Volume 1
Capítulo 18: Onde Nasce o Chamado
Do alto de sua posição, a estranha entidade observava suas presas com um olhar vazio e sombrio. Garras de metal negro arranhavam o topo da rocha, produzindo um som estridente e metálico, como o de lâminas cortando lentamente pedra viva. O som reverberava pelas paredes do vale, criando uma dissonância quase física que fazia o ar vibrar em tensão.
A aura predatória da criatura distorcia o ambiente ao seu redor. O ar parecia mais denso, como se a própria atmosfera segurasse a respiração diante da presença daquela aberração. Para o inexperiente Shiem, era como estar imerso em um pesadelo desperto.
Novah, em contraste, mantinha sua presença sólida e vigilante. De braços abertos, as duas lâminas bem conhecidas em punho, ela encarava a ameaça sem piscar.
– Presta atenção! – exclamou Novah. – Não importa o que aconteça, mantenha-se sempre atrás de mim, entendeu? Não corra para longe! E não fique muito perto!
Shiem, paralisado pelo medo, apenas acenou com a cabeça, incapaz de desviar os olhos da criatura.
Novah arregalou os olhos e sorriu, seu corpo levemente arqueado para frente em pequenas investidas, provocando a besta como uma predadora desafiando outra.
A criatura inclinou a cabeça como um animal curioso. Seu semblante vazio se contorceu em uma expressão atônita, olhos arregalados e boca entreaberta, como se a ousadia da guerreira não fizesse sentido.
O vento arrastava poeira pelo chão seco do vale. Um silêncio denso antecedeu o salto abrupto da criatura, que desceu do alto como uma avalanche viva.
Shiem apenas teve tempo de cruzar os braços diante do rosto. Mas antes que o impacto o atingisse, Novah foi tomada por uma aura negra cintilante. Ela soltou suas espadas e, com um movimento ritualístico das mãos, invocou sua autoridade.
– JOTUN SØJLER!
O solo tremeu e estacas de cristal branco com uma veia negra emergiram em meio a uma luz espectral, atravessando o monstro como lanças divinas. Ombros, abdômen e peito foram perfurados, imobilizando-o com precisão cirúrgica. A criatura permaneceu com expressão vazia, apesar da dor.
– MAS O QUE FOI ISSO?! – exclamou Shiem. – Você fez isso, senhorita Novah?
Sem responder, Novah manteve a guarda alta, os olhos fixos na criatura empalada.
– Isso foi demais!! Essas coisas vieram do nada!! – Shiem exclamou enquanto tomava a frente de Novah e estendia a mão para tocar uma das estacas.
– NÃÃOO SEU IDIOTA!! – gritou Novah.
Tarde demais. A criatura virou sua atenção para o rapaz e expeliu uma rajada de respiração azul saturada de símbolos flutuantes — fragmentos de palavras desconexas, letras vibrantes como se fossem vivas. O som era uma entonação grave, constante, uma nota prolongada que tremia nos ossos.
Novah lançou-se entre eles, arremessando Shiem com um impulso violento para dentro de uma das cavernas no entorno. A escuridão engoliu seu companheiro. E no processo de também escapar, a perna direita de Novah foi atingida pela rajada, mergulhando em dormência dolorosa e confusa: queimação, frio, formigamento.
Ela cravou o cabo de uma alabarda rosada ao chão, criada com seu Kengen, usando-a como apoio para manter-se de pé. A arma cintilava levemente sob a luz turva do vale, contrastando com a pele escura e enegrecida da criatura.
A entidade rompeu as estacas que a mantinham presa, regenerando seus ferimentos quase instantaneamente. Sua carne se rearranjava em tempo real, exalando um vapor negro.
Com fúria nos olhos, Novah vociferou entre os dentes:
– Monstro desgraçado! Acabando com meu casamento!
A criatura investiu como uma força da natureza, mas Novah saltou por cima dela, usando a alabarda para alavancar um giro que cortou a parte de trás do pescoço do monstro com violência. O impacto o fez capotar pesadamente pelo chão.
Antes que ele se levantasse, Novah já estava em seu encalço, avançando com outra estocada certeira. A criatura, no entanto, interceptou o golpe com uma das patas, que foi parcialmente atravessada. E antes que Novah pudesse recuar, a pata fechou-se, prendendo a alabarda.
O monstro abriu a boca para uma nova respiração. A luz azulada se concentrou e disparou com força concussiva. Novah desapareceu no meio da explosão.
Poeira e detritos preencheram o vale. A arma de Novah permaneceu cravada na pata da criatura. Um passo adiante e a besta tentou localizar sua presa. Mas Novah já estava abaixo dele, ajoelhada, pronta para a estocada final.
– Quando atacar com a boca... lembre de não perder o queixo de vista, desgraçado!
O ataque perfurou o peito da criatura. Confusa, ela se ergueu, abrindo suas grandes asas negras e tentando voar com dificuldade.
E em sua fulga, do céu surgiu uma nuvem azul-turquesa entrelaçada com partículas negras, sombria como carvão em brasa.
– Ymirs tårer! – bradou Novah.
Uma chuva de cristais em forma de estacas se precipitou, perfurando toda a extensão da criatura, destruindo principalmente suas asas. O monstro cambaleou no ar até colidir com estrondo contra o chão, próximo à caverna de Shiem. O som do impacto foi seguido de um eco de desmoronamento vindo da própria caverna.
Novah, em desespero por temer que o pior havia ocorrido com Shiem, fincou outra alabarda de Kengen no solo e a usou para se lançar até a criatura, que tentava se reerguer. Em um instante, a cabeça da besta foi decepada, seus chifres cravando o chão.
E assim Novah grita para o interior da caverna, que estava próxima.
– SHIEM SEU IDIOTA!! SE VOCÊ MORRER NESSA CAVERNA EU MESMA VOU VIOLAR SEU CADÁVER TÃO FUNDO QUE VOCÊ VAI SENTIR NO OUTRO MUNDO, SEU DESGRAÇADO!!
Do interior da caverna escura, uma voz respondeu:
– EU NÃO TO MORTO NÃO!!... MAS AQUI DENTRO TEM BURACO ALTO QUE EU ACABEI CAINDO QUANDO CHEGUEI. MAS ME TIRA DAQUI POR FAVOR!!
– TA OK! SÓ ME DA UM MINUTO.
Aliviada, Novah encarou o corpo agonizante da criatura, ainda se contorcendo. Sem hesitação, fincou a alabarda em sua cabeça.
– Essa brincadeira me custou caro, sua maldita!
A luta enfim chegava ao fim. Novah adentrou a cripta sombria onde Shiem havia desaparecido. O ar era úmido, repleto do cheiro de pedra molhada e ferro oxidado. A luz de sua tocha improvisada, feita de um couro úmido tirado de sua mochila, um bastão improvisado de galhos próximos e pedras de fogo, feitas também de Kengen, iluminava lentamente o interior adornado por colunas naturais e formações minerais.
A caverna se abria em uma ante-sala tubular e depois mergulhava em uma queda envolta em sombras, selada por pedras desmoronadas.
– VOCÊ CONSEGUE SUBIR DAI? – gritou Novah.
– EU ESTAVA TENTANDO! MAS DEU UM ESTRONDO E O BURACO DESMORONOU! AÍ EU CAI DE NOVO E AGORA NÃO CONSIGO MAIS SUBIR! O QUE AGENTE VAI FAZER SENHORITA?!
– TA OK! FICA TRANQUILO! SÓ ME DA UM TEMPO PARA PENSAR!
Novah mordeu os lábios, aflita.
"O que eu tô fazendo!? Saí entrando aqui sem pensar direito! Para de pensar com o coração e usa a cabeça, droga!"
E focando melhor ao seu redor a luz revelou a grandiosidade esquecida da cripta — minerais reluzentes, inscrições ancestrais esculpidas nas rochas, e vestígios de uma civilização oculta.
No alto, quase escondidos nas sombras, cristais de quartzo pendiam do teto áspero.
“... Com sorte isso pode ajudar! Só usei duas vezes na vida. Mas a terceira que é a boa! ... Bom... pelo menos eu espero...”
Novah tentou sentar com as pernas cruzadas, mas a dor em sua perna amaldiçoada ainda persistia. Além de não obedecer corretamente suas vontades.
"Droga! Esqueci disso! Mas acho que já entendi como essa maldição funciona..."
E, tentando novamente, Novah conseguiu se sentar com as pernas cruzadas no chão. Fechou os olhos, mergulhando em um estado de meditação profundo, enquanto a mesma aura negra cintilante a envolvia por completo, ondulando ao redor de seu corpo como fumaça viva, faminta por propósito.
Sua respiração, antes rápida e entrecortada pela tensão do momento, deu lugar a um fluxo calmo e ritmado. A apreensão cedeu espaço à serenidade. O silêncio profundo da caverna foi preenchido por um sussurro tênue — quase como se o próprio ar a seu redor passasse a cantar suavemente.
– Drøm om verdandi.
A aura negra estalou como vidro quebrando no vazio — e explodiu numa luz prismática. O branco absoluto expandiu-se, fragmentando-se em uma paleta etérea de cores que dançavam em espirais, como fragmentos de arco-íris vivos. Todos os cristais ao redor — visíveis e ocultos, enraizados na pedra, esquecidos no tempo — começaram a pulsar em sincronia, cada um revelando um brilho que refletia sua própria essência.
Os olhos de Novah, antes cerrados, se abriram. Emanavam uma luz intensa, tão azul quanto o cristal puro, transbordando energia de seu Kengen. Pela primeira vez, ela não era apenas uma guerreira. Ela era um foco. Um farol de algo muito maior.
"Vamos lá!", pensou Novah, sentindo sua alma fundir-se ao poder que pulsava à sua volta. "Agora somos um."
Os cristais, antes apenas reverberando, começaram a emitir feixes de luz que se espalhavam cada vez mais profundamente pela caverna. Cada raio tocava paredes esquecidas, corredores escondidos, inscrições enterradas no esquecimento.
Shiem, ainda aguardando algum sinal de sua companheira, viu os primeiros feixes cortando a escuridão ao longe. A luz fluía pelo ambiente como um rio encantado, revelando o interior da caverna com uma suavidade hipnotizante.
No primeiro momento, o medo — aquele que o acompanhava desde a queda no abismo — tentou novamente dominá-lo. Um terror visceral, alimentado pelo desconhecido. Mas havia algo naquela luz que lhe era estranhamente familiar. Quente. Segura.
– Siga a luz! – disse uma voz. Clara. Determinada.
Ele reconheceu de imediato. Era Novah.
Dessa vez, sem hesitar, ele atendeu ao chamado e começou a correr, guiado pelas trilhas de luz que serpenteavam como se soubessem exatamente onde levá-lo.
Ao adentrar mais fundo nos corredores recém-iluminados, Shiem se deparou com algo extraordinário. As paredes da caverna, antes toscas e úmidas, revelavam lentamente uma arquitetura oculta — imponentes inscrições em pedras polidas, gravuras intricadas que mais pareciam mapas de regiões desconhecidas, e fileiras de estátuas representando movimentos marciais. Algumas realizavam gestos harmoniosos, como em meio a uma dança ritual; outras pareciam petrificadas no ápice de um combate espiritual. Contudo, muitas estavam partidas, mutiladas, ou simplesmente destruídas, como se uma tentativa desesperada tivesse sido feita para apagar aquele conhecimento.
Shiem tentava entender — mas o tempo era escasso.
A estrutura ancestral começava a ruir. Tremores sacudiam os alicerces e estalos ecoavam pelas abóbadas. Pedaços de pedra caiam com estrondo, sinais claros de um iminente colapso.
Enquanto isso, Novah, ainda em seu estado de transe, expandia sua consciência através da luz que agora jorrava de seu corpo. A Autoridade, como uma lente viva, permitia-lhe ver por toda parte onde a luz tocava. Ela percebia com clareza a instabilidade da caverna, as rachaduras que se aprofundavam como veias doentes na carne da terra. E aquilo afetava sua concentração. Era como tentar manter um sonho vívido enquanto o mundo ao redor desmoronava.
Shiem corria, tropeçando entre pedras soltas, fissuras e desníveis traiçoeiros. Ao virar uma curva, caiu — os joelhos batendo contra o chão áspero — e, ao se erguer, deparou-se com uma presença.
Ali, em um dos últimos recantos ainda mergulhados na escuridão, estava algo que a luz ainda não havia tocado.
Uma silhueta humanoide erguia-se diante dele, envolta em uma aura negra salpicada por pequenas luzes multicoloridas que surgiam e desapareciam como estrelas cadentes. A forma contrastava fortemente com as rochas e musgos do entorno — era como se uma fenda do cosmos tivesse sido esculpida na matéria.
Quando a luz da autoridade de Novah finalmente alcançou a figura, a imagem tornou-se clara:
Um homem. Em pé, segurando com ambas as mãos uma enorme coluna que se estendia do chão até o teto da caverna. Seu corpo sustentava aquela massa com uma firmeza que desafiava a compreensão, como se fosse o único pilar entre o colapso e a sobrevivência.
A aura ao seu redor, agora plenamente visível, era um universo em si mesma — o fundo negro de um céu sem fim, preenchido por constelações e galáxias que flutuavam em silêncio. Cada estrela tremeluzia como se contivesse uma lembrança antiga, uma canção esquecida do mundo.
Shiem ficou paralisado. Aquilo estava muito além de tudo o que já havia testemunhado.
E, ainda assim, quanto mais se aproximava, mais sentia a ausência de algo vital. O homem poderoso — embora de aparência simples, sem músculos exagerados, sem adornos que indicassem poder — não respirava.
Ele estava morto.
Mas sua presença, sua posição, sua aura... ainda sustentavam tudo.
Como se sua morte não tivesse sido o fim — mas a fundação.
Shiem sabia que não podia mais se deter ali. O tempo ruía como as paredes daquela caverna ancestral, e o colapso era iminente. Com o pouco de coragem que ainda lhe restava, esgueirou-se cuidadosamente para contornar o cadáver daquela presença colosal — um homem morto, mas com uma energia tão intensa que parecia dobrar o próprio ar ao redor.
A passagem era estreita. A respiração de Shiem se tornava ofegante, abafada pela opressão da caverna e pela sensação esmagadora que vinha daquela entidade. Ao tentar passar, não conseguiu evitar. Um de seus dedos roçou a borda da aura negra que ainda envolvia o corpo... e tudo mudou.
No mesmo instante, uma voz profunda, grave e calma invadiu sua mente. Não era um sussurro, nem um grito — era como se a própria rocha ao seu redor estivesse contando uma história esquecida:
— No início, o Todo era Um, e Um é perfeito. Mas então surgiu a Promessa — e com ela, os céus e as terras. Que eram olhos atentos, ansiando ver o que lhes foi dito desde o início: que a Promessa apontaria para Um. E todos desfrutariam. E assim a Promessa era o motivo, e o motivo veio a ser, e o ser estava vivo. Vivo para apontar. Céus e terras para esperar. Esse era o início. Essa era a Promessa…
"De onde veio isso?!" pensou Shiem, a mente girando em vertigem.
— Isso veio de UM.
— ...Hã?! Quem é UM? Quem é você?
— Eu sou o que pediu propósito. E agora estou aqui. Honrado com esse esforço solitário.
— ... Hein?... Eu não tô entendendo nada! E não tenho tempo pra conversar! Tenho que sair daqui!
— Aqui terminei meu propósito. Aqui meu pedido foi atendido: que esta morada importante não fosse esquecida. E agora… você está aqui.
— Essa morada…? Isso aqui era a sua casa?
— Agora, vá.
Como se tivesse sido arremessado por uma força invisível, Shiem teve sua consciência lançada de volta ao próprio corpo. Ele caiu de costas, rolando longe da figura enigmática, que tombou logo em seguida com um estrondo surdo. A aura cósmica se desfez como fumaça sob o vento. O corpo agora era apenas um cadáver — finalmente em repouso.
E naquele instante, a morada começou a morrer.
Tremores violentos ecoaram pelas profundezas. Rachaduras serpenteavam pelas paredes, estalando como ossos fraturados. O ar se tornava pesado, empoeirado, e o chão parecia respirar em agonia.
Shiem se levantou em um salto, os pulmões queimando. E, para seu horror, viu os cristais que iluminavam seu caminho começarem a piscar e falhar. A luz, que antes fluía com autoridade, agora se tornava errática, ofegante.
— NOVAAAH! — gritou, sua voz reverberando entre as pedras como um trovão de desespero.
— Corra! — respondeu a voz de Novah, fraca, rouca, ferida pelo esforço. Ela vinha dos cristais, como se a própria caverna ecoasse sua alma.
A Autoridade de Novah se aprofundava com urgência, uma extensão desesperada de sua vontade. Cada raio de luz buscava uma saída com precisão milimétrica. Mas o preço era alto.
O nariz de Novah começou a sangrar sem controle. Seus olhos, antes incandescentes como chamas azuis, agora lacrimejavam, perdendo seu brilho. A conexão começava a ruir.
Então, finalmente, uma nova luz se revelou — não uma luz dos cristais, mas uma luz natural, tênue, vinda do alto de um paredão íngreme que surgia ao final da galeria.
— Corra até o final e escale o paredão para a saída! — disse Novah, sua voz oscilando entre o comando e o adeus. — Te encontro do outro lado…
E então, silêncio.
Novah desmaiou, exaurida, caindo ao chão como uma estrela que se apaga.
Shiem não teve tempo para hesitar. A luz ainda se mantinha e o som do colapso o perseguia como um monstro invisível. Agora, com a esperança pulsando forte no peito, correu. Seus pés feridos, seus músculos exaustos — nada disso importava mais. Havia um fim. Uma promessa.
Ao avistar o paredão, não pensou duas vezes. Com um último grito, saltou, agarrando a pedra e escalando com tudo o que ainda lhe restava. Cada puxada era uma súplica. Cada avanço, um milagre.
E então, no último instante, enquanto a caverna explodia em poeira e escombros atrás de si, Shiem alcançou a fenda no teto e emergiu para a luz.
A caverna se fechou às suas costas com um rugido surdo — o túmulo milenar enfim selado.
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