A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Capítulo 20: Presença Inesperada

Praça do Escudo de Bronze, área central…

Os tambores eram tocados com fervor, os violões acompanhavam as flautas e os clarinetes e teclados espalhados pelo evento e, num coral mais que unido, os mais devotos apreciadores da festa e da cultura que ela relembrava cantavam juntos uma clássica canção quase esquecida.

Em meio à várias coisas acontecendo, a dupla de fugitivos tentava manter o foco constante em qualquer tipo de suspeito que se aproximasse. Mas como fazer isso numa situação onde era impossível dar um único passo sem trombar em alguém?

— I-Isaac!! A gente não devia buscar por um lugar menos movimentado?? — sussurrou Lucas através da máscara de cervo.

De uma vez, o rapaz trajado com uma roupa preta e falsa armadura de cota de malha se virou. Fá marruco!!? Se pelo menos tirasse o pedaço de carne da boca, seria possível entendê-lo perfeitamente.

— Você não tá, tipo, tranquilo demais para alguém que está sendo caçado por sei lá quantas mil pessoas? — A cabeça do açougueiro girava quase em 360°, e a mão não largava da camisa de seu protetor.

Após engolir toda a carne e bebericar parte do caldo apimentado, o Paranoico se virou com um sorriso no rosto. — Faça o seu disfarce valer à pena, se misture na multidão da melhor maneira que conseguir!

Assim como a maioria das pessoas, Isaac usava um chapéu com cabeça de cervo, uma espada de plástico na cintura e um soco inglês de mesmo material no punho esquerdo.

— Quem você acha mais suspeito: Duas pessoas caminhando aleatoriamente entre a multidão olhando constantemente para os lados, ou duas pessoas comendo, sorrindo sem parar e olhando para os lados?

Precisava mesmo de uma resposta? Ainda que falasse isso, era impossível simplesmente pegar uma enorme tigela de comida e comer o cervo inteiro como se fosse apenas mais uma janta comum!

A mão do ex-açougueiro desceu até sua barriga. O estômago roncava não de fome, mais pareciam gritos de socorro. Por mais que estivesse vazio, expulsaria todo o suco gástrico logo no primeiro susto que tomasse.

Observar Isaac se deleitar com as iguarias fazia seu punho arder. Era fácil ficar tranquilo quando sua habilidade afastava um exército com sua mera presença!!

Se bem que… naquela situação, ninguém parecia incomodado ou assustado com a presença aterradora normalmente emanada do rapaz, na verdade, nem ele mesmo sentia qualquer tipo de ameaça. Seria tudo isso fruto da paz interior?

— Mas e aí? Qual vai ser exatamente o plano pra me tirar dessa cidade?

— Ah! Olha! Uma barraca com Tarche doce! Vamos nos sentar lá!

A opção de recusa sequer existia, seu braço foi agarrado de repentino e seu corpo puxado na direção dita. Não demorou para que o cheiro da carne assada invadisse seu nariz e fizesse saliva transbordar de sua boca, e ainda assim Lucas insistia em lutar contra suas vontades.

Quando menos percebeu, um prato de comida chegou para si e outro para Isaac, mas dessa vez seu protetor não deu uma única garfada na comida.

— O plano é bem simples. Evitar o perigo e te levar para fora dos limites da cidade, onde não exista encanamento de esgoto.

Encanamento, aquela palavra agora era seu novo gatilho. — Você pelo menos tem alguma ideia do que era aquela coisa?

Isaac negou. Mesmo com sua habilidade, fora incapaz de descobrir a identidade de “seja lá o que” rasteja pelos dutos de esgoto. Curioso era o fato de que atacava apenas aqueles com Fator B, como um sensor de metais procurando tesouros na areia de uma praia qualquer.

— Aliás, eu não te vi usar aqueles… tentáculos nenhuma vez até agora! Se você simplesmente invocá-los, não vai ser o bastante para afastar esses caras que querem pegar a gente?

A mão que levava o garfo até a boca do rapaz travou. Os lábios se contorceram, chamando a atenção e uma curta ansiedade de Lucas.

— A [Dark Wave] não funciona de maneira tão simples, mas não precisa se preocupar, vai dar tudo certo no final. — Soltou o garfo, encarando o rapaz com um olhar de canto. — Eu vou garantir isso.

O coração de Lucas então se acalmou um pouco. Palavras tão simples não poderiam mudar o perigo constante que estavam vivendo, mas ter isso dito de alguém notoriamente poderoso servia como consolo no momento.

E enfim tocando na comida pela primeira vez, Lucas deu uma boa garfada, esforçando-se para não cuspir a carne que tinha na sua pimenta.

— Certo, se você diz que é melhor nos misturarmos, eu vou me esforçar pra passar despercebido!

Vendo seu protegido se alimentar fervorosamente pela primeira vez em talvez um dia inteiro, Isaac deu-se a oportunidade de sorrir, essa ação que infelizmente durou pouco.

Ante as dúvidas e medos de Lucas, sua mente também foi tomada de questionamentos. O maior deles sequer estava relacionado com o rapaz ao seu lado, mas com uma má sensação que por muito tempo perdurava em seus mais apurados sentidos.

Sempre fora da mesma maneira desde que se lembrava, bastava uma pequena quantidade da presença de sua habilidade ser emanada que a rua ficava completamente vazia, e dessa vez não seria diferente, ou era o que pensava.

“Esse lugar é diferente. Tem alguma coisa nesse lugar que supera tudo que eu já vi!”

O Paranoico voltou o olhar para sua tijela de comida, usando da talher para mover um pouco os fios de macarrão. Com um curto movimento, revelou um fio curioso. Havia ali um pequeno tentáculo negro, movendo-se tão vividamente como nunca.

Porém, quando olhou para aqueles ao seu redor, a mesma surpresa inesperada lhe tirou um estalo de língua. Ninguém parecia incomodado, estavam apenas curtindo a noite normalmente! Um tentáculo deveria ser o suficiente para ativar o instinto de sobrevivência de pelo menos metade daquela multidão, mas não havia acontecido absolutamente nada!!

“O que tá acontecendo aqui? Será que eles também possuem pessoas com Fator B do lado deles!?”

Aquela possibilidade atingiu as partes mais profundas de seu coração, fazendo o corpo agir por conta própria.

— Lucas, qual era mesmo o nome do cara que você disse que poderia estar aqui?

O rapaz encarou com bochechas de esquilo, e após engolir a bola de comida e quase se engasgar no processo, respondeu: — Victor…

— Ele é um cara que conheci um tempo pra trás. É detetive igual o Hector, só que menos maluco. Ele até trabalhou na FESOL por um tempo, pelo menos foi o que me contou.

— Entendi. Se for assim, não temos motivo para ficarmos parados muito tempo. Vamos começar a segunda parte do plano!

Lucas deu um curto salto da cadeira, engolindo o máximo de comida que foi capaz antes de se levantar.

Com um simples assentir de cabeça, Isaac desapareceu na multidão pelo lado direito, na direção dos palcos de música. Por sua vez, Lucas pegou a direção contrária, escondendo um pouco mais seu rosto com a máscara e chapéu de cervo.

A intenção da separação era clara e justificável, ao mesmo tempo que irracional. A certeza de que Victor estaria por ali não existia, sendo alimentada pela pequena esperança de que eles não estivessem completamente sozinhos naquela situação de vida ou morte.

E para uma mínima faísca de felicidade, suas preces pareciam ter alcançado os ouvidos de alguma entidade divina, mas provavelmente fora os Deus das Pragas.

Afastado do centro do evento, subindo a rua que era decorada por mais e mais barracas de comida, uma figura semelhante à um mendigo descansava em um beco escuro. Com roupas cheias de furos, sujeira e grandes manchas de suor, Victor tentava manter os olhos abertos ao mesmo tempo que colocava seu neurônios ainda vivos para funcionar.

“Essa é a minha melhor chance! Não posso perder uma oportunidade dessas de capturar aquele assassino!!”

Depois de tantas tentativas falhas, sendo que uma delas fora praticamente uma captura bem-sucedida, o Dia do Tarche definitivamente reuniria figuras interessantes para um assassino dar as caras. Se fosse para pegá-lo de uma vez por todas, esse momento seria aquele!

No entanto, a respiração pesada e o corpo trêmulo por N motivos clamavam por algo que não era uma captura.

“Hector… Você ainda tá vivo, cara?”

Daria tudo para ouvir a voz do rapaz, até mesmo um xingamento serviria. Entretanto, aquele que sorriu para Victor estava longe de alguém a ser considerado como aliado.

Só te lembrando que eu vou te ajudar mais duas vezes. Não vá desperdiçar com qualquer coisa.

A perda dos movimentos do lado direito de seu corpo revelaram o dono daquelas palavras zombeteiras.

Yellow… Aquela voz já irritava mais que uma criança birrenta, mas não é como se houvesse outras opções. Naquela forma patética, o corpo de Victor era como uma boneca de pano, pronta para ser alvo de uma possessão a qualquer momento, e era exatamente isso que ainda dava forças ao detetive para permanecer firme.

— Yellow, aquela figura que você comentou que estaria aqui hoje… o Informante…

Kehehe! Ficou interessado nele? Eu me preocuparia com outras coisas se fosse você. —

— Tsc! Apenas me escuta!

Nossa~! A risada travada fez a cabeça do exausto rapaz latejar fortemente. — Quando que ele vai chegar na cidade, Yellow? Só me diz isso!

A figura riu novamente, obrigando o corpo de Victor a se levantar e arrastar-se até a saída do beco. Havia um grande movimento na rua, mas não chegava nem perto da praça do escudo, e foi exatamente para lá que o olho amarelado foi direcionado.

Vagando de forma aleatória pelas pessoas, o demônio analisava os civis cuidadosamente.

O Informante não é uma simples pessoa qualquer. Ele é especial de muitas formas… —

Em meio à multidão, bem no centro da praça, algumas pessoas tiravam fotos das fantasias umas das outras. Uma delas chamava a atenção por seus grandes detalhes.

— Bela fantasia, senhor! Dá pra ver que conhece bem o feriado! Por acaso é um historiador ou algo assim?

A figura em questão se vestia no que inicialmente pareciam trapos. Com uma melhor observação, notava-se uma roupa grossa feita de pele de animal, típico dos moradores de países nevados. O rosto era escondido por esses mesmos panos, e os olhos protegidos por um óculos escuro e de forma arredondada.

Quando encararam o civil sorridente, ele respondeu: — Eu sou muito conectado com esse feriado, se é que me entendem.

Ele desfez a possessão de repente, levando o corpo fraco do homem ao chão. Ainda que de volta ao seu reino infernal, sua voz era potente o bastante para alcançar o mundo dos vivos, em específico a quebrada mente do detetive ruivo.

Se você considerar que ele possui um Fator B…

É provável que aquele arrombado já esteja nessa cidade!!



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