ratos e das ondas era escutado. 

Sienna observou o jovem, eles se encararam por alguns segundos. Ela achou toda a situação um tanto difícil e soltou um leve sorriso de nervoso.

— Você deve estar com insolação. Vamos subir, você precisa se hidratar. — Ela se virou para voltar ao convés.

Sem saber o que fazer, Truman agarrou o seu braço e apertou forte.

— Aí! — gruniu a garota sentido o aperto. — O que está fazendo?

— O... o capitão vendeu você e a ogra para piratas! Precisamos fugir rápido!

O sorriso nervoso de Sienna se desfez, ela assumiu uma expressão em branco que logo tornou-se raiva e preocupação.

— Preciso avisar o senhor Furlan! — Ela tentou escapar, mas Truman não largava. — Me solte! Eu preciso avisar o senhor...

A boca da jovem foi tampada pela mão de Truman.

— Desculpa... Não posso deixar. O capitão vendeu apenas você e a ogra. 

Sendo apenas uma criança pequena, Sienna não tinha força para escapar e o aperto forte de Truman não lhe permitia escapar. O desespero iniciou-se, ela se debatia e tentava gritar, mas ele não soltava.

“Truman! Seu idiota! Me solte!”

Huuum! Hum! — Apenas os grunhidos da jovem saiam.

Pegando uma mordaça, Truman tampou sua boca e com algumas cordas amarrou a menina. Ele queria protege-la, não importava para ele o que ocorreria com a ogra, entretanto, para Sienna, Ângela era tudo o que importava.

Ao terminar de empurrar os móveis, um pequeno buraco surgiu no casco do navio. Do outro lado do buraco, um pequeno barco a remo flutuava tranquilo. 

— Isso é para o seu bem, Sienna!

“Truman! Me solte seu imbecil!”

Uuu!

Dentro da cabine, Morpheus suspirou e encarou a pequena lâmpada do salão. Havia sentido flutuações na mana e escutou os sons vindo de fora. Ele sabia que algo estava acontecendo, só não sabia o que era, mas com certeza eram problemas.

“Eu achei que essa viagem seria tranquila”, pensou ele, levantando-se recostou na parede e aguardou.

 

 

O navio pirata aproximou-se, possuía o dobro do tamanho do veleiro, com longos mastros e era revestido com uma madeira escura, em seu mastro central uma bandeira com uma caveira tremulava de um lado para o outro.

Uma prancha de madeira conectou os dois conveses. Os marujos e o capitão engoliram em seco, seus corpos tremiam ao escutar o som que a madeira fez ao chocar-se com o convés. O medo percorria o coração dos homens.

O som de passos ressoou junto de risadas. De dentro do navio, um homem foi o primeiro a surgir. Ele era alto, possuía um corpo muito magro, quase desnutrido, até uma leve brisa poderia carrega-lo para longe, uma jaqueta vermelha escondia o corpo esquelético e um chapéu de capitão preto, com uma caveira no centro, ocupava a cabeça dele. No rosto, um sorriso estranho mostrava-se, a palidez de sua pele o fazia parecer um fantasma, junto de seus braços e pernas longas. A última característica, que mais chamou a atenção dos homens, foi uma cicatriz dupla que tinha no peito, formando um X.

Ele caminhou lentamente na direção dos homens, observou cada canto do convés, vasculhando tudo sem mudar a expressão do seu rosto. O sorriso que mantinha não parecia de alegria ou tristeza, parecia apenas algo forçado, isso aterrorizou ainda mais os homens.

Aproximando-se, ficou de frente para o capitão do pequeno barco. Os dois se encararam por um instante, o fantasma abriu um sorriso maior ainda e encarou, de cima, o rosto do gordo. Por um curto instante, apenas as respirações pesadas ressoavam.

Nervoso, o capitão abriu um sorriso também, mas, ao encarar a face daquele ser à frente, temeu e voltou a assumir a expressão de medo.

— Olá, Capitão. Você está tendo um bom dia? — perguntou o homem, sua voz suave fez com que o gordo baixasse a guarda.

O capitão por um momento se acalmou e começou a falar:

— É, estou bem.

O sorriso do fantasma se desfez e, com um rápido movimento, quase imperceptível, desferiu um tapa no rosto do gordo, parecia um golpe fraco, mas ao recebê-lo, foi arremessado alguns metros para trás com a face vermelha.

— Eu posso ter perguntado — Ele deu alguns passos para frente e voltou a sorrir —, mas não esperava uma resposta sua. Estamos tendo um ótimo dia, senhores?!

O grito do homem foi direcionado para o seu próprio barco, logo sons de passos de dúzias de homens soaram. Vários piratas armados surgiram e começaram a descer pela prancha.

— Um ótimo dia, capitão Amon!

— Um dia maravilhoso!

— Um dia incrível! 

Eles gritavam essas palavras pelo convés enquanto desciam com expressões ferozes no rosto. Diferente de seu capitão, que era um homem limpo e usava boas roupas, eles se vestiam e agiam como bandidos comuns, sujos e com um comportamento destrutivo, homens imundos de corpo e alma.

— Vasculhem o navio da cabeça aos pés. — Ele aproximou-se de Willy, que continuava caído. O gordo era protegido por meia dúzia de homens, mas, assim que Amon chegou perto, o caminho se abriu.

Willy encarou seus homens com raiva, nenhum deles ousava olhar seu capitão, mas também não tentaria se intrometer no que estava ocorrendo ali. Ele virou-se para o homem fantasmagórico que já havia retornado a sua terrível expressão alegre.

Amon segurou os cabelos ralos do gordo, olhou bem nos olhos dele e perguntou:

— Agora... conte-me. Por que você me chamou aqui?

Arrependido, Willy tremeu de medo.

“Por que eu não escutei o Truman?”

 

 

Um pequeno barco a remo aproximou-se da costa. Dentro dele, Sienna continuava a gritar, debater-se, tentando escapar. A jovem estava furiosa, sendo levada contra a sua vontade, quase um sequestro. Apesar de tudo ser uma tentativa de boa ação, ela não enxergava como isso.

O barco chegou na costa e Truman o puxou para a areia. Não havia nada na praia, apenas os dois jovens.

— Pronto chegamos — disse ele desamarrando a menina. — Precisei prender você, mas foi por um bem maior.

Assim que desamarrou os braços dela, tentou limpar o suor da testa, porém, recebeu um soco na cara e caiu na areia. Sienna retirou a mordaça e o enfrentou de frente.

— Você enlouqueceu?! — exclamou ela. — Me leve de volta! Imediatamente!

Truman ficou pasmo por um momento, mas logo recobrou os sentidos.

— Não posso! Os piratas matariam você. — Ele realmente estava preocupado com a segurança dela.

— Você é idiota?! — Sienna não queria saber de nada, a única coisa que importava era sua mãe.

— Hã?! — Reagiu confuso — Eu estava apenas protegendo você.

— Em algum momento pedi proteção? — Sienna estava realmente com raiva, ao ponto de nem deixar o garoto falar.

Os dois discutiram por um tempo, mas isso só resultou em ficarem cansados de gritar. Truman estava acostumado com o calor, mas Sienna não, ela suava muito. Após a discussão, os dois deitaram na areia. Um pouco mais calma, a jovem voltou a falar.

— Por favor... Me leve de volta. Ângela é a única coisa que eu tenho.

Truman não conseguia entender o porquê da jovem gostar tanto daquele monstro. Ele encarou os olhos dela, assim que viu seu brilho vermelho determinado, cedeu.

— Eu não posso te levar para onde viemos. O navio já deve ter partido, provavelmente levado pelos piratas.

— Então, o que podemos fazer? — A jovem olhou para o céu limpo com o sol forte batendo em seu corpo.

— Tem uma opção... 

— Qual opção?

— O porto. Os piratas sempre levam os navios para o porto.

— Então vamos logo! — Ela se levantou com rapidez, mas Truman continuou no chão.

— O porto fica do outro lado da ilha, mas e depois? O que você vai fazer para resgatar a ogra?

— Eu não sei... Mas! Eu preciso ir — Ela estava determinada. Suspirando, Truman se levantou e escondeu o barco em um lugar afastado. — Qual o caminho?

— Você não vai gostar nem um pouco...

Truman se virou e apontou para um pequeno caminho dentro de um enorme matagal.

“Um dia eu vou matar esse garoto”, pensou Sienna.

Naquele dia, o sol estava em seu pico. O calor daquele lugar era insuportável.



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