Volume 2
Capítulo 83: CRISE CONTÍNUA
O teto desabou causando longas e poderosas rajadas de poeira, inundando o longo pátio de um tremular assombroso.
Crateras se formaram abaixo, quase esmagando quem quer que fosse triste o bastante para não escapar a tempo.
Kai deu uma pirueta no ar, ainda envolvido pelo grande choque que se formou do impacto de seu golpe e o do outro.
Ele pousou sobre seus pés, deslizando por um longo minuto e enfiando seus dedos no chão duro para combater o deslizamento contínuo. Lentamente parou.
Esquivou-se de mais algumas rochas que caíam aqui e acolá, nunca perdendo de vista o outro, que estava parado imponente segurando sua arma.
O sujeito em si era glorioso. Kai franziu o cenho.
Nunca tinha visto alguém assim. Ele usava uma armadura laqueada de um material indistinto, com pouca ou nenhuma proteção nos lugares mais indefesos. O tom de sua armadura era escuro, e nos lugares onde ela não se estica para protegê-lo, uma fina cota de malha repousava tranquilamente sob.
O sujeito era quase tão alto quanto qualquer outro que Kai tenha visto. Ele deveria medir os 2 metros brincando. Seus ombros eram largos e seus músculos pareciam não conseguir se segurar sob a armadura larga.
Nas ombreiras havia pelagem cinzenta, e descansando a partir de seu ombro esquerdo, uma longa capa vermelho sangue. Ele não usava capacete, então Kai observou bem suas feições.
Era minimamente... comum. Não era detentor de uma beleza celestial, como o menino de antes, mas ainda era bonito, e isso causava estranheza, pois era uma beleza que só se via quando encarava muito. Era uma beleza mais… robusta.
Tinha cabelos espetados para o lado, com longos fios pendendo para baixo. Era quase perolado, do verdadeiro tom de pérolas. Sua pele era cinzenta, mas lisa e bem tratada. Tinha olhos negros e uma longa cicatriz vertical sobre o lábio direito. Tinha um nariz longo e afinado. Seu rosto era, apesar de quadrado, muito anguloso.
Se Kai visse esse sujeito fora da armadura, teria certeza de que se tratava de um dos aristocratas do sul. Aqueles sujeitinhos recém surgidos que almejavam nada mais do que política e o fim da hierarquia dos magos em Algüros. Os senhores, aqueles que se achavam bons demais para sujar as mãos com sangue.
Kai sabia que a linhagem monárquica de Brann Walsh, seu sucessor, Drimos ou qualquer um nobre do círculo do rei preferiria morrer a entregar o controle do reino nas mãos de sujeitos assim. Zikros era a prova viva de que não daria tão certo. Mas ele não deixava de se sentir alerta.
No entanto, cá estava ele, encarando o sujeito. Totalmente oposto a um econômico.
Só então Kai observou a arma dele. Era longa... extremamente longa. Não tinha certeza se ele mesmo conseguiria segurá-la. Uma incrível odachi. Sua lâmina curva de apenas um fio afiadíssimo zunia.
Ela era do tamanho do seu dono. Kai era um amante incurável de armas e espadas. Desde que forjou a sua própria, Tirise – ou Vento Noturno, na tradução da língua conhecida, esse amor inconcebível cresceu. Não deixou de estar maravilhado por ela.
O sujeito a balançou. O vento ondulou e longas e cortantes rajadas de vento sopravam. Uma delas percorreu seu caminho até ele, rasgando e triturando o próprio solo. Kai ergueu o bisentō e facilmente dispensou a lâmina de vento. Desviada, ela continuou seu caminho até um pedaço enorme de rocha caída e partiu-a ao meio.
Kai observou enquanto o atoniano caminhava em sua direção até ficarem a alguns metros de distância.
Logo, vários guardas surgiram, alguns deles cercando ambos os guerreiros que se fitavam e estudavam. A batalha seria inevitável, e Kai sabia que um dos dois ou perderia muito, ou seria aniquilado.
O golpe trocado antes foi o bastante para descobrir isso. Kai tinha a leve impressão de que se não estivesse com tamanho chi percorrendo por suas veias – algo que já era um mistério por si só – ele não venceria em uma batalha contra este... homem. Ele era forte... muito forte.
Era como se antes, ele, o atoniano, estivesse apenas arando um campo. Como se estivesse varrendo uma sujeira do chão. Como se estivesse limpando uma casa. Uma tarefa simples. Pareceu simples.
Mas para Kai, mesmo com tanto poder... ele sentiu como se tivesse se chocado contra uma montanha. E esta montanha o encarava de volta, sem qualquer traço de sentimento em seu rosto aquilino.
Se com seu poder de antes ele não tinha certeza se conseguiria enfrentar o sujeito, avalie agora, com seus sentimentos confusos e seus pensamentos conturbados.
Não havia uma boa relação com o chi no momento. Havia amargura e irritação. E ódio. Algo insidioso de se sentir.
E ele lembrou do aviso daquele... espírito. Ele deveria controlar o chi... seus pensamentos. Senão...
Kai encarou o sujeito. Ele sequer piscava. Não parecia nem respirar.
Logo, foram cercados por guardas. Kai buscou manter a calma, mas era difícil.
O chi dentro de si estava revolto. Ele sabia que tinha algo a ver com a energia que agora repousava próximo de seu Tanden. Nada de bom poderia vir disso. Mas ele não se importava. Não deveria... se importar.
Os sentimentos eram conflitantes, ainda assim. Pois ele não tinha certeza de quantos dos seus pensamentos eram realmente seus.
Só que existia algo ali. Aquele pensamento de querer ser bom, de ser justo. Não por glória ou por fama, mas porque era o certo a se fazer. E isso ele conseguia distinguir.
Kai também não era bobo. Mas com todo conflito interno, ficou obscuro para ele identificar suas próprias raízes. Será que esse era um sentimento seu, ou imposto por outro?
De novo e de novo, Kai se fez essa pergunta, ciente de que a resposta não viria tão cedo, e nem seria de seu agrado quando viesse.
Havia coisas que ele gostaria de fazer, mas não fazia porque iam contra sua moral e ética. Mas e se essa moral e ética não fossem suas, significava que estava livre para fazer suas boas vontades? A resposta também não era simples. Nada no mundo era.
Ele observou o outro sujeito em silêncio e esperou as fileiras de guardas cercarem-nos. Reconheceu alguns de sua intriga anterior. Estavam bem acabados.
Mas eles não eram páreo para ele. Ninguém ali era. Exceto...
A real batalha aconteceria agora. Quem sobreviveria? Quem sairia deste entrevar completamente inteiro? A resposta era uma incógnita.
De repente Kai imaginou incógnitas matemáticas, e decidiu que tentar descobrir o valor de um número fatorial elevado ao cubo era mais simples do que isso. Mas ele não gostava de matemática, e nem era bom em desvendar mistérios.
O silêncio seguinte foi reconfortante, mas causou medo em Kai. Porque era aqui que ele ficava só com sua própria mente, e com o próprio rebuliço no seu âmago. Porque algo mudara... algo transbordara para fora.
– O Firenze disse boas palavras de ti, Kmuk. – Falou o outro, sua voz austera e grave.
Kai ergueu uma sobrancelha.
– Nunca entendi a razão de tantos apelidos. – Kai esperou alguns segundos por uma resposta. Como não houve, ele completou: – Pelo menos o maldito vagabundo serve para algo.
Kai notou um leve traço no canto da boca do atoniano. Mas foi apenas por um segundo. Ele assentiu novamente.
– O Firenze é um bom homem, apesar de não ser o favorito entre nós. Mas ele tem seus motivos, e tudo o que importa é que cumpriu bem seu papel... ele sempre há de cumprir.
Foi a vez de Kai assentir e ficar calado. O atoniano esperou que o rapaz dissesse algo, mas como não houve resposta, ele prontamente continuou.
– Eliyahu me contou sobre sua jornada de volta... grandes coisas, de fato. Todos os seus feitos são... surpreendentes. Mas Kmuk...
Era agora. Kai estava esperando por isso. Ele conhecia pessoas assim. Eram homens bonitos, imponentes, portando armas poderosas..., mas sempre se sentiam inferiores a ele, por alguma razão.
Uma vez após a outra, ele encontrou com homens assim, que tinham tudo... até conhecerem-no e enlouquecerem de vez. Este seria o momento em que o atoniano diria que o mataria e faria de sua cabeça um troféu. Ou algo assim. No fim, ele sempre se ferrava. Agora não seria diferente.
Ou ele pensou que não seria...
– Peço que abaixe sua arma e se acalme.
Foi tudo o que o atoniano disse. Ele não fez ameaças nem parecia irritado. Na verdade, ele parecia estranhamente... indiferente.
– E se eu não quiser? – o lado desafiador de Kai não resistiu.
O atoniano suspirou pesadamente.
Até quando ele fingiria esse desinteresse? Kai queria que ele se mostrasse logo. Era melhor.
Ele deveria dizer o quão mais forte era e blá-blá-blá!
Mas o atoniano piscou.
– Será melhor assim. Não há razão para brigarmos e cruzarmos as espadas. Isto só acarretará em mais destruição, e os guardas... eles serão inseridos nisso também. Com tudo que ouvi a seu respeito, sei que não é alguém que busca tais problemas... então acalme-se e vamos conversar.
Kai piscou. Mas que droga era essa? O atoniano queria remediar a situação? Que raios de atitude era essa?
O pior de tudo. Que raios de pensamentos eram esses os de Kai? Em que momento de sua vida ele passou a desejar duelar com alguém só para calar a sua boca? Ele nunca foi assim...
Mas agora pensava sobre como acabaria com a raça deste atoniano. Sobre como o faria engolir sua prepotência.
Só que não havia isso aqui.
O sujeito parecia somente... cansado. Seus olhos indicavam isto. Sua feição indicava isto.
Kai suspirou.
– Deveria ter pensado nisso antes de enfiar uma agulha no meu crânio e vasculhar minhas memórias! – Sim, era por isso!
ORAS! Afinal, por que outro motivo Kai estaria tão irritado? Era por isso. Não é como se não houvesse um motivo. Havia, e grave.
– Quanto a isso... – o atoniano respirou pesadamente. Parecia que ele queria era bocejar. Kai ergueu uma sobramcelha. – Peço desculpas. Fui prontamente contra algo assim, contudo, não possuo influência o bastante para evitar que tais situações ocorressem.
Kai ergueu uma sobrancelha. Não possui influência o bastante? Quem raios esse maldito pensa ser?
– Heh! – Kai ignorou isto. – Acordei com a porcaria de um cinzento maldito enfiando agulhas em mim, como se eu fosse um sapo a ser dissecado. Apenas me entregue o maldito que ordenou isto e talvez eu me acalme.
O atoniano suspirou e baixou os olhos. Ele levou a mão ao rosto e esfregou, afastando todo o cansaço.
– Não posso fazer isso... apenas se acalme e... e abaixe essa arma.
Ele lançou um breve olhar para Gh’varok.
Kai suspirou, surpreso com o que diria em seguida. Era algo que ele queria ou algo que vinha sendo imposto nele também?
Ele parou para analisar as outras situações como esta... ele nunca quis a batalha. Ou será que quis? Será que ele não era na verdade alguém que realmente gostava de enfiar toda a presunção goela abaixo do desgraçado que o importunava? Ele gostava, não gostava?
Respirou de novo.
– Não farei isso. Não há como fazer.
O atoniano balançou a cabeça.
– É o que quero que perceba. Há como fazer sim. Vamos conversar e resolver isso amigavelmente.
Kai apertou o cabo com as duas mãos e girou a lança entre os dedos e depois posicionou abaixo do braço.
– É uma luta inevitável.
O outro apertou o cabo de sua odachi e varreu o ar com ela. Segurou a espada com as duas mãos e dobrou levemente os joelhos, trazendo a espada em riste para o lado de seu corpo.
– Tem certeza disto?
Kai assentiu. O atoniano deu uma breve olhada para os lados e inclinou para baixo mais uma vez, pegando impulso.
Um segundo depois ele se lançou para frente, enviando rachaduras e duas pequenas crateras no chão onde estava.
O ar ondulou. Kai ergueu sua lança e franziu o cenho.
"Que rápido…”
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