Volume 1

Capítulo 9: Noção do Perigo

– Ah!... ela era uma senhora, mas era bonita e tinha um jeito muito pomposo de falar, e se mexer. – Explica o homem-cão. – Usava um vestido bonito que mudava de cor. Mas quando ela mudava é que era assustador! As mãos e parte dos braços ficavam coloridos igual ao vestido, e principalmente os olhos ficavam muito sinistros!

– E como eram esses olhos – continuou a perguntar Paragor.

– Ah! Eram coloridos também, e arregalados! E em vez de ser uma bolinha no centro do olho, era um tipo de traço! Isso sim dava medo!

Paragor, quando ouviu a descrição, ficou intrigado e pensativo. E percebendo o silêncio de seu mentor, Novah logo o indaga.

– … Tenho certeza que você iria falar alguma coisa agora velho!... E então!? Desembucha Logo!

Então, Paragor olhou para os dois e falou com um aspecto preocupado.

– A alguns anos antes de você existir, menina, eu fazia incursões em diferentes regiões do continente... numa espécie de ação conjunta para caçar criaturas da umbra. Era o que mais dava dinheiro na época, e todo mundo queria entrar nessa jogada. E aí se juntavam soldados, mercenários, nobres que queriam prestígio e até pessoas comuns que não tinham nada a perder.

– Mas o que que é uma criatura da umbra? – pergunta o homem-cão

– Há! há! há!... Ouvir essa pergunta com tanta sinceridade só me faz ter certeza que você bateu a cabeça com força moleque!... Mas resumindo, são pessoas ou animais modificados pela umbra, ou até criados por ela. Mas então onde é que eu parei!?... Há sim… Os reinos davam uma grana alta pra acabar ou capturar essas coisas, porque elas faziam um pandemônio nas plantações e nas cidades próximas a elas, além de, algumas partes desses bichos, terem poderes ocultos que poderiam valer uma pequena fortuna pra gente. E a gente se divertia também! ha! há!... Ver aqueles moleques se borrando todo quando viam os monstros já era metade da diversão! ha! há! Mas num tinha motivo pra tanto cagaço. Ninguém morria! No máximo se quebrava um braço ou perdia uma perna… mas andando em grupo era tudo tranquilo!... Até que... em uma tarde que fazíamos uma dessas incursões na floresta de Helles… Essa tranquilidade toda se foi junto com um nobre babaca que resolveu pegar a recompensa sozinho… O desgraçado se mandou pra região onde tínhamos ouvido mais relatos de criaturas, sem avisar a ninguém do acampamento… O resto do grupo nem pode almoçar direito… Todo mundo teve que se organizar correndo e sair atrás desse merda, pra que ele não morresse e diminuísse nossa recompensa, já que, um nobre morrendo… daria uma merda tão grande, que poderíamos ficar até presos em uma masmorra no final do dia... Bom… Então fomos atrás desse idiota… E mais ou menos uma hora depois de começarmos, nós conseguimos encontrar alguma coisa...

– Vocês encontraram o cara morto!? – perguntou o homem-cão.

– Nada, garoto cachorro! O que achamos era uma espécie de criatura com mais de 10 metros morta no meio da floresta! Ela tinha acabado de morrer!... Sendo que a metade de trás dela tinha virado um mingau feito de sangue e ossos! He! he! he!... Agora me diz… como um bicho desses tinha acabado de morrer daquele jeito sem nem ao menos gritar!?

– Talvez ela não pudesse gritar mesmo! – falou Novah.

– He! he! he!... Ééé, talvez – responde Paragor – … Mas era estranho de qualquer maneira.

– Essa história vai ter alguma coisa a ver com o sonho do garoto cachorro? – pergunta Novah de forma impaciente.

– Mas não foi sonho! – insiste o homem-cão.

– Há! Há! Há! Calma crianças! Toda boa história tem um bom começo. E quando eu digo bom começo eu quero dizer um começo longo e interessante.

– Então você está na metade do caminho, velho! – falou Novah com um pequeno sorriso.

O homem-cão entendeu o sarcasmo e riu de maneira contida e tímida.

– Há! Há! Há! Há! Mas que droga menina!! Deixa eu contar a história! – falou Paragor com uma risada larga.

– Bem… onde foi que eu parei!?... Há sim… Nós encontramos aquela criatura morta daquele jeito bizarro que eu falei. No primeiro momento, nós pensamos que o merdinha havia conseguido pegar nosso prêmio. Mas então, um grito alto de pura dor e agonia dominou toda aquela região da floresta. Todos nós ficamos assustados, mas mesmo assim fomos correndo na direção de onde o grito estava vindo. E ao chegar no local, todos nós presenciamos aquela cena bizarra que tinha acabado de se construir a nossa frente. O nobre, Lord Simon de sei lá o que, estava erguido pelo pescoço, mijado e com parte do rosto derretido, por uma criatura tão sinistra e intimidadora, que ninguém mais conseguiu dar mas nem um passo em qualquer direção. Era Hákate, a senhora das bruxas da Umbra. Ela estava na penumbra de uma árvore, e a sua silhueta era tudo que conseguimos ver. Isso pelo menos até que ela olhasse diretamente para os nossos olhos!... Eu lembro como se tivesse acabado de ver… Eram olhos grandes e coloridos com uma pupila que mais parecia a de uma cabra do inferno...

– Criaturas erguem e matam nobres idiotas desde muito antes de você nascer, velho! – falou Novah – Porque esse medo todo?

– He! he!... Lord Simon era o segundo general de infantaria do reino em que caçavamos, e sua força era a terceira maior do nosso grupo de aproximadamente 80 homens… E ele estava completamente subjugado por aquela criatura... Aquilo não era normal, entende!?... Mesmo assim alguns conseguiram se recompor, e foram para cima dela, doidos pra tentar salvar o que restou do Simon, e não serem penalizados por terem perdido um nobre durante a missão… Mas aquela criatura, que ainda segurava o Simon pelo pescoço, virou ele pra nossa direção, e ficou usando ele como se fosse um tipo de escudo. De cara todos desistiram de fazer qualquer ataque à distância. Mas tava na cara que era isso que ela queria! E então eu ouvi claramente... Ela invocou um de seus Kengens sobre o Simon e o lançou na direção dos soldados que a estavam atacando… Ela chamou o truque de " La peste arc-en-ciel"... Simon caiu nos braços do Capitão, semi morto e meio derretido, mas pelo menos ainda respirava… E bom… constatando isso, todos voltam o foco na bruxa, mas ela já havia sumido no nada… Aquela coisa era muito perigosa, e não conseguiríamos proteger o nobre. Então gritamos pro capitão levar o que restou do idiota embora. Mas o capitão não fez nada. Um soldado, vendo a urgência, chegou perto do capitão, para levá-lo pelo braço para fora daquele lugar. Mas ao tentar pegar no braço do capitão, foi o capitão que pegou em seu braço, e o soldado começou a derreter como se fosse uma manteiga no forno quente! Eu, e todos ali, tomamos um baita susto! E quando vimos, tanto o capitão, quanto o nobre, estavam com os braços e olhos de uma combinação de cores vermelha, verde e azul. Eles começaram a fazer um massacre com todos aqueles soldados que estavam ao seu redor! Sendo que os guerreiros que tinham algum Kengen, eram pegos, e começavam a atacar juntos com os outros infectados. Quando as coisas saíram de vez do controle, e quase todos do grupo já tinham sido mortos ou infectados, ela apareceu em meio ao caos. Na verdade eu acho que ela nunca saiu do meio da bagunça. Se mesclando as cores do pandemônio, morte e desespero que ela havia causado. E assim que todos viram ela surgindo, tudo parou! Todos estavam em guarda, imóveis, esperando o próximo truque da criatura. Por coincidência, ou não, todos os infectados pararam também, e tomaram seu lugar ao lado dela. Como se fossem zumbis totalmente controlados. Mas por muita sorte nossa, ela já havia conseguido o que queria, e sumiu, tão de repente quanto chegou, levando todos os seus troféus infectados com ela. Eu e todos os 14 soldados que sobraram, ficamos sem saber se corríamos ou se trocavamos as calças! Ha! ha! há!... hum… Bom… quando chegamos na capital de onde havíamos saído, nós tivemos que explicar o que aconteceu para os nossos contratantes… Eee bom… Demoraram a acreditar na gente né… Afinal… Muitos nobres morreram… E muitos deles eram guerreiros de grande autoridade e importância… Mas quando descrevi aquela mulher… Um velho capitão que estava sentado numa cadeira perto da parede se levantou de seu lugar e falou "Finalmente!... Após quarenta e três anos… a maldita bruxa voltou!..." E isso parece que foi o suficiente para acreditarem na nossa história.

– E acabou!? – perguntou Novah com certa impaciência – Porque já passa da meia noite, e sou eu que tenho que acordar cedo pra fazer a minha mala e a do cachorro!

– Há! ha! ha! Você vive reclamando que eu repito todas as minhas histórias, e hoje que conto algo novo… você reclama também! Menina! como você vai casar assim!? Há! há! há! há!

Novah fica totalmente corada e retruca o comentário de Paragor com energia.

– Ė O QUE SEU VELHO!? E O QUE QUE MEU CASAMENTO TEM A VER COM ISSO!?... Hããã… Quer dizer… eu num ligo pra casamento!... Nem pra bolo de três andares!... E nem com cerimônias em lindos castelos e outras baboseiras dessas… hum!… Perder tempo imaginando tulipas brancas enfeitando o caminho e pétalas de rosas rosas por todo chão onde eu vou chegar de mãos dadas com meu noivo não é pra mim.

– Nossa! Mas que específico! – falou o Homem-cão tentando segurar o riso.

– Num enche Vira-latas!! – respondeu Novah virando o rosto para o outro lado.

– He! He! He!... Éééé… Vocês vão se dar bem nessa viagem... Quer dizer… Se não se matarem primeiro, lógico!! – falou Paragor. – Hum… Bom… Mas voltando a história. Você disse que conversou com a bruxa, não é mesmo?

– Há… Sim! – respondeu o homem-cão. – Ela no começo foi bem assustadora… Mas depois, até que ela foi legal… Eu acho...

– … Hum… Quem diria!?... Quando eu a vi pela primeira vez, só conseguia pensar nela como uma força da natureza, maculada pelo caos e demência da umbra… Mas agora… Vejo que era somente mais uma pessoa fazendo as escolhas de merda que todos nós teimamos em fazer neste mundo.

Paragor então pegou as gemas em cima da mesa, e perguntou para o homem-cão.

– Bom… Como a bruxa disse que isso funcionava garoto?

– Ah... Ela falou que tinha que ser iniciada ou abençoada para essas pedras funcionarem – explicou o homem-cão.

– E o que mais? – falou Novah.

– Hããã… foi só isso! – responde o homem-cão. – Eu não entendi nada!

Paragor e Novah se encaram, pensando nesse novo enigma que agora teriam que resolver.

– E em qual parte da conversa ela te deu isso mesmo garoto? – perguntou Paragor.

– … Foi quando eu falei que você queria que eu acompanhasse uma mulher cega em uma viagem.

– … Huumm… Bom… Parece ter haver com sua cegueira, óbvio! – pensou em voz alta Paragor. - Então… Novah! segure cada uma em cada mão perto de cada vista! essas pedras talvez te ajudem a enxergar ao seu redor!

Novah pega as gemas e segura cada uma em cada mão. E assim Paragor pergunta.

– E então?

– E então eu vejo… Vejo que a bruxa te deu duas pedras da beira do rio! – falou ironicamente Novah.

– Será!? – se questionou o homem-cão – Ela me deu dizendo que detestava estar me dando essas pedras e a cara dela era de "muito incomodada"!

– Calma vocês dois! – exclamou Paragor. – Foi só a primeira tentativa! Ainda vamos passar a noite tentando fazer essas coisas funcionarem!

Novah então, deu um suspiro de tédio, e falou ao mesmo tempo que se deitava na cadeira longa em que ela e o homem-cão estavam sentados.

– Então anotem as ideias que tiverem até não conseguir mais , e aí vocês me acordam para testar cada uma.

Assim Novah , deitada e segurando as pedras que estavam em suas mãos, falou em seus pensamentos.

– "Que chatice! Num quero perder a noite inteira brincando com essas pedras! E o velho sabe que odeio perder tempo com coisas inúteis!... Se essa bruxa for a mesma da história, então ela é só uma filha da mãe que se cansou de matar, e resolveu fazer joguinhos com a esperança dos outros! E quem tem mais esperança do que um cego querendo voltar a enxergar?!... Esse velho tá ficando muito mole!... E meio burro também… Se essas pedras são para cegueira… E são duas… Então é óbvio que é pra colocar nos olhos!"

E desse modo, Novah colocou as duas gemas em cima de seus olhos, e esperou. Porém, antes mesmo de ter tempo para pensar em algo negativo sobre as pedras, Novah foi pega por um sono profundo, fazendo com que ela dormisse ali mesmo, naquele banco rígido e desconfortável.

Quase uma hora se passa, e Paragor esgotou suas tentativas de solucionar o mistério de como essas gemas funcionam. E logo Paragor falou.

– É isso aí! Cansei de teoria! Agora vamos praticar! Acorda a menina pra ela nos ajudar!

O homem-cão olhou para seu lado, e viu Novah dormindo calmamente. E sem coragem de acordá-la, ele falou.

– … Hããã… Mas a gente vai acordar ela mesmo?... Num é melhor tentar essas coisas amanhã com a mente descansada!?

Paragor deu um suspiro cansado e respondeu.

– Está bem! Mas vai guardar as pedras junto com você garoto! Mesmo aqui é difícil confiar coisas valiosas a alguém durante a noite!

Ouvindo Paragor, o homem-cão lembrou que Novah segurava as gemas pouco antes de ir dormir. Então ele olhou para ela, procurando as gemas que provavelmente estariam em suas mãos. Contudo, ao observar, ele reparou que não havia nada em posse de Novah. E preocupado, o homem-cão falou para Paragor.

– Ué? Caramba?... As gemas não estavam com ela!?

– O que? – pergunta Paragor – Bosta! Deve ter caído quando ela apagou! Vê aí pelo chão garoto!

Então, os dois começam a procurar as gemas pelo chão de toda cozinha. No entanto, o tempo passa, e nenhuma das duas gemas são encontradas. Isso vai deixando o homem-cão, e Paragor, preocupados, e mais descuidados, levando o homem-cão a esbarrar em uma pilha de panelas, que estavam em cima da pia, próxima a ele. O barulho alto fez com que Novah levantasse de seu sono profundo com um grande susto. E logo ela reclama.

– Mas que droga vocês estão fazendo aí!?

– A gente tá procurando as pedras que sumirão! – respondeu o homem-cão.

– Esquece essas pedras! – respondeu Novah – Eu coloquei nos olhos e não aconteceu nada!!

– Calma menina!! – falou Paragor – Deve existir uma maneira correta de usar essas gemas!!

– Velho, para com isso! – respondeu Novah – O que aconteceu, aconteceu! Para de se culpar! E de se apegar a falsas esperanças!... Vai dormir por favor! Eu sei que você está precisando velho!

Paragor suspirou fundo, olhou para o chão ao seu redor dando uma última busca sem graça pelas pedras, pensou um pouco, e finalmente respondeu.

– … Éé… Talvez uma noite de sono seja uma boa ideia… Então vamos todos descansar por hoje! Amanhã vai ser mais puxado pra todo mundo!

Mas quando Paragor iria indicar uma cama para o homem-cão usar, ele percebeu que Novah não parava de coçar seus olhos.

– Alguma coisa está te incomodando nos olhos menina!? 

– Calma de novo, velho! – respondeu Novah. – Eu acabei de acordar!... É só uma coceira chata.

– Quanto tempo você num faz a higiene nesses olhos menina!? - perguntou Paragor.

– Dois anos! – respondeu Novah

– O QUE!? – falou Paragor assustado.

– São sete anos,velho!... Isso já sarou a muito tempo! – falou Novah.

– Mesmo assim você está coçando num é?! Agora deixa eu ver pra saber se já sarou mesmo ou não espertinha!

E Paragor chega perto de Novah e abre seus olhos, para examinar possíveis causas dessa coceira que ela falava. Mas ao abrir seus olhos...

– Ahaaaaaaa! – Gritou Novah.





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