WebNovel – Primeira Parte
Capítulo 3: O Aniversário e o Branco do Inverno
Os dedos de Shirou, carregados de anseio e frustração, percorriam as prateleiras abarrotadas de livros. Ele os retirava, virava as páginas rapidamente e, ao não encontrar nada relevante, os devolvia com um empurrão suave nas lombadas. Suspirava pesadamente, sentindo a frustração se acumular. O olhar cético que lançava nas capas dos livros não oferecia a resposta que ele procurava. Nada daquilo era o que ele queria.
Mudou de seção. Enciclopédias pelo Mundo. “HISTÓRIA DA HUMANIDADE”, “HISTÓRIA DAS RELIGIÕES”, “MITOLOGIA GREGA”, “MITOLOGIA NÓRDICA”, “BIOGRAFIAS DE PERSONAGENS FAMOSOS DA NOSSA HISTÓRIA”, “HISTÓRIA DOS PRESIDENTES ESPANHÓIS” — uma seção em espanhol. Ele se afastou e seguiu para as fileiras com enciclopédias russas. Não, não, nada daquilo iria ajudar. Mas o que poderia ajudar? Algo ali, algum livro, teria a chave? Ele não sabia o que o prendia a aquele lugar, mas continuava em sua busca incansável.
Voltou para a grande fileira das enciclopédias de capa vermelha. BARSA UNIVERSAL CLÁSSICA – 18 VOLUMES – BRASILEIRA. O que faziam ali? Um mistério. Não, as coisas ali estavam mudando de lugar, como se não se ajustassem a uma lógica. O tempo estava contra ele. Abriu uma das enciclopédias: “GRANDES MONUMENTOS PELO MUNDO”. Seus olhos pararam em uma imagem. Leu o início da descrição:
Cristo Redentor é uma estátua que retrata Jesus Cristo localizada no topo do morro do Corcovado, a 709 metros acima do nível do mar, com vista para parte considerável da cidade brasileira do Rio de Janeiro. Feito de concreto armado e pedra-sabão,[1] tem trinta metros de altura (uma das maiores estátuas do mundo), sem contar os oito metros do pedestal, sendo a mais alta estátua do mundo no estilo Art Déco.[2] Seus braços se esticam por 28 metros de largura e a estrutura pesa 1145 toneladas [...]
— Kurisuto Redentōru...
Shirou tinha o queixo repousado na mão. Fechou a enciclopédia que segurava com uma das mãos. Apalpou os bolsos. Olhou para frente. Correu até sua mochila recostada na estante onde começava a sessão de mistérios. Revirou os bolsos laterais, garimpando entre os itens desorganizados. Encontrou um lápis e rapidamente riscou algo que estava escrito na folha de seu caderno. Com uma expressão de determinação, tomou uma nota breve logo à frente em seu bloco:
Estátua de pedra, misterioso homem de braços abertos. Cristo Redentor (クリスト・ヘデントール), Jesus Cristo, concreto armado e pedra-sabão.
A informação encontrada não era relevante, muito menos crucial. No entanto, Shirou queria tê-la à mão, para o caso de Aiko perguntar quando eles passassem por aquele lugar. Ele mapeava meticulosamente cada local que visitava, determinado a estar preparado para qualquer pergunta ou curiosidade da irmã.
Sua confiança de que eles iriam embora em breve o encorajava a reunir o máximo de conhecimento possível. Ele queria manter Aiko ocupada e fascinada com a informação intrigante que havia coletado, mantendo o espírito dela elevado e a mente estimulada. O esforço parecia pequeno diante da necessidade de proporcionar à irmã um momento de prazer e descoberta, mesmo em meio ao turbilhão de suas próprias preocupações.
Ele se acomodou no chão, tomando um gole da água que trouxera. Olhou para cima, contemplando a vasta biblioteca, cujas estantes se estendiam até onde a vista alcançava. Estava vazia, mas tudo impecavelmente arrumado. Irreal, como o interior de um sonho, onde não se percebiam aromas ou sabores. O frio do piso, no entanto ele sentia. Ele não pôde deixar de sentir um arrepio percorrer o seu corpo assim que entrou naquele lugar pela primeira vez após andar a esmo, assim como as temperaturas congelantes também o causando tremor. Demonstraram que nada disso era fruto de um sonho. Bem que poderia ser.
(dez anos, trinta e cinco dias e meio.)
Ele precisava contar a passagem do tempo para não ficar atordoado com a sensação constante de repetição do ambiente.
(dez anos, trinta e cinco dias e meio.)
Tudo corria normalmente durante cinco dias e logo após a passagem desse tempo tudo voltada ao início. Estavam vivendo esse loop constante, o fim do outono e começo do inverno. Nevava por dois dias antes do fim do loop, e então... Os alimentos consumidos voltavam a o seu estado inicial, eram infinitos e não estragavam. No entanto, quaisquer objetos movidos de seu lugar, não retornavam ao local que estavam. Os ferimentos de sua irmã ou resfriados sumiam como passe de mágica. Cabelos cortados voltavam ao estado de origem. Ela estava presa naquele corpo pequenino desde suas passagens para aquele universo. Ele por outro lado, esteve avançando seu crescimento lentamente a cada novo cenário descoberto. O atual era mais vasto e estava difícil encontrar a saída, por isso fazia tanto tempo que estavam presos nele.
(dez anos, trinta e cinco dias e meio.)
Quantos destinos mais precisaria ir para chegar ao objetivo final? Ele encontraria aquela coisa novamente? IRRRRRRC o som de algo raspando contra uma superfície retornou repetidamente aos seus ouvidos, levando-o a cobri-los com força rapidamente. Pressionava os ouvidos com a ponta dos dedos. Friccionava as coxas umas nas outras, roçando o tecido de sua calça de algodão grosso e quente.
(dez anos, trinta e cinco dias e meio)
(DEZ ANOS E TRINTA E CINCO DIAS E MEIO)
Era aniversário de Aiko, de acordo suas contas. Quantos anos? Ele parou. Respirou fundo para acalmar os nervos. Esticou as pernas, fechou os olhos e recostou a cabeça nos livros. Seis... seis anos. Desde... sempre. Precisava pegar um bolo para ela. Desta vez um mais bonito. A confeitaria não era tão longe dali, na verdade bastava atravessar algumas ruas. De certo não encontraria ninguém.
Antes de sair pela porta de madeira, ele olhou para o balcão de atendimento na biblioteca. Muitos papéis arrumados em cima da madeira polida e vernizada — nem uma partícula sequer de poeira. Hesitou por um momento apertando entre os dedos a alça da mochila. Sentou pesadamente na cadeira giratória dentro do balcão após o contornar. Um computador logo atrás para possíveis registros. Fingiu estar digitando nele com uma expressão rígida como um secretário atarefado, os dedos ligeiros nas teclas, correndo contra os curtos prazos de entrega. As letras aparecendo aleatoriamente na tela dentro de um programa para formatação de textos; a máquina não estando conectada a nenhuma rede de internet (ele nunca teve contanto com ela, mas sabia do que se tratava). Desviou o olhar para o rádio de pilha e o telefone ao seu lado, observando-os por um momento, perdido em pensamentos. Nunca teve uma conversa com uma pessoa faziam...
(...dez anos e trinta e cinco dias e meio)
nunca teve uma conversa com uma pessoa normal desde que entrara ali. Queria conversar com pessoas... normais. Empurrou a cadeira com os pés, os rangidos reverberaram pela biblioteca vazia como gritos estridentes. O rádio agora próximo ao ouvi, atento. Mesmo girando seu botão para buscar uma estação disponível, não encontrava nada. Retirou então o telefone — fabricado no fim dos anos 90 — de cor vermelha do gancho e colocou no ouvido. Estava mudo do outro lado, assim como o rádio. Nenhum chiado. Havia esperança diária de que isso mudasse.
Uma pequena pausa até abrir sua boca cerrada:
— Alô telefonista, poderia transferir uma ligação para mim?
Não houve respostas.
É claro que não.
Atravessou as ruas olhando apenas a sua frente com passos largos e ligeiros. Nenhuma vegetação aparentando abandono. Carros estacionados, alguns parados na rua como em um congestionamento, ninguém em seus interiores. Semáforos piscando, trocando suas cores em intervalos. Esperava (mesmo não sendo necessário) a luz para pedestres ficar verde. Uma lâmpada em um poste logo acima de sua cabeça piscava — depois ela queimaria, depois ela voltaria a funcionar quando o loop reiniciasse. Os animais naquela área urbana morreram quase totalmente. Curiosamente o tempo passava normalmente para eles, então aqueles que não morreram de fome, morreram pela expectativa de vida mais curta. Os selvagens escondiam-se, enquanto os domesticados aproximavam quando lhes era conveniente para obter alimentos. Shirou não permitiu a irmã de adotar nenhum, caso se apegasse não poderia lidar com a perda do mesmo. Por isso empurrou inúmeras pelúcias e discos com programas para seu entretenimento e assim evitar a solidão da irmã em seus dias sozinha. Isso fez crescer dentro dela uma enorme fissura por coelhos.
Ele não gostava,
(não somos, coelhos)
mas, mesmo assim, escolhia com delicadeza um novo exemplar para presentear a irmã — orelhas longas, como ela gostava, e pelo rosado com um chapéu em formato de morango. Suspirou e trocou o maior pelo médio por aparentar ser mais arrumado. A televisão em frente à loja do shopping anunciava os lançamentos de brinquedos mais recentes, ecoando pelos corredores vazios daquele andar.
Depois ele saiu.
Seus sapatos ecoavam solitários sobre o piso de porcelanato branco. Desceu as escadas rolantes, atravessando o andar vazio. Passou pela porta automática de vidro, já calçando as luvas, e olhou para o outro lado da rua. O frio estava congelando suas orelhas. Um floco de neve caiu sobre seu ombro. Faltava pouco para começar a nevar. Levaria Aiko para brincar na neve.
Um cartaz colado na parede externada da confeitaria anunciava as novidades quentes para a estação. Como ansiava pelo verão e seu calor agradável. Também desejava ouvir o som da chuva.
Não olhou tanto a vitrine por já saber de cor todos os doces e bolos ali. Os preferidos da irmã sempre eram os de morangos. Deixava os bolos redondos apenas para comemorar o aniversário dela. Enfiou o embrulho na bolsa e a pendurou novamente nas costas, agora um pouco mais inchada pela pelúcia estar ocupando tanto espaço.
Abrindo a porta de casa ele entrou pela mesma retirando os sapatos na entrada.
— Aiko cheguei!
Shirou não obteve respostas.
Normalmente Aiko o recebia na entrada, mas ela não estava ali...
Ela não saiu...? Não é?
Caminhando pelo corredor olhou ao redor em busca de Aiko. Ele largou a mochila no sofá, enquanto procura pela sua irmã, foi retirando as peças que o aquecia do frio lá fora. Cachecol, touca, luvas (Cadê você Aiko?).
Shirou olhou na cozinha.
— Aiko? — Seus lábios se curvaram. Coçou a cabeça pensativo. Seu peito estava começando a doer ao pensar no pior.
— Surpresa!
A porta do armário se abriu, revelando Aiko. Shirou deu um passo para trás, desajeitado, e caiu no chão, enquanto seu corpo não decidia se o que sentia era mais o choque ou o alívio de vê-la.
— A-Aiko?
Com óculos redondos e um bigode falso pendurado, Aiko exibia uma alegria incansável. Ela não conseguia parar de pular, como se a energia daquele momento não pudesse ser contida.
— Você demorou hoje maninho!
— Desculpe Aiko, levou mais tempo do que pensei.
Com o coração acelerado, Shirou se pôs de pé, suas mãos apoiando-se no chão para encontrar equilíbrio. Ele havia saído mais cedo naquela manhã, enquanto Aiko ainda dormia. Hoje era um dia importante, mas nada havia o preparado para encontrá-la ali, àquela hora, de forma tão inesperada.
— Você está bem? — perguntou Aiko. — O maninho estava em grandes aventuras hoje de novo, não é?
— Sim, eu estava — disse Shirou, enquanto se dirigia à sala, com Aiko logo atrás. Ele pegou a mochila que havia deixado no sofá, abriu-a e retirou dois embrulhos, o peso fazendo a mochila murchar instantaneamente. Um dos pacotes estava cuidadosamente embrulhado, com um laço vermelho no topo. Os olhos de Aiko se iluminaram ao vê-los.
— Feliz aniversário, Aiko — disse ele, entregando os presentes.
Aiko agarrou o pacote mais chamativo, incapaz de esconder a animação. Seus saltos faziam os cabelos flutuarem ao redor de seu rosto, e o pijama estrelado parecia dançar junto com ela. Após alguns segundos de euforia, ela se recompôs, ajeitou os óculos no rosto e, com uma expressão séria e curiosa, começou a analisar o embrulho com cuidado, como se ele guardasse um segredo precioso.
— O que será que temos aqui?
— Porque não descobre? É só abrir.
Aiko anuiu com a cabeça e imediatamente rasgou o papel laminado com veracidade, revelando o coelho rosa de pelúcia.
—Coelho Brilhante de Morango!
Shirou pendeu a cabeça para o lado satisfeito.
— O seu favorito, não é?
— Sim! — Aiko ergueu o presente para o ar. — Eu amei!
Shirou estendeu o outro embrulho, a pequena caixa branca com o bolo.
— Tem também isso aqui.
— Bolo?!
Ele levantou o polegar para Aiko em sinal de confirmação. Em resposta, ela abaixou a cabeça, encolhendo-se levemente, como se acumulasse energia dentro de si. Num impulso repentino, ergueu os dedos ao ar em um gesto triunfante de vitória. O movimento foi tão brusco que os óculos saltaram de seu rosto, entortando em consequência de sua agitação.
— Bolo! Teremos bolo!
Havia bastante tempo desde a última vez que Aiko comeu bolo. Seu irmão não permitia que comece tantas coisas açucaradas.
* * *
— Precisa de tudo isso mesmo Aiko?
Sentada na banqueta, Aiko analisava o bolo com uma concentração invejável, segurando uma régua firmemente nas mãos. Ela estava determinada a dividi-lo de maneira perfeita, para que ela e o irmão pudessem comer exatamente a mesma quantidade. Seus óculos engraçados ainda permaneciam no rosto, inclinados de forma peculiar. O irmão observava a cena, intrigado por ela não ter tirado os óculos, já que as lentes, feitas de um material inferior, certamente dificultavam sua visão para a realização da tarefa.
— A paz do mundo depende dessa divisão perfeita.
Shirou cruzou os braços e ajustou a postura, inclinando-se ligeiramente para o lado enquanto observava o bolo com atenção. Seu queixo foi levemente tocado pela ponta dos dedos, ao levantar uma das sobrancelhas.
— Ah, é mesmo?
Sem tirar os olhos do bolo, Aiko assentiu com firmeza.
— Sim.
Shirou inclinou a cabeça, aproximando-se para examinar o bolo mais de perto. Com as mãos apoiadas no balcão e sobrepostas como uma concha, ele ajustou a postura e observou com um olhar atento.
— Não precisa disso, Aiko. Pode comer quanto quiser.
— Negativo, irmão. A divisão desse bolo precisa ser perfeita, ou o mundo entrará em colapso.
Shirou tamborilou os dedos na bancada, os olhos espreitando a pia. Uma ideia lhe ocorreu. Afastando-se da bancada sem desviar o olhar de Aiko, ele pegou algo da pia. Aproximou-se vagarosamente, escondendo as mãos atrás das costas.
— Hum... Heroína Aiko, a base me informou que houve uma mudança de planos. O horário estipulado para a operação foi adiado, e com a mudança de última hora fomos obrigados a elaborar outro plano de ação. — Shirou fez um gesto de saudação, com a mão espalmada na testa. — Iniciaremos a operação agora.
— Agora? Agora o quê?
Com um movimento ágil, Shirou partiu o bolo com a faca que escondia atrás de si. A divisão ficou desigual, e Aiko levou as mãos à cabeça, seus olhos se arregalando em desespero.
— GAHHHHH O BOLO! O MUNDO...! O MUNDO SERÁ DESTRUIDO!
— O mundo pede que você aproveite o bolo.
Aiko olhou para seu irmão com uma expressão de incredulidade, enquanto ele segurava a faca coberta de bolo e glacê branco. Após um momento de hesitação, ela ajustou os óculos e, com um olhar decidido, disse:
— Se o mundo pediu... — Colocou a mão no queixo, balançando a cabeça. — Esta heroína aceitará a oferta gentil.
Ela pegou o maior pedaço do bolo e entregou outro para o irmão em um prato de porcelana branco, decorado com morangos minimalistas. Ambos começaram a comer. Shirou, em silêncio, mastigava cada pedaço com a paciência de um monge, a ponta da língua passando levemente pelo lábio inferior degustando a doçura do bolo.
Aiko, por outro lado, parecia estar em êxtase. A cada mordida, suas sobrancelhas se levantavam em deleite, e seu rosto se iluminava com expressões de prazer. Com as bochechas coradas e as mãos levantadas tocando o rosto, ela soltava exclamações de entusiasmo como “Gostoso!” e “Delicioso!” em intervalos, cada palavra um reflexo da sua satisfação.
Shirou olhou pela janela e viu que estava nevando, as ruas cobertas por um mar de brancura. Ele repousou o garfo no prato, o corpo relaxado e os ombros caídos em um gesto de tranquilidade.
— Aiko, está nevando. Gostaria de sair um pouco?
Com as bochechas cheias de glacê, Aiko pulava de excitação, as mãos levantadas como se quisesse tocar a neve. Ela respondeu animada:
— Sim!
Seu sorriso era tão radiante que qualquer um que o visse sentiria o coração aquecido. Shirou sentiu o mesmo ao ver a felicidade de sua irmã.
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