Volume 1 – Arco 1
Capitulo 21: Caminhando Sem Você
De volta ao refeitório, Naala e Tiruli permaneceram sentados, em silêncio. Sabiam que aquele momento mudaria a dinâmica entre todos eles. Naala finalmente se levantou, e Tiruli a acompanhou. Saíram juntos, mas em silêncio, conscientes de que, depois daquele dia, nada mais seria como antes.
4 de abril de 2019 - Quinta-Feira
Firefy marchava pelos corredores do internato, seus passos pesados, rápidos e impacientes. O ambiente parecia apertado ao redor dela, sufocante, como se o próprio ar estivesse carregado de eletricidade. Seus ombros estavam rígidos, a mandíbula travada. Ártemis seguia logo atrás, tentando acompanhar seu ritmo acelerado. Ela sabia que Firefy estava à beira de perder o controle, mas ainda assim, algo dentro dela a impelia a falar.
— Firefy, espera... — Ártemis chamou, a voz carregada de cautela. Mas Firefy nem sequer diminuiu o passo. Ártemis insistiu. — Sobre os artefatos... eu ainda acho que não dá para trazer os objetos para cá.
Firefy parou abruptamente e se virou para ela num movimento brusco, os olhos faiscando com impaciência.
— Você acha? — Firefy repetiu, com um tom de deboche, cruzando os braços. Sua voz carregava uma frieza que ela raramente usava, e Ártemis sentiu um calafrio percorrer sua espinha. — Desde quando o que você acha importa aqui?
Ártemis piscou, surpresa com a agressividade. Mas Firefy não parou por aí.
— Você não entende nada do que está acontecendo, Ártemis. Nada! — Firefy continuou, aproximando-se ainda mais, a respiração irregular, como se estivesse lutando contra uma explosão interna. — Esses artefatos não são um capricho, não são brinquedos que podemos simplesmente decidir se queremos ou não. Eu preciso deles.
Ártemis tentou argumentar, sua voz um pouco mais firme desta vez.
— Mas a Trrira disse que está tendo problemas em casa. Mas o artefatos estão protegidos. Ela só não consegue entregá-los.
Firefy soltou uma risada curta e amarga.
— Não consegue ou não quer? — ela estreitou os olhos, carregados de julgamento. — A Trrira pegou esses artefatos para mim. Não foram para ela, não foram para você, e definitivamente não foram para que ela desse uma de mocinha indefesa que tem problemas em casa.
A cada palavra, Firefy ficava mais cortante, como se estivesse jogando navalhas no peito de Ártemis. A garota sentiu o rosto esquentar de raiva e desconforto.
— Firefy... Você está ouvindo a si mesma? — Ártemis perguntou, tentando manter a calma, mas sentindo sua paciência se esgotar. — Você está tratando sua amiga como se ela fosse sua empregada!
Firefy soltou um suspiro exasperado, os dedos apertando as têmporas como se estivesse tentando conter uma dor de cabeça.
— Meu Deus, Ártemis, será que você consegue parar de ser tão ingênua por um segundo? — Firefy falou calma, com uma expressão de sarcasmo. — Se eu estou te pedindo para pegar os artefatos, então você vai pegar os artefatos! Eu não quero saber o que a Trrira está passando, eu não me importo se isso te faz se sentir desconfortável! Eu estou te dando uma ordem e você vai obedecer!
Ártemis sentiu o peito apertar, uma raiva crescente se misturando com um nó na garganta. Firefy nunca tinha falado com ela assim. Nunca tinha sido tão... cruel.
— Você não manda em mim, Firefy — Ártemis respondeu, sua voz agora fria, cortante como lâmina de gelo.
Firefy a encarou por um momento, respirando pesadamente, o olhar faiscando de frustração. Por um instante, um brilho fraco surgiu em um de seus olhos, um brilho mágico e instável. Estava claro: Firefy estava exausta, emocionalmente drenada, e seu corpo estava começando a reagir a isso.
A fada apertou os olhos, tentando recuperar o controle. Respirou fundo, mas sua voz ainda saiu carregada de desespero.
— Eu... eu não posso perder o Gumer, Ártemis. Eu não posso — seu tom oscilava entre raiva e algo quebrado, algo quase suplicante. — Eu preciso dele. Eu preciso saber que ele está bem. Você não faz ideia de como é carregar isso sozinha.
O peso de suas palavras atingiu Ártemis como uma avalanche.
Firefy desviou o olhar, os punhos cerrados ao lado do corpo. A raiva parecia ter drenado dela de uma só vez, dando lugar a algo mais profundo, mais perigoso: cansaço, vulnerabilidade.
O silêncio entre as duas era espesso como névoa. Ártemis respirou fundo, ainda sentindo a raiva dentro de si, mas também algo mais. Compreensão.
— Você não está sozinha nisso — ela disse, finalmente.
Firefy hesitou, como se quisesse acreditar, mas não conseguisse. Elas começaram a andar em silêncio, como se aquelas ultimas palavras de Ártemis dessem um ponto final na discursão.
Elas pararem diante da porta. Firefy reconhecendo que exagerou. O silêncio entre ela e Ártemis era tenso, mas, após um momento, Ártemis suspirou, entendendo o erro de Firefy, apesar do ressentimento ainda presente.
Firefy fechou os olhos por um momento. Então, sem dizer mais nada, entrou no dormitório.
Ártemis ficou ali por alguns segundos antes de entrar também no dormitório. O gosto ruim da discussão ainda estava em sua boca, mas, no fundo, ela sabia que Firefy não estava bem.
E isso a preocupava mais do que qualquer outra coisa.
Quando Ártemis entrou no quarto, ouviu passos apressados ecoando pelo corredor.
Glomme surgiu na porta, ofegante. Assim que cruzou a soleira, a energia dentro do quarto o atingiu como uma parede de vidro. O ar parecia denso, como se segurasse algo invisível prestes a desmoronar. Ele não sabia bem o que estava acontecendo, mas já entendia que não era algo pequeno.
Ártemis fechou a porta atrás dele, e os dois se sentaram na cama de baixo da beliche sem dizer nada de imediato. Firefy já estava sentada, com os braços cruzados, encarando o chão como se esperasse que o silêncio aliviasse a dor.
Mas não aliviava.
Glomme já estava acostumado com os momentos de hesitação, mas esse era diferente. Ele sentia uma pressão no peito, uma angústia que não sabia nomear, como se algo estivesse sendo arrancado dele aos poucos e ele não pudesse fazer nada. Ele gostava de estar com Ártemis e Firefy, gostava de como Ártemis fazia com que ele e Firefy se soltassem, como se a timidez não existisse. Mas agora, nem ela conseguia quebrar aquele muro invisível que os separava do resto do mundo.
O silêncio parecia interminável até que Firefy, com um suspiro trêmulo, finalmente quebrou-o.
— Eu não estou bem — sua voz era rouca, quebradiça.
Glomme, em sua direita, ergueu os olhos para ela, atento, enquanto Ártemis, a sua esquerda, olhava com um olhar triste. Firefy estava tensa, os ombros erguidos como se carregassem o peso do céu. Sua expressão era de alguém que segurava um mar inteiro dentro de si e que, a qualquer momento, não aguentaria mais.
Então, ela desmoronou.
Firefy respirou fundo e, então, começou a falar. Primeiro, com hesitação, mas conforme as palavras saíam, era como se um dique tivesse sido rompido.
— Eu... eu só queria ajudar o Gumer. Mas eu não sei mais o que fazer — sua respiração acelerava à medida que ela se forçava a dizer tudo. — Eu descontei na Ártemis como se ela fosse minha propriedade, como se ela fosse culpada por tudo isso... mas a verdade é que eu só estou perdida.
Suas mãos tremiam no colo. A garganta ardia. E então, como se seu corpo não suportasse mais segurar tudo aquilo, lágrimas escorreram sem controle.
— Eles mandaram o Gumer embora pra um tratamento psiquiátrico. Como se ele tivesse doença! Como se ele estivesse louco! Mas eu sei que não é isso! — sua voz embargada vacilava entre a raiva e a dor. — Tem algo errado, machucando ele, perturbando ele, e eu estou aqui, presa nesse maldito internato, sem poder fazer nada!
Glomme mordeu os lábios, sentindo os olhos arderem e seu peito subindo e descendo rapidamente. Sua testa franziu, e a raiva e o desespero se misturaram em seus olhos úmidos.
— Eu só queria fugir daqui! Eu queria ir até ele! Eu queria poder sentir ele! — Firefy falou, apertando os braços contra o corpo, tentando conter o soluço. — Eu vou visitá-lo de novo, mas ainda não descobri nada! E esses malditos objetos... — ela balançou a cabeça, frustrada. — Eles eram minha única esperança. Mas nem isso eu tenho em mãos.
Glomme fechou os olhos por um momento, como se quisesse apagar a dor que sentia por ouvir aquilo. Mas não tinha como. O vazio dentro dele crescia.
Ela apertou os punhos, o corpo tremendo.
— Eu não sei mais quem eu sou sem ele — ela olhou para Glomme, apertando as mãos dele com força. — Nós não sabemos, Glomme.
Glomme olhava para ela, sentindo algo apertar sua garganta. Ele engoliu em seco, tentando segurar as lágrimas, mas foi inútil. Elas começaram a escorrer, quentes, cruas.
O silêncio que se seguiu foi tão pesado que parecia esmagar o ar dentro do quarto.
Firefy soluçou e abaixou a cabeça, escondendo o rosto entre as mãos.
Glomme desviou o olhar para o chão, ele puxou os joelhos para perto do peito, apoiando os pés sobre o colchão, e os braços abraçavam suas pernas como se tentassem mantê-lo inteiro. O queixo apoiado nos joelhos tremia levemente, enquanto lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto. Ele olhava para o chão, os olhos embaçados pela tristeza, sem forças para enxugar as lágrimas que caíam e manchavam o tecido de sua calça. Seu peito subia e descia em soluços contidos, o quarto ao seu redor mergulhado em um silêncio pesado
— Firefy... eu estou tentando. Eu juro que estou tentando o máximo que eu posso — sua voz saiu embargada, mas firme. — Nós vamos descobrir tudo. Nós vamos salvar o Gumer.
Ele limpou o rosto com as costas da mão, respirando fundo antes de continuar.
— Ele também é parte de mim, parte da gente. Estar longe dele... parece que tiraram um pedaço de mim. Ele é a melhor pessoa do mundo. Ele sempre se preocupou com a gente, sempre quis ajudar todo mundo. Ele nunca nos deixou sozinhos... — Glomme riu entre as lágrimas. — Ele era nossa luz. Sempre foi. E agora ele está lá, sozinho.
Firefy engoliu em seco, olhando enquanto Glomme colocava os pés no chão e segurava sua mão. Ártemis, que ficou em silêncio até então, se aproximou e segurou a outra, deixando as lágrimas escorrerem sem tentar escondê-las.
— Nós só queremos ele de volta — Firefy sussurrou, e os três deitaram ali, segurando à mão um ao outro como se fossem a única âncora em um mar revolto.
O choro era baixo, abafado, mas intenso. Era um lamento silencioso, um eco de saudade e desespero que nenhum deles sabia como suportar.
Ficaram assim por minutos, sem pressa, sem necessidade de dizer nada.
O sinal ecoou pelo colégio, espalhando os estudantes como enxames desordenados pelos corredores. Misha e Quinn caminhavam lado a lado, em ritmo sereno, como se a pressa não os alcançasse. Ela se aproximou dele e sussurrou algo preciso, quase um comando: sábado, nas terras abandonadas. Três baldes de glitter. Não explicou. Não olhou para trás. Apenas seguiu em frente, como quem deixava uma peça de xadrez cuidadosamente posicionada.
Quinn não entendeu o pedido. Glitter? E por que naquele lugar esquecido, longe de tudo e de todos? Mas conhecia o jeito de Misha. Sabia que havia algo por trás daquele capricho absurdo. Ela não brincava com essas coisas. O peso no peito veio imediato, como se alguma parte dele já soubesse: aquilo não era apenas um encontro. Era o início de algo maior.
Ela não deu detalhes. Só disse que queria ajudá-lo. Não explicou de que forma, nem com que riscos. Mas Misha nunca oferecia algo sem um motivo escondido. O pedido do glitter soava ridículo à primeira vista, mas Quinn já tinha aprendido que nada nela era gratuito. Era preciso, meticuloso. Um gesto tão simples talvez escondesse um ritual, uma troca, um recomeço. Ele apenas assentiu em silêncio.
Quando os dois se separaram nos corredores, Quinn sentia o mundo mais pesado sobre os ombros. As palavras de Misha ainda latejavam na mente como um presságio. Ele não sabia o que esperar, apenas que deveria aparecer, com os três baldes nas mãos. E, talvez, sair de lá diferente. Para melhor ou para muito pior.
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