A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Capítulo 22: Segredos Devem Permanecer Secretos

Enquanto aproveitava um grande prato de Tarche, o olhar de Isaac foi atraído numa direção específica. Eletrizante? Não, uma sensação diferente atormentava tanto ele quanto os tentáculos da [Dark Wave] manifestados ao seu redor.

“Então as coisas finalmente começaram a acontecer. Hora de eu agir também!!”

 

***

 

A miragem em sua frente mostrou-se ser a mais pura realidade. Trajada em seu formal vestido roxo e portando um calmo semblante, a Vereadora Rose surgiu de repente colocando a mão sobre o ombro de Lívia.

— Ve-Vereadora?

— Hum? É claro que sou eu. Que cara é essa? Parece até que sou um fantasma.

Lívia deu tapa na mão da mulher e se afastou, colidindo com a muralha que era Igor. Com um olhar baixo, ela fitou o olhar superior do colega.

— Acho que é melhor eu sair. Pelo jeito o assunto é importante, né? — disse, num tom sem graça e coçando a cabeça. — A gente se vê de novo mais tarde, vou continuar procurando o Hector.

Eh!? O-o que? Ela estendeu a mão na direção do fugitivo, mas sua tentativa de escape fora frustrada por uma nova investida de Rose.

— Vamos conversar em outro lugar, doutora.

A força absurda da mulher não deu chance qualquer à Lívia de escapar daquele novo agarrão. Fora arrastada entre as pessoas em alta velocidade, ignorando os xingamentos jogados contra si e focando seus olhos e ouvidos na tarefa de encontrar qualquer um que pudesse ajudar.

Outra tarefa frustrada. Ninguém que conhecia estava por perto. Igor desapareceu de vista minutos atrás, e tentar reconhecer qualquer um de seus vários pacientes por trás de máscaras e chapéus de cervo não era uma opção muito viável.

Rose falou de repente: — Não se acanhe, pode fazer as perguntas que quiser. Sei que tem várias coisas que gostaria de saber.

Ora, mas que coincidência! Pensaria se a ansiedade não dominasse a mente naquele instante. Seria ruim agarrar uma oportunidade daquelas de braços abertos? Com toda a certeza seria!

— Do que cê tá falando? Tem coisas mais importantes do que as minhas dúvidas aqui! — Tentou outra vez, totalmente incapaz de se soltar. — Urgh! Você foi dada como desaparecida depois de visitar seu noivo no hospital! Por que!!? O que aconteceu naquele dia!?

— Hum… Isso é uma pergunta, por acaso?

Ela mordeu o lábio inferior. “Que se foda! Perder essa chance seria burrice demais!”

Rose encarou e sorriu de canto, arrastando a garota ainda mais rápido entre as pessoas. Seus movimentos eram certeiros, encontrando brechas na multidão de última hora e deslizando sem sequer tocar qualquer um, ao contrário de Lívia, que derrubava a maioria daqueles com os quais colidia.

— É mais simples do que imagina, garota. Às vezes você precisa dar um tempo do trabalho, simplesmente desaparecer sem deixar rastros. Tem uma folga melhor que essa?

Ela era Vereadora!! Uma pessoa desse tipo de cargo era totalmente proibida de agir com tanta imprudência! Como diabos ainda estava com o cargo??

O que Rose tinha de velocidade, tinha também de calma na voz. Uma ação estava em câmera lenta se comparada à outra. Naquela rapidez, o cheiro dos vários tipos de Tarche invadiam cada centímetro de seu nariz. Já devia haver mais tempero do que oxigênio em seus pulmões.

— Se-senhora Rose, por favor… vá mais devagar!!

Splat! Sua sapatilha afundou numa poça levemente grudenta. Tentou olhar imediatamente, quase não conseguindo à tempo.

Uma poça feita de algo semelhante ao álcool em gel. Poucas bolhas faziam presença, e seu rastro arrastava-se na direção que Rose e Lívia caminhavam.

Sua atenção voltou para Rose, tentando transpassar as luzes do festival para enxergar o rosto da mulher. — Mas… tirar férias logo após a morte de seu marido é…! Me responda melhor, por favor!!

Outra vez, tentou ir contra a correnteza, sem sucesso.

— Eu supero fácil as coisas, sem contar que eu e William não éramos tão próximos assim. No fim das contas, nosso relacionamento servia como teto pra proteger nossos interesses pessoais de olhares alheios.

Pelo menos isso não era mentira, talvez não completamente. Seria impossível uma médica ter noção de tais coisas. Apenas um comentários de Hector voltava à mente, “aqueles dois não são normais, tem algo extra nessa treta aí”, e no fim descobriram um caso pequeno de corrupção, nada mais.

Aproveitando o rumo que o assunto tomava, Lívia arriscou ir direto para o gol. — Qual você acha que foi a causa da morte de seu marido?

O rosto de Rose permanecia inalcançável, diferente das poças daquela coisa viscosa e transparente, que apenas aumentou no momento em que elas ficaram mais próximas das barracas de comida.

De voz rouca e ofegante, a Vereadora respondeu: — A resposta já foi dada, a causa foi o Lírio Púrpuro.

Outra vez aquela flor! Como se não bastasse a insistência de Oswald em fechar o assunto com a teoria daquela maldita planta, até a mesmo a vítima daquela falsidade havia tomado-a como verdadeira.

— E você aceitou isso? Te entregaram um laudo sem qualquer explicação coerente e você apenas tirou umas férias como se não fosse nada!!? Não faz sentido algum, com todo o respeito!!

A grande mão da Vereadora apertou o pulso fino de Lívia, obrigando essa a se aproximar antes que seu membro fosse arrancado pela força e velocidade na qual elas se moviam.

— É exatamente por isso que o casamento era tão importante.

Numa curva mais que repentina e até estranha para uma pessoa fazer, Lívia viu-se ser puxada na direção oposta das barracas. A luz começava a se apaziguar, assim como os diversos ruídos não mais atacavam seus ouvidos.

As palavras permaneciam saindo descontroladamente de sua boca, controladas pela passividade invejável que Rose demonstrava até então.

Porém, tão repentina quanto começou, a caminhada que podia ser considerada um sequestro se encerrou.

Não mais cegada pelas várias luzes e sufocada pelo cheiro da carne do festival, Lívia se viu distante de qualquer luz ou tempero que a impedisse de respirar.

A rua vazia e escura tornava o vestido púrpuro de Rose num negro profundo, tornando-a quase invisível em relação ao ambiente.

A Vereadora iniciou: — Eu não sei a razão das pessoas serem tão intrometidas às vezes, é natural acontecer isso ou é só falta de coisa pra fazer?

Ela levou a mão até sua testa, massageando-a com movimentos lentos. Seus olhos, apesar de castanhos, destacavam-se de alguma forma na escuridão. Um olhar estreito era levado ao chão, alcançando aquilo além do concreto.

Agora solta do aperto da mulher, Lívia segurou o próprio pulso e se afastou. — Eu ainda não aceitei aquelas respostas, é melhor me arranjar algo melhor ou eu vou—

Silêncio!! O grito alterado da Vereadora ecoou pela rua. Os sinaleiros trocaram para a cor amarela, travando ali mesmo.

Grunhidos vieram da mulher, o som de duas barras de ferro raspando uma na outra. E ainda assim, por mais excruciante que os ruídos fossem para uma pessoa, alguns gatos de rua apareceram para observar a situação, inalterados ainda que com o barulho.

“Que bosta é essa? Como que ela tá fazendo esse som!?”

Tapar os ouvidos pareceu travar o raciocínio lógico de Lívia. Quando o olhar da Vereadora caiu sobre si e essa andou a passos largos, nada fez além de encarar perplexa o desfecho da ação.

As grandes mãos ásperas da mulher prensaram os ombros da médica com uma força que dobrou seus joelhos, ainda assim, ela não caiu, permanecendo de pé pela pura força que Rose exerceu sobre seu corpo.

Havia dois ganchos atravessando seu ombro, ligados à uma corda que elevou seu corpo numa grande facilidade e deixou-lhe suspensa no ar.

— As pessoas deviam deixar de serem tão intrometidas, você não concorda?

O sorriso largo da mulher exibia uma vasta carreira de dentes que parecia não ter fim, a escuridão dava a impressão de que alcançavam as orelhas.

— Né? Você também não concorda? Esses demônios que andam soltos pelas ruas são uma praga, né? Por que será ninguém ordena a exterminação deles de uma vez?

Do que essa doida tava falando? Do nada um complexo de maníaco se instaurou na Vereadora! Na verdade, será que ainda era a Rose ali, diante de seus olhos? O questionamento necessitava urgentemente de uma resposta, e essa logo veio.

— Ah, é! Não são exterminados por serem úteis. Mas… uma intrometida qualquer não tem qualquer tipo de utilidade, estou errada?

As mãos não estavam grandes atoa. A diferença era agora mais que notável. O corpo da mulher cresceu de maneira exponencial, e não somente isso, uma mudança tomou conta de sua pele partindo dos braços.

Aquele toque seco que arranhava ao mero contato tornou o corpo inteiro numa arma viva. Os olhos brilhantes tiveram suas pupilas reduzidas para meras fissuras que nada revelavam além da entrada para um abismo sem fundo.

O corpo da médica nem pensava mais em se mover. Seus pensamentos e atitudes foram tomadas pela indecisão ante o perigo inescapável, restando apenas a aceitação.

— Intrometidos… não são bem vindos nessa cidade!

Uma boca larga de serpente gigante se abriu, uma abertura obtusa que permitiu o estômago ser observável.

Fileiras de dentes não humanos se colocavam em prontidão, de extremidades apontados para o interior da boca, agindo como esteiras para empurrar um corpo inteiro garganta abaixo em questão de segundos.

Os olhos da médica perderam o azul vivo. Com o escape da alma, o corpo perdeu suas funções principais e, para o cérebro, só restou se perder naquele abismo vermelho logo adiante.

Um mar de saliva foi despejado sobre seu rosto, e assim que sua cabeça estava inteiramente no alcance de corte da guilhotina viva, um toque repentino na criatura interrompeu a execução.

O que!!? Uma mão que emergia do puro concreto agarrava-lhe a perna, puxando esta para baixo antes de qualquer reação.

GRAAARGH!! A garota foi solta e a espécime de réptil sugada e soterrada no chão até a altura do peito. Debateu-se por curtos segundos, não tardando para os membros perderem força e, nuns últimos espasmos, tornarem-se apenas partes de um corpo estirado na rua.

Lívia fixou a pouca vida de seus olhos no cadáver, resgatada pelo agir inconsciente de seu corpo que arrastava-se para trás. No entanto, sua fuga não durou muito, pois logo colidira com um figura surgida do vazio.

— Lívia! Tá tudo bem, sou eu!!

Com a mão na boca da mulher para evitar o grito, Isaac forçou-se entrar em seu campo de visão.

Em seguida, uma segunda silhueta surgiu. Seu maluco!! Surgindo da piscina de concreto, Lucas levou um tapa na direção do rosto de Isaac, mas caiu de joelhos antes de realizar a ação.

— Merda…!! Essa porra dói pra caramba! — A mão esquerda pressionava o antebraço direito, onde sangue escorria por uma ferida de marca não reconhecível. — Aquela coisa… Eu jurava que o Fator tava ativo! Como que ela me acertou!??

— A gente se pergunta isso depois! — Com Lívia em seu braços, o Paranoico mirou na direção do festival. — A gente tem que voltar e se misturar de novo!!

— Er… Acho que já é tarde demais. — O Intangível apontou para o alto da rua.

Não apenas lá, todas as saídas da rua foram repentinamente bloqueadas por carros blindados de cor preta. Pelo céu, alguns helicópteros que já circundavam a região, agora focavam a atenção completa naquelas três pessoas.

Bosta! A dupla de rapazes gritou internamente, tendo o desespero de um substituído pela raiva emergente de outro ao encarar um dos vários homens fardados que desciam dos veículos.

— Foi mais rápido do que pensei, Isaac Mon d’Arc — disse Xeps, com um fuzil mirado no rosto do Paranoico. — A aventura de vocês termina aqui.

Não importava para onde levassem os olhos, havia pelo menos cinco soldados guardando aquela direção. Logo no início do festival, os problemas se mostraram serem mais imprevisíveis do que era capaz de pensar.

Agora, cercado por um batalhão e com civis ao seu lado, o homem com o Fator B mais forte do mundo se viu na maior emboscada de sua vida.



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