A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 2: Fator B

Capítulo 13: Fugitivo

17/04/2002, 1:00 da tarde

Carros buzinavam em meio ao congestionamento, as propagandas de adereços invadiam os ouvidos à força e os vendedores ambulantes vendiam água quase mineral por sete Mós cada. Apenas outro dia comum no centro da cidade.

Porém, todo aquele cenário cotidiano estava prestes a mudar drasticamente.

Dentro de seu apartamento, Lucas fechava sua mochila. O zíper estava quase estourando, mas de alguma forma aguentou o tranco.

— Pronto, acho que isso é tudo.

Quem olhasse de longe provavelmente pensaria que ele havia colocado uma criança ali.

"Tá realmente na hora…" Fez um punho e foi até a janela, de onde fitou a rua.

Vagando sua atenção pelos passantes, um arrepio subiu-lhe a espinha. Uma má sensação que sabia o que era, mas não fazia ideia de quando se tornaria em uma ameaça verdadeira.

Mesmo esse medo não o abalou, ao menos não o suficiente para causar a desistência da ação que tomou em seguida.

Simbora! Gritou em seu coração, agarrando o mochilão para então partir para fora do quarto em passos triunfantes. Com a determinação de um lutador veterano e a energia de um cachorro grande, os pés do ex-açougueiro pisaram na rua, prontos para o que der e vier.

Tu-tum! Mas o coração deu um salto e as mãos ficaram fracas no mesmo instante. Como se não comesse há dias, uma fraqueza surreal tomou conta unicamente de seus antebraços e mãos, e uma força igualmente tremenda atraía os membros em direção ao chão.

NÃO! Ele repetidamente gritava para si mesmo. Impossível desistir agora! Devia ir em frente, independente do que lhe aguardava. E bem, dizer era fácil comparado a enfrentar de fato a aura ameaçadora que até os estranhos exalavam.

"A rodoviária fica uns cinco quilômetros a pé, mas acho que é mais seguro eu me misturar, então…"

Romantusk, às vezes parecia até que aquela era a única avenida da cidade. De alguma forma as coisas convergiam para lá numa espécie de imã.

Se espreitando pela multidão que sempre havia por lá, seria difícil — mesmo com uma mochila gorda — para um sequestrador ou algo do tipo lhe encontrar.

"Certo! Bora!"

E assim, a caminhada começou, mas com o pé esquerdo.

A avenida estava de fato lotada, no entanto, o motivo não era pelos mesmos de sempre. O horário não era de pico, e nem feriado era ainda, mas a multidão congestionada ali estava focada num só ponto, bloqueando a passagem de Lucas.

Destacado numa posição elevada, um policial avistou o rapaz de longe, logo advertindo:

— Está indo pra rodoviária? Sinto muito, mas precisa tomar outro caminho, a via está interditada.

Isso era óbvio, mas o motivo para tal não. Com tanta gente, avançar um centímetro sequer se mostrou impossível. Além do mais, o quão boa era a visão desse agente? Seria apenas intuição ou costume?

Apesar de não possuir uma resposta, o rapaz ainda poderia retrucar com perguntas.

— Porque tá tão tumultuado?? — A pressa em seu tom de voz era fácil de notar, mas o policial parecia desatento a isso.

— Vai ocorrer uma manutenção do esgoto. A via foi interditada pra chegada das máquinas.

Um é saiu por instinto. Sem muitas alternativas, deu meia volta e tratou de pegar outra rota. Desrespeitar uma autoridade num momento como aquele era, com toda certeza, a pior das ideias.

Parcialmente conformado, seguiu à direita, pegando um caminho para a rodoviária que subia a ladeira daquela região.

No instante que iniciou a subida, levou aquele inevitável golpe.

"Droga, eu não devia ter entupido tanto essa mochila!"

Sem um grande esforço, seu corpo pouco atlético não permitiria alcançar o topo, portanto, a única coisa ao seu lado naquele primeiro desafio era sua própria determinação.

Independente de como, o ponto final daquela primeira caminhada devia ser alcançado o mais rápido possível. Entretanto, havia algo inegável naquele momento.

"Por quê? A cidade tá vazia, mas nem de longe aquela multidãozinha é a cidade inteira. "

Desde o começo da subida, ninguém surgiu em seu campo de visão — sequer um animal de rua.

A anormalidade era certeira, passível de um largo cuidado extra. E foi com essa certeza de algo errado que ele seguiu em frente, assim como seus semelhantes faziam nos velhos tempos.

Com cautela ele se esgueirava pelas largas calçadas, atento aos arredores constantemente, uma atitude que mostrou valer muito a pena pouco depois.

Alguém apareceu em seu campo de visão. Um civil trajado como qualquer outro, cujo até desviou o olhar ao vê-lo.

A colisão com o desconhecido era inevitável, como um obstáculo para o topo da ladeira.

Engoliu seco, estreitou o olhar e, fitando seu destino, apressou o passo.

Esses seus soaram junto dos do "inimigo", até que a convergência entre eles demonstrasse para Lucas o quão difícil seria sua jornada.

O homem puxou algo da cintura; BANG!! Atirou sem perder tempo.

— Acertei!! — gritou logo em seguida.

Disparada certeiramente na cabeça do rapaz, a bala deveria estar agora alojada em seu crânio.

— Venham rápido!! Antes que ele-

Sua boca foi calada por um punho emergente. — O-o que!? Ma-mas que me…!

Outro tiro. Dessa vez, pouco estridente por parte do atirador. Seco, sem remorso ou hesitação, um ato costumeiro daquele que poderia se denominar um sobrevivente.

Com a impaciência em seu semblante, soltou o revólver e olhou ao redor. Aquilo que tanto temia finalmente começou.

Olhares espreitavam de onde não sabia, mas um em específico lhe incomodava de forma anormal.

"Outro com Fator B? Não, é uma sensação diferente… menos eletrizante!"

Foda-se!! Seu coração gritava e as pernas forçavam uma corrida sem rumo, já desesperadas demais para traçar uma rota.

Por mais pesada que a mochila estivesse, deveria levá-la o máximo possível. Ser imune a balas era uma coisa e tanto, mas a imunidade à fome nunca seria alcançada.

Seguindo pela direita, se colocou numa rua cujo fim era visível a três quarteirões de distância. Subir a pequena elevação íngreme de terra que lá estava resultaria em um pedaço de uma das rodovias que atravessavam a cidade.

"Posso seguir até a rodoviária se caminhar pelo acostamento!"

O plano era simples, na verdade, até demais. Não foi à toa que rapidamente um novo obstáculo surgiu.

Vrum! O ronco do motor de um veículo grande alertou-o do perigo. No tempo para uma gota de suor escorrer por seu rosto, o carro blindado derrapou a partir da esquina, bloqueando completamente o caminho que trilhava.

— Lucas Silva, ponha suas mãos pra cima!!

A tranquilidade e tédio na voz daquele que avisava era tão natural quanto a de um atendente de balcão.

Entretanto, esse tom desabou num murmuro assustado. — O-onde ele está!?

A rua estava vazia! Mas… Ele não estava ali agora?? Todos no blindado se questionavam, e para piorar, tempo lhes faltava em muito.

O carro arrancou novamente, agora soando uma sirene de alerta para todos ao redor, incapaz de perceber que aquilo que procurava estava bem embaixo de seus narizes.

Arfa! Arfa! Dois metros abaixo da terra, aquele que na teoria deveria ser apenas um civil comum recuperava o fôlego enquanto se apoiava nas paredes do largo duto de esgoto.

“Merda, eu já tô exausto e nem cheguei na metade do caminho!”

Para sua felicidade, apenas os braços tremiam, enquanto as pernas ainda mostravam força o bastante para seguir em frente.

Naquela escuridão mais que fedorenta, o simples ato de respirar o ar daquele lugar desencadeou uma coceira incessante em seu nariz, além da poderosa ânsia de vômito.

No entanto, da mesma forma que conseguiu se esgueirar para dentro dos esgotos, foi capaz de evitar aquele cheiro estonteante para continuar seguindo. Apesar de não enxergar muito, o costume de seus olhos e a fraca luz que entrava por alguns lugares era o bastante para seguir sem muitos problemas.

E outra vez, aquela maldição perseguiu-o para ser ativada na pior das horas. Palavras que traziam o azar, era a definição das que saíam de sua boca, pois pelos dutos do esgoto, um som começou a ecoar.

Tump!

Tump!

Tump!

Ele soube por instinto. Não estava sozinho naquele lugar. “Bosta!”

Com a situação, não havia mais escolha, teve de abandonar a mochila ali mesmo. O baque do item com a água suja reverberou por cada parede arredondada, seguindo pelo caminho numa trilha perfeita até os “ouvidos” do espreitador.

Como resposta, um som irreconhecível foi direcionado à si. Grunhido, rosnado, berro… parecia misturar cada tipo de som existente.

Nisso, o corpo do rapaz ignorou totalmente os planos bolados em sua mente. Um instinto lhe mandou simplesmente correr, sabendo que a mínima chance de escapar se encontrava na maneira menos furtiva de uma presa fugir do predador.

Sem nem ter ideia de para qual direção deveria ir, ou onde estava seu perseguidor, a corrida começou!

De sua própria maneira, venceu a dificuldade de correr em meio à água, mas o barulho denunciador ainda se fazia totalmente presente. Cada vez mais, o som de sua respiração era subjugado por pesados pisões.

Sem a mochila, agora havia ficado — de alguma forma — ainda mais difícil se mover. Seu corpo estava sendo afetado por algo externo, e nem de longe era aquele cheiro horrível, mas sim uma coisa mais poderosa.

Ao virar a primeira de todas as curvas, ele logo pôde ouvir um som característico. Um zíper foi aberto, e ao passo de um único farejar, aquele som indiscernível veio à tona outra vez, mas com uma clara felicidade em seu tom.

“O que!? Ela já está aqui? Que tipo de velocidade é essa??”

O cavalgar voraz da coisa se aproximava, tendo a posição defendida pela falta de luz e o alto eco que as veias da cidade possuíam.

Porém, numa situação onde praticamente qualquer um se veria encurralado, Lucas ainda tinha uma maneira de escapar.

Mirando a direção que acreditava ser a certa, ele saltou não contra a parede, mas para dentro dela. Ao invés de colidir, todo seu corpo adentrou no concreto, assim como um mergulhador saltando na piscina. E com apenas aquele salto inicial  para dentro do obstáculo, uma nova saída foi criada.

“Eu subi a ladeira, então se continuar aqui devo sair um pouco depois do bloqueio na avenida!!”

Contra perseguidores desconhecidos, havia apenas uma pessoa em sua mente capaz de ajudá-lo, a mesma que dias atrás tinha lhe colocado numa das situações mais perigosas de toda a sua vida. Tudo que desejava agora, era que Hector estivesse em sua agência.

Chegar até lá, por outro lado, se mostraria uma tarefa tão difícil quanto poderia imaginar.

BUMP! Um estrondo veio do outro lado da parede, exatamente por onde acabara de sair. A coisa permanecia em seu rastro! Morte, era tudo que sua presença dizia!

“Ela vai… atravessar a parede!?!” Lucas nem sabia como se referir àquilo que lhe perseguia, e definitivamente não ficaria ali para descobrir isso.

Voltou a correr, tão desesperado quanto nunca esteve. Agora, ao invés de seguir o caminho do esgoto, atravessava uma parede atrás da outra. O corpo fluía pelo concreto como água deslizando em meio às rochas, calmo e bruto ao mesmo tempo, num ritmo que apenas ele era capaz de reproduzir.

Ainda assim, o inimigo era sempre capaz de sobrepujar seus esforços.

Entre uma das travessias, foi capaz de ver — apenas de relance —  algo espreitando na escuridão. Uma quantidade indefinida de olhos, portados por um corpo de tamanho ainda mais desconhecido. No que deveria ser seu rosto, o sorriso de um autodeclarado vencedor.

Sem mais hesitar, Lucas seguiu pelas paredes sem saber o quão rápido era o seu predador, muito menos quando sairia de sua toca.

Uma dúvida persistente, que ameaçava lhe tirar a esperança de escapar. Ele correu, correu e correu ainda mais, atravessando quantos caminhos fosse necessário para alcançar a mais reconfortante das compensações.

E então, o desejo parecia finalmente realizado. Numa última travessia de paredes, uma luz era finalmente visível, assim como os passos de seu perseguidor estavam mais audíveis que nunca.

Por mais perto que o fim estivesse, cada passo o tornava mais distante. Enfim, seu esforço atingiu o ponto máximo em toda a sua trajetória, seguindo em últimos saltos com sua coragem mesclada a todo o desespero que acumulou em tão pouco tempo.

Então, um salto; a última tentativa de alcançar o fim! Por mais que a mente clareasse completamente quando, por um mero instante, uma respiração alcançasse seu pescoço, o resultado estava mais que definido.

O calor do sol ameaçou sumir, mas enfim venceu a luta. “Estou… Salvo!!” A indecisão em sua voz fazia-se presente mesmo que já estivesse seguro. Estava… realmente vivo? Não seria isso apenas uma ilusão ou um sonho?

Se fosse, acordar era algo que não desejava. Agora fora dos esgotos, seu olhar vagou de volta para de onde saiu. Nada, nem um único som provinha daquele duto parcialmente exposto.

A respiração desapareceu e os passos se dispersaram, mas a raiva e a frustração de ter perdido sua mais preciosa presa permanecia no ar, visível à olho nu pelo fugitivo.

“Não posso ficar a céu aberto, tenho que achar a agência!!”

A batalha foi vencida, mas sua guerra estava longe de acabar. O desespero de Lucas era tanto que nem havia notado estar em Romantusk, exatamente onde queria.

Apenas a algumas quadras de distância, a agência de Hector aguardava a sua chegada, e em seu coração residia apenas a esperança de encontrar o cartola por lá, uma vontade que seu corpo gritava a cada passo.

Para si, a fuga da cidade seria uma redenção, mas para outros, era apenas o marco que daria início a uma era muito aguardada. O momento de virada chegava para toda Paradise, e o grande protagonista daquele evento seria escolhido nos próximos dias.



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