A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Capítulo 25: Aberrações

Saindo do centro do festival, a música começou a ser substituída pelas batidas do coração zumbificado do detetive. A adrenalina em seu sangue era exorbitante, e as batidas do órgão vital permaneciam lentas, ainda assim tão audíveis quanto os passos pesados de seu perseguidor.

Correndo no sentido sul de Romantusk, a quantidade de pessoas diminuiu de um instante para o outro, de forma a deixar Victor apenas mal acompanhado. Sozinho definitivamente seria a melhor coisa no momento!

Enquanto tropeçava pela avenida, a mão direita caiu sobre a barriga. Ferimento aberto. Mas não havia sangue escorrendo! Era capaz de sentir o líquido que lhe mantinha vivo percorrer cada centímetro de seu corpo, e ainda assim não havia uma gota sequer escorrendo pelo ferimento fatal.

“Que tipo de criatura é você, Yellow!?”

Ah~, a simples possibilidade de ganhar essa resposta fez o coração bater mais forte. Se Hector estivesse aqui, provavelmente estaria xingando aquele demônio sem nem ligar com o instante seguinte. Alguém ousado como ele fazia falta em momentos como esse.

Por mais intensa que fosse sua situação, uma curta lembrança despertada no cerne de Victor trouxe um sorriso ao seu rosto, junto do ecoar distante da voz do parceiro em sua mente. Tal momento, no entanto, fora enfim quebrado por uma voz mais palpável.

— Volta aqui, demônio de merda!!!!

Um golpe longo e demorado desceu dos céus verticalmente, uma fina — quase invisível — lâmina rubra que criou uma cratera onde colidiu.

Partiu o concreto!!? Cortar carne com um ataque desses seria como passar faca quente na manteiga! Que tipo de espada essa mulher maluca estava usando!!? O tamanho nem se falava, a lâmina em si estendia-se no mínimo por cinco a sete metros!

Entre golpes e desvios, o fio afiado cortava o ar incontáveis vezes. O assobio criado no ar pelos cortes rasgava os ouvidos do detetive, que a cada som sentia o coração parar.

“Aquele líquido… não, eu tenho certeza que era sangue! Essa mulher imbuiu a espada em sangue, mas como!?”

A imagem era clara em sua mente. Ainda nas barracas, quando deparou-se com a inimiga pela primeira vez. Ao erguer da espada dourada, o líquido escorreu de baixo para cima, ignorando qualquer tipo de lei da física ou da lógica.

“Aquele brilho no peito dela ficou mais forte! Eu vejo a silhueta de um coração, mas se fosse, já deveria ter explodido ou algo assim! Corações humanos não são tão resistentes!!”

A face da mulher já havia se tornado tão demoníaca quanto o mero olhar de Yellow. O som pulsante do coração odioso aumentou grandiosamente, equiparando-se aos tambores do festival.

“Quanta insistência!!” Num giro repentino, dois tiros foram disparados. Cabeça e peito. Os pontos vitais mais óbvios, mas que de nenhum jeito seriam…

Tink! Defletidos!? Com um simples balançar de sua espada de sangue, a comandante evitou os disparos à queima roupa! Monstro! Um monstro da cabeça aos pés!!

— Merda… Yellow!! — Partindo de seu olho esquerdo, um descarga elétrica dançou pelo ar na direção de Alpina.

— Tsc! Quanta covardia!

Ela saltou para o lado, evitando o ataque com sucesso. O corpo ainda exalava o cheiro de carne queimada, e o olhar transpassava a vontade de transferir aquela sensação ao inimigo.

— O mesmo ataque não funciona duas vezes, idiota! — Outro salto, investindo contra Victor. — Leve esse aprendizado para o pós-vida!!

A lâmina veio horizontalmente, esticando o cabo rubro num comprimento de três metros para, enfim, alcançar seu alvo para o golpe de misericórdia! Direto na barriga!

A espada foi empurrada para dentro do ferimento já aberto, terminando o trabalho incompleto!!

… Foi o que a mulher pensou. Mas uma veia saltou em sua testa junto da surpresa em toda a sua face.

O golpe atingiu o alvo, isso foi definitivo!! Mas o efeito fora o total oposto do esperado. Victor encarou a lâmina, incrédulo.

“Ela… DOBROU!? Dobrou como se fosse feita de borracha!!”

Outra descarga elétrica veio, também evitada com um rápido recuar. O coração da mulher bateu mais forte, mais alto, mais veloz! O ranger dos dentes arranhava os ouvidos alheios, e os grunhidos de uma fera irritada acionavam todo e qualquer sensor de perigo.

— Quanta insistência!! Você tem pelo menos ideia do quão atroz é esse ser que te ajuda, Victor White!

— E você realmente acha que eu aceitaria a ajuda dele se soubesse?

Alpina recolheu a espada. A peça voltou ao tamanho normal e permanecendo na cor de sangue. Com alguns estalos no pescoço, pareceu se acalmar o suficiente para colocar as palavras pra fora.

— Demônios. Sempre culpa dos demônios. — Cerrou os punhos, quase quebrando o cabo da espada. — Se essas bestas não existissem, as fronteiras nunca seriam fechadas!!!

Hã? Demônios e fronteiras? Do que essa doida estava falando?

“Demônios… eles são apenas criaturas mitológicas, não existem de verdade!”

O silêncio de Yellow ecoou na cabeça do detetive. Chamativo. Sério? Naquela altura do campeonato ele havia dito algo desse nível? Decepção era tudo que o investigador conseguia imaginar na face do Deus do Abismo.

— Nas casas, nas ruas, nos esgotos — continuou ela —, esses putos estão em todos os cantos!

Já há uma distância que considerou segura, Victor viu naquelas reclamações a oportunidade de recuperar seu fôlego. A mulher continuou o falatório com movimentos agressivos com a espada, dizia se sentir sem espaço, ou melhor, com a privacidade invadida.

— Até na droga do meu trabalho! Eu não tô livre daquele olhar nojento nem na porra do meu trabalho!! Tem alguma noção do quão irritante isso é!!?

Uma solitária gota de suor frio escorreu pelo rosto do detetive. Aquilo não era mais uma luta até a morte, pelo jeito havia se tornado algum tipo de momento do desabafo.

Mas em seu curto momento de não compreensão, o jargão demoníaco voltou à sua cabeça. Palavras nostálgicas.

“Onde eu já ouvi aquilo antes? Provavelmente foi na FESOL, mas quando exatamente?”

Bastou algumas curtas conexões em sua cabeça para que a pergunta saísse sozinha. — Você, tem convivência com aquelas pessoas?

Alpina entendeu na mesma hora. Quer que eu deixe mais claro? Ela perguntou. — Cada segundo perto deles é um inferno! Nunca se sabe quando podem surtar e partir pra cima de você com a mais pura intenção de matar!

Recarregando a arma, um riso escapuliu do detetive. — Tem certeza que também não é da raça deles?

!! Ela franziu o cenho e fitou o alvo com uma raiva palpável. Uma aura vermelha passou a rodeá-a, o coração brilhou mais intensamente, uma luz que estava longe de ser amor ou algo do tipo. Se fosse paixão, seria unicamente pela mais pura carnificina.

Por mais incontrolável que aparentasse sua situação, ainda fora capaz de levar um olhar de canto na direção dos helicópteros. Não mais rodeavam uma única área, agora se espalhavam pela praça principal.

“É, ela realmente tem companhia.”, deduziu o detetive, mirando com a arma. “Por favor… apenas morra!!”

BANG! Um único disparo mirando a cabeça, rebatido por um movimento partido diretamente da lâmina. Um braço de sangue estendido até o projétil que o desviou no último instante. Inútil. Havia ainda alguma maneira de acertar aquela mulher?

Seu olhar dizia que não, e a rua vazia complementava o medo da solidão que atormentava o detetive. Ora, mas não estava sozinho, uma voz em sua cabeça podia afirmar, mas tal mal acompanhamento realmente valia o preço?

Trum! Ela rachou o chão, avançando num salto direto. Golpes da lâmina miravam ainda as feridas abertas, e acertavam, mas não surtiam qualquer efeito sob o zumbi com o qual lutava.

— Por que!? Por que você não morre?? Que tipo de privilégio aquele demônio está te dando!??

Ergueu a espada, o cabo ascendeu à altura de um dos prédios, descendendo com um peso equivalente. Antes de desviar para o lado, mais dois tiros falharam em alcançar a pele do inimigo.

Privilégio? Ser possuído por uma besta daquelas era um privilégio hoje em dia? Se tivesse tempo, questionaria se a mulher não gostaria de trocar de lugar, ainda que isso resultasse em sua morte instantânea.

Yellow! Seu grito de socorro era um alerta para a mulher, que afastou-se imediatamente para evitar qualquer descarga elétrica. Esta realmente veio, mas dessa vez não pulou para fora do corpo do detetive.

Ao acumular em ambas as pernas de Victor, a energia proporcionada permitiu-lhe disparar avenida acima, tomando distância rapidamente.

A Comandante não tardou em agir, seguindo-o com todas as forças que tinha.

De cima, seria fácil para os helicópteros notarem aquela movimentação nada sorrateira. Victor era literalmente um feixe de luz amarelo subindo a rua; Alpina, um vermelho.

Entretanto, aquela corrida pela vida durou menos do que a mulher esperava. Victor freou quase ao ponto de marcar o asfalto com seus pés, se virando e apontando com a arma novamente.

“Esse cara é idiota? Que se foda, assim fica mais fácil de capturá-lo!”

Ela avançou seca, pronta para revidar o disparo. BANG! Ele veio mais forte que qualquer um dos anteriores, e não foi atoa.

No momento em que a bala de chumbo saiu do cano da pistola, aquela corrente elétrica saltou até ela. O metal reluziu com as faíscas, tendo a atenção roubada pelo seu segundo efeito.

O som de concreto colapsando invadiu os ouvidos da mulher, e antes que olhasse na direção de origem, o mesmo tipo de aviso sonoro veio da bala. Trilim! Numa repentina e crescente temperatura, o chumbo dilatou grandiosamente. Tamanho de uma cabeça. Trilim! Uma ilusão de ótica!? Um carro vinha em sua direção. Trilim! Longe de qualquer veículo de cidade! Havia, sem dúvidas, algo equivalente à uma cabine de locomotiva voando em sua direção.

UUOOOHHH!!! A reação instantânea de alpina fora a única coisa que impediu a morte de mesma rapidez. Sua espada rubra avançou contra o projétil imenso. Confiança? Não se podia dizer se aquilo ainda residia no coração da Comandante, muito menos em sua face.

Um impacto atômico, capaz de abalar toda a zona da cidade litorânea naquela noite festiva. De alguma forma, nenhum olhar alheio fora atraído naquela direção. As pessoas permaneciam sorridentes, festejando sobre a luz da lua como se não houvesse amanhã. Por um momento, quase que realmente não teria.

Porém, tal fenômeno, por mais chamativo que fosse em escalas visuais e sonoras, nunca seria notado pelas pessoas erradas. Tudo, independente do que seja, possui um determinante, algo que limita quem ou o que era capaz de alcançar e até ultrapassar a barreira do observável.

Sentado no banco de uma das barracas de Tarche, a figura encapuzada levou seu olhar na direção do impacto. Uma nuvem de poeira se erguia ao alto da rua. Ele sorriu. Através dos óculos de neve, analisou aquela graciosa situação como se estivesse lá, observando como um expectador impossível de ser cegado.



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