Volume 1

Capítulo 52: Rubrum

— Que lugar é esse? — perguntou Colth para si próprio quando viu um mar vermelho de areia à sua frente.

Um deserto de cores quentes que se estendia dos seus pés até o além do horizonte e confundia-se com o limiar do céu que possuía um tom avermelhado semelhante ao da areia seca. As nuvens arroxeadas distantes se destacavam e escureciam o dia, se é que aquilo poderia ser chamado de dia, afinal, não havia qualquer ponto de luz no céu, mesmo assim a claridade era evidente ao ponto de as sombras serem tênues.

Colth estava sobre o topo de uma pequena duna de areia, não sentia calor ou frio, também não percebeu qualquer brisa ou vento enquanto mantinha-se impactado com a vermelhidão infinita e solitária perante seus olhos.

— Tio Colth?

O rapaz foi acertado por aquela voz familiar que há tanto tempo não escutava. Deixou de lado todos os seus pensamentos enquanto um arrepio percorria toda a sua espinha. Se virou devagar e colocou os olhos na origem das palavras. Boquiaberto, não acreditou.

— Tio Colth, o que você está fazendo aqui? — indagou a garotinha estranhando a presença dele.

— V-você está me vendo? — perguntou ele se esforçando para mover a boca. Obviamente se tratava de um sonho, mas então...

— Sim, eu estou.

— Agnes, é você mesma? — Deu de ombros para além do racional, uma lembrança estar vendo o guardião de Anima não era algo que devia acontecer, além disso, aquela lembrança não era dele, nunca esqueceria um cenário incomum daqueles.

— Sim, sou eu, tio. — A menina pareceu tão impactada quanto ele.

Ela não mudará em nada sua aparência, com a sua faixa em tecido que usava todos os dias prendendo o cabelo e o seu macacão lilás sobre uma simples camisa branca de manga longa, ela parecia continuar com seus doze anos de idade, exatamente como Colth a viu da última vez. A única diferença eram os seus pés submersos na areia grossa do deserto vermelho e sua face inocente demonstrando surpresa em seriedade.

— Não. — O rapaz negou-se a aceitar voltando-se ao coeso. — Como isso é possível? Eu estou nos sonhos da Lashir, não tem como você estar aqui. E mesmo que fosse o meu sonho, você não poderia me ver ou...

As palavras do rapaz foram repentinamente interrompidas quando um barulho estridente e agudo ressoou pelo céu, no início parecia um trovão distante, mas a aproximação acelerada do ruído aconteceu em instantes.

O barulho incomodou os ouvidos à medida que se aproximava.

— Que merda é essa? — se perguntou sem conseguir se ouvir devido ao estrondo poderoso. Tapou os ouvidos com ambas as mãos e chegou a se abaixar sem entender a origem do som que avolumava ainda mais.

O barulho se aproximou e, quando nem mesmo os pensamentos pediam ser ouvidos, os olhos do rapaz encontraram o responsável, se arregalaram. Um pássaro, não, um lagarto gigante com asas escamosas sobrevoou sua cabeça e, como um raio em linha reta, desapareceu em meio as nuvens roxas na direção do horizonte. O ruído diminuiu constante sendo levado pela criatura voadora.

— Mas o que foi isso? — perguntou Colth se voltando para a garota.

Surpreendeu-se mais uma vez, a menina já não estava mais lá. O rapaz procurou por todos os lados, mas nada. Esfregou os olhos para recobrar a sanidade, provavelmente estava imaginando coisas, mas antes mesmo que o pudesse rever seus pensamentos, outro barulho ecoou, dessa vez era óbvio do que se tratava. Colth se virou em direção ao ruído que se assemelhava a um estouro e, pela terceira vez, se espantou.

Do outro lado da duna em que estava, o rapaz visualizou uma cidade vasta distante. Com grandes construções, prédios e largas ruas, sua silhueta clara se contrapunha a todo o deserto em volta, se destacava ainda mais pela fumaça escura que era emanada por todos os edifícios daquele lugar, mas nada chamava mais atenção do que as chamas sobre a cidade, a origem do barulho estava explicada, era de fato uma explosão que fez com que aquela nuvem de chamas e fumaça se erguesse aos céus.

O rapaz ainda não conseguira colocar seus pensamentos em ordem, novamente sussurrou:

— Mas o que é isso? O que está acontecendo? — perguntou-se diante da violência e poderio das chamas que consumiam toda aquela grande cidade.

Finalmente sentiu o vento, forte e incessante, as areias voaram em uma única direção o acertando pelo caminho e castigando o seu corpo, imaginou que a ventania repentina havia sido gerada pela explosão vinda da cidade, mas logo notou que era algo mais. Tudo foi levado e a absoluta escuridão tomou conta.

No vazio, fechou os olhos e pediu pelo melhor.

Abriu os olhos novamente e mais uma vez se viu perdido em um lugar completamente novo e desconhecido. A primeira coisa que notou foi uma grande estrutura sobre sua cabeça, uma grande cúpula de vidro que também era o telhado da construção em que estava. O céu além dali era negro com diversos pontos de luz de diferentes cores, talvez estrelas que brilhavam mais do que as normalmente vistas, tão belas que Colth ficou boquiaberto de imediato, mas não teve mais do que dois segundos para vislumbra-las, algo chamou a sua atenção.

— Não posso admitir isso! — disse uma voz imponente.

Finalmente Colth observou seu arredor, uma sala grande perfeitamente circular, inteiramente em mármore com detalhes dourados nas paredes luxuosas em ar de extravagância, por todos os cantos castiçais eram a fonte da iluminação, mas não eram comuns, ao invés de convencionais velas, cristais que emanavam uma luz fria e contínua eram os responsáveis pela luminosidade plácida dali. Ao centro, uma grande mesa redonda de pedra era rodeada por oito indivíduos sentados distribuídos perfeitamente. Seja lá quem fossem, eram poderosos, Colth podia sentir a presença e o poderio de cada um deles apenas em observar seus olhares, principalmente daquele que parecia o mais velho e se pronunciava em direção a todos os outros sete:

— Ela não tem o direito de fazer o que quiser!

— Pare de se auto enganar, Rubrum — rebateu uma das quatro mulheres que compunham a mesa — Isso sempre foi feito, é de comum acordo entre nós, desde o começo dos tempos.

Colth prestava atenção nas palavras dos poderosos enquanto caminhava a passos lentos em volta da grande mesa e dos seus compartes reunidos, o rapaz não era sequer notado, causa e confirmação de que se tratava de um sonho, uma lembrança, não dele, mas daquela que se viu aprisionada em seus anseios.

A discussão na mesa de reunião continuava entre os poderosos, o homem mais velho, aquele nomeado de Rubrum se fez ouvir novamente:

— Um acordo não pode ter uma duração eterna, isso seria tolice.

— Essa “tolice” manteve os oito mundos em paz e harmonia até agora. — Outro homem, o mais refinado deles, devolveu irritado.

E em complementação, o que estava ao seu lado, o rapaz mais despojado e mal vestido concluiu:

— Se está tão resistente a essa ideia, é simples, proponha algo, Rubrum —devolveu a palavra para o mais velho de forma a desafia-lo.

— Tá certo. Tem razão, Hueh.

— Hueh? — sussurrou Colth percebendo de quem se tratava a figura mal vestida em um simples robe.

O maltrapilho sentado entre os oito era conhecido, seu cabelo era ainda mais longo do que Colth lembrava, lhe dando um ar mais jovial, mas o seu modo vulgar de se vestir, não deixavam brechas para dúvidas, era de fato Hueh, o deus de Anima, o deus que lhe concedeu a magia dos sonhos.

É isso que eu farei — Rubrum aceitou a sugestão provocativa, levantou-se da sua poltrona e se fazendo ouvir com mais atenção pelos outros: — Muito bem então, eu proponho debatermos o dadivar, o acordo que temos com Lux.

Os outros membros à mesa reagiram de formas distintas, alguns não demonstraram sentimentos, alguns sorriram com o canto da boca e outros questionaram surpresos:

— Isso é loucura...

— É uma piada, só pode ser.

Colth mantinha-se atento sem ser notado, sua presença ali era de um mero observador. Se perguntou sobre o motivo de estar vendo aquilo, mas não negou o interesse em algo tão celeste.

Em meio as contestações, o homem mais refinado se levantou evidenciando o seu terno em tons azuis e tomou a voz:

— Por favor, irmãos. Seremos civilizados. — Todos se calaram em atenção. — Rubrum possui esse direito, como qualquer outro aqui. É uma solicitação válida.

Alguns com a face de desgosto discordaram, mas dessa vez sem questionar. O homem de terno continuou com sua absoluta presença rebuscada:

— Como já é de conhecimento de todos aqui, mais da metade de nós precisa concordar para que a ideia em questão seja debatida a princípio. Todos de acordo? — perguntou sem receber protestos além das caras fechadas. Rubrum se sentou em seu posto novamente, agora um pouco mais esperançoso, mostrava seus olhos vibrantes sobre todos os outros. O homem refinado manteve-se: — Como eu creio que não haverá objeções, eu serei o orador do pleito... De fato, sem objeções. Então, a votação sobre manter o sacrifício dos guardiões à deusa Lux para manter a paz entre os oito mundos está aberta. Os oito deuses possuem o voto a partir de agora.

— Deuses? — perguntou Colth sem ser ouvido pelas lembranças de um passado distante que Lashir possuía.



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