A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 2: Fator B

Capítulo 11: Paranoico

De debaixo da mesa, uma escopeta foi puxada. E com o cano apontado na direção de Hector e Lucas, aquela pessoa que um dia foi Melissa bravejou:

— Quem caralhos é você e o que tá fazendo na minha casa, filho da mãe?

— Eu que pergunto, porra!

Escopeta contra glock, o vencedor parecia meio óbvio, e mesmo assim a pistola do detetive permanecia firme, apesar que suas mãos estavam trêmulas.

Querendo saber a situação de Lucas, seus olhos verdes vagaram para o lado. O açougueiro estava vidrado, não na pistola, mas na parede atrás do homem.  Em seu rosto, uma solitária gota de suor escorria lentamente, como uma contagem regressiva.

Hector retomou ao indivíduo armado. Apertando a pistola em sua mão, forçou a diminuição do tom de voz.

— Eu sou Hector Wanderlust. Estávamos conversando até agora pouco. Não se lembra disso, Melissa!?

— Quem é Melissa, seu desgraçado?? Vocês invadem minha casa e ainda me vem com esse papinho!? Vai levar chumbo pra deixar de ser imbecil, porra!!

“Eu que o diga, filho da puta!” Rangeu os dentes e retrucou: — Não precisa recorrer a violência. Eu e meu amigo estamos de saída, então que tal abaixar a arma e deixar a gente ir embora?

Uma primeira reação foi adquirida, a escopeta afrouxou em suas mãos, apenas para ser prensada logo em seguida. Para responder a proposta, tudo que o homem fez foi tombar a cabeça em direção a porta.

Com apenas uma ombrada em Lucas, o investigador trouxe o parceiro de volta à realidade.

Agora juntos, eles começaram a se mover. Um curtíssimo passo para trás fez um chek da escopeta vir à tona.

Os lábios de Hector tremiam, contendo as incontáveis perguntas que tinha para fazer. No entanto, a prioridade agora era outra! Afinal não teria como fazer um interrogatório se estivesse morto!

O dedo do indivíduo desconhecido tremia enquanto sob do gatilho, pronto para disparar “acidentalmente”. O detetive não ficava de fora, totalmente pronto para disparar, ainda que seu cérebro pudesse ser estourado no instante seguinte.

Aproximando-se o bastante, Lucas tocou a maçaneta e a girou com cuidado. Seu olhar permanecia vidrado na parede além do suspeito armado, só desviando ao ser atingido pela luz do lado de fora.

Vai logo, desgraça! Hector gritou em seu coração, “vaza da minha casa!”, acrescentou o homem. Ele lia mentes, por acaso?

Pouco importava agora. Com até o suor hesitando em escorrer por seu rosto, os lábios de Hector tremularam antes de dar o último aviso.

— Eu prometo não denunciá-lo, já que isso apenas prejudicaria a mim. Por isso, eu peço que não haja de forma bruta com ninguém.

“Desde quando ele consegue ser tão formal? A presença da morte realmente muda as pessoas!”, pensou Lucas antes de se esgueirar para o lado de fora.

— Seus motivos que se fodam! É melhor você nem ousar aparecer nessa rua de novo se não quiser levar chumbo!

Engoliu seco e estreitou o olhar. Enquanto a mão direita permanecia apontando a glock, a esquerda buscou pela porta. Encontrando-a, precisou de algumas colisões com as várias tranqueiras espalhadas até conseguir sair.

O dedo sob o gatilho tremeu. Atirar ou não? O instinto negava o pedido do corpo com todas as forças, devido principalmente àquela aura agravante. A sensação era nostálgica, mas nada reconfortante.

Aquela figura sorridente… ele estava por perto outra vez.

— Vaza! — O homem bravejou no que devia ser o último aviso.

Nisso, Hector disparou para fora, usando o próprio peso para fechar a porta num blam que alcançou os ouvidos dos vizinhos.

Entre as arfadas, saltou por cima do carro, girou a chave e só faltou cantar pneu antes de ir para longe daquela maldita casa! Lucas já estava no banco do carona, e só foi percebido quando viraram a esquina.

Hector logo questionou, em seu tom calmo de sempre.

— QUE MERDA FOI AQUELA??

— EU QUE PERGUNTO! VOCÊ É MALUCO!!

Dirigindo totalmente sem rumo, o carro virava bruscamente a cada esquina, derrapando na pista por incontáveis vezes.

Pela primeira vez em toda sua vida, Hector viu os seus gritos serem abafados pelos da pessoa que o acompanhava.

— Uma pessoa sã não coloca outra numa situação tão perigosa! Você tem noção do que era aquilo? Era a porra de alguém capaz de manifestar o Fator B! Tem noção do quão perigoso isso é?!!

O ex-açougueiro começou a lacrimejar e a voz a falhar. As veias nos olhos saltavam, quase ao ponto de envolverem a íris, enquanto suas mãos coçaram a cabeça num ritmo enlouquecido.

— Pra mim já deu! Eu não sei o que caralhos eu tava pensando quando aceitei vir pra cá!

Do jeito que podia, se virou na direção da porta, e ainda que sua mão não tivesse ido até a tranca, era óbvio o que pretendia fazer em seguida.

Tá maluco?? Nem mesmo avisar era um ato que detetive era capaz de fazer, muito menos frear o carro, ao invés disso, acelerou ainda mais. Do que ele estava falando? Sua garganta tremia para perguntar, apesar de já imaginar a resposta.

— Aquela coisa… aquela criatura! Eu não volto lá nem sob ameaça do Deus da Morte!!

A mão dele destravou a porta.

Seu imbecil! Hector levou a mão para agarrá-lo, mas de alguma forma a gola da camisa escapou de seu alcance. Lucas saltou!

— IDIOTA! — Foi tudo que conseguiu exclamar.

Finalmente, tomou de volta o controle de seu corpo, freando bruscamente. O carro girou um pouco, sendo estacionado no meio da rua deserta.

Tropeçou para fora do veículo. — Lucas! Você tá bem??

Mas ao passar o olhar pelo chão… Lucas! Lucas? Cadê você?

Vazia. Sem sinal de sangue, roupas rasgadas… apenas as marcas de pneu.

Lucas! Chamou diversas vezes, e absolutamente nada vinha aos seus ouvidos.

"Onde ele se meteu? Foi velocidade? Não… é impossível… não é?"

Não, não era impossível. Fator B, por um segundo ele se esqueceu o que havia acabado de enfrentar. Os dentes rangeram sozinhos, e a mão em punho foi contra a cabeça numa autopunição.

Uma habilidade misteriosa capaz de tantas coisas, e lá estava ele outra vez, repetindo aquelas mesmas palavras. Impossível, impossível! Algo assim não era sequer humano!

"Tsc! Mas que merda! Não posso estar na estaca zero de novo!"

Veias saltaram em sua testa, ameaçando explodir como uma panela de pressão.

"Eu já tô cansado dessa merda! É sempre isso, algo me levando pra onde comecei! Já chega desse ciclo infernal!!"

Segurando algo além de sua raiva, buscou o celular no carro. Com a discagem rápida, torceu para que o número atendesse rápido como de costume.

Um, dois, três toques, no quinto a preocupação tomou conta de sua mente, mas ao sexto, a voz cansada soou do outro lado.

Eae, Hector.

— Victor, eu descobri um usuário de Fator B na cidade! Casa 839 na Rua da Maritaca, você tem que vir pra cá agora e me ajudar!!

Alguns segundos se passaram. Do outro lado, nada além da respiração pesada do agente podia ser escutada.

O coração do detetive disparou a nível alarmante. Com um parceiro realmente competente, capturar um homem armado não seria a maior das dificuldades.

Foi mal, Hector, mas eu não vou conseguir ajudar.

Porém, tais palavras destruíram seu futuro previsível de uma forma inexplicável.

Do que ele estava falando? Não estavam juntos nessa? Os Casos estavam praticamente conectados, apenas mais um pouco e isso poderia ser provado!

As coisas mudaram muito rápido, colega. Paradise não merece mais esse nome.

— Do-do que cê tá falando? Para com esses nilismo, caralho! Não vai ser nada demais! Só preciso da sua ajuda pra-

Não! É melhor você parar.

— Quê?

Um balde de água fria caiu em sua cabeça. Parar? Era mesmo Victor quem estava falando? E, realmente, parando para perceber, era notável uma diferença em sua voz, mas o cartola não sabia dizer ao certo o quê.

Um outro suspiro veio do outro lado.

A situação evoluiu de uma maneira que eu não esperava. Hector, por favor, fique longe desse caso a partir de agora.

Como assim? Ele se questionava sem parar, enquanto Victor retrucava cansado e ofegante, mas sempre com a resposta na ponta da língua.

— Onde você tá? É melhor a gente falar pessoalmente!

Impossível. A minha situação é pior que a de um peixe num aquário de tubarões.

O detetive relutou, e continuou falando apenas o que queria. Quanta insistência! O ruivo reclamou do outro lado da linha. Não importava o tempo que passasse, Hector sempre foi e seria daquele jeito.

No entanto, a hora de mudar isso parecia ter finalmente alcançado o seu limite.

Um curto silêncio perdurou por parte de Victor, e quando se colocou para interromper as reclamações do colega, precisou de apenas uma frase.

É inútil.

A boca do cartola foi trancada repentinamente. E com o sinal verde, o ruivo prosseguiu.

Do jeito que você está, continuar investigando só vai te levar pra situações mais perigosas. Nada garantiria que você não morreria na próxima esquina.

Hector… por favor, amigo… fique fora disso a partir de agora. E também, peço pra não me ligar por alguns dias, vou estar ocupado.

Parado no meio da rua como uma estátua, o detetive fitou o chão, enquanto as últimas e atrasadas palavras daquele em quem mais confiava vinham à tona.

Nós, Hector, estamos de volta aos velhos tempos. Essa é… uma nova Era Sombria.

Bip! Com o fim da ligação, uma segunda linha também foi cortada. Hector estava à deriva outra vez.

De maneira que era incapaz de explicar, o dia correu de mal a pior, e tudo que havia em sua frente nesse instante era o indestrutível teto da realidade, o qual empurrava seu fraco corpo contra o chão.

Ele ainda lutava contra essa força, cambaleando levemente enquanto a mente se focava no asfalto da rua.

Durante toda essa luta, a solidão daquele local dominou a cidade por completo. Ninguém passou por ali nos próximos segundos ou minutos… pelo menos ninguém que o detetive desejaria ver naquela hora.

Preciso repetir o que eu disse?

Foi instantâneo, suas pernas ficaram bambas e os joelhos encontraram o chão. Seu semblante, no entanto, em nada se alterou, mantendo-se mirado no asfalto.

O ambiente assumiu tom de sangue fresco, enquanto a área ao redor foi dominada por uma densa névoa de mesma cor. As mãos negras não estavam presentes, exceto pelas que formavam o trono do demônio.

Levando o tom cômico de sempre em sua voz, Yellow — acomodado em seu assento de carne podre — apenas cruzou as pernas. A risada que se seguiu foi acompanhada por outras, provindas de uma enorme cavidade dentada logo atrás do humanoide.

Fraco e inútil, do jeito que eu gosto. Uma existência tão fútil que me dá nojo. Pelo menos você não desmaiou dessa vez. Deve ser por causa da exposição que teve à energia do Fator B.

Outra gargalhada seguiu, e nada do investigador reagir. Com a cabeça estranhamente pesada, Hector nem se forçava a encarar aquele maldito olho amarelo, pois algo mais importante brotava das profundezas de sua consciência.

Eu vou direto ao ponto. Quer fazer um contrato? Tem várias vantagens pra você.

.

.

.

Hum? Vai ignorar um Deus? Quanta ousadia, mas eu também gosto de pessoas assim.

Pela primeira vez, levantou-se do trono. A criatura que agia como guarda-costas também se moveu, rondando a área até se colocar atrás de Hector. Uma montanha viva. Mesmo contra o sol, sua silhueta nunca assumia uma forma fixa. Uma existência inumana, era a única forma de descrevê-la.

Cada passo de Yellow era como um estrondo; uma sirene de aviso, e não era qualquer uma. Eram as mesmas que tocavam cidades afora quando uma catástrofe iminente se iniciava. Nada mais digno para um ser tão profano à própria vida.

Então, não demorou para que o chão inóspito à frente de Hector ganhasse um par de pés para decorá-lo.

Encarando de cima, o pecador sorriu, pronto para macular uma nova alma para a qual levou a perdição.

Vamos! Estendeu a mão. Não há nada mais que você possa fazer sendo apenas um humano. Ser um ser tão besta não traz benefícios, apenas pegue minha mão e o pacto será firmado!

O entusiasmo era imenso, afinal a melhor parte de seu show estava prestes a começar.

E mais cedo do que esperava, o detetive reagiu. As pernas deram um tipo de espasmo, que foi o bastante para permiti-lo se levantar sozinho.

Yellow puxou a mão de volta, e o sorriso cínico ameaçou sumir por um instante, sendo mantido apenas pela curiosidade de um verdadeiro despreocupado. Por um segundo, pensou em questionar a atitude do humano, respondido antes disso por esse mesmo.

— Maldito…

Uma interrogação surgiu sobre a cabeça do demônio. Ele estava… rindo? A paranóia de Yellow havia finalmente vencido a sanidade dele? Aparentemente, estava longe de ser isso.

— Maldito… Porque ele tem sempre que ser tão subjetivo?!?

Espanto ou surpresa? Era difícil dizer qual dos dois havia se manifestado no rosto daquele deus. No fim das contas, isso não importava. Com passos para trás, deixou que o humano tomasse de volta o pouco controle que ainda restava da situação.

O inferno físico se dissipou como névoa, levando junto a sombra da grande criatura. Yellow acompanhou aquele ritmo, ainda ousando sorrir uma última vez na direção do agente.

Você é realmente interessante.

O detetive não ouviu, ainda surdo pelas próprias palavras.

— Maldito, maldito! — Estapeou a própria testa. — Era Sombria… Porque eu fui me lembrar disso só agora? Não, mais importante… De onde caralhos essa memória veio!?

Onisciência? Quem dera, estava longe de ser isso e, ao mesmo tempo, perto o bastante para dar ao humano um gosto da verdadeira sabedoria.

O desaparecimento total de Lucas, o caso de Melissa,  a situação Victor, todas aquelas preocupações foram expulsas de sua mente por agora. Um lampejo atingia sua consciência fortemente, e ao invés de dor, o que sentia era o preenchimento das lacunas que faltavam para que o próximo passo pudesse ser dado!

“Eu sei! Pela primeira vez, eu tenho certeza do que preciso descobrir pra ajudar o Victor!”

Seu olhar vagou pela tela do celular, cujo permanecia ligado na tela de contato, onde era exibido o número do colega.

Gege! Uma risada rara saiu de sua boca, acompanhada por um sorriso nada amedrontado com o que lhe aguardava no futuro próximo.

“Não se preocupe, Victor! Eu vou iluminar cada canto dessa cidade…” Ajeitando a cartola, virou em direção ao carro. “Até que essas sombras desapareçam por completo!”

Ele até teria dito em voz alta, mas seu senso de vergonha alheia não havia caído o bastante ainda.

Com o destino totalmente traçado, um Hector que só se pensaria ver anos atrás (de certa forma) retornou à ativa.

Ao mesmo tempo, a cidade se alegrava, pois o Dia do Tarche estava cada vez mais perto!



Comentários