Volume 1

Capítulo 2: ATAQUE E INVASÃO

Ninguém ousou dizer nada, sequer se mexiam. Enoryt Murphy limpou sua espada no corpo decepado e guardou na bainha. Caminhou até a mesa no altar, pegou um copo e encheu de vinho. Tomou três copos seguidos.

Ouvia-se apenas o som do encher e secar de copo; das labaredas e faíscas que saiam da lareira; de Kai se entalando com um pedaço de carne. Ele tossiu e, sob olhares alarmados, tomou um gole de cerveja; finalmente conseguiu desobstruir suas vias.

Continuaram calados.

Enoryt ergueu uma cadeira e sentou nela. Todos lhe encaravam.

– Como bem ouviram, Helder nos roubava há pelo menos cinco anos. Foi uma dica anônima que nos fez perceber isso. Não somente; desde que ele chegou, a taxa de criminalidade em Neve Sempiterna aumentou.

– Que o senhor quer dizer com isso? – indagou Laico, braço direito do sr. Moraes.

– Ele estava metido em esquemas – disse Bimos, quando Enoryt não respondeu. – Mercenários.

– Então...

– Sim. Como Lorde Murphy bem disse, tem havido ataques não somente aqui, no centro de Neve Sempiterna, como também no Sul e em outros lugares. É imperativo que fossem ataques avulsos uma vez que todos tinham o mesmo modus operandi.

Ninguém falou. Ficaram estáticos, muito apreensivos. Se isso estivesse realmente acontecendo, como puderam não notar? E mais, se o suserano daquele lugar já sabia disso, por que não agir antes? Muitas perguntas começaram a brotar nos rostos empalidecidos daquelas pessoas.

– Eles estavam esperando uma ocasião – disse Fellner, andando mais para perto de Enoryt.

– Perfeitamente colocado, Cedrico. E parece que a ocasião se mostrou bem como esperavam.

– Sim. – Enoryt tornou a falar, mais calmo. – Resolveram atacar hoje.

– Hoje? – sr. Mostus gritou. – M-mas...

– Não se preocupe, Finécio. Não deixarei que ninguém morra. Sei que é um homem da política, portanto, meu castelo irá lhe resguardar. O mesmo vale para Glory e Firmo. Clay, quero que proteja minha família e os senhores que acabei de citar. O resto ficará comigo.

Em cinco minutos Clay Dito convocou dez guardas e, escoltando os senhores, adentraram o castelo.

Em poucos segundos, o salão foi lotando, guardas empunhando espadas, lanças, adagas, machados, arcos de mana... haveria uma batalha.

– Pai, o relatório – disse Bron, se aproximando. – Os homens calculam que haja uma quantidade de, pelo menos, 150 mercenários. Contudo, outros mais podem estar sob magia de ocultação. Quais as ordens?

Enoryt vagueou o olhar pelo salão, Kai ainda estava no mesmo lugar, comendo tranquilamente.

– Sei que foi repentino, mas meus homens e eu já estávamos preparados. Desculpe não ter dito nada para nenhum de vocês, era de extrema importância que o plano continuasse a prosseguir. Nós não iremos até eles, será o contrário. Já estão ao redor do castelo, mas não se preocupem, como sabem, há uma magia protetora de grau oito. Lúcio, quero que cuide da dianteira, podem ser mercenários, mas são muito astutos. Moraes e Fellner, cuidem dos flancos direito e esquerdo, respectivamente. Bron e Bimos, comigo.

Enquanto todos tomavam seus postos, o olhar de Lorde Murphy recaiu sobre o pontinho escuro e paciente, na extrema direita.

– Stone, venha aqui – alguns segundos depois, o rapaz estava em sua frente. – Siobhan lhe deu permissão de lutar?

– Somente em casos extremos, senhor. – Kai puxou um papelzinho e sacudiu em sua frente.

– Bom, o extremo bate à nossa porta. Não precisa se preocupar com licença mágica; além disso, ouvi dizer que é um ótimo Manipulador de Mana.

Kai abriu um sorriso.

– Eu tento, senhor.

– Bom, derrote quantos inimigos puder. Conversaremos sobre o seu futuro depois disso.

– Sim, senhor.

O rapaz se afastou, imaginando o que Lorde Murphy teria em mente para ele. Siobhan, o tio de Enoryt e antigo lorde, dizia que o sobrinho sempre tinha uma carta na manga. Os Murphy eram, em sua essência, astutos. Ele provavelmente buscava tirar o melhor de Kai e, se o rapaz se mostrasse digno, seria proveitoso para ambos. No fim, serviria o propósito que o velho Shiv sempre sonhou.

Kai se afastou um pouco, respirando fundo. Subiu numa mesa emborcada sob as praguejadas de alguns soldados rabugentos. Encarou o grande arco de entrada, esperando apenas que lorde Murphy ordenasse sua abertura.

No mesmo instante, ouviu-se o rimbombar das portas se abrindo; um vento gélido adentrou o salão seguido de uma gritaria alta. Entrementes, vários guerreiros com roupas desgastadas e cheios de tatuagens adentraram o salão.

Kai fitou a figura de Lúcio Fal, um corpanzil rodeado por uma claridade azul. Olhou para a direita e viu o Gerard Moraes e alguns de seus homens conjurarem armas de metal. Do outro lado, Drico Fellner já tinha varrido cerca de dez mercenários com sua magia elemental do ar.

Ele mesmo ficou extasiado com tudo aquilo, tinha apenas ouvido como os magos eram fortes. Nem pareciam fazer esforço. Pensou que, se quisesse alcançar algum patamar de poder, aqueles é que deveriam ser superados.

Ele se prostou, respirou fundo e sua Mana começou a infundir de seus poros, formando uma espécie de luva amarela em cada uma das mãos. No segundo seguinte, saiu pulando de cadeira em mesa.

Pousou com um soco forte num dos mercenários que foi arremessado longe. Desviou de uma lâmina e, no mesmo instante, deu uma joelhada em seu inimigo. Foi fazendo uma limpa, as mãos nuas. Dava golpes que arremessavam os inimigos até o outro lado, que permaneciam caídos.

Não demorou para que chamasse certa atenção. Cerca de cinco mercenários lhe rodearam. Não podia enfrenta-los sozinho, ainda mais cercado. Deu um salto para cima e abriu a mão direita, em direção de onde estivera há pouco.

Uma energia calorenta começou a se formar na palma de sua mão, com fagulhas e brilhos se reunindo num só ponto. Num instante aquela quantidade reunida se transformou em uma bola espessa de energia, tão grande quanto a cabeça de um humano normal. Na contagem de duas respirações, ele bradou:

Vitatem Vigor

A bola foi lançada em direção ao alvo. Ela pairou um segundo e se expandiu, pegando exatamente aqueles cinco que o cercavam. Um segundo depois, os corpos começaram a secar e a bola de energia inflou.

Reditus – e a bola voltou direto para sua palma da mão, se espalhando em fagulhas ao redor de seu corpo.

Ele voltou ao chão, totalmente renovado e, no segundo seguinte, notou algo vindo em sua direção. Só pôde erguer o rosto e um braço, em busca de bloquear a massa de fogo vindo direto para sua face. O primeiro golpe, no entanto, o atingiu no peito, arremessando-o longe.

Ele caiu no chão de pedra bruta com as costas latejando e o peito fumegando. Sua magia de deflexão ainda não era boa, tampouco sua resistência. Agradeceu por ter feito um reforço antes daquele ataque. Teria sido reduzido a cinzas caso não tivesse.

Ainda assim, seria necessário treinar sua defesa. Ser capaz de manipular a Mana formando construtos ou armaduras ao redor do corpo, ou mesmo criando golpes fantásticos de agora pouco não seria nada se não conseguisse conduzir ou negar um feitiço. A manipulação de mana deveria e era muito mais complexa do que só atacar.

Mas não tinha tempo para pensar em nada; no instante em que caiu no chão, uma lâmina desceu ao seu pescoço. Ele rolou pro lado e o chão se partiu, um pedaço de pedra o atingiu no supercilio esquerdo. Sentiu imediatamente ardência e algo molhado. Seu olho inchou e ele começou a perder vitalidade. Foi descuidado, não se protegendo com mana por um segundo.

Teria que tentar algo, e seria no meio da luta mesmo. Começou a canalizar a mana ambiente, buscando revitalizar a si mesmo. Um fulgor se concentrou em sua testa, o ardor diminuiu e ficou dormente. O sangue estancou e sua respiração foi controlada. Estava aplicando algum processo de cura em si mesmo.

Entrementes, antes que pudesse completar tal magia, pressentiu nova ameaça; a mana agiu como um alarme, lhe avisando do ataque. Se abaixou para frente quase que no mesmo momento que uma clava passou zunindo onde sua cabeça estivera.

Se levantou ainda a canalizar mana, mesmo que com uma qualidade muito menor. O aperfeiçoamento viria em batalha.

Seu atacante continuou a tentativa de acertar com a clava, uma rajada de ar sendo enviada sempre que cada golpe era dado. Kai desviou e fugiu. Depois que a tontura amenizou, ergueu um dedo para seu inimigo que corria em sua direção. Mana se concentrou e ele gritou:

Acus Vigor

Uma agulha amarela saiu do seu dedo e se afundou no tronco do mercenário que parou bruscamente, olhando do seu peito para Kai. Outra vez, levou apenas um segundo para que algo acontecesse; uma fenda se formou a partir do ponto atingido: seu corpo tornou a murchar, como se a sua energia tivesse sido sugada. Num instante ele caiu, sem vida e totalmente seco.

– Que você fez com meu irmão? – gritou uma voz perto do corpo. Tinha a mesma cara que todos os outros, exceto que era ruivo. – Que tipo de feitiçaria é essa? Você trabalha pro senhor das trevas?

Kai gargalhou.

– Isso foi uma agulha vital, seu bobo – explicou. – Eu basicamente dei mais vitalidade para o corpo dele que ele podia aguentar: lancei uma espécie de imã, que encheu sua energia vital, sugando pequenas quantidades do ambiente e de seus “irmãos”. Ele implodiu.

 – É magia das trevas, seu feiticeiro.

– E não somos todos?

– Isso é magia proibida, não chegue perto de mim.

Kai revirou os olhos. Ergueu dois dedos e atirou duas bolas do tamanho de globos oculares, que perfuraram os olhos do outro. Ele caiu no chão, gritando em agonia.

– Pode parecer uma magia boba e repetitiva, mas é eficaz – disse, se agachando ao lado do inimigo que começava a sufocar. – E não pense que só sei implodir coisas, posso sugar sua energia vital também.

No segundo seguinte, o homem se transformou em fagulhas de energia amarela, sua roupa caindo no chão.

– É interessante isso que faz, moleque – Kai se virou e deu de cara com um outro. – É um controle absurdo pra fazer isso. Não sobrou nem sangue. Diga, onde aprendeu isso?

– Por aí. – Kai deu de ombros.

– É jovem demais para saber tanto. Se não fosse um chaveirinho poderia se juntar ao grupo de Gilliard, o Indomável.

– Gilli-quem? Só conheço Juliard, o velho que vende pão.

– Você zomba de meu líder, moleque. Não viverá para fazê-lo outra vez.

Kai piscou os olhos; num momento o homem estava ali, noutro, não mais. Ele esquadrinhou o local em busca do mercenário, sem êxito. Teve outra vez a sensação de aviso. Quando olhou para o lado, recebeu um forte golpe, que fora aparado pelos braços. Foi arremessado do outro lado, afundando em cadeiras e estantes.



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