Volume 2

Capítulo 107: Musou

Ao olhar pela janela Ray percebe que já está de noite e comenta:

– Nossa, já está tarde, essa história me prendeu mesmo, e ainda tem mais pela frente.

A comida que Kyran deu mais cedo já acabou e a água que estava em seu quarto também, Ray sai do seu quarto e vai até a cozinha, lá ele vê alguns homens comendo e se serve com pão, carne e grãos cozidos, depois de comer ele enche um odre com água e volta para seu quarto, no caminho ele encontra Kyran que parece mais simpático do que o comum:

– Kyran? Obrigado pelo livro, muito bom mesmo.

– Bom que gostou.

– Essa história aconteceu mesmo?

– Sim e não, continue que você vai ver que tudo se passou em uma Orbis Absolute diferente.

– Sério?... Como assim “Diferente”?

– Sim, você chegou na parte do livro que revela que os heróis são descendentes de Ivo e Adéa?

– Sim, não esperava... Digo, achei uma surpresa legal.

– Bom, o fundador do Clã de Pando criou um treinamento mais intensivo, dentro dessa magia poderosa, chamada Orbis Absolute, você deve conhecer melhor que eu.

– Sim, mas tem como muitos se conectarem? Ou criar esse tipo de simulação?

– Essa parte é melhor você perguntar para quem entende de magia.

Os dois sorriem e Ray continua:

– Certo, mas você nunca treinou assim em Pando?

– Não, esse treinamento é antigo e muitos foram penalizados.

– Por quê?

– Essa história é de um grupo que usou esse “treinamento” para brincar, eles usaram como um jogo.

Ray fica surpreso.

– Sério? Um jogo?

– Sim.

– Então os heróis são reais! Mas os inimigos e o rei não são, é isso?

– Isso! São ilusões dentro do Orbis Absolute.

– Incrível...

– Eles entraram em um grande problema, pois essa história era secreta.

– Secreta?

– Sim, Musou deu uma penitência grave para os quatro, por usarem a caixa preta dele para jogar.

Ray fica confuso, ele coça a cabeça e questiona:

– Caixa preta?

– Sim, é um artefato que alguns líderes e mestres de magia usam para guardar suas mentes.

– Já ouvi falar, mas é usado como um testamento.

– Sim, mas o Musou usava para muitas outras coisas, tinha um boato que ele invadia a mente de seus inimigos e guardava tudo que via lá dentro para que não ficasse louco.

– Esse Musou... Você o conheceu?

– Sim, ele é bem sinistro, mas ao mesmo tempo era muito bom.

– Era?

– Modo de falar, nunca mais ouvi falar dele, não sei que fim levou.

– Entendi...

– Acho que ele deve estar com Thuany, a rainha de Barbara, eles são grandes amigos.

– Entendi... Então esse grupo usou a caixa de Musou para usarem nesse jogo? Uma simulação de batalha?

– Sim.

– Então se eles usaram a partir da mente de Musou, quer dizer que essa história aconteceu com ele, mas está na visão e nas ações desse grupo que está jogando?

– Agora eu entendo por que você se conectou com Jhon, sua mente é doida igual a dele.

Ray sorri envergonhado e Kyran continua:

– Mas você está certo, é bem possível que essa história tenha acontecido com Musou, ou com alguns dos primeiros integrantes da Floresta de Pando, depois algumas pessoas treinaram e escreveram esse livro baseado em algumas informações da caixa preta, assim foi feito o treinamentos e depois alguns jogos, por isso que Musou ficou muito bravo, essa história deve ser secreta.

– Sim, mas ele deixou que escrevessem um livro sobre ela?

– Estranho, mas vindo dele, sempre tem um móvito por trás, os treinamentos dele eram legais, pois testavam tudo, corpo, mente e até a alma... Claro que dava uma grande canseira depois, mas depois que víamos a nossa evolução e que ficávamos mais fortes, nós ficávamos orgulhosos de nós mesmos.

– Legal, vou continuar lendo para ver mais detalhes, gostei do sistema de turnos deles e dos artefatos da Reilum.

– Muito bom mesmo, eu gostei muito quando li também... Esse sistema de “Turno” é explicado em outro livro, mas é uma forma que eles fazem para saber o tempo do jogo.

– Incrível.

– Sim, Musou determinou isso nos treinamentos, pois nas batalhas muitos perdem a noção de tempo, então ele disse para calcular mudanças, por exemplo, luta fora do castelo, turno um, mudou para dentro do castelo, turno dois, e assim por diante.

– Entendi, percebi isso com o tempo.

– Bom. Isso também serve para relatório, conciliar o que cada um fez e alinhar o tempo e os acontecimentos.

– Gostei desse treinamento.

– Sim, esses artefatos foram criados dentro do Orbis, apesar de que existam boatos que existam artefatos mágicos similares, e a quantidade de magias são limitadas também.

Ray fica surpreso com a informação ficando animado:

– Agora eu entendi, por isso que a Reilum comentou que o estoque dela estava no fim.

– Isso, Musou dizia que precisamos aprender a lutar com pouco, se conseguimos lidar com o limitado seremos sábios em usar o ilimitado.

– Esse fundador, Musou parece ser um grande mestre.

– Sim...

– Pena que ele parou com esse treinamento, gostaria muito de testá-lo.

Kyran olha suspeito e diz:

– Treinar ou jogar?

Ray ri envergonhado e responde:

– Os dois.

– Concordo, mas esse treinamento ficou raro porque muitos usavam escondido depois para jogar e até para certos lazeres, muitos ficavam até viciados nisso.

– Lazeres?

– Você é ingênuo como Jhon, melhor não se aprofundar nessa parte.

– Certo... Mas eu entendo como uma forma de se aventurar e não se arriscar muito.

– Sim, muitas aventuras...

Kyran ri deixando Ray sem entender e continua falando:

– Mas pelo o que o Musou disse a magia original pode matar, você entra nessa dimensão e se morrer lá você morre aqui também, pois sua mente ou até alma são destruídas ou desvinculadas do corpo.

– Tem como saber a diferença?

– Não lembro... Continue lendo, eu acho que tem uma nota dos autores no fim do livro explicando melhor esses detalhes.

– Certo, você me deixou ainda mais animado para continuar lendo.

– Que bom e tome muito cuidado com o “pequeno chefe”.

Ray fica surpreso com o comentário por já ter ouvido algo similar em uma de suas lutas e questiona.

– “Pequeno chefe”?

– Sim, no treinamento, Musou entrava escondido e lutava com seus pupilos, quando eles estavam jogando animados e ganhando a situação ele entrava e acabava com todos, uma forma de punição, apesar de que ele punia depois também.

Kyran ri e Ray fica sério pensando no termo usado, Kyran estranha a mudança de humor de Ray e questiona:

– O que foi Ray?

– Esse termo eu já ouvi antes.

– Era brincadeira dele, a gente dizia que ele era o “Mestre Final”, que chegava para nos matar, pois ele era muito forte mesmo não parecendo...

– Ele não parecia forte?

– Não... Ele sempre foi humilde e dizia que estava mais para um “pequeno chefe” do que um grande.

Ray faz algumas associações em sua mente e questiona centrado, tendo quase certeza de algumas afirmações que se encaixam.

– Esse líder do Clã de Pando, Musou, como ele é? A aparência dele?

– Deixa eu ver...

Jhon aparece e chama Kyran interrompendo a conversa:

– Finalmente achei você... Demorou muito.

– Desculpe, eu encontrei Ray no caminho.

– Oi Ray, está mais tranquilo hoje?

– Sim, o Kyran me emprestou um livro muito bom.

– Ele me disse, “Missão de Herói”, é muito bom mesmo, queria eu treinar nesse nível de intensidade.

Kyran olha com malícia e comenta:

– Tem uma parte intensa que pode ser feita nesse tipo de treinamento, que eu posso te mostrar se quiser.

Jhon fecha um pouco seus olhos, olhando com receio para Kyran e fala:

– Você de novo com essas brincadeiras estranhas, desde que você voltou da missão com Erèm você está mais brincalhão e “ousado”.

Ray puxa Kyran para que ele responda a sua última pergunta.

– Antes de ir me responde...

Jhon pega Kyran soltando-o de Ray:

– Desculpe Ray, mas eu preciso levar esse atrasado, antes que dê tudo errado.

– Espere...

– Vamos, até amanhã Ray! Boa noite.

Ray fica desanimado, pensativo e responde baixo:

– Até amanhã... Boa Noite.

Antes de voltar para o seu quarto Ray é abordado por Anirak que se aproxima sem ter sido notada.

– Ray?

– Anirak, tudo bem?

Ela está com uma carta em mãos e parece um pouco ansiosa e inquieta.

– Quase tudo, queria falar com você, é rápido.

– Tudo bem, vamos.

Os dois entram na cabine de Ray, os se sentam e Ray faz sinal com o odre oferecendo água para Anirak que nega:

– Não obrigada... Quero ser direta Ray, eu falei com Maxmilliam que é um homem sábio e mais velho também, ele confortou minha mente e meu coração, mas como você é o líder do nosso grupo, ou melhor, da nossa armada, eu quero lhe falar também:

– Parece sério, o que é?

– Erèm quando chegou da reunião com os líderes me deu uma carta de Nycollas, e depois de lê-la eu fiquei com alguns receios.

– Receios? Por quê?

– É referente a essa luta, a batalha das mulheres pela igualdade e para derrubar a discriminação e preconceito dos homens, principalmente os do Império, que popularizaram essa “Cultura” de que mulher só serve para procriar e servir o homem com serviços domésticos.

– Eu entendo, mas você agora vai ajudar Libryans a combater isso.

– Sim, mas eu não fui sincera, eu já tive muitos pensamentos machistas como esses no passado, Erèm viu isso em minha mente, mas não comentou...

Ray interrompe Anirak pegando em sua mão e passando tranquilidade em suas próximas falas.

– Anirak, eu acho que meu padrinho já deve ter lhe falado, o que importa agora é o futuro, você falou muito bem, você “pensava” assim e agora vai ajudar muitas mulheres que sofreram e até sofrem com essa “cultura” que o Império criou.

– Sim...

– Se Erèm, a mãe das mães viu a mudança na sua forma de pensar, então é agora você deve seguir em frente e esquecer o passado.

– Verdade... Obrigada Ray.

– Por nada.

– Eu queria lhe agradecer de novo, que graças a você eu saí do comodismo e agora estou seguindo grandes propósitos na minha vida.

– Fico feliz por isso, eu também estou seguindo por um caminho que nunca pensei que conseguiria ir, mas que sempre sonhei em seguir.

– Ótimo, você é uma inspiração Ray.

– Vocês também são, nosso grupo se motiva por igual, acredite.

– Verdade.

Anirak demostra estar mais feliz e aliviada, ela levanta e sai da cabine agradecendo Ray novamente.

– Obrigada Ray, Boa noite.

– Boa noite.

Ela fecha a porta e Ray ainda fica pensativo sobre suas responsabilidades de liderança e que esse efeito deve ocorrer mais vezes, ele se prepara mentalmente, pedindo força e sabedoria para Deus, mas se distrai ao olhar para o livro, lembrando-se de alguns detalhes de sua missão pelo Grande Continente.

Ele abre o livro e volta a ler mais aventuras dos quatro heróis e se motiva em ler tudo, com esperança de encontrar mais informações e achar a luta dos heróis contra o “pequeno chefe”.



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