Volume 7

Capítulo 146: Graças a Deus, ela é uma pervertida

“Mesmo que você na verdade já tenha notado.”

Essas palavras foram sussurradas no ouvido de Suzu desde que ela entrou pela primeira vez no grande calabouço. E agora, essas palavras foram jogadas contra a garota de seu eu de olhos pretos avermelhados, cuja cor de todo o seu corpo era branca.

Cada vez que ouvia essas palavras, o coração de Suzu rangia com força, como se estivesse sendo comprimido por uma máquina de pressão. Isso era natural. Porque reconhecer esses fatos era o mesmo que reconhecer seu pecado.

A imagem falsa de Suzu, que foi criada a partir de sua emoção negativa, empurrou a verdade contra a Mestra de Barreiras.

A voz se referia a como a garota notara vagamente a verdadeira natureza de Eri.

Se outros fossem perguntados sobre sua impressão em relação a Eri Nakamura, dez entre dez com certeza responderiam o seguinte:

“Ela é meiga e reservada, uma garota que é capaz de dar um passo para trás e observar o todo objetivamente. Em geral, ela se abstém de se intrometer, mas é alguém prudente que pode dizer sua opinião com hábil consideração quando é importante e que pode ajudar de forma indolente. Sua figura nos seguindo com um sorriso era o mesmo de uma Yamato Nadeshiko[1].”

Havia também várias outras opiniões, mas, em geral, as pessoas tinham a impressão de que ela tinha uma personalidade gentil e benevolente. Kouki e companhia também pensavam assim. Até mesmo Shizuku, com suas observações afiadas, tinha quase a mesma impressão. Por essa razão, naquele dia, quando Eri expôs sua verdadeira natureza, a Espadachim também ficou muito chocada.

Entre essas pessoas, apenas Suzu nutria uma impressão um pouco diferente.

A garota pensava que Eri podia ser uma pessoa calculista. Ela era quem melhor entendia a presunção de sua melhor amiga, porque estava sempre a olhando de lado, e também porque a garota chamada Suzu Taniguchi era especial. Ela era sensível às sutilezas das emoções humanas.

Suzu notou que dentro dos olhos sorridentes de Eri, às vezes, havia frieza e astúcia residindo ali. E então ela percebeu como a Necromante costumava ficar um passo atrás. Em vez de chamar isso de algo natural devido a sua personalidade, era algo que vinha da lógica. Era mais conveniente coletar informações assertivamente daquela posição, de alguma forma, Suzu também entendia esse tipo de coisa.

Mas ela nunca havia apontado isso para a própria Eri. A Mestra de Barreiras não achava que tal comportamento fosse desagradável. Se lhe perguntassem o porquê, quando a Necromante reunia informações como essa, em geral, enquanto mudava seus gestos ou palavras, ela fazia isso por causa de outra pessoa.

E então, mesmo nessa época que não podia ser considerada comum, Suzu imaginou que a maneira como Eri fazia algo, seu discurso e sua conduta, eram para proteger sua própria mente e corpo.

A Mestra de Barreiras não rejeitava a ideia de atuar como forma de proteger o próprio coração e corpo. Se perguntada sobre o motivo, era porque isso seria como rejeitar a si mesma.

Qual era o significado disso? Para entende, é preciso saber sobre o início da vida de Suzu.

Ambos os pais da garota eram workaholics[2] em suas essências. Da manhã até a noite, era só trabalho, trabalho, trabalho... desde a infância, foi como se Suzu fosse criada pela cuidadora contratada. Seus pais nem sequer compareceram aos eventos habituais, como dia de visitação ou dia das crianças ou dos pais.

Sua família era bastante abastada, mas depois que sua cuidadora ia para casa, Suzu sempre era deixada sozinha dentro da casa espaçosa. Se uma criança pequena fosse deixada sozinha por um longo período, era inevitável que ela ficasse triste. Quando Suzu estava no jardim de infância e nas primeiras séries do ensino fundamental, ela era uma criança mal-humorada e sem amigos.

Não era como se ela não fosse amada por seus pais nem nada do tipo. Eles cuidadosamente consideraram qualquer coisa com que presenteavam a garota. Ela também sabia que, quando iam para casa tarde da noite, em segredo, eles iam examinar a condição da filha e acariciar sua cabeça.

Mas para a jovem Suzu, isso não era o suficiente... foi por isso que, com o mau humor que sentia por seus pais quando os encontrava de vez em quando, ela assumiu uma atitude que não era nada bonita; ela fingia dormir quando na verdade estava acordada...

Para que tal Suzu se transformasse na atual garota alegre foi tudo graças à influência de sua cuidadora. Alguns anos se passaram desde que ela foi contratada, a cuidadora não podia suportar olhar para a deprimida garota, então a corpulenta tia dava conselhos a Suzu.

Esse conselho foi: — De qualquer forma, apenas sorria. —, um conselho que transbordava com imprecisão. — Com isso, o que te cerca vai mudar. —, ela disse. Essas eram as palavras da cuidadora que até hoje ainda trabalhava na casa de Suzu, uma pessoa que já era como outra mãe para a garota. Para a menina dessa época, ela não entendia o que a cuidadora queria dizer, mas se ao fazê-lo ela não ficasse sozinha, então não havia mal algum em fazer isso.

Primeiro, ela tentou mostrar felicidade para seus pais. Ela mostrou um enorme sorriso, pulou neles, teve sua cabeça acariciada e quando recebeu presentes expressou felicidade com tudo o que tinha. Na verdade, ainda havia sentimentos ocultos em seu coração, mas ela tentou entrar em contato com seus pais enquanto os reprimia. Depois disso, os rostos dos pais de Suzu se transformaram com o “dere”, era um rosto tão desleixado que a garota nunca tinha visto até então.

Eles ainda estavam constantemente ocupados com seus trabalhos, isso não teve qualquer mudança, mesmo assim, cada vez que seus pais a olhavam, ela podia vê-los sorrindo com alegria. Esses rostos sorridentes também se tornaram algo que deixou Suzu feliz.

Em seguida, ela também passou a sorrir na escola. Na verdade, não havia nada que fosse divertido ou algo do tipo por lá, ainda assim, ela mostrava um enorme sorriso.

Dessa forma, antes que ela percebesse, sempre havia alguém por perto de Suzu. Alguém sempre falaria com alegria e um sorriso com a garota. Quando ela se deu conta, sua vida escolar até agora parecia uma mentira e se transformou em algo divertido.

Com isso, Suzu entendeu. Mesmo que ela estivesse triste ou sofrendo, se ela mostrasse um sorriso, isso atrairia outros sorrisos. Com isso, ela não estaria mais sozinha.

Devido a isso, e para não ficar sozinha mais uma vez, Suzu sorria sempre, não importava qual fosse o momento. Sim, não importava qual fosse o momento.

O rosto sorridente da garota nem sempre vinha de seu coração. Pelo contrário, quase metade desse sorrisos eram falsos. Ela estava fazendo isso por tanto tempo que seu sorriso verdadeiro e o falso se tornaram os mesmos e não podiam mais ser diferenciados um do outro.

Foi por isso que, embora Suzu notasse a personalidade calculista de Eri, que colocou a máscara de Yamato Nadeshiko para proteger seu corpo e coração, assim como a Mestra de Barreiras, a garota não achou isso desagradável. Em vez disso, ela sentiu simpatia pela Necromante. Depois que ela percebeu, ela se associou com a outra garota com ainda mais intensidade.

Ela pensou que o que Eri fazia era o mesmo que ela. Ela também achava que a Necromante sentia simpatia pela Mestra de Barreiras, que vivia atuando. Ela pensou que, embora fosse verdade que Eri fosse calculista para seu próprio bem, elas eram realmente amigas, talvez até melhores amigas. E então, ela também pensou que para alguém que não tinha a intenção de prejudicá-la, a Necromante agiria com boa vontade.

Não, talvez devesse ser dito que ela queria acreditar que fosse assim.

Ela deixou de lado o desconforto que estava inchado em seu interior desde que chegaram a este mundo. Ela não tentou perceber a coisa que deveria ser notada. Ela desistiu de fazer o esforço porque temia entrar no coração calculista de Eri, que havia tirado sua máscara sorridente. Ela temia que o relacionamento agradável que as duas tinham até agora terminasse e que a malícia da Necromante, algo que Suzu talvez tivesse percebido, ficasse aparente no rosto da amiga.

Foi por isso que ela acreditou. Ela acreditou cegamente. Ela escondeu o desconforto que possuía, a ansiedade que sentia, no fundo de seu peito. Ela se convenceu de que não havia malícia nem nada do tipo em Eri, que mesmo seu aspecto calculista era sempre em benefício de sua melhor amiga Suzu e de Kouki e dos outros, que eram seus companheiros.

E o resultado…

“A tragédia daquele dia ocorreu. Dois colegas de classe de Suzu foram perdidos. Muitos cavaleiros, incluindo Meld-san, morreram. Se Nagumo-kun e as outras não estivessem lá, então Kaori também teria morrido. Mesmo que apenas Suzu, que desde que chegara a este mundo tivesse notado em parte o caráter de Eri e pudesse parar a tragédia daquele dia, ela desviou os olhos da realidade porque se valorizava. Suzu selou tudo tão profundamente em seu coração que nem mesmo percebeu isso. Colando um sorriso no rosto, como sempre...”

— ...

A escuridão no coração de Suzu. Era uma culpa feroz. Mesmo que fosse apenas ela quem poderia impedir o crime de Eri, a garota negligenciou isso negando a realidade e pensando que a amiga não faria nada de ruim. Como resultado, muitas pessoas morreram e seus colegas também foram quase aniquilados.

Se ela apenas tivesse consultado Shizuku, talvez algo pudesse ter sido diferente. O arrependimento de não ter feito isso estava rodopiando com ferocidade no coração de Suzu desde aquele dia.

“Ao declarar que Suzu é a melhor amiga dela, ela não percebeu a distorção do coração da amiga. Foi Suzu, foi Suzu que esteve junta com Eri mais do que qualquer outro. Ela deveria ter notado isso, ainda assim... entrar no coração dela, talvez também expusesse a farsa do próprio sorriso de Suzu... ela temia isso, portanto não fez nada... ouvir as palavras ‘melhor amiga’ de você parece mesmo surpreendente.”

— ...

“Você achou que tudo ficaria bem se apenas sorrisse? Mesmo que fosse apenas uma relação muito frágil onde seus corações não se conectavam, você acha mesmo que não está mais sozinha? Assim como Eri disse, que estupidez, não é?”

Sem falar nada, Suzu usou seu leque de ferro. Dezenas de barreiras que ela preparou cortaram o vento e seguiram contra a imagem falsa, cercando-a. No mesmo instante, o poder mágico explodiu dentro da contenção, a explosão que era como uma granada de fragmentação improvisada atingiu a cópia branca.

O terreno ao redor foi destruído, fragmentos cintilantes de gelo dançavam no ar, e talvez fosse algo esperado, mas a imagem falsa parecia incólume envolta em uma barreira brilhante enquanto desdobrava seu leque de ferro branco, escondendo metade de seu rosto.

Desde o início da batalha, este desenvolvimento se repetiu o tempo todo. O ataque de Suzu não conseguia romper a proteção de sua cópia branca, não importava o que ela fizesse. E então, a imagem falsa, que endureceu sua defesa, atacou a Mestra de Barreiras de forma impiedosa com palavras afiadas unilaterais.

“O que você vai fazer depois de se encontrar com Eri mais uma vez? Mesmo que você não saiba de verdade o que dizer quando a encontrar, mesmo que você esteja pensando que só receberá hostilidade e desprezo sem que nenhuma pergunta seja feita.”

Não apenas o passado, mas a Suzu branca também transformou a questão do futuro em uma arma para desequilibrar a garota.

Não fazendo o que deveria fazer... desviando os olhos da realidade, enganando a si mesma, a culpa de deixar muitas pessoas morrerem, o arrependimento de não tentar entrar nessa distorção, mesmo se chamando de melhor amiga, embora seu sentimento de querer encontrar-se com a outra fosse real, na verdade, ela ainda não sabia o que queria fazer quando realmente a encontrasse. A garota sentiu ansiedade e irritação como se estivesse vagando dentro de uma névoa espessa.

O coração de Suzu estava rangendo, ele estava dilacerado, sangrando pelo tormento profundo, atingindo seu limite... era como deveria ser...

“Mesmo após dizer isso, Suzu não está ficando mais forte, hum. Mesmo que a princípio você tenha ficado fraca com o que Suzu estava dizendo. Mesmo que você apenas tenha negado, se você apenas desviar os olhos, Suzu pode ficar mais forte…”

— Como Suzu pensou, há mesmo esse tipo de regra. Se for esse o caso, então não importa o que você esteja dizendo, você não será capaz de ficar mais forte.

“Parece que não. No meio do caminho, seu coração começou a ganhar determinação pouco a pouco. As palavras de Suzu, pelo contrário, se tornaram sua força para olhar para si mesma.”

Enquanto encarava a Suzu branca que balançava a cabeça como se dissesse: — Por Deus. —, Suzu respirava com dificuldade, as mãos que seguravam os leques de ferro tremiam, mas, mesmo assim, ela abriu a boca para falar com um tom solene.

— … sim. Embora se tratasse da própria Suzu, mas quanto mais isso foi mostrado a ela, foi muito doloroso, angustiante. Mas o que você está dizendo é tudo verdade. É por isso que está tudo bem. Já chega de ficar parada pelo bem da própria Suzu. Em primeiro lugar, desde que ela viu o sonho no Grande Calabouço Haltina, Suzu veio a entender o quanto ela desviou os olhos do que é importante.

“… e que sonho conveniente foi esse.”

A Suzu branca riu. Porém, a Mestra de Barreiras também riu. Essa não foi uma risada falsa, foi uma cheia de amargura e dor que vinha de seu coração.

— Suzu deve ser capaz de conseguir. Aquele mundo de sonhos. Só se Suzu aceitar a realidade de forma apropriada.

A garota falou para si mesma com olhos calmos.

— Naquela época, quando Taeko-san disse para “apenas sorrir”, ela não quis dizer que está tudo bem se Suzu apenas sorrir. Isso não era tudo, o que ela quis dizer é que é preciso abrir seu próprio coração primeiro se você quiser se conectar com o coração de outras pessoas. Neste momento, Suzu entende.

Se você quisesse fazer outros felizes, primeiro você mesmo teria que ser feliz. Com certeza, havia muitas pessoas que ouviram essas palavras. Isso era o mesmo.

— É como você disse, sendo sincera, Suzu também não entende o que ela quer fazer ao se encontrar com Eri. Suzu quer amaldiçoá-la, culpá-la, pedir desculpas por desviar os olhos ou persuadi-la a voltar... Suzu não sabe.

O coração de Suzu desde aquele dia, aquele dia em que ela recebeu aquela dolorosa traição, ficou perturbado e em pedaços. Várias emoções estavam transbordando como um rio após uma chuva pesada. Ele estava apenas se segurando para não acabar inundado. Com certeza, a barragem do coração da Mestra de Barreiras iria quebrar assim que ela confrontasse Eri e gritasse.

Foi por isso que…

— Suzu não entende, mas sabe que tem que se encontrar com ela, assim...

Ela não iria expor qualquer dissabor como fez no Grande Calabouço Haltina. Isso foi transmitido de forma implícita para o seu outro eu.

“… a força de Suzu está diminuindo um pouco de novo. Parece que sua determinação é real.”

— Isso mesmo. Isso já não é apenas palavras. Isso não é apenas ter um sonho doce. Suzu vai superar você e seguir em frente nesse caminho! “Reúna-se e retorne... Interrupção Divina, Voltar”!

Suzu proclamou com determinação em suas palavras. E então, ela balançou seu par de leques de ferro.

Logo depois disso, o entorno da Suzu branca brilhou, a barreira foi criada como se estivesse passando por uma regeneração reversa.

“Interrupção Divina, Voltar”... usando magia de regeneração, esta técnica fazia uso do poder mágico de uma barreira que tinha sido esmagada e dispersada uma vez para criar uma barreira mais uma vez.

As barreiras de Suzu que tinham sido destruídas até agora tinham chegado a várias centenas. As barreiras da cópia branca também haviam sido esmagadas em grande número. Todos elas foram regeneradas e manifestadas por causa da barreira explosiva. O número total de barreiras era de cento e cinquenta camadas. Essas barreiras cercaram a Suzu branca como uma muralha de castelo.

“Então é assim... se é insuficiente apenas com as suas, você até mesmo regenerou as barreiras que Suzu destruiu.”

— É. Você é a própria Suzu, então não é difícil para regenerá-la. Em troca, todo o poder mágico de Suzu secou, mas... você está derrotada!

“Então teste isso. Use esse poder que foi criado com a resolução de superar tudo!”

A barreira da cópia branca brilhou. Foi um desafio para testar se a garota poderia mesmo quebrá-la.

Suzu movimentou seus leques de ferro com força. Toda a barreira foi feita para ter direcionalidade, e o feitiço ordenou que elas explodissem e se dispersassem.

Logo depois disso, a sala espaçosa tremeu com violência, junto com um rugido estrondoso. Fragmentos de gelo estavam chovendo do teto.

Até a conjuradora, Suzu, foi lançada para longe pela grande explosão e deslizou até a parede. E então sua consciência quase lhe fugiu quando suas costas atingiram a parede de gelo com força. A causa foi ela ter depositado tudo no poder explosivo, até mesmo o pouco de seu poder mágico que deveria ser para defesa.

Ela não podia ouvir nada, exceto o zumbido em seus ouvidos. Talvez seus tímpanos estivessem dilacerados. De alguma forma, ela manteve sua consciência nebulosa. Ela dirigiu seu olhar para o marco zero enquanto corrigia sua visão tremida. Os densos restos de poder mágico e fumaça de fragmentos de gelo estavam clareando, na grande cratera criada ali... não havia nada.

Ao mesmo tempo, a parede de gelo no lado direito de Suzu derreteu de repente em uma parte e uma nova passagem apareceu.

Olhando para isso, a garota percebeu que por fim superou o desafio. Em seguida, sua consciência começou a sucumbir ao dano da onda de choque e seu consumo de energia mágica.

“… está tudo bem descansar, não é… só um pouco.”

Suzu sussurrou isso dentro de seu coração, então, sua consciência foi arrastada para a escuridão.

Ela parecia estar flutuando no fundo da água sombria, dentro de tal sensação, a consciência da Mestra de Barreiras despertou em parte.

Parecia que seu corpo estava tremendo em um certo ritmo, em sua mente nebulosa, Suzu pensou que era como se estivesse em um berço. Contudo, sons pesados e o calor transmitido em sua bochecha a fizeram compreender que eram os passos de uma pessoa grande e seu calor corporal. No instante em que ela compreendeu isso, a consciência da garota voltou depressa à superfície.

— E-eh? Quê? Como…?

— Yoo, Suzu. Você acordou?

— Hee? Ryutaro-kun?

— É, sou eu.

Por um momento, “Uaa, sequestro!?”, Suzu pensou assustada e seu corpo enrijeceu, mas de alguma forma, ela entendeu que estava sendo carregada nas costas de Ryutaro e seu corpo relaxou.

— Err, por que Ryutaro-kun está carregando Suzu em suas costas?

— Sabe. Depois de mandar aquele desgraçado irritante voar e atravessar o caminho que apareceu, vi Suzu dormindo como uma pedra no canto de uma sala parecida, dessa forma, decidi apenas carregar você. Você não acordou mesmo quando te balancei, sim, como esperado, também não havia como acordar você com movimentos de luta livre.

— Sim, se você tentasse acordar Suzu assim, isso causaria uma Barreira Explosiva em você.

Por um momento, a Mestra de Barreiras mostrou uma expressão desagradável, pensando que, se fosse o Lutador, ele poderia mesmo fazer isso. Embora no fim, ele fosse capaz de ser atencioso com uma mulher, então talvez isso também fosse um crescimento... Suzu pensou com um suspiro aliviado. Anteriormente, ele era um rapaz que batia nas costas ou no ombro de outro com força, rindo com sinceridade e sem se importar com o sexo da outra parte.

— Então foi isso. Portanto essa sala de desafio está conectada com todas as outras.

— Parece que sim. Acho que à frente desse caminho está a sala de outra pessoa.

— Vai ser ótimo se for Kaori ou Tio-san. Suzu ainda não está curada... espere, Ryutaro-kun também está esgotado, não é? Obrigada por carregar Suzu.

A Mestra de Barreiras expressou sua gratidão enquanto se acomodava nas costas grandes do Lutador. Agora que ela olhou, as roupas de Ryutaro também pareciam bastante esfarrapadas depois de ganhar uma luta muito dura. Não houve tropeços em seus passos que avançavam com força, mas ele parecia ter recebido bastante dano.

— Aah, só isso não é nada demais. São apenas cinco das minhas costelas, e também meu ombro que foi deslocado e meu braço quebrado, isso é tudo.

— Isso não é algo no nível que você pode apenas dizer: “Isso é tudo”!

— Não, não, eu já arrumei meu ombro. Eu também reforcei meu braço com Vajra, então está tudo be-gebohaa!?

— Hiiiii!! Ryutaro-kun está vomitando uma quantidade impossível de sangue!?

Na frente da garota em pânico, que ouviu a afirmação infundada de Ryutaro, o Lutador, que estava prestes a dizer que estava bem, se transformou em um merlion[3] vermelho vivo. Parecia que seus órgãos internos também estavam muito danificados.

Suzu desceu com pressa das costas do colega enquanto gritava, ela usou uma magia de cura de má qualidade nele. Ela não tinha aptidão para esse tipo de magia, então era apenas uma técnica básica que ela aprendeu para um momento crítico, mas era melhor que nada.

Uma luz fraca envolveu Ryutaro, que estava limpando o sangue em sua boca com indiferença, como se ele não tivesse acabado de vomitar uma grande quantidade desse líquido vital. O efeito não foi tão alto porque Suzu usava um círculo mágico simplificado que podia ser transportado, mas era possível parar o sangramento e a dor e curar uma pequena ferida com isso.

— Ah? Parece um pouco mais confortável. Obrigado Suzu.

— … escute aqui, Ryutaro-kun. Por que você está tão calmo depois de vomitar tanto sangue assim? Na verdade, você não é humano, é? Você é um idiota, não é?

— Isso é cruel, hã? O quê? Se for só isso, então você pode se superar com o seu espírito.

— … espírito… que palavra conveniente.

Suzu terminou o tratamento com um olhar cansado. Enquanto estava nisso, ela também tratou os danos remanescentes em seu torso devido ao impacto da explosão. Embora isso fosse apenas para paz de espírito, ela queria encontrar Kaori ou Tio logo.

— Bem, eu também acabei de completar o desafio com sucesso, então fiquei um pouco tenso aqui.

— Aa, com certeza também há esse fato. Não é como naquela vez no Mar de Árvores, estamos lutando de forma correta aqui... na verdade, é uma alegria.

— Não é?

— Agora que você mencionou isso, como Ryutaro-kun se saiu. Você não parece ter qualquer preocupação ou algo do tipo, mas... ah, tudo bem se for algo difícil de dizer, sabe?

Suzu disse de forma indiferente algo cruel como: — Você é um cérebro de músculos, então não faz a menor diferença que você seja abusado verbalmente, certo? — De certa forma, parecia que ela havia tirado uma de suas máscaras.

Por outro lado, Ryutaro, que foi desacreditado naturalmente, não parecia se importar muito com isso, ao invés disso, ele nem sequer reparou e respondeu com indiferença.

— Não, não foi nada demais, então não me importo. Só recebi insultos dizendo que sou um maldito perdedor.

Suzu ficou perplexa ao ouvir essas palavras. Ryutaro era um homem que só iria seguir em frente, mesmo quando havia perigo nessa direção. Ela nunca o vira vacilar. Qual era o significado de chamá-lo de perdedor? Suzu inclinou a cabeça, incapaz de imaginar a resposta.

Olhando para a colega que estava assim, Ryutaro coçou sua bochecha um pouco envergonhado enquanto desviava seus olhos, antes que ele jogasse uma bomba.

— Caramba, sabe, há muito tempo, eu não sabia o que fazer para abordar a mulher por quem eu me apaixonei, ééé. Eu nem sequer me confessei, além disso, ela foi tomada por outro homem... algo como isso.

— … isso é… o que posso dizer…

De certo modo, poderia se dizer que essa era uma preocupação leve. Era como Suzu imaginou, talvez até o grande calabouço estivesse sentindo algo como: “A emoção negativa deste cara é pequena demais!? O que pode ser feito para atormentá-lo, não consigo entender isso!?”

— E então, me disseram algo como roubar a mulher com força bruta, vários tipos de emoções desagradáveis estavam surgindo em mim, porém...

No caso de Ryutaro, o método de evidenciar a escuridão em seu coração para que ele se autodestruísse era inútil. Parecia que o grande calabouço tentou atacar o Lutador fortalecendo sua tentação para fazê-lo perder o raciocínio, possivelmente para afogar seu coração em desejo e apagar sua emoção positiva, como sua virtude.

Dessa forma, isto poderia ser uma tentativa problemática com o perigo de enlouquecer. Mas Ryutaro não perdeu seu sentido, e ele evitou se transformar em uma encarnação de seu desejo. A principal razão para isso, ao invés de ser por causa da força mental do rapaz, foi porque…

— Falando de forma realista, roubá-la é impossível. Simplesmente não há chances. Pelo contrário, é suicídio. Eu serei morto por Nagumo, e também por Yue-san.

— Heh? … … … … … … … … … … … eEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEH!!?

Suzu sabia o que estava dentro do coração de Ryutaro pelo fluxo da história, mas pela informação tão inesperada, ela ergueu uma voz alta de choque depois de alguns segundos.

E então, a Mestra de Barreiras, cuja boca estava se fechando e abrindo enquanto seus olhos se arregalaram, começou a confirmar isso com timidez. O aluno desviou o olhar com uma expressão sombria, mas suas orelhas ficaram vermelhas, então era óbvio que ele estava escondendo seu constrangimento.

— Ryu-Ryutaro-kun, eh? Mentira? É sério? Você gostou da Onee-sama?

— Aa, o que há com você, é mesmo tão estranho eu estar apaixonada por aquela pessoa, hã?

— Nã-não, isso não é verdade. Mas você não mostrou nada que apontasse para isso, então...

— ... você, na frente daqueles dois, você acha que eu posso mostrar qualquer tipo de atitude como essa?

— … Ryutaro-kun… mas que lamentável…

— Não sinta pena de mim! Sua personalidade mudou em algum momento!

Ryutaro uivou para Suzu, que lhe lançava um olhar como se estivesse olhando para uma coisa digna de pena. Sua fala e conduta se tornaram diretas, então o que ele apontou estava correto. Ela não era mais uma garota que só sorria.

Mas agora, o que era importante não era a mudança de Suzu, mas a ferida do coração de Ryutaro (lol), que continuava exibindo o espetáculo da mulher por quem ele se apaixonou flertando com outro homem, independentemente de quem estava assistindo. De fato, na frente de Hajime e Yue, não havia como ele agir como alguém que se apaixonou pela vampira. Ele também foi levado a hesitar pela atmosfera que os dois carregavam. Seu orgulho como homem e a obstinação em seu coração foram danificados.

Se lhe perguntassem o que ele poderia fazer, seria reconhecer isso como um amor não correspondido e romper de forma clara com esse sentimento. Na realidade, foi isso que Ryutaro fez. E o grande calabouço forçou esse sentimento, mas…

O lado de quem ele precisava roubar era ruim demais. Fosse do lado masculino ou do lado feminino. Na frente do desejo e tudo mais, havia apenas um futuro definido de desesperança. Não importava o quanto sua emoção negra fosse estimulada dizendo-lhe para roubá-la, o impossível continuaria impossível. Em vez disso, isso até o fez querer explodir e o repreender: — Não diga algo tão absurdo! Olhe para a realidade seu idiota! —, para seu outro eu que o instigava.

— Hm, mas isso é realmente inesperado. Quem teria pensado que Ryutaro-kun estava apaixonado pela Onee-sama...?

— Não é tão estranho assim, é? Até você a chama de “Onee-sama” desde aquele dia, não é?

— Aah, então é assim. Certo, talvez isso não seja tão estranho assim.

Suzu bateu suas mãos, “pon”, como se estivesse convencida das palavras do colega.

“Aquele dia” que Ryutaro mencionou foi o momento em que eles estavam no absoluto desespero no Grande Calabouço Orcus. A beleza e a força avassaladora de Yue, pisoteando os inimigos, acompanhada por um dragão azul, fazia qualquer observador sentir sua divindade. Seus modos imperturbáveis, sua atmosfera encantadora que contrastava com sua aparência jovem e a ligeira gentileza que demonstrou a Suzu... tudo isso era charmoso demais para um estudante do ensino médio, fosse ele homem ou mulher.

Semelhante a como Suzu veio a ansiar por Yue como uma Onee-sama, vários estudantes do sexo masculino (e uma parte das alunas) tiveram seus corações roubados pela vampira naquele dia. Ryutaro foi apenas uma pessoa entre esse grupo.

— Não conte isso aos outros, tá legal?

— Isso, bom, Suzu não falará. Dizer isso só causará dano em Ryutaro-kun. Pensando bem, não seria melhor se você não tivesse contado a Suzu?

— … com certeza, isso é verdade, porém…

— Aaa, é algo como... você querer dizer a outra pessoa, só uma vez?

— Você não é sagaz? Bem, é algo parecido com isso. Isso sou apenas eu reclamando, me desculpe.

Olhando para o rapaz que sorria sem graça, Suzu também retribuiu com um sorriso amarelo.

— Mas desafiar o adversário da frente com um sentimento de raiva e ser surrado é inaceitável, não é?

— … aquela cara do desgraçado era irritante. Quando me lembrei, isso me fez querer dar um soco nele e fazê-lo voar de novo.

— Acho que você pode só usar um espelho para isso.

Suzu ficou com um olhar complicado para Ryutaro, que confirmou que ele tinha passado por uma provação muito estranha, mas em pouco tempo, o fim do caminho se tornou visível à frente. Parecia que, enquanto conversavam, a dupla chegou a última parada.

— Ô? É a próxima sala.

— Por favor, Kaori ou Tio-san estejam aí…

Suzu, que queria pedir por uma cura, apertou as mãos em oração enquanto se aproximava da parede de gelo. A parede reagiu a eles e derreteu, abrindo a entrada para a sala do lado de dentro.

No final... parecia que a oração de Suzu foi atendida.

— Kyah!?

— Uoh!?

No momento em que Suzu e Ryutaro entraram na sala, a onda de choque e a torrente de poder mágico os fizeram gritar por reflexo enquanto cobriam o rosto com as mãos. E então Suzu de alguma forma ativou uma barreira, à frente de seu olhar estava a figura de duas Tios, ambas levantando uma das mãos enquanto disparavam clarões brancos e negros uma contra a outra.

Os dois clarões coloridos opostos estavam se chocando de frente entre Tio e a imagem falsa usando quimono branco e cabelos brancos como a neve. Os dois clarões estavam engolindo um ao outro. A onda de choque que atingiu a sala de gelo foi criada a partir da colisão dos dois sopros.

“Fufufu, esta sente isso. Teu ódio e tua raiva. O medo e a resignação. Não importa quantas centenas de anos se passem, a tragédia que não pode ser esquecida, a traição das pessoas que tu protegeste tão fácil quanto é virar a mão, os olhares de desprezo e medo, o assassinato de teus companheiros, amigos, pais, a humilhação esculpida em seus corpos.”

— ...

No meio do espaço que estava tingido de luzes brancas e pretas, a falsa imagem de Tio estava exibindo um sorriso repugnante enquanto falava com uma voz que ressoava com clareza excessiva. Essa era a lembrança da grande perseguição que apagou o clã dos dragões da história quinhentos anos atrás. Eles eram a raça mais forte da nação mais forte, no entanto, eles não demonstravam arrogância. Eles eram o maior país que estava longe de se relacionar com a regra da violência, e foi o último deles.

Como o clã dos dragões era pequeno, o país que eles administravam não diferenciava nenhum ser humano ou demi-humano, eles tinham uma coexistência próspera entre várias raças. Eles protegiam os impotentes, apoiavam os fracos, se opunham quando o mal aparecia, independentemente do país, elevando a moral e a virtude. Tal modo de vida era uma piada, mas eles sem dúvida persistiam nesse ideal. Além do povo de sua própria nação, os países vizinhos até exaltavam o clã dos dragões como a “verdadeira realeza”.

Todos foram salvos e protegidos pelo clã dos dragões em algum momento, em algum lugar, por alguma razão. Todos tinham respeito e os idolatravam.

Mas, tais dias de repente encontraram o seu fim.

“O clã dos dragões é formado por monstros.”

Esse pensamento tolo estava se espalhando entre as pessoas depressa e como um pesadelo. Em todo o continente, não importava em qual clã você olhasse, não havia raça que pudesse se transformar por completo em outra. Aquela força esmagadora e a aparência bestial da completa dragonificação eram certamente algo que obscurecia a fronteira entre a humanidade e a monstruosidade.

Mesmo assim, suas conquistas até agora e seu nobre modo de vida não poderiam ser negados. Independente do momento em que esse pensamento estava se espalhando, os olhos das pessoas mudaram de reverência para medo, de confiança para dúvida, e depois de aspiração para desdém.

“Ó tu. Naquela época, foi uma sensação muito emocionante, não foi? Se lembra, da vez em que você esmagou a igreja e a tornou pó. Mesmo naquela época de grande perseguição, as pessoas que nos cercaram e uniram todos os países contra nós pertenciam à igreja. Pisotear o odioso inimigo, foi um prazer indescritível, não foi?”

A imagem falsa falou. No início, Tio disse que estava ajudando Hajime, mas na verdade o que realmente a deixou encantada foi poder realizar sua própria vingança. No final do dia, para Tio Klarus[4], em vez da vida e morte de Hajime Nagumo, a coisa mais importante para ela era obter a justa causa em nome de sua vingança, foi o que disse a falsa imagem.

Ouvindo essas palavras, Suzu e Ryutaro, que só conheciam a figura de Tio que estava sempre mostrando seu afeto a Hajime de modo franco, arregalaram os olhos em choque e olharam para a ryujin.

Contudo, Tio nem sequer tentou protestar, ela só ficou quieta e continuou lançando seu sopro. Era como se estivesse afirmando as palavras de sua falsa imagem.

Talvez ficando de bom humor por causa disso, a língua da cópia estava ficando cada vez mais afiada.

“No início, mesmo quando você pensou em ir junto com Hajime Nagumo, na verdade, o que você realmente pensava era em ‘usá-lo’, não era? O poder daquele homem é anormal. E assim, não há como aquele poder não se destacar. E, nesse caso, o mentor daquela grande perseguição que de maneira artificial começou de repente... o Deus também direcionaria sua atenção para ele. E então, assim como o que ele fez com o clã dos dragões que uma vez possuiu poder, o Deus também mostrará suas presas mais uma vez. Quando isso acontecer, as presas de Hajime Nagumo também seriam direcionadas ao Deus, isso poderia ser útil para a morte da divindade, foi o que tu pensaste.”

Esse foi mesmo um pensamento calculista. Era um modo de pensar que se distanciava cada vez mais do habitual de Tio. Suzu e Ryutaro, que escutaram de longe, pensaram que isso era inacreditável.

Entretanto, as palavras que a imagem falsa da própria pessoa falava não eram de modo algum uma mentira. Mesmo que fosse apenas algo leve, mesmo que a pessoa não soubesse disso, essa era de fato uma emoção que a pessoa possuía, mesmo que fosse apenas um fragmento em seu coração. Por essa razão, olhar para o lado desconhecido de Tio, que era uma pervertida com fetiches masoquistas, mas que às vezes mostrava um aspecto gentil e intelectual, deixou os dois alunos incapazes de esconderem o choque.

Talvez notando a condição desses dois, a ryujin lançou um olhar para eles. Em seu rosto, não havia nenhuma emoção visível. Nem mesmo alegria, ou seu sorriso jocoso, ou sua bondade, ou a luz do intelecto, nada disso foi refletido ali. A expressão de Tio que eles viram pela primeira vez os fez engolir em seco.

“Humanos, demi-humanos, os demônios e depois Deus. Naquela época, tu odiaste tudo o que roubaste aqueles importantes para ti. Mas, esse ódio, essa raiva, isso é algo natural para tu teres. Sim, vingança, é o teu direito legítimo!”

O clarão branco estava começando a engolir o clarão preto. O equilíbrio do poder começou a desmoronar. Talvez fosse porque as palavras da imagem falsa estavam sacudindo o coração de Tio.

A mulher se lembrava. Seus pais sempre falavam com orgulho e de forma nobre. Na verdade, os dois lutaram para permitir que o clã escapasse, até o fim eles persistiram na dignidade do clã dos dragões. Dessa forma, esses sentimentos dentro de Tio que justificavam o ódio e a raiva em relação as outras pessoas, o sentimento que afirmava vingança, eram uma traição com seus pais.

A boca da falsificação se distorceu em um sorriso olhando para o poder enfraquecido de Tio enquanto, lentamente, apresentava a mão que não estava liberando a magia.

“Pegue a mão desta. Se tu fizeres isso, esta te capacitará a realizar essa vingança. Está tudo bem não reprimir com força o fogo infernal ardendo dentro de teu coração. Tua presa da vingança não vai desaparecer por causa do tormento de tua consciência. Esta habilmente liderará Hajime Nagumo. Não te preocupes, aquele homem também não pensa de forma desfavorável desta. Ele é um homem gentil com qualquer uma que entrar em seu coração. E existem muitas maneiras de fazer isso.”

Isso era uma tentação. Um incentivo para transformar a chama da vingança dentro do coração de Tio em um incêndio infernal. Isso não foi algo para ferir o coração da mulher e quebrá-lo para que ela pudesse ser morta, foi semelhante ao desafio de Ryutaro, foi um ataque que visava uma mudança de mentalidade usando a tentação. Também era uma armadilha para estimular Hajime e seu grupo a matarem um Deus ao usar Tio.

A força do sopro branco estava ficando cada vez mais forte, o poder negro estava ficando mais fraco, como se expressasse o coração de Tio. Talvez por eles terem sentido o perigo a partir dessa situação, Suzu e Ryutaro estavam gritando: — Tio-San, não ouça isso! —, — Se recomponha Tio-San! —, com expressão tingida pelo mal-estar.

O clarão branco estava prestes a atingir. Tio iria ser apagada assim, ou talvez ela fosse tomar a mão da imagem falsa e se tornasse outra pessoa, uma que faria uso de seus companheiros. Nesse caso, seria impensável que Suzu e Ryutaro, que testemunharam isso, estariam seguros.

Mas, neste momento, mais do que o perigo para si, o sentimento dos dois alunos de não querer ver a figura de Tio, cuja existência era a de uma pervertida, mas também de uma irmã mais velha confiável para eles, cair na escuridão era muito mais forte. O sentimento deles era tão forte que eles estavam pensando que, mesmo se Tio não olhasse para eles, eles apenas desfariam a barreira e combateriam a falsificação.

Porém, no momento em que parecia que a ryujin cairia, de repente, uma voz ressoou. Essa foi a voz de Tio, que até agora não havia dito nem uma única palavra.

— Nós, não sabemos o significado de nossas próprias existências.

Foi uma voz calma. Em vez de chamar isso de falar, era mais como comprovar algo dentro de si mesma.

— Este corpo é o de uma fera, ou de um humano? Se tudo nesse mundo tem significado, então onde poderia estar essa resposta?

“Essas palavras…”

A imagem falsa notou algo e soltou um murmúrio. Ao mesmo tempo, ela notou como o progresso do ataque que ela disparou parou.

— Muitos meses e anos sem uma resposta. Nesse caso, seja humano ou fera, vamos manter nossa alma com determinação.

“... minha força... impossível, mas o que foi que começou isso?”

O clarão preto estava seguindo em frente. Com muito esforço, o branco foi tingido de preto, a distância roubada foi recuperada. A cópia sentiu como a força dentro dela estava enfraquecendo junto com sopro sendo empurrado para trás. Tio deveria estar ouvindo todas as suas palavras todo esse tempo enquanto permanecia em silêncio. Ela não era capaz de refutar nem mesmo uma única coisa, uma brecha foi feita naquele coração, e ela estava prestes a sucumbir ao seu eu negativo, era assim que deveria ser.

Apesar disso, sem qualquer sinal de aviso, Tio de repente deu a volta por cima. Enquanto a imagem falsa estava confusa, palavras sonoras ressoaram com clareza, o que aos poucos até pintou o rugido estrondoso causado pelo choque das magias.

— Os olhos do dragão enxergam através da verdade, destruindo o engano e a suspeita.

Embora fossem os olhos da fera, isso não era algo apenas para fazer alguém se afogar no terror. Possuindo intelecto também, eles veriam a verdade e se tornariam algo para salvar alguém.

— A garra do dragão rasga a muralha de aço, esmagando o ninho da malícia.

Se houvesse pessoas a se proteger, então ela esmagaria qualquer tipo de inimigo, não importava quem fosse. A garra do dragão era usada apenas para derrubar o mal.

— A presa do dragão esmaga a própria fraqueza, lavando o ódio e a raiva.

Essa era uma figura gigantesca, muito separada do homem, exatamente por causa disso, eles tinham que se disciplinar com rigor. Se fosse por causa disso, então mostre essa presa até para si mesmo. Deixar o corpo queimar em ódio e raiva e perder o raciocínio, era algo imperdoável por si só.

— Benevolência, no momento em que isto está perdido, somos apenas uma fera.

Se a própria pessoa fosse reduzida a utilizar o poder apenas seguindo a emoção, ferindo os inocentes, vamos reconhecer a verdade. Eles seriam meras feras.

Porém...

— Seja como for, contanto que continuemos a empunhar a espada do raciocínio... nós somos os ryujin!

Tio abriu bem os olhos com sua proclamação. Sua pupila se dividiu verticalmente e exibiu sua bestialidade, brilhando na cor dourada. Ao mesmo tempo, a pressão invisível estava transbordando da ryujin. Era igual a pressão da água de uma grande cachoeira, mas diferente da tempestade brutal de Hajime, essa pressão era como quando alguém olhava para uma montanha sagrada que era muito alta, fazendo com que a pessoa quisesse curvar a cabeça para a natureza. Tal coerção... se fosse para expressar em palavras, então isto seria o que chamamos de vontade suprema.

“… não me diga... tu. Tu estavas se segurando?”

A expressão da imagem falsa se transformou em um olhar incrédulo. Não havia nada a se fazer quanto a isso. Não havia nada que pudesse desencadear isto, embora a mente de Tio enfraquecesse e garantisse poder à falsa imagem, ela de repente virou o jogo como se não fosse nada demais. Havia apenas uma explicação.

Tio estava controlando o enfraquecimento e fortalecimento de sua própria mente.

Não era algo comum como controle mental que poderia até mesmo enganar o julgamento de um grande calabouço. Se todos do grupo de Hajime fossem forças de combate trapaceiras, então Tio poderia ser uma trapaceira mental.

— Ó vontade do grande calabouço. Esta agradece a ti. A oportunidade de ouvir o próprio coração não pode ser obtida com facilidade. Porque o coração é algo como um vasto mar, talvez haja uma lacuna criada enquanto esta mesma não percebe e então esta fez uso de ti, porém... de modo inesperado, esta obteve uma bela colheita.

Essas palavras fizeram com que a imagem falsa compreendesse que sua suposição estava correta e sua expressão estava se tornando cada vez mais incrédula.

“… mas, não há falsidade no que esta disse! Não há como a tua falsa emoção desaparecer! Por que esta está tão facilmente...”

As palavras da imagem falsa fizeram com que Tio apertasse os olhos com calma. E então ela fortaleceu sua mente ao ponto de tirar o poder da imagem falsa até o fim.

As mangas de seu quimono preto e seus longos cabelos negros e lisos que chegavam até a cintura balançavam devido à torrente de poder mágico, enquanto Tio estava em pé de forma majestosa, sua figura com a mão estendida para frente era tão bonita que se Hajime estivesse lá, seu olhar com certeza seria roubado, mesmo que Yue estivesse ao lado dele.

Nem mesmo um fragmento de sua perversão estava aparecendo, com sua figura de pé que poderia ser confundida com a de uma rainha, Tio colocou sua alma em suas palavras e as pronunciou.

— Não menospreze esta. Saibas quem esta é.

Enquanto a pessoa fosse humana, era impossível não ter uma emoção negativa. O que a falsificação dizia sobre seu lado calculista, seu coração vingativo, com certeza existia dentro do coração de Tio. Mas, se fosse para responder a dúvida da imagem falsa, a resposta poderia ser vista na proclamação da alma do clã dos dragões pouco antes disso. O juramento que foi passado entre o os ryujin era exatamente o pilar que estava apoiando a mente de Tio. Enquanto ela fosse parte do clã dos dragões, esse seria seu núcleo absoluto que nunca iria se quebrar.

Se ela ainda não entendia isso, então, a mulher proclamou com o orgulho e a nobreza dos ryujin.

— O dragão orgulhoso... a descendente dos clã Klarus, Tio Klarus está aqui!

Essa foi a resposta. Como ela era o dragão, Tio Klarus não quebrou. Isso era tudo.

A cópia de Tio não tinha palavras. Em sua expressão, parecia que havia algum tipo de compreensão, como se fosse para dizer que ela foi espancada, a falsificação estava mostrando um sorriso vago que parecia indicar isso.

Para sua imagem falsa, Tio majestosamente compartilhou suas últimas palavras.

— Coisas como a presa de vingança… não se comparam ao poder da verdadeira presa de um dragão. Tu podes prová-lo com esse teu corpo.

Logo após isso, o sopro de Tio pulsou, tornando-se mais espesso como se fosse duplicado, não tolerando nem a mais pequena resistência e engolindo todo o branco. E então, sem parar, abriu um grande buraco na parede da sala e se dispersou.

Mais tarde, não havia mais nada sobrando. Depois de dar uma olhada no espaço de gelo que foi reparado na mesma hora, e a passagem de gelo recém-aparecida, Tio virou-se sem parecer feliz ou comovida.

Olhando para o resultado, ela estava intacta. Ela dobrou a manga de seu quimono preto de forma graciosa e elegante, afastando o cabelo pendendo na frente dela com uma mão. Essa atmosfera tranquila e o belo gesto, complementados com a força esmagadora de um momento atrás, fizeram palavras de beleza inigualável flutuarem na mente de quem a visse.

— Isto é ruim... é como, se Suzu fosse encontrar a sua segunda Onee-sama.

— Eu não estou pensando em nada. Ééé, eu não estou pensando em nada e vou continuar assim. Maldição.

Talvez a conversa entre Suzu e Ryutaro chegou aos ouvidos dela, Tio voltou seu olhar para os dois e sorriu de forma suave. Até esse sorriso deixou os dois completamente atordoados com cada pedacinho dele.

— Vós estais seguros. Para vós chegares aqui significa que os dois passaram por vossos desafios, correto?

— Si-sim. De-de alguma forma…

— Si-sim, senhora. Nós passamos, senhora.

Tio inclinou a cabeça em direção a Suzu e Ryutaro, que estavam agindo de modo estranho. Até tal gesto não era algo bom para o coração dos dois alunos neste momento. Mesmo que em geral ela fosse apenas uma pervertida exagerada, esta diferença foi golpe baixo! Os dois queriam fazer essa contestação em voz alta. Em especial Ryutaro.

Mesmo enquanto se sentia confusa sobre o estado dos dois, Tio olhou para a passagem em que Suzu e Ryutaro passaram atrás deles.

— Foram apenas vós que se juntaram?

— Si-sim. Nós não vimos mais ninguém.

Concordando: — Então é isso. — com a s palavras de Suzu, a ryujin ficou com uma cara desapontada. E então, com sua expressão aflita que fez a temperatura do corpo dos dois estudantes aumentar ainda mais, ela soltou uma voz baixa.

— Se o mestre estivesse aqui, e tivesse ouvido sobre o meu pensamento quando o conheci e que minha imagem falsa expôs... esta seria castigada sem demora. Além disso, seria uma punição extraordinária, sem dúvidas. Que infelicidade.

"O que é infeliz é você!"

Inconscientemente, Suzu e Ryutaro fizeram essa refutação em harmonia. Foi realmente, realmente lamentável... em vários sentidos.

Entretanto, apenas por pouco tempo, foi um alívio ver que Tio era mesmo uma pervertida como eles esperavam, mas isso acabou parecendo uma derrota, assim, os dois alunos nunca diriam isso para ninguém.


Notas

[1] Yamato Nadeshiko (大和撫子) é como os japoneses se referem a uma mulher com atributos que são considerados tradicionalmente desejáveis na perspectiva dos homens da sociedade; geralmente atribuído a pessoas com educação tradicional. É um assunto vasto, mas com uma complicada estética japonesa.

[2] Trabalhador compulsivo, ou workaholic, é uma pessoa que trabalha compulsivamente. Enquanto o termo geralmente implica uma pessoa que gosta de seu trabalho, ele também pode implicar que ela simplesmente se sente obrigada a fazê-lo. Não há definição médica universalmente aceita desta como uma condição, apesar de que algumas formas de estresse, transtorno de controle de impulso e transtorno obsessivo-compulsivo podem ser relacionadas a trabalho.

[3] Merlion é um conhecido ícone de marketing de Singapura que representa uma criatura mítica com uma cabeça de leão e o corpo de um peixe. É amplamente utilizado como uma mascote e personificação nacional do país.

[4] Alterando “Clarce” para “Klarus”.



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