A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 4: Federação de Solum

Capítulo 36: Irmão

17/03/1999, 13:00 da tarde… 

Atravessando os campos movimentos e a pista de aterrissagem atualmente isenta de qualquer aeronave, aquelas duas massas zumbificadas mancavam de um lado para o outro, afastando qualquer entidade que tentasse se aproximar. Gemidos e olhares tortos. 

Aqueles curtos metros que separavam-nos de seus colchões pareceriam uma eternidade, e realmente foi. Quase trinta minutos para percorrer uma distância menor que quinhentos metros. 

Porém, ainda que no limiar de suas próprias consciências, foram capazes de subir as escadas e alcançar o quarto. Consequentemente, aquela beliche que nunca brilhou tanto quanto aquele momento recebeu-os de lençóis abertos. 

— Desgraça… Essa missão foi simplesmente… uma desgraça — resmungou Hector, desmaiando no instante seguinte. 

— Mas de acordo com eles era a última!! — relembrou Victor, mantendo-se acordado. — Devem nos chamar em breve pra dar o veredito sobre a promoção. 

O cartola fez questão de acordar num impulso que superou as necessidades de seu próprio corpo. Cinco segundos? Parecia mais que o suficiente para aquele homem recuperar pelo menos metade de todas as suas energias. 

— É bom que esses putos estejam falando sério! — reclamou, ainda imóvel. — Essa missão foi ferradamente mais difícil que as outras! Onde eles estavam coma cabeça nos enviando pra uma zona de fogo cruzado!?? 

— Não sei, tchê… Mas eu com certeza vou ficar com aquelas imagens na cabeça por um tempo. 

E não era para menos, a mera citação desse fato desencadeava as cenas que presenciara. Fumaça e destroços eram, basicamente, os componentes do apocalipse diante de seus olhos. Cinza. Um mundo daltônico e sem paladar capaz de sentir algo além da acidez causada pelo cheiro pior que gasolina que impregnava o ar. 

— Aquela área — continuou Victor —, fiquei sabendo que era a menos ferrada que tinha. Parece que alguns membros mais ao Norte tiveram problemas por causa do inverno. Ouvi dizer até que encontraram alguém mais poderoso que um batalhão inteiro!! 

— Tsc! Não é pra menos. Parece que tem alguém parecido lá pros lados de Santa Estrela. Falam de um cara capaz de explodir um tanque de guerra usando um revólver calibre 38! Dá pra acreditar nisso? Um maluco detonando um fodendo tanque com uma 3oitão?? 

— Hunf… Sinceramente, eu não duvido de mais nada. 

O cartola retrucou, “nem eu”, retomando seu desmaio. 

TRIIM! TRIIM!! 

Era o que gostaria de fazer, pelo menos. O toque do rádio soou no timbre do canal privado. Baboseira com certeza não sairia daquele aparelho assim que Victor permitisse a passagem do som. 

Vendo que Hector já prestava atenção, comunicou. — Victor White, câmbio! 

Victor, compareça junto de seu colega de quarto, Hector Wanderlust, na sala de reuniões dentro de três horas. Apresentem-se em roupas formais, será uma ocasião importante. 

Bip! Direto como sempre, o homem cujo nome sequer era capaz de lembrar no momento sempre lhes chamou da mesma forma. Por um lado era bom, mas por outro gerava uma crescente tensão nos alvos de tal ação, principalmente de Hector. 

— Si-SiMbÔrA!! — Ele rolou para fora da cama, interrompido por Victor: — É só daqui três horas, vamos descansar!! 

— Tua bunda! — Seu braços empurraram o chão, um movimento inútil em questão de movimento. — Não tem tempo pra perder quando é pra ser promovido!! 

Victor suspirou, encarando a própria mão antes de tomar a decisão que o fez descer da beliche. 

Foi mal, cara! Imobilizou Hector (apesar de não ser exatamente necessário), colando seu rosto contra o chão e puxando os braços para trás. 

O cartola debateu-se, no entanto, uma curta luz dourada captada por seus olhos fora a última coisa que conseguiu ver antes de um tump raspar por seus ouvidos e tudo ao seu redor escurecer de repente. 

  

*** 

  

Corredores do prédio principal, 15:50 da tarde… 

Após algumas horas, as duas figuras antes com cara de cadáveres agora caminhavam um pouco mais vívidas pelo caminho de concreto. Um com cara de quem estava prestes a cometer um crime de ódio, o outro era o alvo de tal violência. 

Hector vestia sua roupa padrão. Terno, colete, sobretudo, tudo preto com detalhes verdes que combinavam com os olhos e a mecha de cabelo que saltava para fora da cartola. 

Victor, por outro lado, trajava um terno cor de barro. Era um lamaçal ambulante para o colega. Como era mesmo o nome que davam para aquele estilo mais antigo? Pi… ndy Clyde? Algo desse gênero, faltava apenas uma boina para completar a moda. 

— Fudido… Eu não vou te agradecer por me nocautear! — disse enquanto coçava atrás de seu pescoço. — E o que você fez? Eu lembro de ouvir som de choque. 

— Foi mal pelo vacilo, mas se eu não fizesse isso, você ia se arrastar até a reunião e eu não ia conseguir  fazer uma coisa importante. 

!?? Foi inevitável, aquela sequência de palavras despertou um brilho intenso naquele par de esmeraldas. E assim como ele não pararia de insistir para que Victor contasse o que era essa coisa, este não revelaria nem por cima de seu cadáver. 

Felizmente, pouco durou a discussão. Faltando cinco minutos para o tempo estipulado, lá estavam eles rente a porta determinada pela voz que os chamou. 

Amos posaram, imponentes, contra a aura sombria que vazava por toda e qualquer fresta da barreira de madeira velha. Será que aquele material barraria algum som dentro do cômodo? Difícil, mas essa não era a hora para duvidar das decisões de superiores!! 

Palpitantes. Seus corações ultrapassavam e muito o som de qualquer disparo que aqueles incontáveis soldados eram capazes de produzir com seus fuzis. O suor escorreu, os olhos se fecharam e, por fim, um profundo suspiro acalmou os corpos trêmulos. 

Assim que tocara o alarme em suas cabeças, Hector tomou a iniciativa e empurrou a porta lentamente, revelando não apenas o interior do cômodo, como aquele que os aguardava. 

— Yo~!! Como vão, recrutas especiais? 

A-A-A-A…!! (inspiraram fundo uma segunda vez) ALEX THUNDERGOLD!!? 

O líder da cocada preta e da branca, este homem apresentou-se ali, diante de dois meros soldados formados recentemente, numa indelicadeza digna de um homem que não fazia a menor ideia da posição que ocupava. 

— Hector Wanderlust e Victor White! Vocês não tem ideia de quanto tempo eu esperei pra chamar vocês dois aqui!! 

— Sr. Alex — chamou um homem no canto, notado agora pelos convidados. — Por favor, se controle. Pelo menos até sairmos deste prédio. 

— Fica sussa aí, Xeps! A gente não vai demorar, de qualquer jeito! 

Alex se adiantou com alguns papéis que estavam em cima da mesa. Devidamente arrumados, ele entrelaçou os dedos e apoiou o rosto sobre as mãos. O óculos que usava brilharia se tivesse lentes. Não podia ser mais óbvia a intenção do Líder. 

Ele quer pagar de foda!! 

Ele realmente ERA foda, tinha realmente necessidade de toda aquela cena? Alex S. ThunderGold, dado como simplesmente a mente mais brilhante que a humanidade já concedeu em toda a sua existência. Responsável não somente pelo desenvolvimento da mais avançada tecnologia atual, como também atual vice-governante de toda a FESOL, atrás apenas do atual Governante da Nação, Ostrades Heruvimi ThunderGold. 

Alguém desse calibre fazer ceninha para parecer mais impressionante era, no mínimo, estranho. Em suma, todos os soldados foram capazes de ver o lado infantil do líder durante a estadia, mas ao presenciá-la daquela forma, se tornava em algo bastante exótico. 

— Eu vou direto ao assunto com vocês dois — alertou, não escondendo o grande sorriso. — Hector Wanderlust. Por ser aprovado em primeiro lugar em praticamente todos os testes aos quais foi submetido e, além disso, apresentar incríveis performances nas missões sob seu encargo, eu, Alex ThunderGold, estou aqui para lhe oferecer uma promoção de Soldado para Fantoche de Reconhecimento! 

O cartola arregalou os olhos, incapaz de controlar o suor que começou a escorrer a o pesar em sua respiração. Aquela promoção… a consequência, ou melhor, vantagem de tê-la era que—! 

— Com isso, você será movido para uma instalação especial, onde passará por um procedimento para torná-lo em um Fantoche. Imagino que saiba do que estou falando. 

Si-Sim!! Ele acenou incessantemente com a cabeça, parecendo que o membro sairia voando para longe a qualquer momento. 

— Certo! Mas claro, não foi atoa que chamei os dois até aqui. — Seu olhar caiu sobre Victor, que por pouco não recuou ante a encarada. — Victor White. Você apresentou desempenho equiparável ao seu colega, também mostrando grandes habilidades na resolução de casos não resolvidos dentro e fora da Federação. E com isso dito, venho-me aqui para promover-lhe ao posto de Fantoche de Inquisição!! 

Assim como seu colega, seus olhos arregalaram, brilhando tanto que mais pareciam estrelas. Sim, Senhor! A firmeza no tom de voz contrastava e muito com as pernas trêmulas e as lágrimas que começavam a escorrer. 

Alex deu uma risada, desfazendo em conjunto a pose “foda” que reproduzia até então. 

— Eu sei que é bastante emocionante, não é qualquer um que consegue posições como essas em pouco mais de um ano na Corporação… 

A dupla se entreolhou por alguns momentos, compartilhando a felicidade em seus rostos. As mãos se moveram juntas, com uma sincronia digna de ser julgada como combinada. Então, eles foram dar um forte aperto de mão. 

No entanto… 

A voz de Alex os interrompeu. Deprimido. O tom repentino foi um efeito instantâneo para o desvanecer dos sorrisos. 

— Victor, não houve qualquer problema acerca da sua avaliação. Está literalmente tudo nos requisitos… Entretanto, temo que haja um problema na questão de Hector. 

!! O cartola deu um passo para trás, consertando sua ação ao avançar na mesma medida em direção ao líder e questioná-lo sobre o argumento que apresentara. 

— Hector, eu quero dizer que não sou eu quem decidiu isso, mas sim o próprio Ostrades. Você não apresentou o registro de parentesco de sua família, vulgo, árvore genealógica. E por motivos mais profundos, com os quais devo dizer que não concordo totalmente, eu sou obrigado a exigir-lhe um documento que comprove qualquer parentesco seu com uma pessoa devidamente registrada para que possamos proceder com a sua promoção. 

— O QUÊ!! 

Ele imediatamente deu mais passos na direção de Alex, mas fora barrado pelo simples encarar de Xeps. Algo como uma ventania divina provinha daquele homem, sobrepujando mesmo a maior força que Hector colocava em suas pernas para avançar. Uma barreira invisível. 

Ante a impossibilidade de maior avanço, cedeu ao peso que era jogado contra si, retornando à posição original ao lado de Victor, mas não deixando de prosseguir com os questionamentos. 

Alex resmungou, entristecido. — Como eu disse, se fosse eu, deixaria você passar, mas o Ostrades é meio mesquinho com esse assunto, e sou meio que obrigado a seguir as regras, então… 

— Ma-Mas! Eu fui bem em todos os testes! Eu fui literalmente o melhor em praticamente tudo! E olha pra mim! Eu realmente tenho cara de alguém que não é de Utopia! Eu juro que toda a minha família é de lá! Posso não ter como provar, mas peço, por favor, que confie em minha palavra!! 

Era tolice, apenas. O mesmo que uma criança com a boa lambuzada querer que a mãe acreditasse que não fora ele o responsável pelo desaparecimento de todos os doces da casa. 

Fora então a vez de Alex questionar. A pergunta fora para Xeps, em um sussurro, respondida com um tom nada disfarçado, muito menos compreensível por parte do homem. 

— De acordo com os registros, Sr. Alex, Hector Wanderlust vivia na cidade de Paradise junto de sua mãe, uma mulher doente… 

O rumo que as palavras de Xeps tomaram despencaram como milhares de bigornas sobre as costas de Hector. De alguma maneira, o corpo permaneceu de pé, talvez por força de vontade, ou apenas a falta de sensações que todas as facadas que alcançavam seus ouvidos haviam causado em seu cérebro. 

— Seu pai é um músico que roda o mundo fazendo show de saxofone, mas ninguém o vê desde os primeiros sinais de conflito no exterior. E retomando à mãe deste soldado… 

Não diga! Não diga! Seu coração implorava, o estômago tentava gorfar aquele amontoado de gritos e esperneios, mas a boca se fechou como um túmulo. Ácido. A língua queimou, da mesma forma que cada olho sangrou, transparente e salgado, com o ditar daquela verdade inegável. 

Ela morreu há dois anos.  

— Considerando a falta de informações sobre qualquer outro parente, este rapaz é, basicamente, o último membro vivo de toda a sua árvore genealógica. 

“…” Um breve silêncio se perdurou no cômodo, quebrado por um rápido “Eita!”, partido de Alex. Em relação à reação, nenhum incômodo foi manifestado na parte do acusado na situação. 

Hector não teve muitas reações desde o anúncio. Seus olhos se perderam no chão, aquele brilho de segundos atrás não mais existia. Tonara-se numa casca vazia, cuja polpa murchara num acelerar de tempo repentino. Um inverno que engoliu a primavera emergente. 

Após aquela sequência de golpes, estava surdo, e cego, e mudo. Hemorragia. Uma sensação de preenchimento. Afogando. Os arredores se escureceram. Luz? Não sequer uma faísca. Tudo que restou foram profundezas inalcançáveis, sem fim ou começo, apenas um lugar para vagar sem rumo, à mercê de uma força totalmente desconhecida, e ao mesmo tempo constantemente presente. 

S 

L 

A 

M 

!! 

Fora, esta, a sensação expelida de seu cérebro por um baque repentino contra a mesa. De todos os outros papéis sobre o móvel, aquele em especial se destacou, não por aparência, mas por ter sob si uma mão alheia. 

— Eu não acho que essa questão seja um problema — proclamou Victor, sorridente. — Por favor, Sr. Alex, confira o assunto nessa folha. 

O líder se animou para pegar o documento, mas a mão rápida de Xeps o fez mais ligeiramente. 

Seu olhar correu rápido entre as linhas, não tardando a encontrar o fragmento que merecia não apenas a sua leitura, como também o pronunciamento em voz alta e clara. 

— “… Considerando, então, os dados acima expedidos pelo Sistema Nacional de Registo de Acolhimento, é oficializada, nos termos da lei, entre os indivíduos de CPF: ***** e *****, Hector Wanderlust e Victor White, respectivamente, a relação 

como membros… 

da mesma família! 

?! Não apenas uma dúvida, uma interrogação visível para todos brotou na cabeça de Hector. Seu olhar, agora vidrado, inevitavelmente caiu sobre aquele indivíduo de terno marrom. 

O dito cujo, devolveu a ação, ajeitando a postura e encarando o colega com um pequeno sorriso despreocupado. E, coçando a cabeça atrás da cabeça, disse: 

— Bah~! Espero que a gente se dê bem nesse trabalho daqui em diante… irmão! 

Vidrado. Seus olhos não ganharam cor, na verdade, parecereu que ficaram um pouco mais escuros. Mas ao contrários das esmeraldas tornadas em obsidianas, a voz finalmente pôde sair, não em palavras concretas, mas em algo que definia melhor seu sentimento. 

Hã…? 

QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!?????? 



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