Volume 1
Capítulo 1: 11:14:36 a.m.
DEUS, ISSO É UM SACO. Cara, eu queria estar morto.
Eram esses os pensamentos que passavam pela minha cabeça enquanto eu caminhava desanimado pelo boulevard (Via urbana), me perguntando por que diabos eu tinha concordado com isso em primeiro lugar. Eu deveria ter ficado em Tóquio. Aqui em Hakodate, a única coisa mais fina do que o ar cortante do outono era a minha paciência. Apesar do sol alto, sempre que virávamos uma esquina e entrávamos na sombra do horizonte baixo da cidade, o frio mordaz se instalava tão de repente que parecia que eu tinha acabado de entrar em um freezer industrial. O frio era tão intenso que eu mal podia acreditar que ainda estávamos no final de outubro — e, mesmo assim, eu sentia o suor escorrendo pelos meus flancos, enquanto minhas axilas se recusavam a perder para a transpiração incessante das minhas palmas. Mas isso não era tanto um sinal da capacidade térmica do meu casaco, e sim um sintoma da minha extrema ansiedade social.
Logo à minha frente, quatro garotos caminhavam lado a lado, ocupando quase toda a calçada enquanto riam e se empurravam. Por baixo dos casacos e jaquetas acolchoadas, usavam o mesmo uniforme escolar que eu. Esses eram os alunos com quem fui agrupado para a excursão da nossa turma — mas você nunca saberia disso apenas ouvindo a conversa, já que eu não dizia uma única palavra havia quase meia hora.
No começo, fiz um esforço patético para me aproximar e contribuir com respostas monossilábicas e acenos de cabeça. Eu sabia que não estava realmente interagindo com eles — só tentava fingir que fazia parte do grupo. Mas, depois de um tempo, percebi o quão pateticamente inútil era essa tentativa e diminuí o ritmo, aumentando a distância entre nós de um único passo para uns dois metros. Eu deveria saber que nem mesmo o papel de ouvinte eu conseguiria desempenhar.
Os quatro já eram um grupo de amigos bem estabelecido — próximos o suficiente para estarem sempre juntos entre as aulas e almoçarem juntos todos os dias. Não havia espaço para um cara como eu me inserir na pequena panelinha deles. Não quando eu mal tinha falado com qualquer um deles antes, muito menos saído para fazer algo em grupo até agora. Qualquer um que olhasse de fora perceberia que eu era o estranho ali — o cara deslocado na foto, aquele que claramente não pertencia ao grupo. Eu sabia que nunca deveria ter vindo nessa viagem. Sabia muito bem disso.
— Você não acha também, Mugino-kun?
— Hã?!
Levantei o olhar da calçada e vi que um dos garotos do grupo — um chamado Nagai — olhava para trás, me encarando por cima do ombro. Surpreso por ser chamado de repente, me apressei para diminuir a distância entre mim e o resto do grupo.
— Ah… M-Mal aí — gaguejei. — Sobre o que vocês estavam falando?
— Haha. Mal aí, ele diz. Relaxa, cara. A gente não vai arrancar sua cabeça — disse Nagai, rindo, e os outros do grupo o acompanharam. Eu sabia que aquilo era só uma provocação amigável, mas ainda assim senti meu rosto ficar vermelho como um tomate.
— A gente tava comentando como parece um desperdício vir pra Hokkaido no outono, sabe o que quero dizer? Tipo, nem vamos ver neve nessa época do ano. Teria sido muito mais legal se tivéssemos vindo no inverno. Não concorda?
— Ah, bem… Não sei. Talvez.
— O quê? Não curte frio ou algo assim?
— N-Não, não é isso… Acho que sou meio indiferente.
— Entendi… Bom, justo!
Nagai me lançou um sorriso ligeiramente constrangido, aparentemente percebendo que tentar me incluir na conversa havia sido um esforço inútil. Senti-me mal por deixar sua consideração ir para o lixo. No fim das contas, ele era um cara bem legal.
Foi o Nagai quem me acolheu no grupo quando eu era o único que ainda não tinha sido designado, e o professor perguntou se alguém se importaria em me deixar juntar a eles na viagem escolar. Ele nem sequer hesitou diante da ideia, e nenhum dos outros membros do grupo se opôs. Eu realmente tive sorte de ter colegas tão gentis — era algo completamente diferente do que eu havia suportado no ensino fundamental. Mas, para ser sincero, ser tratado com tanta bondade e aceito tão calorosamente só tornava minha reclusão autoimposta ainda mais dolorosa.
Mais adiante, um homem vestindo um terno abafado veio caminhando pela calçada, então Nagai e seus amigos abriram caminho para ele passar. Quanto mais nos aproximávamos da estação de Hakodate, mais pessoas víamos se movimentando apressadas em seus casacos pesados, cachecóis e suéteres. Por algum motivo, eu tinha presumido que as pessoas de Hokkaido estivessem acostumadas com o frio, mas a maioria dos pedestres estava vestida de forma muito parecida com a nossa.
— Ei, Nagai — chamou um dos outros garotos do grupo. — A gente devia dar uma passada na Animate depois do almoço, que tal?
— Ah, qual é, cara — resmungou Nagai. — Viemos até Hokkaido, e tudo que você quer fazer é olhar produtos de anime?
— Deve ter pelo menos algumas diferenças regionais, né?
— Você acha? Sei lá… Na verdade, onde fica a Animate aqui em Hakodate?
— Do outro lado do Parque Goryokaku.
— Beleza, talvez a gente possa passar lá depois de visitar o forte — ponderou Nagai, então se virou para mim. — Algum lugar que você queira visitar enquanto estamos aqui, Mugino-kun?
— Ah, hm… Não, não realmente — respondi.
— Ah. Entendi.
Ele desistiu dessa tentativa de conversa ainda mais rápido do que da última vez.
De repente, senti uma vergonha esmagadora da minha incapacidade de simplesmente estender a mão e aceitar a oportunidade que me estavam oferecendo. Talvez eu devesse ter sugerido algum ponto turístico aleatório, mesmo que não tivesse interesse real em ir. Ele fez um esforço para me incluir na conversa; eu deveria ao menos ter tentado ser mais participativo. No momento, eu não passava de um peso morto arrastando o resto do grupo para baixo.
Eu realmente, realmente tinha dificuldade em conversar com outras pessoas. Mas, ainda assim, senti a necessidade de dizer alguma coisa. Enquanto caminhava atrás deles, tentei desesperadamente pensar em um tópico para puxar conversa — mas quanto mais tentava me concentrar, mais os sons e estímulos ao meu redor me distraíam.
Buzinas de carros. Pessoas conversando. Corvos grasnando. Bonde passando. O vento soprando e levantando folhas úmidas, que estalavam sob cada pisada.
Eram apenas onze da manhã de um dia útil, mas Hakodate estava viva com uma sinfonia de sons. Cada um era pequeno e fácil de ignorar quando ouvido isoladamente, mas juntos formavam uma cacofonia perturbadora que sugava toda a minha capacidade de raciocinar. E, uma vez que eu os percebi, não conseguia mais ignorá-los. Era como se um louva-a-deus estivesse afiando suas lâminas bem no limite da minha paciência.
Ugh, não consigo pensar direito agora…
Lutando contra essa sensação, comecei a mexer no cabelo como um tique nervoso — uma válvula de escape ineficaz para minha frustração. Minhas franjas já estavam tão longas que cobriam meus olhos, e eu sentia os fios roçando nos cílios sempre que virava a cabeça. Às vezes, isso era bem irritante, mas eu odiava tanto cortar o cabelo que simplesmente deixava crescer.
Continuamos nosso caminho até a estação, até que eventualmente chegamos a um sinal vermelho. Tivemos que parar e esperar até que o sinal automático nos informasse que era seguro atravessar a rua.
— Sabe, Mugino-kun… tenho que admitir — disse Nagai, virando-se para mim. Olhei de volta para ele, determinado a dar uma resposta sociável desta vez, apenas para ele completar com: — Eu meio que não acredito que você veio na viagem da turma.
Meus pensamentos dispersos foram varridos pelo vento. Eu podia praticamente sentir o sangue drenando da minha cabeça enquanto as palavras de Nagai ecoavam em minha mente vazia.
— Ah, uhm... É... desculpa… Ahahaha...
Incapaz de formular uma resposta mais coerente, soltei uma risada seca e sem graça. Nagai me olhou com curiosidade, intrigado por eu estar rindo e me desculpando ao mesmo tempo. Não demorou mais que alguns segundos para sua expressão franzida se transformar em uma de constrangimento ao perceber sua gafe.
— Espera, não! Eu não quis dizer isso de um jeito ruim nem nada! — disse ele apressadamente. — Só quis dizer que deve ter sido preciso muita coragem para alguém como você se inscrever para a viagem, especialmente porque você mal aparece nas aulas e tal. Tenho certeza de que eu não teria essa coragem se estivesse no seu lugar, então... É, definitivamente poderia ter formulado isso melhor! Foi mal!
Essa tentativa de me tranquilizar não foi nada eficaz; na verdade, só me fez sentir ainda mais deslocado socialmente. Mas eu sabia que Nagai não tinha tido intenção de me ofender. E, para ser justo, eu também não conseguia acreditar. Desde que chegamos a Hakodate — e até mesmo no voo para cá, e no ônibus para o aeroporto antes disso — eu vinha me perguntando repetidamente por que diabos eu tinha aceitado essa viagem.
— Espera, espera. Por que estamos pedindo desculpas? — perguntou um dos outros membros do grupo, olhando para Nagai.
— O que houve? — disse outro. — Aconteceu alguma coisa?
Eu podia sentir uma leve tensão no ar. Isso não estava certo; independentemente do deslize verbal, Nagai só estava tentando me incluir na conversa. Agora cabia a mim esclarecer tudo — e rápido, antes que o sinal ficasse verde.
— Na verdade, uhm… O Nagai não fez nada de errado. Ele só… formulou algo de um jeito meio estranho, e eu entendi errado. Não é nada demais... Então, é isso.
Assim que terminei de falar, senti vontade de soltar um suspiro exagerado, daqueles de desenho animado. Só juntar três frases coerentes já foi o suficiente para me deixar exausto. Mas, quando vi um ar de alívio tomar conta do rosto de Nagai, soube que tinha valido a pena o esforço. Os outros garotos também relaxaram suas expressões, aparentemente aliviados por não ter sido nada mais sério. Ótimo — essa era exatamente a reação que eu esperava.
— Ah, esse é o Nagai de sempre — disse um dos garotos. — O cara vive falando besteira sem nem perceber.
— Sim, às vezes ele é brutalmente sincero — disse outro.
— Fique à vontade para dar uma resposta à altura, Mugino-kun — disse o terceiro. — Ele bem que podia provar um pouco do próprio veneno de vez em quando.
Os três começaram a rir entre si.
— Ah, qual é, pessoal! — resmungou Nagai, antes de dar uma cotovelada brincalhona nas costelas de um dos amigos, como que para me mostrar que era tudo na esportiva.
— Ei, não atire no mensageiro! — disse outro garoto, levantando as mãos dramaticamente.
E então, os quatro estavam rindo e brincando de um jeito tão natural e descontraído que poderia facilmente servir como cena genérica em um vídeo explicando o conceito de amizade. Eles são realmente próximos, pensei comigo mesmo. A cena me tocou de verdade — mas apenas da mesma forma que alguém poderia se emocionar ao ver um grupo de pinguins se amontoando para se aquecer no gelo da Antártida.
Era algo bonito de se observar, mas tão distante de mim e do mundo que eu conhecia que sequer conseguia imaginar me inserindo naquela dinâmica e rindo junto como parte do grupo. Normalmente, isso não me incomodaria tanto, mas naquele momento, me encheu de uma melancolia incomum. E mais uma vez, me perguntei, por que diabos eu vim até aqui?
— Vocês gostam de me zoar, né? — disse Nagai. — Beleza. Se é assim, eu posso muito bem passar o tempo com meu novo amigo, Mugino-kun.
Nagai estendeu o braço e pousou a mão sobre meu ombro. No momento em que seus dedos tocaram meu ombro, empurrei-o com as duas mãos. E ele caiu de costas no asfalto.
Imediatamente, o ar gelado ao nosso redor pareceu congelar por completo, enquanto o bing-bong, bing-bong do sinal de pedestres acima, finalmente nos dava permissão para atravessar. Alguns transeuntes lançaram olhares suspeitos em nossa direção, mas todos seguiram andando sem dizer uma palavra.
— Ai… — gemeu Nagai.
Um dos outros garotos me lançou um olhar furioso.
— Ei! O que diabos você pensa que tá fazendo?!
Isso finalmente me trouxe de volta à realidade, e uma onda avassaladora de culpa tomou conta de mim ao perceber o que eu acabara de fazer. Meu coração disparou, e minha mente ficou em branco enquanto eu entrava em pânico, sem saber como poderia consertar a situação que eu mesmo causara. Tudo em que meu cérebro conseguia se concentrar agora era a sensação persistente do toque humano bruto sobre minhas mãos, sobre meu ombro.
Um dos outros garotos estendeu a mão e ajudou Nagai a se levantar. Assim que ficou de pé, ele se virou para mim com um sorriso constrangido.
— Foi mal — disse ele. — Acho que fiquei um pouco amigável demais, né? Erro meu — sempre me dizem que eu sou meio esquisito quando se trata de limites… Vou tentar ser mais cuidadoso daqui pra frente.
— O quê…? Não, eu… Eu só—
Havia tantas coisas que eu queria dizer. Eu lhe devia um pedido de desculpas, uma explicação, uma garantia de que não era nada pessoal. Mas não consegui dizer nada disso. As palavras simplesmente ficavam presas na minha garganta — e antes que eu conseguisse encontrá-las, Nagai já havia se virado para os amigos e sugerido que atravessassem a rua.
O outro garoto ainda me fuzilava com os olhos, mas por fim bufou e seguiu em frente, resmungando um clássico: “Qual é o problema desse cara?”
Era um comentário cortante que eu já ouvira incontáveis vezes ao longo dos anos — e cuja dor só se aprofundava com o tempo, pois ainda era uma pergunta para a qual eu mesmo não tinha resposta.
O sinal começou a piscar. Fechei minha boca inútil e segui os outros garotos pela rua, retomando meu lugar de direito: dois metros atrás do resto do grupo. Desde que me entendia por gente, eu vivia mantendo distância. Eu não suportava ser tocado. Pelo menos, não por outras pessoas.
Não havia uma razão para isso — era apenas uma resposta instintiva, fisiológica. Era visceralmente desagradável para mim, do mesmo jeito que o som de unhas arranhando um quadro-negro ou duas placas de isopor raspando uma na outra pode ser para outras pessoas. Por causa disso, eu precisava evitar multidões e nem conseguia ir a uma barbearia. Eu tinha dezessete anos e ainda só conseguia cortar o cabelo com minha mãe. Tentar viver como uma pessoa normal parecia um exercício constante de frustração e vergonha.
Só concordei em vir nessa viagem porque meu professor insistiu que, se deixasse essa oportunidade passar, eu me arrependeria no futuro. Claramente, isso foi um erro, pois a viagem mal havia começado e eu já estava me arrependendo. Essa era uma “experiência única na vida” da qual eu definitivamente poderia ter passado sem. Para ser sincero, deveriam ter cancelado essa droga de excursão. Quem precisa de uma viagem de turma idiota, afinal?
Mas, no fundo, eu sabia que o problema não era a viagem. O problema era eu.
Eu deveria ter ficado em casa.
— Desculpa.
Esse pedido de desculpas patético foi tudo o que consegui dizer enquanto caminhava atrás de Nagai e dos outros, a uma distância segura. E sabia que nem isso chegaria aos ouvidos dele, já que eu não tinha falado alto o suficiente para que me ouvisse. Era apenas uma tentativa egoísta de me sentir um pouco melhor ao dizer que estava arrependido — mas, obviamente, eu não tinha coragem de pedir desculpas diretamente. Nada me assustava mais do que interagir com outras pessoas.
De repente, senti meus olhos arderem, então pressionei o polegar e o indicador contra a ponte do nariz e olhei para o céu, onde um avião solitário traçava seu caminho pelo azul pálido, deixando rastros de vapor para trás. Talvez eu devesse simplesmente pegar um voo de volta pra casa, pensei.
Com certeza me deixariam voltar mais cedo se eu dissesse ao professor que estava passando muito mal ou algo assim, certo?
Mas eu sabia que isso era apenas um desejo tolo, pois nossos voos de volta já estavam reservados. No máximo, me permitiriam ficar isolado no quarto do hotel pelo resto da viagem — o que ainda era melhor do que ser um estorvo. Tudo o que eu estava fazendo agora era atrapalhar meu grupo e tornar mais difícil para eles relaxarem e curtirem a excursão. Nesse caso, talvez eu devesse inventar alguma doença convincente e dar o fora daqui de uma vez—
…Ugh. Lá vou eu de novo, tentando bolar meu próximo plano de fuga.
Eu sabia que essas táticas de evitar problemas não me ajudariam a longo prazo. Era exatamente como meu professor dissera — eu não poderia fugir para sempre. Não era esse o motivo pelo qual eu me forcei a vir nessa viagem em primeiro lugar? Sacudi a cabeça para espantar esses pensamentos e voltei a olhar para a estrada à frente.
Eu precisava parar de pensar tanto e apenas seguir o fluxo — manter minhas emoções sob controle, fazer o possível para passar despercebido e tentar aguentar firme. Afinal, essa era apenas a primeira parada do nosso tour.
Não dava para desistir tão cedo. De agora em diante, iríamos para o norte, passando por Noboribetsu, depois Sapporo e, por fim, Otaru. Se eu quisesse sobreviver a essa viagem, teria que aprender a engolir tudo e seguir em frente.
E foi isso. Minha decisão estava tomada e minha determinação, firme. Mas, de repente, e sem aviso… Um silêncio ensurdecedor preencheu o ar. Imediatamente, parei no meio do caminho.
— Hã? — murmurei, dando um passo para trás assustado.
O som da minha própria voz me pegou de surpresa. Por que eu estava falando tão alto de repente? Mas não — não era minha voz que estava alta. Era todo o resto que estava quieto demais. Olhei ao meu redor. E, sem dúvida: O mundo inteiro parecia congelado no tempo. Todo o mundo, exceto eu.
Meus colegas de grupo, os outros pedestres e até os carros na rua haviam ficado completamente imóveis, como se o próprio tempo tivesse parado. E, além disso, o silêncio era absoluto. Todo o burburinho da cidade, que enchia o ar com sons até um instante atrás, havia sumido em um piscar de olhos.
— Espera, o quê…? O quê?
O silêncio era tão assustador que até meus sussurros confusos ecoavam alto e claro pela rua. E não era só minha voz. Cada respiração que eu tomava, o menor ruído das minhas roupas se movendo, o som dos meus tênis raspando contra o asfalto — todos esses sons, que normalmente seriam imperceptíveis, agora eram nítidos e estranhamente vívidos.
Mas que diabos era aquilo? O que estava acontecendo? Era uma pegadinha? Um daqueles eventos de flash mob, ou algo assim? De alguma forma, eu tinha me envolvido em uma surpresa coletiva sem perceber? Não, aquilo parecia elaborado e abrangente demais para ser apenas isso… Havia um limite para o que mãos humanas podiam fazer sozinhas, e aquilo claramente ia além.
— Uhm… O-Oi?
Engolindo minhas inibições, chamei em voz alta para ver se conseguia chamar a atenção de Nagai — dessa vez alto o suficiente para que ele me ouvisse com certeza.
Mas Nagai não respondeu. Nenhum dos outros membros do meu grupo respondeu. Dei a volta para olhar diretamente para ele. Era como encarar uma escultura de cera incrivelmente realista. O rosto de Nagai estava congelado no meio de uma risada — mas, ao olhar mais de perto, percebi um leve traço de decepção oculto sob seu sorriso imutável.
Senti uma pontada de culpa ao pensar que eu era o responsável por aquela sombra em sua expressão. Hesitante, estendi a mão e acenei na frente de seu rosto, mas foi inútil. Seus olhos permaneceram imóveis; ele não piscou nem uma única vez. Meu olhar se prendeu ao relógio de pulso que Nagai usava no braço direito.
Ao observá-lo mais de perto, notei que até mesmo o ponteiro dos segundos havia parado completamente, deixando o relógio congelado exatamente às 11:14:36 da manhã.
Isso não era mais uma metáfora — o tempo literalmente havia congelado. Olhei ao redor em busca de qualquer sinal de movimento, mas parecia que tudo, exceto eu, realmente tinha sido paralisado. O bonde no meio da rua, os painéis eletrônicos das lojas próximas, até mesmo as nuvens no céu—
— Oh, uau
Foi então que percebi um corvo pairando diretamente acima de mim — congelado no ar, suas asas estendidas contra o céu. E, mais acima, o avião que eu tinha visto cortando os céus com confiança minutos antes estava igualmente suspenso no meio do voo.
Fiquei ali parado por um momento, boquiaberto, enquanto minha mente tentava decidir se aquilo era uma ilusão de ótica ou uma violação genuína de todas as leis da física.
…Ou será que era um sonho? Era possível que eu nem estivesse acordado?
Tentei me beliscar para ter certeza.
Nunca imaginei que acabaria imitando um dos clichês mais batidos da ficção, mas, assim como em todas as histórias que eu já tinha lido, foi um esforço inútil.
— Espera! Já sei!
Enfiei a mão no bolso direito do meu casaco e puxei meu celular. Pressionei o botão de início e a tela se acendeu.
Soltei um suspiro de alívio, ligeiramente reconfortado ao perceber que ainda havia algumas coisas capazes de se mover neste mundo além de mim… Ou pelo menos responder ao meu toque.
No entanto, estranhamente, eu estava sem sinal, apesar de estar bem no meio de uma grande cidade — e sem internet, meu celular não poderia me ajudar muito agora. Tentando de tudo, mexi nele um pouco mais e até andei um pouco para ver se encontrava algum ponto de sinal, mas nem um único traço apareceu.
Desisti e guardei o celular de volta no bolso do casaco. Eventualmente, notei um leve zumbido nos meus ouvidos que não conseguia ignorar. O silêncio era tão absoluto que poderia enlouquecer qualquer um.
Era fácil esquecer o quanto estávamos acostumados a um fluxo constante de sons em nosso dia a dia — desde o barulho do trânsito na hora do rush até o leve farfalhar das folhas lá fora à noite — e, quando todo o ruído sumia, era quase sufocante.
Havia algo estranhamente ensurdecedor no verdadeiro e puro silêncio.
Talvez fosse como aquela sensação depois de um passeio de barco, quando ainda parece que o mundo inteiro está balançando sob seus pés, mesmo quando você já está em terra firme. Mesmo para alguém como eu, que adorava paz e tranquilidade, aquele silêncio era inquietante demais para suportar. E o fato de eu não fazer a menor ideia do que estava acontecendo só tornava tudo ainda pior.
Mas que explicação poderia haver?
Fiquei ali parado, perplexo, por um bom tempo, tentando organizar meus pensamentos — quando, de repente, ouvi um som vindo de algum lugar distante. Imediatamente, meus ouvidos se aguçaram.
— Tem alguém aí.
Era uma voz — a voz de uma garota.
— Ei... Ei, por aqui! — gritei de volta o mais alto que pude e saí correndo em direção à voz. Parecia vir da estação. Corri pela calçada o mais rápido que consegui, desviando dos pedestres imóveis pelo caminho, com o ritmo dos meus passos ecoando pelas ruas silenciosas.
Em certo momento, cheguei a um semáforo vermelho e, por reflexo, parei para esperar o sinal abrir — então percebi que ele provavelmente não mudaria tão cedo. Balançando a cabeça diante da minha própria tolice, recomecei a correr. Havia um carro parado no meio da faixa de pedestres, congelado no instante de uma curva. Por precaução, corri por trás dele, caso o tempo voltasse a fluir de repente.
Finalmente, a Estação Hakodate apareceu diante de mim. O enorme relógio embutido na parede do prédio marcava exatamente o mesmo horário do relógio de Nagai: 11h14. Meus olhos varreram a praça diante da estação, repleta de figuras congeladas no tempo, em busca de qualquer outro ser em movimento. E então, eu a vi: uma garota no meio da multidão, olhando ao redor com inquietação.
Sim! Outra pessoa!, gritei internamente. Então eu não era o único preso nesse mundo fora do tempo. Aliviado, reduzi a corrida para um passo apressado. Ela ouviu meus passos se aproximando e se virou rapidamente. As pregas de sua saia curta esvoaçaram no movimento.
A garota parecia ter a minha idade. Usava uma jaqueta de beisebol com capuz, e seus cabelos tingidos de dourado revelavam raízes escuras bem crescidas, formando um contraste nítido contra o tom artificial. Isso lhe dava uma aparência rebelde, quase punk — algo que jamais se veria em uma escola como a minha.
No instante em que me notou, seu corpo enrijeceu e ela se colocou em posição defensiva, abaixando levemente a postura e levantando os braços, como se estivesse se preparando para algo. Sua linguagem corporal deixava claro que não queria que eu chegasse mais perto, então parei a uns três ou quatro metros de distância.
— E quem diabos é você, moleque? — ela perguntou em um tom hostil.
Espere... Ela acabou de me chamar de moleque?! Sua grosseria me fez recuar um pouco.
— Ah, uh... Desculpa, não quis te assustar. Meu nome é Kayato. Kayato Mugino.
Ela me avaliou de cima a baixo com desconfiança. Havia algo de feroz no olhar dela — olhos arregalados e ligeiramente trêmulos, como alguém que não dormia há dias.
— Você é daqui? — ela perguntou.
— Não, sou de Tóquio... Estou aqui em uma excursão escolar.
— Ah, é? — Ela manteve a cautela, mas desviou o olhar por um momento, voltando a escanear o entorno. — Então o que é isso, afinal?
— O que você quer dizer?
— Por que tudo parou?
— Não faço ideia... Estou tão perdido quanto você.
Tch. Ela estalou a língua, como se minha resposta tivesse sido uma grande decepção. Instintivamente, encolhi os ombros. Eu entendia o sentimento, dadas as circunstâncias, mas ainda assim, sua atitude me incomodou um pouco. Sem saber o que dizer, apenas fiquei ali, sem jeito, enquanto ela olhava inquieta para a praça.
Ao observar mais de perto, percebi que ela usava um uniforme escolar sob a jaqueta — provavelmente de uma escola local. Era um modelo simples, com botões, mas sem gravata ou laço. Quando virou o rosto, notei múltiplos piercings ao longo da curva da orelha.
E, naquele instante, senti um alerta instintivo.
Eu sabia muito bem que caras como eu não deveriam se envolver com garotas chamativas e irreverentes como ela — especialmente se também fosse uma delinquente mal-educada da cidade. Algo me dizia que ela sentia a mesma aversão por nerds desajeitados como eu. Se não estivéssemos presos juntos nesse estranho estado de suspensão temporal, provavelmente nunca teríamos trocado uma única palavra.
Mas isso levantava uma questão.
Por que só nós dois continuamos nos movendo? Ou será que havia mais pessoas por aí, só que em outro lugar?
— Uh... Tem algum problema? — a garota perguntou, me lançando um olhar irritado.
Ops. Aparentemente, ela percebeu que eu estava encarando; pedi desculpas, completamente atrapalhado, e rapidamente desviei o olhar. Mas parece que minha reação foi peculiar o suficiente para despertar um pouco de curiosidade nela, pois, desta vez, ela se aproximou para me analisar melhor.
— Ei, moleque — ela disse. — Quantos anos você tem?
— D-Dezessete — respondi.
— Caramba, mesma idade que eu? Sem chance… Você parece que ainda tá no ensino fundamental.
— Eu… Hã?
Isso foi tão desdenhoso quanto o clique da língua dela momentos atrás.
Ela achava que eu tinha cara de criança ou simplesmente percebeu que eu tinha a espinha dorsal de um papel molhado? Talvez fosse hora de parar de ser tão excessivamente educado com ela, agora que sabia que tínhamos a mesma idade. Não que isso fizesse com que eu me sentisse menos intimidado, mas havia algumas perguntas para as quais eu queria respostas.
— E-Então, escuta, eu…
— Fale logo, droga — ela interrompeu, sem esconder a impaciência.
É… Não consigo lidar com gente assim.
— Bom, eu só queria saber se podia me dizer seu nome também…? — Perguntei, perdendo completamente a coragem e ficando submisso de novo. A garota hesitou por um instante antes de responder.
— É Akira — disse de forma brusca. — Akira Iguma.
— Certo, ótimo. Então me diz, hm… Iguma-san, você é de Hakodate?
— Sim, e daí?
— Bem, eu só queria saber se esse tipo de coisa acontece muito por aqui ou…
— Que tipo de coisa?
— Você sabe… Tipo, o tempo parando e tudo mais.
As sobrancelhas de Akira se ergueram em descrença e, em seguida, baixaram em irritação.
— Você é burro ou o quê? Não estamos falando de um atraso de cinco minutos no trem. Você realmente acha que as pessoas simplesmente lidariam com essa merda como se fosse normal?
— C-Certo, faz sentido. Pergunta idiota. Foi mal…
— Não brinca comigo, moleque. Eu acabo com você.
Abaixei a cabeça e pedi desculpas várias vezes. Cara, essa garota é assustadora.
Eu realmente não entendia por que ela precisava ser tão agressiva com tudo — mas, com certeza, não ia dizer isso na cara dela. Enquanto isso, Akira soltou um suspiro pesado e jogou a franja para trás com os dedos.
— Urgh… Esse silêncio tá me dando dor de cabeça… Então, você tá me dizendo que realmente não tem ideia do que tá acontecendo aqui?
— Infelizmente, não… Eu só estava andando na rua, e, de repente, tudo congelou no lugar… E v-você? Alguma ideia do que pode ter causado isso?
— Como eu saberia?
Apesar do jeito rude e hostil com que falava até agora, essa última frase soou quase como um pedido de ajuda.
Não pude deixar de pensar se essa postura agressiva dela não era apenas uma fachada — um mecanismo de defesa grosseiro para esconder o quanto ela estava apavorada por dentro.
— Espera um pouco — falei quando uma realização me atingiu. — Iguma-san, você mora aqui em Hakodate, certo?
— Ahm, sim? Não acabei de dizer isso?
— Sim, mas… Hoje é um dia de semana, não é? O que você tá fazendo andando por aqui no meio do centro da cidade?
Era uma manhã de terça-feira — o que não importava para mim, já que eu estava em uma viagem escolar, mas ela, presumivelmente, deveria estar na escola agora. E ela provavelmente não estaria de uniforme se fosse um dia de folga, nem estaria simplesmente indo para casa a essa hora, a menos que houvesse alguma circunstância muito incomum. Ou seja, a explicação mais provável era que ela estava matando aula.
— Não é da sua conta, moleque — respondeu secamente.
De alguma forma, tive a sensação de que não conquistei nem um pouco a simpatia dessa garota no curto tempo em que a conheci. Queria acreditar que isso não tinha nada a ver com algo que eu tenha dito ou feito e era apenas uma prova de nossa total incompatibilidade como indivíduos, mas era difícil ter certeza.
— Então, o que você vai fazer agora, hm? — ela perguntou.
— Bem… — Pensei por um momento. — Acho que nossa única opção real é tentar descobrir o que causou isso.
— É mesmo? E como pretende fazer isso?
— Eu… ainda não descobri essa parte, desculpa.
— Ótimo, super útil…
Ai, de novo com essas ofensas desnecessárias. Sem dizer mais nada, Akira se virou e começou a se afastar.
— Ei! — Chamei por ela. — Onde você vai?
— Vou ver se encontro mais alguém. Eu faço o meu, você faz o seu.
— Hã? Mas…
O bom senso dizia que era uma péssima ideia se separar em situações de emergência como aquela — especialmente quando parecia haver algum tipo de elemento sobrenatural em jogo, e não se podia prever o que poderia acontecer a seguir. Além disso, eu sentia que provavelmente ainda havia mais informações que poderíamos compartilhar um com o outro.
Mas não havia nada que eu pudesse fazer para impedir que ela fosse embora. Obviamente, ela deve ter me ouvido gaguejando em protesto por sua partida repentina — mas ainda assim, me ignorou e saiu andando pela cidade. Perdi ela de vista quase que imediatamente, e logo os seus passos também sumiram — me deixando ali, em frente à Estação de Hakodate, sozinho novamente naquele silêncio estranho e sobrenatural.
Na verdade, eu provavelmente poderia ter corrido atrás dela e forçado a situação se quisesse muito. A única razão pela qual não fiz isso foi porque sabia que ela e eu provavelmente nunca iríamos nos dar bem, não importava o quanto eu tentasse. Nossas diferenças eram simplesmente grandes demais para serem conciliadas, então não tive outra escolha a não ser seguir esse caminho sozinho. Nunca fui de contar com os outros, então, no fim das contas, isso não me incomodava.
— Por onde começo, então…?
Eu havia dito que precisávamos descobrir o que causou isso — mas a verdadeira questão era como. Eu não fazia ideia de onde começar a procurar respostas. Afinal, esse estranho fenômeno de parar o tempo — ou o "congelamento do tempo", como eu poderia chamar — surgiu de forma tão repentina e sem aviso que eu mal conseguia entender o que poderia tê-lo causado. Era como se alguma entidade invisível tivesse apertado o botão de pausa na realidade, ou se eu tivesse caído em uma dimensão alternada contendo uma réplica perfeitamente preservada do mundo, exatamente como ele estava naquele momento. Era como ficar preso em um grande diorama, quase.
Foi então que finalmente encontrei palavras para descrever uma sensação estranha que eu vinha sentindo na pele há algum tempo — ou, na verdade, uma sensação que percebi que não estava sentindo. Não havia vento agora. Nem mesmo a menor brisa. Será que o clima estava excepcionalmente calmo? Certamente não. Mesmo em dias sem vento, ainda se podia sentir o ar se movendo levemente ao redor de você. E eu tinha a sensação de que essa falta de movimento do ar tinha muito a ver com o motivo de eu me sentir preso — ou até sufocado, quase — nesse estranho mundo fora do tempo, apesar de aparentemente estar ao ar livre. Definitivamente havia algo extremamente incomum acontecendo aqui, algo que desafiava qualquer explicação racional ou científica. Isso levantava a questão: Será que isso tudo estava realmente acontecendo ou era tudo coisa da minha cabeça?
E se minhas tendências escapistas tivessem se agarrado ao meu desejo de escapar da excursão escolar, me fazendo entrar em um estado dissociativo onde eu estava vendo alucinações vívidas? Era um pensamento perturbador, mas não mais ridículo do que atribuir esse fenômeno a algo sobrenatural. Lembrei-me de uma vez ter lido sobre um distúrbio neurológico chamado síndrome de Alice no País das Maravilhas, que aparentemente pode causar mudanças drásticas na percepção de tamanho, do corpo ou do ambiente de uma pessoa — ou até distúrbios no sentido do tempo. Claro, eu tinha quase certeza de que “a percepção do tempo ter parado completamente” não estava entre os sintomas que eu vi listados, mas a ideia geral da condição parecia estar mais ou menos no campo do que eu estava vivendo agora. Embora, se isso tudo fosse realmente apenas uma alucinação, isso ainda não explicaria como minha mente teria conjurado aquela garota delinquente local que encontrei na frente da estação.
— Hrmmm…
Não adiantava. Eu não estava chegando a lugar algum só de ficar pensando nisso. E enquanto ficava ali, sem saber o que fazer a seguir, meu estômago roncou — o que me lembrou que ainda não havia almoçado.
— Talvez eu devesse pegar algo para comer primeiro…
Algo me dizia que eu não teria nenhuma epifania com o estômago vazio, pelo menos. Então comecei a seguir pela rua principal, passando por alguns estabelecimentos de comida que pareciam bem aconchegantes e convidativos. Já estava quase na hora do almoço, então a maioria dos restaurantes já estava aberta para o dia — mas, a menos que eu encontrasse um onde tanto a cozinha quanto a equipe de garçons não tivessem sido congeladas, eu nem poderia fazer um pedido. Mas onde eu poderia arranjar comida, então?
— Uau!
Eu parei bruscamente, quase chutando uma pomba da calçada. Caramba, foi por pouco. Ainda bem que a vi a tempo. O pássaro estava parado, rígido, no chão, como um troféu recém-taxidermizado. Como morador de Tóquio, já tinha encontrado muitas pombas na minha vida, mas essa foi a primeira vez que quase chutei uma; normalmente, elas sabiam se afastar assim que um humano passava. Mas enquanto o mundo permanecesse preso na estase, eu teria que me lembrar de não pisar nelas — o que era meio novidade de uma maneira peculiar, eu supunho. Fiz uma anotação mental para prestar mais atenção por onde andava.
Parei por um momento, pensando, então me agachei na frente da pomba para olhar mais de perto. Notei que ela parecia bem mais baixa e robusta do que as que temos em Tóquio, talvez por causa da plumagem extra que ela precisaria para se manter aquecida aqui em Hakodate. Sem pensar muito, passei o dedo indicador pela plumagem do pescoço dela. A ave estava macia ao toque — e, embora não se mexesse nem um milímetro, eu podia sentir a leveza do seu frágil calor emanando de dentro do seu pequeno corpo.
Pelo menos não tenho problemas em te tocar, pequeno. Levantei de novo, limpei o dedo nas minhas calças e continuei andando pela calçada.
Depois de andar mais um pouco, encontrei uma loja de conveniência com uma área para refeições. Empurrei a porta de entrada manual e me deixei entrar no interior fresco e com ar-condicionado. Aparentemente, ainda havia variações de temperatura, apesar do tempo ter parado. Peguei uma garrafa de chá na seção de bebidas e um cup ramen em um dos corredores, então fui para o caixa. Coloquei o valor exato para os alimentos que peguei diante do funcionário (que estava congelado no meio de um bocejo), peguei um par de hashis de madeira e segui em direção à área de refeições.
Passei muitas horas em mini-mercados como aquele nos dias em que fugia da escola. Eram o lugar perfeito para alunos como eu, pois os funcionários de lojas de conveniência pareciam quase contratualmente obrigados a não se importar com quem eram seus clientes ou com suas circunstâncias. Houve uma época em que eu costumava me esconder na biblioteca pública local também, mas assim que a bibliotecária começou a tentar conversar comigo como se eu fosse um frequentador regular, nunca mais pisei lá. Eu não queria nenhum tipo de interação humana.
Retirei a tampa do meu cup ramen e coloquei-o em frente ao dispensador de água quente, diretamente sob o bico. Então apertei o botão de "Dispensar" e esperei.
— Hm?
A água não saiu, embora eu pudesse ver pela linha de preenchimento que o reservatório interno estava cheio. Apertei o botão várias vezes, incrédulo, mas sem sucesso. Mudando de tática, tentei abrir a parte de cima do dispensador diretamente — e uma nuvem de vapor imediatamente saiu, congelando no ar logo acima da máquina. Bem, isso é novidade.
Claramente, ainda tinha muito a aprender sobre as regras desse fenômeno. Senti uma estranha necessidade de esticar o dedo e tentar tocar a nuvem minúscula de condensação estática, mas no momento em que o fiz...
— Ai, isso está quente!
Recuei a mão o mais rápido que pude. Um segundo a mais, e eu poderia ter me queimado — mas pelo menos agora eu sabia que havia água quente ali. Levantei o dispensador de água quente com um pouco de dificuldade e derramei um pouco diretamente no meu cup ramen. Acabei derramando um pouco, mas fiquei aliviado por ter conseguido fazer as leis da física funcionarem brevemente para o meu almoço. Fechei a tampa do ramen e do dispensador, então me sentei. Nunca na minha vida tive tanta dificuldade para despejar um pouco de água quente para um almoço rápido e fácil.
Peguei meu celular e olhei a hora. O display mostrava 12:25, o que eu supus ser uma representação precisa de quanto tempo realmente havia se passado desde que o "congelamento do tempo" começou. O relógio na parede da loja de conveniência, por outro lado, ainda mostrava 11:14. Ainda não tinha ideia de por que um estava funcionando e o outro não — mas parecia uma boa ideia entender as leis desse mundo de forma mais concreta. Assim que eu terminasse de comer, era isso que eu tentaria fazer.
Brinquei um pouco com o celular enquanto esperava os três minutos para o meu ramen cozinhar. Mas como eu não tinha acesso à internet, isso se resumiu a abrir e fechar vários aplicativos aleatórios — até que, eventualmente, abri o app de chamadas e meu dedo parou quando vi o nome “Tio Kurehiko” na minha lista de chamadas recentes.
A chamada era de duas semanas atrás, apenas três dias antes de meu tio morrer de insuficiência cardíaca aguda, aos 39 anos. Apesar da natureza súbita e trágica de sua morte, não foram muitas as pessoas que lamentaram sua partida. Sua personalidade excêntrica e natureza reclusa o deixaram com poucos amigos e o tornaram um pária no restante da nossa família.
— Você pode até ter sido a última pessoa com quem ele conversou, Kayato — lembrei-me de minha mãe dizendo no funeral. Mas o que será que havíamos conversado naquela última conversa? Fechei os olhos e tentei rememorar da melhor forma possível.
— São um bando de idiotas, eu te digo.
Tio Kurehiko estava sempre bravo com alguma coisa ou outra — e a conversa que tivemos duas semanas atrás não foi diferente. Ele me ligou por volta da uma da manhã e logo começou um discurso bêbado (isso acontecia com bastante frequência) sobre um encontro que ele havia participado mais cedo naquela noite de um coletivo de pintores do qual ele fazia parte. Mas ele parecia ainda mais fora de controle naquela noite do que de costume.
— Nada além de inúteis, cada um deles. As únicas pessoas mais idiotas que eles são os filisteus incultos que realmente gastam dinheiro com essa porcaria que eles produzem. E eles provavelmente nunca vão perceber que qualquer um com um gosto realmente refinado olha para o trabalho deles com desprezo, até o dia que morrerem, esses pobres coitados.
— Uh-huh… — eu murmurei.
— E para um grupo de completos amadores que se acham introspectivos e vanguardistas, eles realmente deixam muito a desejar em termos de decência humana básica. Você devia ver como os olhos deles brilham ao pegar o menor vestígio de um boato suculento sobre algum dos seus contemporâneos. São todos parasitas que adoram devorar os cadáveres apodrecidos dos seus camaradas caídos — uma espécie invasora de parasitas do mundo da arte que precisa ser exterminada antes que infecte todo e qualquer círculo de pintura com um mínimo de criatividade.
— Entendi...
Não havia nenhum assunto sobre o qual Tio Kurehiko não tivesse algo negativo a dizer. Seja política, filmes recentes, arte, clima, celebridades estrangeiras ou seus vizinhos, qualquer coisa e qualquer um era alvo de seu desprezo indiscriminado. Na maior parte do tempo, nem havia substância real nas críticas — ele apenas parecia guardar rancor de quase tudo na vida, embora eu soubesse que ele jamais machucaria uma mosca.
E, no entanto...
— O que há com você, garoto? Não consegue fazer mais do que uma resposta sem entusiasmo com uma palavra só? Pelo menos aprenda a fingir que está interessado no que os outros estão dizendo. Você nunca vai se dar bem no mundo real se não conseguir nem fazer isso.
— Olha, estou cansado, tá…? Preciso ir dormir. Tenho escola amanhã...
— Humph. Você não precisa fazer nada. A educação no ensino médio não é obrigatória, sabia? Você estaria muito melhor aproveitando seu tempo sentado em casa assistindo aos filmes dos maiores diretores da história. Se familiarize com os clássicos, pelo amor de Deus. Veja, isso é o que eu digo quando falo que vocês, jovens, não têm…
Por algum motivo, Tio Kurehiko parecia ter simpatia por mim — e havia algo estranhamente reconfortante em ser aceito por alguém que, de outra forma, parecia tão imparcial em seu ódio. Outra coisa que eu achava reconfortante sobre meu tio era que, apesar de ser um artista relativamente respeitado, ele ainda era um pária social e um fracasso aos olhos da sociedade — assim como eu. E, embora eu soubesse que isso era uma coisa meio condescendente de se dizer, o pensamento de que pessoas como ele podiam encontrar seu espaço e sobreviver no mundo de alguma forma me dava um pouco de esperança para o meu próprio futuro também.
Mesmo que ele tenha morrido jovem e sozinho no final.
— Além disso, você realmente quer ir para a escola?
— Hã?
— Preste atenção, garoto. Perguntei se você realmente quer ir para a escola ou não.
Através do pequeno alto-falante, consegui ouvir o som de meu tio bebendo alguma bebida. Alcoólica, presumivelmente. Isso era uma ocorrência regular.
— Bem... não é como se eu tivesse realmente uma escolha. Especialmente porque meus pais é que pagam minha matrícula. Além disso, só se tem uma chance de ir para o ensino médio, e é uma boa experiência de vida, então...
— Mas é isso que você quer para si mesmo?
— Eu… não sei… — murmurei, sem saber o que responder.
— Humph. Você realmente precisa arranjar coragem, garoto. Aprenda a expressar o que pensa. Ser um homem de poucas palavras só vai fazer com que todos ao seu redor se aproveitem de você. Acredite em mim: Nos dias de hoje, todos os nossos sistemas políticos e sociais foram explicitamente projetados para formar um enorme monstro burocrático que vai engolir quem não conseguir correr rápido o suficiente. E se ele algum dia te alcançar, tudo o que você poderá contar são suas próprias palavras e ações para enfrentá-lo.
— Posso ir para a cama agora?
— Não. Ainda não.
— Tio, já são uma da manhã.
— Ah, que palhaçada. Não se deixe ser escravo das mãos do tempo. Isso é só uma ilusão, sabia? Passado, presente e futuro — nada mais do que quadros congelados no momento da imagem em constante mudança que chamamos de destino: uma obra de arte em várias camadas e dimensões que só conseguimos ver de um único ângulo a qualquer momento.
Eu sabia que meu tio estava completamente bêbado naquele ponto, mas ainda fiquei acordado mais um pouco ouvindo seus devaneios sem sentido. Quando já passava das duas da manhã, desisti de tentar acordar no meu horário habitual no dia seguinte. Na verdade, essa era a única razão pela qual eu ainda não tinha desligado o telefone. Não foi por bondade, mas porque eu queria uma desculpa para dormir até mais tarde e ficar em casa. Embora não tivesse dito isso antes, eu definitivamente não queria ir para a escola.
Não me lembro muito da nossa conversa a partir desse ponto. Eu estava ficando bem cansado e seus divagares estavam ficando cada vez mais incoerentes, então a maior parte do que ele tentava me dizer passava por um ouvido e saía pelo outro.
Exceto pela última parte da ligação, claro.
— Eu chamo isso de O The World in Amber — disse meu tio. Não me lembro do contexto até aquele ponto, mas aquela única frase se destacou tanto para mim, tão vívida e distinta, que despertou minha curiosidade e trouxe minha mente de volta para a conversa.
— Amber?
— Isso mesmo. É uma resina de árvore fossilizada, na qual você frequentemente encontra pequenos organismos congelados no tempo, lindamente preservados por dezenas de milhares de anos. E eu te digo que vi o mundo inteiro preservado em Amber, como se tivesse sido arrancado do tempo.
— Isso é a sua visão para uma nova pintura ou algo assim?
— Pah. Então até você duvida de mim, é? Mas tudo bem, seja como for. Sei que é absurdo. Mas eu vi com meus próprios olhos. Sei o que eu experimentei, e não foi um produto falho de uma mente delirante e drogada. Havia... uma intensidade nisso. Um realismo inegável.
— Ao quê? Eu não faço ideia do que você está falando mais…
— Não vai demorar muito agora. Eu devo conseguir desvendar as leis que o regem em breve. Eu sinto isso. Na próxima vez, vou encontrar uma forma de deixar uma prova irrefutável. Aí todos não terão escolha a não ser acreditar em mim. Você também vai entender isso algum dia, Kayato — sei que vai. Certamente um garoto esperto e sem mácula como você seria capaz de compreender o quão magnífico, como... como…
Silêncio.
— Tio? — eu disse. — Você está aí?
A única resposta que recebi foi um ronco. Ele finalmente havia apagado. Eu desliguei o telefone e enterrei minha cabeça no travesseiro.
Três dias depois, o tio Kurehiko foi encontrado morto na frente de uma estação de trem perto de sua casa. Um transeunte aleatório ligou para a ambulância depois de encontrá-lo caído no chão, mas seu coração já havia parado até aquele ponto. Quando o vi no velório, seu rosto parecia bem mais velho e desgastado do que na última vez que o vi. As profundas rugas gravadas em sua testa franzida pareciam carregar uma indignação ainda maior com o mundo na morte do que nunca tinham feito quando ele estava vivo.
— Um mundo preservado em Amber, hm…? — sussurrei para mim mesmo.
Algo nessa frase conspícua — junto com as palavras “arrancado do tempo” — me fez sentir que tinha que ser algum tipo de pista. Poderia ser apenas uma coincidência, ou haveria alguma correlação entre os devaneios bêbados do meu tio e o fenômeno estranho que eu estava experimentando? Ele disse que estava perto de desvendar as leis que o regiam, mas o que ele queria dizer com isso? Se eu soubesse que algo assim ia acontecer, teria prestado mais atenção no que ele estava dizendo.
O tio Kurehiko morava em um prédio de apartamentos lá em Tóquio. Talvez, se eu fosse até lá e vasculhasse suas coisas, poderia encontrar algum tipo de pista sobre o significado dessas palavras misteriosas. Mas, considerando que os bondes locais pararam, eu suponho que todas as outras formas de transporte público também estariam fora de questão. Nesse caso, voltar para Tóquio seria uma tarefa e tanto — e não havia nenhuma garantia de que eu encontraria uma solução clara entre os pertences do meu tio, mesmo que eu conseguisse chegar lá.
— Hrmmm…
Então, o que eu faria?
Enquanto eu sentava ali, refletindo com os braços cruzados, de repente me lembrei do meu ramen esperando. Puxa — eu esqueci. As noodles provavelmente já estavam mais moles do que eu gostaria agora, mas tudo bem. Tirei a tampa adesiva e enfiei os hashis de madeira no recipiente.
...Espera, o quê?
As noodles ainda estavam duras. Mas já tinha se passado mais de três minutos, então por que não estavam cozidas? A água estava morna demais? Com certeza não, dado que quase me queimei só com o vapor. Peguei o recipiente com uma mão, e ele estava definitivamente quente ao toque. Então por que...?
Ah! Espera aí!
Será que as noodles estavam de alguma forma congeladas no tempo? E não importava quanto tempo eu esperasse, elas não iam absorver o líquido até que o relógio começasse a andar novamente? Agora isso era uma ideia aterrorizante: um mundo onde eu não conseguia nem mesmo cozinhar um simples ramen instantâneo. Não que eu fosse grande fã de noodles instantâneas ou algo assim — mas se eu nem mesmo conseguisse fazer coisas que só precisavam de água nesse mundo, isso significava que minhas opções alimentícias aqui seriam ainda mais limitadas do que eu já imaginava. As chances eram de que eu só conseguiria comer refeições que já estivessem totalmente preparadas ou alimentos crus como frutas e vegetais que fossem seguros para comer.
E algo me dizia que não seria só minha dieta que iria ter novas restrições agora que as leis usuais da física não se aplicavam. Eu sem dúvida encontraria muitas outras coisas que sempre tomei como garantidas e que não seriam mais possíveis aqui. Parecia uma boa ideia investigar um pouco, em primeiro lugar, para ver o que eu conseguia descobrir sobre as leis desse mundo. Eu ainda teria muito tempo depois para tentar descobrir o que causou essa paralisação do tempo — todo o tempo do mundo, até.
Minha próxima ação estava decidida.
Cinco horas depois de sair do mini-mercado, meu celular morreu.
Isso aconteceu enquanto eu estava vagando por uma pequena loja de souvenirs à beira-mar, e assim que aconteceu, parei o que estava fazendo e fui direto para o hotel onde tínhamos feito a reserva para passar a noite. Lembrei-me especificamente do chefe de equipe da viagem mencionando que toda a nossa bagagem já havia sido entregue no hotel, então sabia que era lá onde provavelmente encontraria minha mala e mochila com todas as minhas necessidades diárias — e meu carregador de celular, principalmente.
O céu de outubro acima de mim deveria, por direito, já ter se tingido de um escarlate profundo, mas ainda mantinha sua cor azul serena. Eu nem tinha mais como conferir as horas — meu mundo estava parado para sempre às 11:14. Era um pouco perturbador pensar que, não importa quanto tempo passasse, ainda seria dia lá fora. Eu precisava encontrar logo um relógio funcional, ou isso certamente bagunçaria meu ritmo circadiano.
Isso me lembrou de um filme que eu aluguei uma vez, ambientado em uma cidade rural ao norte, sob o sol da meia-noite. O protagonista, tendo se mudado para lá por causa do trabalho, logo desenvolveu uma forte insônia devido ao estresse do novo emprego e esse ambiente estranho, onde a noite nunca chegava, e sua vida só ia se desmoronando a partir daí. Eu definitivamente não queria que isso acontecesse comigo. Embora eu não soubesse quanto tempo o congelamento do tempo duraria, eu queria, pelo menos, manter meu ritmo circadiano normal, se fosse possível. E, para fazer isso, eu precisava carregar meu celular.
Cheguei no hotel e entrei no saguão. Se minha memória estivesse certa, nossa bagagem estava sendo guardada no balcão de roupas... que eu só poderia supor estar localizado em algum lugar atrás da recepção.
— Com licença… — disse educadamente para a recepcionista, sempre sorridente, enquanto me dirigia para trás do balcão e entrava na área dos funcionários. Depois de caminhar pelos corredores por um tempo, encontrei meu alvo: uma grande coleção de bagagens armazenadas em um único lugar. Não demorou muito para pegar minha mochila na pilha. Aliviado, saí novamente para o saguão e abri o bolso da frente para pegar meu cabo de carregador e o adaptador de tomada.
— Ok, agora só preciso encontrar uma tomada…
Olhei ao redor e vi o que parecia ser um espaço de trabalho rudimentar em um canto do saguão, destinado aos hóspedes que estavam no hotel a negócios. Quando olhei mais de perto, percebi que havia tomadas ali, então rapidamente conectei meu celular e torci para que ele voltasse a ligar... Mas, não importa o quanto eu esperasse, a tela permanecia apagada e preta. Eu sabia que era uma tentativa arriscada, mas foi um golpe de sorte, mesmo assim.
— Nada, né…? Faz sentido.
Depois de passar várias horas investigando as limitações desse mundo congelado, eu já havia entendido alguns princípios básicos. Por exemplo, praticamente todos os dispositivos eletrônicos ou mecânicos — ou pelo menos aqueles que faziam algo sem manipulação física direta — não podiam ser usados.
Portas automáticas de vidro precisavam ser forçadas para abrir, caixas eletrônicos não respondiam a nenhum toque, botões de chamada de elevador não faziam os elevadores descerem, e os sensores de torneiras nos banheiros não detectavam mãos necessitando de lavagem. Isso tudo era extremamente inconveniente, claro — embora talvez a pior parte fosse não poder usar o banheiro corretamente. Você poderia apertar a alavanca e ouvir o som promissor da válvula de descarga abrindo por um momento, mas praticamente não havia fluxo de água resultante, então, na prática, você só podia usar cada cabine uma vez. A menos que você fosse depravadamente desinteressado em não dar descarga várias vezes no mesmo vaso.
Mas, se meu smartphone estava se recusando a carregar, isso provavelmente significava que eu também não poderia usar nada que dependesse de energia elétrica da tomada. Embora meu celular tivesse funcionado enquanto ainda tinha carga interna, não parecia haver nenhuma energia chegando ao carregador a partir da tomada, o que parecia implicar que a corrente elétrica nos fios das paredes também estava congelada.
Coloquei meu celular e carregador no bolso do casaco e saí do prédio, deixando minha mochila no chão do saguão. Decidi que iria usar o hotel como uma base improvisada por enquanto — pelo menos até esgotar todas as pistas que pudesse encontrar ali em Hakodate. Enquanto caminhava pela calçada, fiz um rápido balanço mental de tudo o que eu havia conseguido descobrir até aquele momento.
Em geral, eu não poderia usar nada que funcionasse sem manipulação física direta. Mas também havia exceções. Coisas como smartphones, tablets ou até isqueiros baratos de 100 ienes — pequenos objetos manuais que funcionavam com baterias ou fontes próprias de combustível pareciam funcionar bem. Esse princípio de tamanho também parecia se aplicar aos organismos vivos; em um momento, eu havia pegado uma pequena aranha de um arbusto próximo e a coloquei na minha mão, apenas para jogá-la para longe em choque quando ela de repente começou a correr pela minha palma. Quando a encontrei onde ela tinha caído no chão, ela estava congelada novamente — e quando a peguei de volta, ela voltou à vida. Mas, assim como com dispositivos eletrônicos maiores, isso não funcionava com animais maiores, como, por exemplo, um pombo.
Algumas coisas podiam se mover ou ser movidas nesse mundo, enquanto outras não podiam. Eu sentia que já havia entendido a diferença entre os dois.
— Hm?
Foi então que notei uma lata vazia no chão, a apenas alguns metros de uma lixeira próxima. Rolei os olhos para a preguiça de quem havia deixado aquilo ali, mas como era uma oportunidade perfeita para fazer mais um teste de um experimento que eu estava conduzindo durante o dia, me agachei e peguei a lata como um bom e respeitável cidadão.
Então dei alguns passos, parei, e joguei a lata vazia para o alto, mirando na lixeira. Assim que a deixei escapar dos meus dedos, ela começou a fazer uma parábola perfeita pelo ar, e eu soube imediatamente que a jogada acertaria em cheio — isso, se a lata não congela-se no meio de seu arco, apenas uma fração de segundo depois.
— Bem, talvez na próxima.
Peguei a lata do ponto onde ela estava suspensa no ar, então caminhei até a lixeira e a coloquei diretamente lá.
A melhor forma que consigo pensar para descrever isso é que parece que eu tenho uma espécie de "aura interativa" ao redor do meu corpo, que permite que as coisas se movam e funcionem normalmente, desde que estejam dentro de um certo raio de mim. Claro, isso é apenas uma hipótese vaga, uma sensação intuitiva que eu mesmo criei. Mas, fosse um campo invisível e intangível ou não, já provei que as coisas se tornam manipuláveis quando as trago para mais perto e voltam a ficar estáticas quando se afastam. Eu consegui usar dispositivos complexos como telefones e tablets normalmente, enquanto estavam na palma da minha mão, mas no momento em que os soltei, até objetos simples — como a lata de alumínio — ficaram congelados no ar. Também consegui fazer funcionar ferramentas e equipamentos maiores, desde que fossem mais ou menos usáveis no meu corpo.
Ainda havia muitas coisas que eu não entendia. Mas, com tempo e esforço, tenho certeza de que posso descobrir mais. Por enquanto, eu só precisava continuar investigando da forma como vinha fazendo — e já tinha vários outros experimentos em mente. Mas antes de fazer mais alguma coisa, eu precisava encontrar um relógio funcional, ou pelo menos—
Scrrritch.
Eu me virei rapidamente. O que foi esse barulho agora? Soou como o arranhar de um sapato contra o pavimento. Parei imediatamente e olhei ao redor. Havia várias outras pessoas na calçada comigo, mas nenhuma delas estava se movendo.
— Tem alguém aí? — perguntei, mas não houve resposta.
Eu estava bastante certo de que não estava apenas ouvindo coisas. Em um mundo onde até o vento havia parado de soprar, o som de qualquer coisa se movendo, além de mim, se destacava como uma nota dissonante em uma sinfonia. Seria aquela garota, a Akira, que encontrei na frente da estação? Pensei que talvez ela estivesse por ali, explorando também, então tentei chamar: “Iguma-san?” dessa vez, mas ainda assim não obtive resposta. Minha voz se dissipou no vazio.
De repente, um arrepio percorreu minha espinha. Neste mundo frio e insensível, onde tudo e todos haviam parado, senti um calafrio. Não de frio, mas de algo mais parecido com medo. Nem é preciso dizer que as circunstâncias eram altamente incomuns. Se o próprio universo podia parar de repente, então nada estava além do possível. Não se sabia o que poderia acontecer a seguir. Pelo que eu sabia, eu poderia acabar sendo perseguido pelas ruas desta cidade por alguma criatura sem rosto, vinda de um jogo de terror. E, mesmo que fosse apenas outra pessoa e não um ser misterioso, não era como se eu tivesse algum meio real de me defender. Não havia ninguém a quem eu pudesse recorrer por ajuda aqui, nem sequer poderia ligar para uma ambulância se me machucasse gravemente. Eu nem sabia quanto tempo o mundo poderia continuar assim — supondo que algum dia voltasse ao normal.
Uma onda de adrenalina percorreu meu corpo, enquanto o verdadeiro terror da minha situação finalmente se instalava. Eu não conseguia mais me manter calmo. Mas o que mais eu poderia fazer agora? Na tentativa de me distrair dessa ansiedade repentina, tentei caminhar um pouco. Achei que colocar uma distância entre mim e o local de onde tinha ouvido o som inexplicável ajudaria a acalmar meus nervos, para que eu pudesse pensar mais claramente sobre como sair dessa encrenca. Mas, enquanto seguia pela rua, encontrei um conjunto de silhuetas que reconheci.
— Oh, ei... Olha isso.
Havia quatro meninos em pé, ombro a ombro na calçada: Nagai e os outros colegas com quem eu estava. Meu curso errante pela cidade me levou de volta ao local onde eu estava quando o tempo parou pela primeira vez. Não fazia nem poucas horas desde então, mas algo sobre ver meus colegas de grupo novamente, depois de ter andado sozinho por essas ruas e circunstâncias desconhecidas, me fez sentir uma forte saudade daquela viagem de classe estúpida que eu tanto odiava. Eu dei uma volta na frente de Nagai para olhá-lo diretamente mais uma vez. Na verdade, ainda havia um teste que eu estava pensando em tentar, mas que havia adiado.
O que aconteceria se eu tocasse em alguém aqui, neste mundo congelado?
Engoli em seco. Tocar em outra pessoa... Só de pensar nisso já me fazia sentir como se fosse quebrar em urticária. Era algo que eu esperava não ter que fazer, a menos que fosse uma última opção. A única razão de estar considerando isso agora é que — depois de tudo que eu já aprendi sobre o que posso e não posso interagir, e supondo que outras pessoas também possam ter "auras" — parecia haver uma boa chance de que isso causasse algo significativo. Eu não tinha uma base substancial para pensar nisso, era apenas uma intuição.
Respirei fundo e fiz alguns alongamentos leves enquanto me preparava mentalmente.
— Certo. Vamos fazer isso.
Minha mente estava decidida. Lentamente, estendi a mão em direção a Nagai, e—
Espera. Onde exatamente eu deveria tocar? Tocar no ombro parecia uma opção segura, mas algo me dizia que seria melhor tocar sua pele de verdade, e não apenas suas roupas, para evitar dúvidas caso eu realmente quisesse testar isso. Obviamente, isso só tornava as coisas mais difíceis para mim, mas, como dizem, a boa medicina é a mais difícil de engolir. E, embora não houvesse garantia de que funcionaria de qualquer forma, eu queria ouvir o que meu instinto estava me dizendo naquele momento.
Então, estava decidido. Eu tocaria sua pele diretamente. O que eu estava extremamente relutante em fazer, mas sabia que, no final, me sentiria compelido a testar, caso tocar seu ombro não tivesse sido eficaz. Mas só havia dois lugares no corpo de Nagai onde ele estava com a pele exposta no momento: seu rosto e suas mãos. Eu não ia tocar no primeiro, então o segundo seria.
Abaixei-me no local e estendi os dedos. Meu coração martelava contra as paredes do meu peito. Tentei me convencer de que ficaria tudo bem — que isso não era nada comparado a uma consulta médica para um exame físico — mas podia sentir o suor nervoso escorrendo pelas minhas costelas.
— Oh, espera...
E se, no momento em que eu o tocasse, ele voltasse à vida? Ele estava congelado no meio de um passo, então se eu ficasse bem na frente dele assim, ele colidiria imediatamente comigo. Isso poderia ser ruim; ainda bem que percebi isso antes. Reposicionei-me atrás de Nagai e me agachei novamente.
— Certo... Terceira tentativa é a definitiva... Ngh!
Estendi a mão trêmula e toquei os dedos de Nagai. Instintivamente, me afastei, puxando minha mão para trás enquanto saltava para trás. Mas, mesmo depois de esperar alguns segundos, não houve nenhuma mudança em Nagai. Ele continuava rígido como uma tábua.
Soltei um suspiro enquanto uma onda repentina de exaustão tomava conta de mim, e me deixei cair de pernas cruzadas no local. Apertei os dedos que usei para tocar Nagai com a outra mão, apertando-os forte para apagar a sensação. Não adiantava nada tocar em outro ser humano, afinal. A única coisa que consegui foi desgastar ainda mais minha sanidade já debilitada. O que eu esperava que acontecesse? Que eu tivesse algum toque mágico capaz de quebrar esse fenômeno sobrenatural sem dificuldades? Não, isso era ridículo.
Pensando mais calmamente agora, estava quase certo do que eu realmente tentava testar com esse experimento. Era uma pequena, mais pessoal, esperança — uma que só aproveitava a pausa no tempo, mas que não tinha nada a ver com descobrir a origem disso tudo. Porque, naquele momento, Nagai estava congelado como tudo o mais — não morto, mas também não exatamente vivo no sentido tradicional. Ele não estava respirando, e seu coração não estava batendo. E provavelmente eu estava me perguntando se talvez, apenas talvez, eu conseguiria lidar ao tocar outro ser humano enquanto ele estivesse nesse estado, talvez até avançando um pouco na superação da minha condição enquanto estivesse aqui. Mas foi um esforço inútil, no final; no momento em que coloquei o dedo nele, foi como se todas as células do meu corpo gritassem em protesto.
Levantei-me, limpei a terra do fundo da calça e gentilmente virei meu rosto para o céu. Eu teria que viver com essa doença minha a vida inteira. Esse não era um pensamento que me enchia de grande medo ou tristeza nesse ponto — só uma ansiedade vaga e crescente sobre o resto da minha vida e os tipos de dificuldades que eu encontraria... Não que fosse adiantar de algo pensar sobre isso agora. Eu precisava colocar a cabeça no lugar e focar na situação atual.
— Ei — disse uma voz.
— Bwagh?!
Meu coração quase saltou pela garganta. Me virei rapidamente para ver uma garota de cabelos dourados em pé diretamente atrás de mim. Com ambas as mãos enfiadas nos bolsos de sua jaqueta de beisebol, ela me encarava com uma postura intimidadora e uma expressão indignada no rosto. Era Akira.
— Q-Que diabos, Iguma-san...? N-Não me assuste assim… — disse, sem fôlego. Quando foi que ela chegou aqui? Eu não tinha ouvido ela se aproximando nem um pouco.
— Ah é? E por que eu não deveria? — ela disse, cruzando os braços de forma mal-humorada enquanto caminhava mais perto de mim. — Desde que você não esteja aprontando alguma coisa, claro.
— É claro que não. Eu só não gosto de ser surpreendido, só isso... Enfim, o que você está fazendo aqui?
— Fiquei de olho em você.
Isso me fez dar um duplo salto. Ela não havia me dito que estava indo ver se encontrava outras pessoas descongeladas?
— Eu? — disse. — Por que?
— Pra garantir que você não faça nada suspeito, ora.
— Como o quê?
— Como... Como... Argh! N-Não me faça dizer isso em voz alta, idiota!
Eu não entendia por que estava sendo repreendido. Mas, julgando pela palavra "suspeito"... Será que ela estava preocupada que eu fosse sair correndo pela cidade em uma onda de crimes ou algo assim? Se for isso, talvez essa garota tivesse um código moral mais forte do que sua aparência de delinquente sugeria.
— Tch. Bom, tanto faz — disse Akira, virando-se de costas para mim. — Parece que não preciso me preocupar com você, garoto.
— Ah, é...? — disse.
As implicações de suas palavras estavam mudando tão rapidamente que eu não conseguia entender se tinha conquistado a confiança dela ou não. Quanto tempo ela tinha me monitorado, afinal? A gente pensaria que eu pelo menos teria ouvido seus passos, se ela estivesse me seguindo, mas... Ah, espera.
— Foi você quem fez aquele barulho então? — perguntei.
— Que barulho? — disse Akira.
— Quando eu chamei perguntando se tinha alguém aí...?
— Ah, sim. Fui eu — ela admitiu prontamente. Eu caí de ombros.
— Você podia pelo menos ter falado alguma coisa, sabe...
— Ah, não tava afim.
— Ah, poxa...
Qual era o problema dessa garota, afinal? Por que ela tinha que ser tão obstinada com as coisas mais estranhas? E além disso, já se passavam várias horas desde que nos conhecemos em frente à Estação Hakodate. Eu deveria acreditar que ela estava me seguindo o tempo todo? Talvez ela estivesse mais solitária do que eu imaginava. Ou então, apenas entediada. Ou ambas as coisas.
— Espera, isso me lembra — eu disse. — Você consegue ver a hora?
— Ah, sim, um segundo.
Ela puxou a manga para cima, revelando um relógio analógico em seu pulso esguio e pálido.
— Já passou das seis. Por quê?
— Droga, já…? — E eu achando que era mais perto das cinco. Isso não era um bom sinal; eu estava começando a perder a noção do tempo.
— Você é uma criança estranha, sabia? Quem se importa com que horas são quando o mundo inteiro parou?
— É, você tem um ponto... Acho que só fico ansioso quando perco a noção do tempo.
— Talvez você devesse tomar um calmante.
Urgh. Ela me pegou ali.
— Enfim — ela continuou — eu vi aqueles experimentos estranhos que você estava fazendo. Você realmente descobriu alguma coisa com isso ou não?
— Certo, sim. Acho que já... entendi como algumas coisas funcionam aqui agora... Ou pelo menos, eu espero.
— Uau, você soa tão confiante — disse ela sarcasticamente, então deu uma olhada de 360 graus ao redor do local antes de voltar para mim. — Enfim, já estou de saco cheio de ficar aqui falando sobre essas coisas. Vou procurar um lugar para sentar.
— Ah, tá... Ok.
Com isso, Akira se afastou, e por um momento eu pensei que significava que nós íamos seguir nossos caminhos de novo — mas então ela virou de repente e me olhou com uma expressão irritada no rosto.
— O que você está esperando? — ela perguntou. — Vamos logo.
— Ah! Desculpa!
Evidentemente, eu devia acompanhá-la dessa vez. Fiz o que me pediu e a segui em silêncio pelas ruas de Hakodate por um tempo. E eu, que estava totalmente convencido de que ela não queria nada comigo; eu me perguntei o que tinha causado essa mudança repentina de atitude. Talvez ela tivesse percebido a importância de compartilhar informações, já que éramos as únicas duas pessoas em movimento ali, e estava engolindo seu orgulho para formar uma aliança comigo.
Eventualmente, Akira entrou em um restaurante à beira da estrada. Eu quase a segui para dentro — mas parei na frente por um momento para admirar a fachada extravagante e amarela do lugar, com uma grande imagem de um palhaço de desenho animado. Era o Lucky Pierrot: um local de hambúrgueres e fast food que eu já tinha visto na TV. Se eu me lembrasse direito, era até maior que o McDonald's em Hakodate...
O interior era tão excêntrico quanto a fachada. O layout geral não era muito diferente do de uma lanchonete ou fast food comum, mas o restaurante inteiro estava coberto de pôsteres aleatórios e lembrancinhas kitsch. E o lugar estava lotado de gente.
Akira empurrou os clientes imóveis de lado, como se estivesse abrindo caminho por uma selva, enquanto ia em direção a uma mesa vazia no fundo da área de alimentação. Eu a segui, embora tivesse mais cuidado para não tocar em nenhum outro cliente. Eu me contorci de forma estranha para passar entre eles e me acomodar do outro lado do balcão, onde finalmente pude respirar aliviado. Navegar em restaurantes lotados tinha que ser um dos meus piores pesadelos, e não era muito mais fácil para mim, mesmo quando os outros clientes estavam todos parados.
— Espera, hm?
Percebi que havia uma caneca cheia de fritas cobertas com um molho espesso de queijo na mesa, junto com um copo grande de papel sem tampa, contendo o que parecia ser um milkshake. Isso me fez pensar se aquela mesa estava, na verdade, ocupada, mas quem estivesse lá tinha saído para pegar uns guardanapos ou algo assim. Vi Akira se agachar, pegar uma frita com queijo do recipiente e enfiá-la direto na boca. Depois de mastigar e engolir, ela então passou os lábios pelo canudo do milkshake e deu um grande gole. Depois de se servir, ela colocou o copo de volta e fez um sorriso satisfeito.
— Mmmmm... Bom demais — ela disse.
— De quem é essa comida? — eu perguntei.
— Não sei. Agora é minha.
— De onde você conseguiu?
— Daquela mulher ali.
Olhei na direção indicada por Akira com o queixo e vi uma funcionária de meia-idade do restaurante carregando uma bandeja com comida da cozinha, presumivelmente para uma das mesas. Mas a única coisa que restava na bandeja agora era um hambúrguer embrulhado.
Oh não, não me diga...
— Você... roubou a comida de alguém? — eu disse.
— Ei, ei, ei. Não fala assim — disse Akira. — Eu só peguei um pouquinho, só isso.
— Uh, acho que isso ainda é roubo…
Quando ela teve tempo de ir pegar essas guloseimas ilícitas?
Eu não a vi pegar nada enquanto a seguia até a mesa, mas talvez sua habilidade com as mãos fosse realmente tão boa assim. Eu estava começando a pensar que ela fosse secretamente uma pessoa honrada, mas parecia que minha avaliação dela precisava ser reavaliada.
— Eu quero dizer, o que você esperava que eu fizesse? — disse Akira, se apoiando no encosto da cadeira com uma postura auto suficiente. — Não é como se pudéssemos comprar nada agora, então não temos outra escolha a não ser pegar as coisas.
— Você ainda pode deixar dinheiro no caixa, pelo menos…
— É, e quando acabar a grana, gênio? O que vamos fazer então? Comer pombos crus na rua ou algo assim?
— Obviamente que não, mas ainda…
Para ser justo, a garota tinha um ponto. Supondo que a paralisação do tempo não fosse acabar tão cedo, nossas carteiras ficariam vazias rapidinho se continuássemos pagando o preço cheio por tudo — mas eu sentia que pelo menos deveríamos deixar pagamento pelo que pegamos enquanto ainda podíamos. Também, eu tinha a sensação de que o sistema legal teria algo a dizer sobre capturar e comer pombos da rua.
Enquanto eu estava ali pensando se realmente era minha função dar uma lição sobre a moralidade de roubar comida nessas circunstâncias, meu estômago roncou. Pensando bem, eu nem acabei comprando aqueles noodles de ramen para cozinhar no mini-mercado, o que significava que ainda não comi nada desde de manhã. Suspirei, e Akira me lançou um olhar irritado.
— O que é agora, hã? Tem algo que você quer dizer?
— Não, desculpa... Só senti meu estômago roncar, só isso…
— Espera. Você não comeu nada esse tempo todo?
— Nada ainda.
— Ah, é mesmo...?
Um brilho sádico apareceu nos olhos de Akira.
— Aqui, eu te ajudo — ela disse, empurrando a caneca de batatas fritas com queijo que estava comendo na minha direção. — Vai fundo.
— Hã? — Eu a encarei. — Mas isso nem é seu...
— Não esquenta. Só come um pouco.
Em que universo ela achava que aquelas batatas eram dela para oferecer com tanta generosidade?
Ainda assim, fossem produtos roubados ou não, eu me senti relutante em recusar essa rara demonstração de amizade por parte de Akira. Neste momento, ela poderia ser a única outra pessoa restante na Terra (pelo menos no que eu sabia), então eu queria manter uma boa relação com ela, se possível. E não parecia que eu convenceria ela a devolver as batatas, então talvez fosse melhor aceitar a oferta.
— Bom, já que você insiste... — eu disse, puxando uma batata da embalagem. Estava ainda quente ao toque, como se tivesse saído direto da fritadeira — e, de certa forma, era exatamente isso. Eu suponha que esse era um pequeno benefício da situação: enquanto o tempo estivesse congelado, qualquer refeição recém-feita não esfriaria nem estragaria.
Coloquei a batata na boca e fiquei surpreso ao descobrir que havia um molho de bolonhesa saboroso escondido por baixo da espessa camada de queijo derretido. Estava muito melhor do que eu esperava — ou seria que eu estava apenas com fome por não ter comido nada há um tempo? Akira me observava comer e engolir sua pequena oferta com atenção, de olhos fixos na minha reação.
— Ótimo. Agora somos parceiros no crime — ela disse, com um sorriso travesso. — O que significa que você tem que fazer exatamente o que eu disser.
Os dentes caninos dela se projetaram para fora debaixo dos cantos do lábio superior. Heh. Agora sim, um sorriso, eu não pude deixar de pensar. Era tão inocente de maneira infantil, comparado com sua típica vibe de encrenca, que fiquei levemente surpreso. Nessa luz, ela parecia qualquer outra garota da idade dela, ou até um pouco mais nova... Espera. Um momento.
— P-Parceiros no crime? — eu disse. — C-Como assim? E por que isso significa que eu tenho que fazer o que você disser?
— Porque você comeu uma das minhas batatas proibidas, ué — disse Akira. — E, nossa, que reação demorada, hem?
— Primeiro, elas não são nem suas... E eu comi uma só. Não é um preço muito alto pelo que eu ganhei?
— Tá bom, então. Você só vai ter que fazer o que eu disser até pagar a sua dívida de batata.
Eu não sabia qual era a taxa de câmbio atual entre batatas fritas e trabalho forçado, mas eu imaginava que não seria tão difícil pagar uma única batata, com ou sem molho. Além disso, ela parecia estar de bom humor, e eu não queria estragar isso reclamando de algo tão estúpido. Então, concordei relutantemente com os termos, me entregando à servidão temporária.
— Bom, se for só uma batata… — eu disse.
— Ótimo. Foi um prazer fazer negócio com você — disse Akira. — Mas é melhor não vacilar, tá?
Ela arrastou a embalagem de batatas de volta para seu lado da mesa e começou a comer novamente. Espera... Isso é tudo o que eu recebo? E se eu quiser pegar um empréstimo de duas batatas?
— Enfim, voltando ao que você estava me contando antes… — ela continuou. — Você disse que acha que já entendeu como algumas coisas funcionam aqui, né?
— Ah, sim — eu disse. — Então, basicamente...
Nem o meu estômago nem o meu senso de autoestima estavam totalmente satisfeitos com esse acordo, para ser sincero — mas suponho que tínhamos questões mais importantes para resolver. Comecei a contar tudo o que descobri sobre o fenômeno até agora, o mais claro e conciso possível.
— Então, você acha que a gente tem algum tipo de aura, é? — disse Akira, lambendo o sal dos dedos um por um enquanto refletia sobre minha teoria. — Sim, acho que até faz sentido isso, agora que você mencionou. Mas isso é bem sem graça, vou te falar. Não tem nada mais interessante que você possa me contar?
— Uhh… — Eu procurei algo na minha cabeça. — Já mencionei a parte sobre como quase tudo congela no ar mais ou menos um segundo depois que você solta?
— Cara, chega de detalhes pequenos. Eu quero algo grande, tipo como fazer um carro funcionar ou acessar a internet ou algo do tipo. Alguma forma de hackear o sistema, sabe?
— Mmm, não acho que eu tenha nada útil nesse sentido, infelizmente... Embora eu esteja bem certo de que a gente não vai achar uma maneira de usar um carro ou a internet, não importa o que a gente faça. Além disso, um de nós teria que saber dirigir primeiro.
— Então, você não tem nada de útil. Ótimo... Valeu por nada, garoto.
Akira se recostou na cadeira e deu um longo gole no milkshake roubado.
— E você, Iguma-san? — eu perguntei. — Conseguiu encontrar mais alguém como a gente?
— De jeito nenhum. Todo mundo tá rígido como uma tábua. Até tentei olhar do alto de um prédio, mas não vi ninguém se mexendo. Só você, claro.
— Ah. Entendi...
Eu estava tentado a dar uma alfinetada sobre como as investigações dela não tinham sido mais produtivas que as minhas, mas não encontrei coragem para falar isso em voz alta.
— Então — disse Akira. — Eu acho que ainda não sabemos o que causou tudo isso, né?
— Na verdade, sobre isso...
— Espera. Você descobriu algo?!
Akira se levantou e se inclinou para frente, com um brilho renovado de esperança nos olhos. Ela realmente não era muito sutil quando se tratava de mostrar suas emoções. Por um momento, pensei que poderia contar sobre meu tio Kurehiko — mas toda a lista de medos e ansiedades começou a passar pela minha cabeça, e acabei ficando sem coragem de falar.
— Er, desculpa — eu disse. — Não sei de nada.
— Ah, não. Você não me engana — disse Akira. — Você estava prestes a falar alguma coisa.
— Não, é nada importante — juro. Estava pensando mais cedo que talvez tivesse a ver com isso, mas é uma hipótese tão improvável que eu me sinto louco por até cogitar a ideia... E eu não quero te deixar mais confusa com teorias malucas, então, acho que vou manter isso para mim.
— Você vai me contar agora mesmo.
— Sim, senhora.
Contei a ela sobre o tio Kurehiko. Sobre o estranho telefonema que recebi dele pouco antes de sua morte e as palavras misteriosas que ele me disse durante a conversa. Também mencionei que ele morava em Tóquio e que talvez pudéssemos descobrir algo se fôssemos até o apartamento dele investigar. Mas, depois de resumir tudo isso para Akira, seus olhos apenas se estreitaram ainda mais em perplexidade, exatamente como eu temia.
— Mas se foi seu tio quem causou isso — ela disse, — então por que diabos eu fui envolvida também?
— Eu não sei. E eu não disse que ele necessariamente causou isso.
— Certo, talvez não. Mas parece uma pista promissora.
Urgh. De novo, minhas palavras ficaram presas na garganta.
As suspeitas dela eram válidas. Por mais difícil que fosse acreditar que uma única pessoa poderia ter causado esse fenômeno sozinha, eu não podia negar que o fato de eu estar isento disso parecia apoiar a teoria de que ele tinha alguma conexão com o ocorrido. Mas, mesmo assim, isso não nos ajudava muito; as palavras do meu tio eram como uma teia de pistas enigmáticas e perguntas sem resposta — e não havia garantia de que seguir qualquer um desses fios nos levaria a algum lugar útil. Eu não queria dar falsas esperanças a Akira com base em algo completamente incerto.
Esse era o principal motivo pelo qual eu não queria trazer esse assunto à tona.
— Tóquio, né…? A grande cidade… — Akira murmurou com um olhar distante, perdida em pensamentos. Mas, quando eu estava prestes a tentar mudar de assunto para não nos demorarmos nisso por mais tempo, ela fez uma declaração ousada.
— Beleza, então acho que está decidido! Parece que você e eu vamos a Tóquio, garoto.
— Hã?! — Ela já estava pulando etapas demais, e eu não pude evitar de me espantar. — E como exatamente você sugere que a gente faça isso?
— Ué, andando? Dã? Não é como se pudéssemos pegar um trem ou um ônibus.
— Não sei se você percebeu o quão longe isso é… Quer dizer, hipoteticamente, poderíamos ir de bicicleta, mas ainda assim levaria vários dias.
— Bicicleta? Ah, então você ainda não tentou isso, né?
— Como é? O que você quer dizer?
— Odeio ser a portadora de más notícias, mas bicicletas também não funcionam. Quer dizer, dá pra andar nelas, mas os pedais ficam tão pesados que exige tipo, três vezes mais esforço do que simplesmente caminhar.
— Espera, sério?!
Cara, eu não fazia ideia... Mas agora que eu pensava nisso, fazia sentido.
Provavelmente era porque nossas auras não conseguiam cobrir todo o sistema mecânico da bicicleta, então os pneus não continuavam girando por inércia. Nesse caso, parecia que nossas pernas seriam mesmo o único meio de transporte viável.
— Isso é ainda pior então.. — murmurei. — E mesmo que conseguíssemos chegar até Tóquio, não há garantia de que encontraríamos uma saída para isso.
— E daí? O mesmo vale se ficarmos aqui em Hakodate. Além disso, e se o tempo só estiver preso assim em Hokkaido?
— Então deveríamos apenas esperar, e tenho certeza de que a ajuda chegará em breve.
— Além disso, nunca se sabe — podemos até encontrar outras pessoas como nós pelo caminho.
— É, mas—
— Você pode parar de ser um covarde?! Eu vou para Tóquio, goste você ou não, e não há nada que você possa fazer para me impedir!
Ela estava sendo incrivelmente teimosa sobre isso. Parecia que ela realmente tinha se agarrado a essa possibilidade remota que eu mencionei, por algum motivo. Mas quanto tempo levaria para chegar a Tóquio a pé? Um mês ou mais? E será que era possível cruzar o mar até Honshu nesse momento?
Ah, certo. Havia o Túnel Seikan, que, agora que o tempo estava parado, teoricamente poderia ser atravessado a pé. E provavelmente seria possível encontrar comida e abrigo razoavelmente decentes por praticamente todo o caminho, mesmo que ficássemos sem dinheiro para pagar por isso.
Espera aí. Sou só eu, ou isso realmente parece meio viável?
Sem restrições de tempo ou orçamento para se preocupar, ela poderia muito bem conseguir chegar lá, desde que tivesse perseverança. Nesse caso, talvez não fosse meu papel tentar impedi-la.
— Hum, certo. Se cuida, então.
— Ah, não mesmo. Você vem comigo, seu pirralho.
— B-Bwuh?! — Fiquei boquiaberto. — P-Por que eu tenho que ir?
— O que foi? Não quer ir?
— Bom, quer dizer… Você não pode simplesmente ir sozinha?
— E como, exatamente, eu vou encontrar o apartamento do seu tio sozinha, hã? Além disso, você ainda me deve por aquela batata frita que eu te dei.
— Tenho quase certeza de que uma única batata frita não te dá o direito de me transformar no seu guia turístico pessoal, muito menos me arrastar por todo esse… Enfim, você entendeu o que eu quero dizer.
Eu podia sentir minha paciência começando a se esgotar, mas não queria irritá-la ainda mais, então resolvi frear um pouco. Mas, para minha surpresa, dessa vez ela não ficou frustrada — na verdade, parecia quase constrangida com a minha resistência.
— B-Bem, e o que você vai fazer então? — ela perguntou. — Ficar aqui em Hokkaido para sempre? Você sabe que isso não vai resolver nada.
— Hmmm…
Eu podia sentir meu coração vacilar.
Supondo que não houvesse nenhuma grande mudança na situação em breve, eu provavelmente acabaria querendo ir para Tóquio por conta própria, eventualmente. Afinal, era onde ficava minha casa também — e não havia razão para eu permanecer em Hakodate quando minha viagem escolar, para todos os efeitos, tinha sido adiada indefinidamente.
E se eu fosse acabar indo para o sul de qualquer maneira, talvez fizesse sentido viajar com Akira. Mas isso também significaria ficarmos juntos por um bom tempo, e isso definitivamente era algo a se considerar.
Por quanto tempo eu conseguiria lidar com o jeito bruto e a personalidade impulsiva dela?
Eu a observei cautelosamente através da franja. Sua expressão era sincera, e ela claramente aguardava minha resposta com grande expectativa. Pude ver um vislumbre de desespero em seus olhos enquanto me olhava suplicante — como se estivesse no limite e visse isso como sua única esperança. Isso me causou uma inquietação inexplicável; só de pensar em recusar seu convite, um leve peso de culpa se instalou em meu peito.
Resignei-me ao meu destino.
— Tudo bem. Eu vou com você — eu disse. — Para Tóquio.
Assim que essas palavras saíram da minha boca, o rosto de Akira se iluminou.
— Poxa! Já era hora de você parar de ser tão pessimista! Quase me fez suar frio!
— Desculpa, não era minha intenção.
— Bom, acho que vou pra casa me preparar então — ela disse. Seu humor havia mudado completamente; parte de mim sentia que talvez ela estivesse apenas animada para ir a Tóquio. — Você também devia arrumar suas coisas. Vamos sair amanhã de manhã bem cedo.
— Certo, entendido… Espera. Amanhã?! N-Não é cedo demais?
— Ei, a sorte favorece os audazes, né?
Akira juntou sua bagunça e foi até a área de devolução das bandejas.
— Me encontra do lado de fora da Estação de Hakodate às nove em ponto — ela disse, jogando o lixo fora antes de sair do restaurante. — E não se atrase!
As coisas estavam avançando em um ritmo alucinante agora. Mas, aparentemente, amanhã Akira e eu partiríamos juntos para Tóquio. Para ser bem honesto, a ideia ainda não tinha caído completamente na minha ficha — mas não havia mais como voltar atrás.
Espera aí. A gente vai sair… amanhã?
— Ei, espera um minuto! — gritei
Akira já tinha saído do prédio, então me levantei às pressas e corri atrás dela, desviando dos clientes congelados no meio do caminho. Assim que saí pela porta, ela se virou para mim.
— O que foi agora? — ela perguntou.
— Bom, eu acabei de perceber que não faço ideia de que horas são — eu disse. — Então, uh… Quando exatamente é amanhã?
— Com licença?
Eu não podia culpá-la por essa reação; a frase soava tão idiota em voz alta quanto na minha cabeça. Mas era uma pergunta válida: como íamos diferenciar o “amanhã” do “hoje” se o tempo estava completamente parado? No começo, Akira me olhou como se eu fosse um lunático, mas eventualmente pareceu entender o que eu quis dizer e coçou a cabeça, frustrada.
— Você tem um celular, garoto?
— Tenho, mas a bateria acabou.
— E um relógio?
— Infelizmente, não…
— Tch.
Eu realmente queria que ela parasse de estalar a língua desse jeito para mim. Isso me fazia sentir como se interagir comigo fosse a tarefa mais irritante do mundo para ela, o que era bem doloroso.
Akira revirou os olhos, então tirou o relógio de pulso e jogou para mim. Entrei em pânico e estendi as mãos para pegá-lo — apenas para vê-lo ficar suspenso no ar, parado no meio do caminho. Não foi nada agradável ter que andar até ele e pegá-lo manualmente depois que ela o jogou como se estivesse dando esmolas a um mendigo, mas engoli meu orgulho e fiz isso mesmo assim.
— Aí — ela disse. — Pode pegar emprestado. Só não quebra.
— C-Certo, obrigado. Mas o que você vai fazer agora?
— Ainda tenho um pouco de bateria no celular. Vou ter que desperdiçar minha carga preciosa por sua culpa. Você me deve essa.
— Sim, senhora… Muito obrigado.
— Agora lembra: amanhã às 9:00 da manhã. Se atrasar, eu acabo com você!
Após essa última ameaça, Akira saiu caminhando pela rua.
Olhei para o relógio que ela tinha acabado de me emprestar. Ele tinha um design surpreendentemente delicado, com uma pulseira rosa e tudo — mais fofo do que eu esperava. Conferi as horas e vi que já eram oito da noite. Se o tempo estivesse passando normalmente, o sol já teria se posto há muito tempo, mas o céu ainda brilhava intensamente, o que certamente iria me confundir, mesmo com um relógio funcionando para me guiar.
Se eu não me apressasse, o “amanhã” chegaria antes que eu percebesse — e eu ainda tinha preparativos para fazer.
Mas antes de qualquer coisa…
— Mano, preciso encontrar algo para comer...
Eu estava oficialmente faminto a ponto de não conseguir me concentrar em mais nada. Na esperança de encontrar algo para encher o estômago, entrei em um shopping próximo. Não podia cometer o erro do lámen de novo — dessa vez, compraria uma refeição pronta.
Depois de finalmente terminar meu jantar tardio, voltei para o hotel onde havia deixado minha bagagem, já que meu plano era passar a noite lá. Ainda não havíamos feito o check-in nos quartos, então eu meio que me acomodaria em qualquer cama ou sofá disponível, mas não me sentia tão mal, considerando que a escola provavelmente já havia pago nossas reservas.
Entrei no saguão e peguei minha bagagem. De lá, subi pela escada de emergência (já que não podia usar o elevador) e, para minha sorte, encontrei o serviço de limpeza no segundo andar, com a maioria das portas escancaradas. Dei uma espiada em alguns quartos e rapidamente encontrei um que parecia ter acabado de ser arrumado, então decidi acampar ali para a noite.
— Agora então...
Eu precisava me preparar para a viagem... Mas, pensando bem, não havia muita coisa que eu precisasse fazer. Eu já estava viajando, afinal, pois estava em Hokkaido para a excursão da minha turma. De imediato, não conseguia pensar em nada essencial para a jornada ao sul que eu já não tivesse trazido comigo para Hakodate. Um mapa dobrável tradicional talvez fosse útil, já que eu não podia usar o GPS do celular, mas eu poderia comprar um em qualquer livraria depois.
Sentei-me na cama e soltei um longo suspiro.
— Cara, queria tanto tomar um banho...
Eu tinha suado bastante hoje, e meus músculos estavam exaustos. Mas, no momento, nem água corrente eu conseguia usar, muito menos tomar um banho. Teria que aguentar por um tempo.
— Espera aí...
Levantei-me e fui até a mesa onde havia um folheto de informações para hóspedes. Folheei até o mapa do hotel e, como eu esperava, havia um grande banho público no último andar.
Talvez eu não conseguisse tomar um banho de chuveiro, mas um banho quente, por outro lado...
Peguei uma troca de roupas, alguns itens de higiene e uma toalha e subi rapidamente as escadas até o último andar. Passei pela cortina marcada com MASCULINO, tirei as meias no vestiário e entrei na área de banho. Para minha sorte, a banheira estava cheia de água quente, e quase dei um pulo de alegria ao correr para testar a temperatura com a mão direita.
— Urgh... Droga, tá meio morna...
Talvez 11h da manhã não fosse um horário padrão de funcionamento; eu deveria ter verificado isso no folheto antes de vir. Mas a água não estava tão fria a ponto de me impedir de tomar banho, e eu não sabia quantas oportunidades teria para me lavar no caminho até Tóquio, então resolvi aceitar o que tinha e seguir em frente.
Voltei ao vestiário, tirei o resto das roupas e retornei para a área de banho, colocando o xampu e o sabonete líquido que peguei do armário de amenidades na beira da banheira. Peguei uma bacia, enchi com a água do banho e despejei direto sobre a cabeça.
— Phew... Eu precisava disso.
Felizmente, a gravidade ainda funcionava dentro da minha aura, então a água quente escorreu pelo meu corpo sem problemas — mas, como não tinha como descer pelo ralo, ela apenas ficou acumulada aos meus pés. Depois de algumas jogadas, começou a ficar desconfortável ficar pisando na própria água suja, mas ainda assim era o suficiente para me limpar.
Depois de esfregar bem o corpo e lavar o cabelo, mergulhei na banheira.
— Ahh, cara... Isso tá tão esquisito...
Era difícil descrever — a água parecia... dura, de certa forma. Havia muito mais resistência do que o normal nos meus membros submersos sempre que eu tentava movê-los. Mas não era uma sensação ruim, na verdade; se fosse para definir, até que era confortável, pois dava uma sensação de estabilidade e segurança ao corpo.
Enquanto aproveitava a sensação, fiquei olhando distraído para o teto, relembrando o longo dia que tinha acabado de ter.
— Caramba, faz tempo que não falo tanto assim...
Eu quase nunca dizia uma palavra na escola, e mesmo em casa, só falava com meus pais durante o jantar. Minhas cordas vocais provavelmente estariam doendo amanhã. Eu precisava tomar mais cuidado com a minha voz, já que teria que lidar com o temperamento explosivo da Akira enquanto tentávamos teorizar e resolver esse problema pelos próximos dias.
— Tomara que a gente se dê bem...
Percebi que estava falando sozinho muito mais do que o normal — mas talvez fosse só uma forma de preservar minha sanidade ao preencher o silêncio absoluto. Sentindo-me exausto e com mil e um pensamentos rodando na mente, afundei até os olhos na água morna. Então soltei um longo suspiro e observei minha exaustão acumulada se dissipando, subindo lentamente até a superfície.
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