Volume 2
Capítulo 119: O Lado Escuro da Luz
No topo da fortaleza Última, o salão principal reverberava os lamentos de Lux, desacordada e acorrentada ao altar, enquanto rodeada pelos encapuzados. Pouco adiante, o imperador deu um passo em direção à entrada do lugar onde se encontrava o grupo opositor, passando por cima dos cadáveres de seus homens já sacrificados.
— Você está do lado errado, Garta — disse Aldren, próximo ao centro do salão. Seu tom era sério, enquanto seu nariz erguido e os olhos julgadores fixos nos oponentes mais à frente, emanando um ar de superioridade.
Garta manteve-se firme. Com os pés bem plantados no chão e a espada de Finn em punho, não esboçou o menor sinal de hesitação. O brilho frio da lâmina curva refletia a luz das lanternas de Sathsai nas paredes glamurosas ao redor, acompanhando o tom de sua voz:
— E quem você acha que é, para pensar que pode determinar isso? — rebateu ela, com suas sobrancelhas tipicamente anguladas, o tom desafiante.
Aldren balançou a cabeça em desaprovação e deu um suspiro breve.
— Eu sou o imperador desse mundo, do mundo que pode ser seu. Baixe essa espada e se torne uma Deusa. Recomece. Recrie tudo... comigo — ele finalizou estendendo a mão em um convite, como se oferecesse uma dádiva.
Próximo de Garta, e junto de Iara e Colth, Goro cerrou os punhos, a paciência se esgotando rapidamente. Se inflamou e reclamou em desafeto:
— Por que estamos ouvindo esse cara ainda? Poderíamos socá-lo até pedir para parar e acabar com isso...
Iara estendeu o braço à frente dele, bloqueando seu ímpeto antes que ele fizesse algo precipitado. Ela falou baixo, pedindo atenção, apenas para o seu grupo ouvir:
— Não podemos atacá-lo.
— O quê? Por quê? — Goro franziu a testa, contrariado, mas não ignorou o aviso. — Eu não suporto esse cara, e estamos em maior número, então...
— Não é esse o problema. Parte da alma de mais um sacrifício acabou de ser consumido pela Deusa Lux — explicava Iara em voz baixa, apontando com os olhos para os encapuzados ao fundo. — E Garta está em posição defensiva. Quer dizer que ela viu a energia mágica envolta de Aldren tomar forma novamente. Ele está pronto para atacar.
Colth, em meio aos dois, lançou um olhar rápido pelo salão, analisando a posição dos encapuzados e o altar.
— Acha que podemos alcançar os sacrifícios? — murmurou ele, mantendo a calma aparente. — Alcançar Lux?
Iara hesitou por um instante, pensando rápido.
— Se afastarmos o Aldren do centro do salão — sugeria ela —, e interrompermos seu alcance ao altar, talvez consigamos. Mas ele está guardando essa posição. É por isso que não fomos atacados ainda.
Colth assentiu levemente, pensando em uma estratégia. Goro, embora ainda contrariado, respirou fundo e conteve a impaciência.
Enquanto os três murmuravam entre si, Aldren mantinha a oferta:
— E então, Garta? — insistiu ele, a mão ainda estendida, impondo a sua vontade. — Meu mundo precisa da sua Deusa. Você será reverenciada, todos lhe servirão, e juntos decidiremos o destino deste mundo. Podemos extinguir o sofrimento e impor nossa justiça. Afinal, você sabe tão bem quanto eu como é viver em um mundo corrupto e cruel, onde os inocentes padecem sob a maldade dos poderosos e...
A voz de Aldren ecoava, envolta de convencimento e domínio, mas antes que pudesse continuar, o estalo de um disparo cortou o ar, seguido por um rastro luminoso que riscou o salão e marcou o ambiente. Era o barulho reconhecido do revólver de Sathsai.
— Goro, seu idiota! — reclamou Iara, com os olhos bravios em direção ao rapaz ao seu lado.
Ele mantinha a arma erguida, esfumaçando em calor pelo recente disparo, ainda apontado em direção a Aldren. O rastro luminoso ficou por um segundo no ar, evidenciando que o disparo se direcionava ao peito do imperador, mas que não o alcançou. Alguns poucos metros antes de acertá-lo, a energia fora simplesmente se dissipando, sendo absorvida pelo próprio alvo e sua sombra.
— Foi mal... Não deu para segurar — disse Goro, com o tom casual, como se tivesse pisado no pé de um colega, sem demonstrar o menor arrependimento. — Não aguento mais ouvir esse farsante babaca bancando a vítima.
Colth e Iara trocaram um olhar breve, talvez impressionados pela falta de noção do amigo, ou a sua coragem insolente. Garta manteve-se imóvel, atenta aos mais simples movimentos do inimigo.
— Você... — Aldren rangeu os dentes ao ser interrompido, olhos fixos em Goro, a voz grave em direção ao desafeto antigo. Embora o disparo não o tivesse tocado, a raiva queimava em seu olhar, fazendo com que ele abaixasse a mão estendida com um gesto brusco, os dedos cerrados em um punho tão firme que beirava a automutilação.
— Já vi que você ainda está bravo por eu ter te derrubado da parede de escalada no exame da Defesa de Albores — Goro cantarolava a sua provocação. — Você não esqueceu o gosto do meu cotovelo, não é, imperador?
— Goro... Você será o primeiro a se curvar e me servir como o cão que sempre foi!
— Esse é seu erro, Aldren — disse Garta, chamando atenção, os olhos fixos e determinados nele. — Um Deus justo, ou mesmo um imperador, não deve ser servido. É ele quem deve servir ao seu povo e ao seu mundo. Se você não entende isso, então não merece esse seu posto usurpado. Eu mesmo irei dar um fim nisso, para garantir que ninguém mais seja usado por você.
Garta ergueu um pouco mais a lâmina enquanto seus olhos brilhavam em coragem e ousadia.
— Isso aí! — gritou Goro, exageradamente animado. — Essa é a minha guardiã assustadora.
— Que animação é essa, hein? — murmurou Iara, arqueando uma sobrancelha ao lado do rapaz estranhamente alegre.
— Não faço ideia — respondeu Colth, dando de ombros e balançando a cabeça. Não se surpreendia com a inconsequência do velho amigo.
Antes que pudessem reagir, Goro acrescentou, agora mirando diretamente Aldren com um sorriso ainda mais provocador:
— Ei, imperador! Pelo jeito vai continuar solteiro... Quem sabe agora não dá mais valor à sua primeira esposa e filho, né? Mas eu duvido que alguém nojento como você se arrependa.
— O que foi que você disse?! — rugiu Aldren. Arregalou os olhos enervados e grunhiu as palavras em um único som, como se a raiva transbordasse: — Ela se sacrificou por mim...
Então, sem aviso, ele fez um gesto brusco com a mão, e as sombras debaixo dos seus pés reagiram instantaneamente, velozes, contorcendo-se e avançando como serpentes vivas pelo chão em direção ao grupo.
— Agora! — gritou Garta, urgente ao enxergar o perigo com o seu olho esquerdo, dando o sinal para os aliados agirem.
Ela avançou sem hesitar, a espada curva erguida brilhando intensamente em encontro com as sombras. Colth, atento e com coragem em mesmo nível, seguiu logo atrás com a sua adaga de Sathsai em mãos, enquanto Goro e Iara avançaram para os lados, cada um em uma direção, com intenção de dar a volta no que se caracterizou como o campo de batalha.
A guardiã de Finn se moveu como vento e, quando estava prestes a encontrar com as sombras vivas, saltou em velocidade. Seus pés sobrevoaram as sombras que reagiram de imediato. Como se fossem criaturas, as sombras atacaram Garta, desprendendo-se do chão em espirais inusitadas e tentando envolver a guardiã no ar.
Garta percebeu o perigo e agiu rápido. Antes que seus pés fossem alcançados pelas trevas vivas, ela se concentrou e se deslocou com sua magia.
O que poderia ser uma esquiva ou um recuo, tornou-se uma ofensiva em um ataque oportuno. A guardiã se deslocou para mais a diante, reaparecendo as costas de Aldren. Fixou-se no inimigo e não pensou duas vezes antes de descer a lâmina da espada em direção a nuca dele, para um só corte vertical, no intuito de fatiar o alvo no meio.
Porém, antes que a espada pudesse atingir o imperador, o movimento foi abruptamente interrompido. A lâmina parou no ar como se tivesse colidido contra uma barreira invisível. Garta tentou forçar o corte, mas era como se algo segurasse sua arma, impedindo-a de avançar sequer um centímetro. Quando se deu conta, a espada estava envolvida em sombras. Como se uma mão das trevas tivesse agido para proteger o imperador.
— Achou que poderia me surpreender? — disse Aldren, mantendo as costas para ela, sua voz neutra. As sombras que o cercavam se ergueram, envolvendo a espada de Garta e prendendo-a no lugar. — Nem mesmo o seu deslocar é rápido o suficiente para a manipulação umbra.
— Merda... — reclamou Garta, cerrando os dentes ao sentir o esforço inútil de tentar arrancar a espada das garras das sombras.
Aldren se virou lentamente, fixando um olhar frio e impiedoso na guardiã. Suas mãos, envoltas por uma espessa escuridão que escorria entre os dedos como um líquido viscoso e esfumaçante, já se preparavam para o próximo ataque.
— Este é o verdadeiro poder de um imperador que até um deus inveja — disse ele, sem emoção.
Os olhos de Garta se arregalaram em alerta. O tempo corria contra ela. O ataque era iminente, mas suas opções eram limitadas. Recuar sem a espada seria desastroso, e ainda não podia contar com a sua magia de deslocamento novamente. As possibilidades diminuíam a cada instante à medida que Aldren levantava a mão direita, envolta pelas trevas.
— Lashir — disse Colth, voz baixa e apressada, mas que ecoou claro em meio a necessidade.
Antes que o imperador alcançasse Garta com suas mãos, a aura sombria que prendia a espada curva da guardiã se dissipou abruptamente, libertando-a.
Sem hesitar, Garta tomou o controle da espada novamente, e recuou com um passo longo, esquivando-se por pouco das mãos de Aldren.
Ela teve apenas uma fração de segundo para compreender o ocorrido. Colth havia cortado a própria palma da mão com a sua adaga de Sathsai, e, a partir do sangue escorrido, originou três lâminas de sangue coagulado, moldadas pela magia de Lashir, que foram disparadas em alta velocidade na direção do imperador.
Os projéteis rubros teriam acertado as costas de Aldren, mas novamente a sombra agiu para interromper o ataque e proteger o seu líder, erguendo-se como uma cortina densa para bloquear o ataque dos projéteis. As lâminas foram absorvidas pelo manto escuro antes de alcançarem o alvo, contudo, ao fazer isso, a sombra foi forçada a abrir mão da espada de Garta que havia dominado anteriormente.
A guardiã de Finn agradeceu mentalmente pela brecha, mas não teve tempo para respirar. O ataque do imperador ainda não havia cessado após sua esquiva. Aldren manteve o foco, e de sua mão direita novas trevas emergiram, como uma serpente de escuridão viva, deslizando velozmente pelo ar em direção à Garta.
Enquanto isso, Colth se fez surpreso:
— O quê? Por que as lâminas de sangue desapareceram no ar? — murmurou ele se perguntando, mantendo-se afastado por precaução, mesmo que Aldren estivesse de costas.
“Provavelmente a energia controlada por Aldren absorveu as minhas lâminas de sangue”, disse Lashir, sua voz fria ecoando apenas na mente do guardião de Anima.
— Droga... — Colth resmungou entre dentes, enquanto apertava o punho com força, sentindo o peso da frustração. — Ele consegue atacar a Garta e se proteger das lâminas ao mesmo tempo...
“Cuidado!” Alertou Lashir de repente, a urgência em sua voz fazendo Colth atento.
Antes que pudesse processar o aviso por completo, as três lâminas de sangue coagulado, que haviam sido absorvidas, foram devolvidas na direção dele, rápidas e mortais.
Colth reagiu no instante seguinte, por reflexo ou instinto. Seus sentidos se aguçaram, e a concentração veio automática na palma das mãos. Com um gesto brusco, ele invocou o escudo de Agnes, uma barreira translúcida que brilhou com um tom amarelado à sua frente e desviou as lâminas poucos centímetros antes de perfurá-lo.
O impacto foi forte o suficiente para fazer Colth recuar dois passos, o coração disparado pela surpresa.
— Foi por pouco... — comentou ele preocupado. — Essa energia não só absorveu as lâminas, como as lançou de volta para me atacar.
“É como se rebatesse a magia. Mantenha-se distante, Colth, e espere alguma abertura.” Instruiu Lashir, a seriedade em seu tom indicando que ela sabia o quanto aquela estratégia seria difícil para ele.
— Abertura? — retrucou Colth, impaciente. — Não conseguimos nem enxergar essa energia, como vamos saber quando o Aldren estará desprotegido? Se é que isso vai acontecer.
“Achei que confiasse nos seus amigos.” Rebateu Lashir, sarcástica.
— Tsc... — Colth estalou a língua, frustrado. Ele sabia que Lashir estava certa, mas esperar que os outros se arriscassem enquanto apenas aguardava pela oportunidade, era algo angustiante para ele.
No exato momento em que as trevas de Aldren serpenteavam em direção a Garta, Iara, que se movia pelo flanco esquerdo do salão, contornando o campo de batalha, finalmente encontrou a oportunidade que esperava.
Com visão clara do altar ao fundo, seus movimentos foram precisos e ágeis, ela resgatou seu arco, mantendo o olhar fixo na origem do poder sombrio de Aldren, a Deusa Lux. Com mais um movimento perfeito, natural para ela, Iara ajustou a flecha na corda tensa de seu arco e mirou rapidamente. Sem hesitar, soltou a linha, disparando a flecha com força e precisão.
Ao mesmo tempo, Goro avançava com passos firmes e rápidos pela direita do salão. Empunhando o revólver de Sathsai com sua determinação sobrecarregada. Ele traçava mentalmente a trajetória ideal para um disparo direto contra Lux e a essência energética que não enxergava.
Somado com Iara, aquele seria um ataque coordenado, em diferentes direções, planejado para surpreender Aldren e dificultar qualquer reação dele.
Quando Goro finalmente encontrou uma linha de tiro limpa, parou por um breve instante, respirou fundo e alinhou a mira. O clique do gatilho soou em seguida, imperceptível em meio a batalha próxima.
Porém, no exato momento em que disparou, algo inesperado aconteceu. Sua visão turvou abruptamente, um tremor estranho percorreu seu corpo, e ele sentiu como se o chão sob seus pés tivesse desaparecido. Instintivamente piscou forte, tentando recuperar o foco. Quando abriu os olhos novamente, percebeu que não estava mais onde deveria estar.
O cenário ao redor não havia mudado, era o mesmo salão, o mesmo instante do combate, mas agora ele se encontrava mais próximo ao centro do lugar, de costas para o altar. Já tinha sentido aquela sensação estranha, e por isso entendeu rápido, havia sido deslocado.
Suou frio ao notar que a arma em suas mãos, ainda apontada e prestes a disparar, não estava mais direcionada à Lux, mas sim apontada em direção à Iara.
O choque foi instantâneo. Ele tentou frear o disparo, mas o comando já havia sido dado. O cristal de Sathsai no interior do revólver vibrou, a energia foi gerada e cuspida do cano da arma com o característico ruído, cruzando o ar em uma linha reta fatal.
Se não bastasse, ao mesmo tempo, a flecha de Iara, que já havia deixado a corda do arco com força e precisão, rasgava o ar seguindo diretamente em direção a Goro, agora inesperadamente posicionado em sua trajetória.
Ambos se tornaram alvos um do outro. Ambos com os olhos arregalados e expressão boquiaberta. Ambos se perguntando como Goro havia parado ali, de um instante para o outro, beirando a tragédia.
A resposta estava em Garta.
A guardiã, que até então enfrentava as sombras com agilidade, conseguiu esquivar-se perfeitamente da investida inicial de Aldren. No entanto, ao recobrar a postura, percebeu tarde demais que estava exatamente onde o imperador queria.
Aos pés de Garta, o cadáver de um dos encapuzados usados anteriormente como sacrifício esfriava, mas, de forma abrupta, a sombra do corpo ganhou vida, expandindo-se pelo chão como raízes famintas de uma árvore, escuras e sinuosas.
Garta reagiu no mesmo instante, preparando-se para saltar e se deslocar logo em seguida, já se concentrando em sua magia para isso. Mas logo que seus pés deixaram a superfície, a sombra viva se desgarrou do chão e tocou os pés da guardiã.
Sua concentração foi furtada, a magia que alimentava seu deslocamento foi arrancada de seu corpo.
Ela sentiu o poder ser drenado e, em seguida, o viu ser utilizado por aquela coisa sombria.
Em um gesto surreal das sombras, como se fosse uma criatura viva, redirecionou a magia roubada, deslocando Goro abruptamente para uma posição inesperada, diretamente na linha de tiro de Iara, protegendo a Deusa Lux de forma providencial e, possivelmente, eliminando dois dos seus opositores.
Garta tentou se mover, mas as sombras agora prendiam suas pernas, imobilizando-a, prendendo-a ao chão. Sabia que algo ruim estava para acontecer. Aquelas trevas haviam usado a magia dela contra seus aliados, e agora, tanto Iara quanto Goro, estavam em perigo iminente.
Com isso em mente, e o desespero em ascensão, ela apertou com força o cabo da espada curva e a ergueu em um corte diagonal, de baixo para cima, em direção a trajetória dos disparos, com esperança de poder pará-los.
O golpe, carregado de toda a sua força, fez o ar ao redor se mover direcionado, gerando uma rajada como o vento de uma tempestade que percorreu parte do salão, mas não foi suficiente para interromper os projéteis trocados entre os aliados.
Iara respirou fundo ao ver a luz de Sathsai emitida pelo revólver de Goro vindo em sua direção, veloz. Instintivamente, ela tentou desviar, jogando o corpo para o lado, mas não foi rápida o bastante.
Por sorte, o disparo não tinha sido preciso, a energia raspou em seu braço e apenas lhe fez um corte superficial na pele.
A garota engoliu seco, pálida pelo susto, observando a manga de sua camisa rasgada e um simples arranhão queimado na pele. Suspirou aliviada e disse quase como um reflexo natural:
— Idiota, ainda bem que você é ruim de mira... — Se interrompeu ao levar os seus olhos de volta para frente e ver o tal “idiota”. Sussurrou preocupada: — Ah, não...
Seus olhos dilataram de imediato ao ver o estado de Goro, e prendeu a respiração, assim como o rapaz fez instintivamente.
Goro esboçou um sorriso desconcertado para ela. O alívio por ainda estar vivo e a dor pela flecha cravada em seu ombro esquerdo ganhou seus olhos. Congelado pelo susto e pela situação absurda em que se encontrava, tentou disfarçar o desconforto:
— E você, fofinha? — disse ele, se esforçando para não tremer. — Você também errou.
— Eu não errei... — Iara rebateu imediatamente em reflexo, provocada. — Foi a Garta que desviou a trajetória da flecha um pouco.
— Claro, claro... a minha sempre salvadora — Goro estremeceu o rosto em dor, enquanto levava a mão ao ombro para segurar a haste da flecha que atravessava sua carne.
— Você está bem? — perguntou Iara, finalmente demonstrando preocupação, se aproximando dele.
— Eu tô legal... — respondeu Goro, Seus dentes cerraram quando ele puxou com força a mão, arrancando a flecha do seu próprio ombro em um movimento rápido. — Argh!
O metal saiu, deixando um rastro de dor e um fluxo de sangue quente que manchou sua camisa de vermelho. Não teve tempo de se preocupar com o ferimento, a batalha não havia acabado.
Ao lado de Iara, ele girou em direção a Lux, agora apenas alguns passos à frente, mas então percebeu que estava perigosamente próximo de um dos encapuzados ainda vivo. Antes que pudesse reagir, o homem tombou ao chão, soltando um último gemido de dor.
Goro estranhou e tentou recuar, afastando-se daquele sacrifício inesperado, mas, para sua surpresa, suas pernas não responderam.
Ele olhou para baixo, buscando a razão daquilo. Nada parecia fora do normal, seus pés estavam sobre o mármore frio, perto do corpo do homem recém caído, sem sinais visíveis de amarras ou correntes. No entanto, havia algo invisível segurando-o firmemente, prendendo-o ao chão.
Seus olhos se voltaram para Iara, esperando uma reação, mas a visão que encontrou foi ainda mais aterradora. A garota estava igualmente imobilizada, mas, além disso, seu corpo parecia estar sendo sugado pelo chão de mármore, como se estivesse se transformado em uma traiçoeira areia movediça.
— Goro! — gritou ela, a surpresa e o receio em sua voz. Não conseguia movimentar as pernas. Esticou a mão em direção ao amigo pedindo por salvação: — Me ajuda, Goro!
O rapaz imediatamente segurou a mão dela, mas não parecia conseguir evitar que o chão a devorasse. As pernas da garota já estavam abaixo do solo, enquanto um brilho mágico emanava do chão contornando o seu corpo.
— Segura firme! — gritou Goro. Se esforçou, mas a energia invisível prendendo os seus pés atrapalhavam qualquer ação.
À medida que os segundos passavam a garota afundava mais e mais ao chão. Suas pernas desapareceram completamente, seguidas pelo tronco. Com apenas um dos braços esticados para fora e seguro por Goro, ela implorou:
— Não me solta! Não me solta, por fav...
Sua voz, soando desesperada em terror pelo fim próximo, foi interrompida no instante que sua cabeça emergiu ao chão.
Goro tentou o último esforço, mas a pressão que puxava a garota era imensa, como se um outro mundo a quisesse mais do que o atual. A mão dela escorregou por entre os dedos do rapaz e afundou ao solo. Deixando para trás o mármore sólido.
— Não! Iara! Iara! — Goro se desesperou clamando por ela, sem nem ao menos poder se mover.
A poucos passos dali, Garta se preocupou imensamente quando percebeu que as sombras haviam alcançado Goro e Iara.
Ela sentiu o temor crescer ao ver Iara ser engolida pelas sombras que usaram a própria magia de Véu da guardiã para invocarem a garota para outro mundo.
Garta lamentou silenciosamente mordendo os lábios, mas não podia fazer nada, afinal, ela estava em situação semelhante, sob controle das trevas manipuladas por Aldren. Mas então, por que Aldren ainda não havia acabado com Goro? Por qual razão as sombras pareciam apenas utilizar a própria magia dos guardiões contra eles próprios. E por qual motivo Aldren apenas não usou as trevas que emanava dele mesmo e a magia de Lux para concluir o dadivar acabando com a vida de Iara ou então de Colth?
— Colth... — sussurrou Garta, como se o pensamento tivesse rompido seus lábios.
Ela se virou para observar o guardião de Anima no início do salão. Se surpreendeu.
Colth estava a alguns passos diante de Aldren, plenamente concentrado em um esforço que fazia seus braços tremerem enquanto esticados em direção ao imperador. A palma das suas mãos emitia o brilho característico da magia de Mutha e sustentava o escudo de Agnes, não para se proteger, mas sim para cercar e manter Aldren e sua sombra presos dentro daquela redoma de pura magia.
— Acha que pode comigo?! — vociferou Aldren, encarando Colth com os olhos em brasa do outro lado do escudo, sua fúria crescente junto das suas trevas.
No interior da prisão de pura energia, as sombras de Aldren se contorciam e golpeavam repetidamente o escudo, tentando rompê-lo. Garta assistia a cena impressionada.
Entendeu finalmente que as sombras que prendiam ela e Goro, não eram de fato as trevas de Aldren, mas sim o que restou daqueles corpos sacrificados dos encapuzados, das suas almas corrompidas e consumidas. O verdadeiro poder de Aldren estava preso naquela redoma junto com ele.
A cada ataque das trevas do imperador, o escudo de Colth enfraquecia visivelmente, pequenas rachaduras se formavam, expandindo-se pela superfície luminosa.
Colth mantinha a concentração ao máximo, mas cada investida, que eram invisíveis aos seus olhos, o fazia estremecer. Seus braços latejavam e a dor aumentava fazendo-o chegar ao limite de suas forças. Ele precisava aguentar, pelo menos até os outros estarem seguros.
Aldren sorriu com o canto da boca ao perceber a rachadura aumentar no escudo.
— Você é fraco, Colth! — rugiu o imperador, percebendo a iminência da quebra. — A vida é feita de sacrifícios, e você não fez o suficiente. Por isso é fraco. Por isso nunca vai me vencer. Eu sacrifiquei tudo, dei tudo de mim para estar onde estou. Não é um imbecil com dádiva de um falso deus que vai vencer a minha entrega.
— Sacrificar os outros... — Colth vociferou entre os dentes cerrados e a dor insuportável, sentindo cada parte do seu corpo trêmulos pelo esforço. — Isso não te fez forte. Você é só um covarde!
Aldren torceu o rosto em raiva, mas logo um sorriso frio se formou em seus lábios.
— Celina, Liz, Athis... — seus olhos brilharam com soberba e orgulho. — Eles me amavam. Se sacrificaram por mim porque acreditavam no meu ideal. Eu também me entreguei. Eu também sacrifiquei tudo. Acha que foi fácil perde-los?
Ele pausou as suas palavras e olhou nos fundos dos olhos do guardião.
— Você... é... um... monstro — respondeu Colth, sem que seu corpo aguentasse mais.
— E você, Colth? Sacrificaria tudo e todos?
Colth sentiu a pergunta atravessar seus pensamentos em uma provocação cruel. Não pôde impedir que as visões dos rostos de Celina, Goro, Iara, Garta e todos que ele jurara proteger passassem pela sua mente.
Aldren abriu os braços, o sorriso neutro e confiante estampado no rosto, enquanto o escudo de Agnes sofreu o derradeiro ataque das sombras. Finalmente a magia de Mutha se despedaçava em uma explosão de fragmentos luminosos.
O contraste com as trevas de Aldren se fez à medida que os fragmentos do escudo se espalhavam pelo ar e flutuavam como se fossem flocos de neve cintilantes a cair pelo salão silenciado ao temor.
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