Volume 1

Capítulo 15: Tempestade

Eithor Guile

 

[Quinta-Feira 16 de Fevereiro de 2404, 23:00 da noite]

 

A perna do meu filho estava inquieta enquanto olhava pela janela do carro. A noite chuvosa se escurecia cada vez mais, só havia nosso carro na estrada cercada por floresta. Árvores se encurvaram cada vez mais em direção à estrada à medida que íamos mais fundo nessa reserva.

 

Fracasso…

 

Suspirei à medida que a ansiedade também se espalhava por mim. Devia ser simples, como uma limpeza rápida e precisa, onde eu errei? Pensei no meu plano, revisei ele nos últimos três dias e realmente fiquei decepcionado comigo mesmo por ter criado algo tão medíocre. 

 

Leonardo, ele é mais sentimental do que um supervisor comum. 

 

Glória e Marcelo deveriam ter sido eliminados pelo Bartolomeu. O filho e marido de Glória deveriam ter sido mortos pelo serviçal do Anjo, e depois eu deveria ter conseguido levar a cabeça de Goro em uma bandeja de prata para Vanilo. Mas tudo falhou por causa de um homem sentimental…

 

O frio percorreu minha espinha ao pensar na punição que receberia. Marvolo, um dos nomes mais respeitados no paranormal, por que alguém abriria mão de tal privilégio que nem Glória fez? Se a morte é a punição que ele aplicou em sua neta e sua família por desertar, o que ele fará comigo?

 

O pensamento fez o frio se intensificar em minha coluna. Olhei para meu antebraço esquerdo onde minha marca da devoção estava entalhada na minha carne, uma estrela de sete pontas maior que uma moeda. A ferida ainda sangrava em algumas ocasiões, mas estava se curando bem e isso é um bom sinal de certa forma. 

 

Com isso poderemos nos salvar. 

 

Famílias nobres estão sendo convidadas a se salvar quando o dia chegar. Na minha opinião, isso será com a presença de uma entidade celeste caindo sobre nós e com certeza não vou estar do lado que vai ser dizimado. O pensamento fez minha marca arder levemente, como uma advertência. 

 

Tenho que reger melhor meus pensamentos.

 

O carro parou antes que pudesse explorar mais o meu conhecimento sobre a marca. O frio em minha coluna permanecia intenso, meu filho se virou para mim com aflição no olhar, mantive minha compostura calma para reconforta-lo enquanto saía do carro. O vento frio e úmido me fez fechar meu casaco e apertar mais o cachecol ao redor do meu pescoço. 

 

— Só fale se ele ou alguém falar com você, Alefe. 

 

— Sim, pai. 

 

Olhei ao redor para ver uma mansão antiga cercada pela clareira que estávamos. O chão ao nosso redor tinha caminho de pedras levando a mansão e um grande pergolado de madeira à direita da mansão. Luzes e silhuetas chamaram minha atenção e segui em direção ao pergolado com meu filho. 

 

O filho mais velho do Vanilo foi o primeiro a me comprimentar ao entrar na estrutura de madeira. Manuel, seu porte robusto era intimidador por si só. Sua cabeça raspada tinha muitas tatuagens que se encontravam com sua barba trabalhada. Ele me deu uma aperto de mão e sinalizou para o meio do pergolado. 

 

No centro da estrutura havia bancos ao redor de uma fogueira cercada por uma construção e pedras em sua base muito semelhante a um altar. Sentei-me no banco vazio com Alefe ao meu lado, os outros dois filhos do Vanilo estavam sentados nos bancos à nossa frente. Eles encaravam o fogo crepitando no altar à nossa frente com um olhar vazio.

 

À minha esquerda estava a filha do meio. Penelope, seu cabelo loiro aparado descia até pouco abaixo dos ombros, seu rosto maduro e elegante encantaria qualquer um com facilidade se quisesse. Uma bela mulher, de fato. Por de trás de tanta elegância, seus olhos negro eram vazios e sem sinal de qualquer sentimento. 

 

À minha direita estava o atual filho caçula. Bernardo, seu cabelo negro estava penteado para o lado, suas roupas sem um único amassado e sua postura impecável mostravam sua classe. Sua aparência elegante também servia para esconder o vazio que seus olhos carregavam, entretanto algo se destacou além das roupas caras. Uma cicatriz no lado esquerdo dos seus lábios que descia até seu queixo. 

 

O silêncio reinou bom algum algum tempo. Dentre todos, Manuel era o único que parecia estar indiferente com o ambiente e silêncio. Olhei de novo para Bernardo para confirmar uma especulação própria. Ele era o único dos três a ser um anômalo depois da morte de sua irmã mais nova a muito tempo, mas ele parecia o mais tenso agora… por que?

 

A mãe da Glória era dita como prodígio. A mais nova e a quarta e última filha que Vanilo teve, mas ela abriu mão de tudo e desertou para ter uma família com Goro. Por que? Nunca vou entender tamanha idiotice, se unir a um bastardo sem nenhuma descendência conhecida. Mesmo que isso seja verdade, sou incapaz de sustentar o argumento. 

 

Goro é um monstro…

 

O frio em minha coluna retornou mais intensamente com uma lembrança. A visão daquele homem quando era mais jovem, seu olhar de fúria recaindo sobre mim enquanto parecia totalmente pronto para me matar. Ele se tornou forte, mas isso nunca vai alterar sua origem inferior.  

 

Toques no piso de madeira chamaram minha atenção. Os toques vinham por trás do meu assento, os dois filhos se ajeitavam ainda mais enquanto o peso do ambiente aumentava. Uma bengala lustrosa apareceu primeiro. Depois do que pareceu uma eternidade, Vanilo Marvolo apareceu para caminhar em direção ao banco de frente para o meu.

 

Seu corpo esguio era ereto e se portava com uma elegância jovial. Ele se sentou e encostou a bengala ao seu lado, seu único olho veio em direção aos meus, uma esfera que brilhava em roxo intenso me analisando de cima a baixo. Apenas fiquei em silêncio enquanto ele me julgava com seu olhar, busquei algo para mover minha mente. 

 

Os acontecimentos da missão recaíram em minha consciência. O serviçal teve seu corpo destruído em uma luta que tenho poucos detalhes ainda, mas pelo que sei talvez ele ainda esteja vivo e refugiado no astral. A morte do marido e o ferimento causado na criança talvez sejam notados como um prêmio de consolação, isso já seria o bastante para mim. 

 

Voltei minha atenção para Vanilo. Seu olho direito estava fechado com uma cicatriz em sua pálpebra, sua mão esquerda parecia ressecada e era mais magra e ossuda que a direita, mas parecia que isso pouco o incomodava. Pelo que sei, na noite que Glória foi embora com seu pai houve uma briga entre os dois homens. Agora me pergunto quem ganhou este duelo. 

 

— Bom, tenho pouco a dizer já que você sabe que fracassou… eu esperava muito mais de você, Eithor. — Seu tom era calmo e resignado.  

 

— Sinto muito, eu pensei que…

 

Ele ergueu sua mão para que eu parasse. Manuel estava atrás de sua cadeira como um guarda costa, Vanilo parou por um momento e se virou para Bernardo. Vanilo deu a ele um olhar de desaprovação que parecia uma linguagem única de pai e filho. Sua carranca logo foi dissolvida pela sua máscara inexpressiva ao se virar para mim. 

 

— Glória, Goro e Samuel estão vivos, isso é mais do que uma falha, Eithor, como você consegue errar dessa forma? 

 

— Eu julguei que Bartolomeu conseguiria matá-los…

 

— Bartolomeu… aquele era um filhote em desenvolvimento, você gerenciou mal seus recursos e esse resultado está mais que horrível. 

 

Suas palavras caíram como um martelo sobre meu orgulho. Bartolomeu tinha um cenário favorável para potencializar sua obra, mesmo que o elemento surpresa tenha sido perdido. A culpa é dele por brincar com outro predador, uma pessoa igual a Glória é de alto risco. Ele deveria tê-los matado e seguido o plano, isso teria deixado o serviçal e a mim livre para cuidar do Goro. 

 

Teria sido uma sentença de morte para mim lutar sem o serviçal.

 

Essa missão sempre foi um teste para julgar meu valor. Notei isso quando Goro foi incluído na lista de alvos, mesmo para mim ele é um obstáculo perigoso. A criatura deveria servir como um supressor de danos, mas ela também já teve um encontro fracassado com Goro no passado. Isso sempre me cheirou mal, desde o princípio, mas olhando agora...

 

— Você já previa que eu iria fracassar, que diferença faz agora? O marido dela está morto e o filho dela está gravemente ferido, isso já é alguma coisa — falei com firmeza. 

 

Ele conteve uma risada. 

 

— Você não entende, Eithor? Goro e a árvore eram os objetivos principais, você falhou em conseguir ambos e ainda falhou só obtendo uma morte e a menos significativa entre elas. 

 

A maldita árvore! Já havia me esquecido desse incômodo, tudo que eu tinha era uma explicação do que ela era e que meus alvos sabiam onde ela estava. Aquela árvore era apenas um canal para uma entidade. Eu estava monitorando o marido da Glória por meses esperando que ele me levasse até ela, mas sempre acabava em nada.

 

Essa entidade deveria ser meu maior troféu além de Goro. Encontrar e captura-lá deveria representar completa força e utilidade da minha parte, mas agora é tarde para repensar meus planos. Deixei minha mente vaguear em busca de desculpas ou explicações, mas qualquer desejo de mentir era respondido por um pulsar doloroso na minha marca. 

 

— Estou decepcionado com você, Eithor, muito decepcionado por esse resultado tão vergonhoso e com seu orgulho em relação a ele. — Sua voz tinha mais do que frieza, um tom de real tristeza vazou dela. 

 

— Eu posso redimir isso, eles estão vulneráveis agora! 

 

— Goro é um felino, ágil, esperto, habilidoso e… letal, mas ele é apenas parte de um problema que eu estou lidando, sozinho. Me diga, Eithor, já ouviu falar do nome ¨Aurora¨? 

 

Meu silêncio foi recebido com um olhar de reprovação. Áureos… funcione, cabeça! Busquei em minha mente todos os termos usados no paranormal para pessoas ou poderes diferentes, busquei por ordens ou religiões criadas por celestes, mas nada apareceu. Por que isso é importante? 

 

— Se você nunca se importou com história, talvez deva retomar seus estudos sobre o oculto, na seção mais confusa e enigmática o nome Aurora deverá aparecer — zombou enquanto me encarava. 

 

— O que é isso afinal? O que isso tem haver com essa situação? 

 

Seu olhar reprovador se aprofundou mais.

 

— Não darei comida na sua boca, Eithor, mas aqui vai um incentivo para sua atrasada e preguiçosa leitura sobre o oculto: Aurora, um grupo de pessoas com uma descendência muito interessante… Descubra o resto sozinho. 

 

Suas palavras ecoaram na minha mente. Descendência muito interessante… o que isso quer dizer além do óbvio? Minha mente saltou de um ponto a outro enquanto algumas peças se conectavam. Existe um motivo para ele trazer isso e o mais lógico para mim é que Goro é uma dessas pessoas.

 

Quando se fala de descendência se entra em um lugar complicado. Minha família tem uma árvore genealógica impecável, mas outras famílias têm pouco zelo com seu passado. O importante é a pureza do sangue, sangue de dois anômalos com descendência nobre é o ápice dessa bela e perfeita pureza. Os comuns e nascidos são o ponto mais baixo dela.

 

Nascidos que nem mesmo possuem uma obra hereditária. Eles nascem dos comuns sem nenhuma descendência como anomalias. Para mim eles e os próprios comuns são todos iguais, fracos que devem ficar longe do paranormal. Essa visão é punida pelos ignorantes, sendo a maioria deles mestiços entre nascidos ou comuns com um anômalo. 

 

Deixei o pensamento sobre os ignorantes de lado para focar no importante. O que essa descendência tem de diferente de muitas outras? Isso está muito abstrato, é um teste para meu conhecimento sobre nossa história? O arrependimento se sediou em minha consciência por dar pouco valor à leitura. 

 

Vanilo apenas me observava em silêncio. Seu silêncio me incomodava mais do que suas palavras contra mim. Minha mente coçou buscando um assunto a ser tratado, uma forma de suavizar as coisas, mas poucas opções apareceram. Deve haver uma maneira de provar meu valor…

 

— Eu ainda posso corrigir as coisas, posso descobrir onde eles estão e dessa vez não haverá falhas, eu insisto nisso. — Deixei meu tom uniforme e mantive uma expressão firme. 

 

— Eles estão a caminho de uma terra muito bem protegida e essa decisão está longe de ser minha, receberemos orientação de cima sobre isso… mas antes de qualquer coisa. 

 

— O que? — Minha postura vacilou.

 

Vanilo deu um breve sorriso. Meu filho começou a grunhir de dor enquanto segurava seu antebraço e logo depois o meu também começou a arder como se ferro em chamas tivesse sido sobre minha pele. A ardência pulsava logo abaixo da marca de devoção, a dor assumiu uma forma em meu braço e se espalhou pelo meu corpo. Que… merda. 

 

A dor foi reduzida após alguns minutos. As pulsações continuavam a enviar ondas de ardência por todos os meus músculos. Puxei a manga do meu casaco para ver que a manga da minha camisa estava com um líquido preto esverdeado, fedorento e viscoso. Por debaixo da manga da camisa, o mesmo líquido saia de uma ferida no formato do número um romano. 

 

Meu filho se dobrou por cima do antebraço enquanto chorava. O fedor do líquido começou a subir e se espalhar no local. Demorou alguns segundos para eu notar que esse líquido era meu próprio sangue. A ferida necrosada estava começando a cuspir sangue vermelho ao invés de preto, isso já é alguma coisa boa, espero. 

 

Tivemos sorte…

 

A obra hereditária dos Marvolos. Obras hereditárias são um dos motivos da descendência ser algo tão importante para nós. Formas de poder que podem simplesmente facilitar nossas vidas apenas por possuímos elas, elas devem ser guardadas apenas para nós e nosso sangue. É uma vergonha pensar na obra da minha família em posse de um mestiço. 

 

Essa obra que acabei de ser vítima é mais que poderosa. Contágio, um nome simples para algo tão letal na minha opinião. Pelo que sei pode apodrecer tudo que está impregnado pela energia do usuário. Se eu fizesse algum esforço acho que poderia resistir, mas o resultado teria sido pior para mim de muitas formas.

 

— Considere isso piedade, uma forma de garantir que nem você nem seu filho falhem com nossa causa novamente. A primeira e ultima vez… fui claro? — Um sorriso verdadeiro apareceu nas feições do Vanilo, mas logo desapareceu também. 

 

— O-Obrigado… — Empurrei as palavras para fora. 

 

Vanilo se virou para meu filho com um olhar descontente. Puxei seu corpo do rapaz para cima e sua expressão chorosa me saudou. Agradeça seu idiota! Quer nos matar?! Meu filho demorou um pouco, mas recuperou a compostura o suficiente para falar. 

 

— Obrigado por sua misericórdia para conosco, Senhor Vanilo. — Alefe tinha seus olhos pregados no chão. 

 

Vanilo parecia satisfeito. Seu olho vagava ao redor com admiração, mas sua feição parecia aguardar algo… Busquei palavras para articular uma conversa, mas tudo pareceria uma puxação de saco e isso é  algo que sei que ele odeia.

 

— Sobre o serviçal… 

 

— O corpo dele foi destruído por uma obra realizada pelo irmão de Vincent Merial, seu espírito vai demorar algum tempo para retornar da sua estadia na penumbra — explicou ele me interrompendo

 

— Irmão de… como você sabe disso, o senhor estava lá? 

 

Ele soltou um riso e olhou para mim como se eu fosse uma criança.

 

— Normalmente odeio receber perguntas idiotas, mas vou tolerar sua ignorância, dessa vez. Nosso anjo me contou isso, ele é quem vai nos orientar hoje e lhe dar uma tarefa, Eithor.

 

Suas palavras fizeram meus pensamentos pararem. No grande vazio que ficou na minha mente, o medo se instalou e se espalhou por meus sentidos. Anjo? Me conhecer? Pensei que isso era apenas mais uma religião, que os planos demorariam anos para acontecer. Como uma entidade celeste está aqui?

 

Esses seres têm muitas capacidades. Mas mesmo para eles, a regras que precisam ser seguidas. Os espíritos pequenos como o serviçal possuem um pouco mais de facilidade para passar pro nosso lado, afinal seu corpo já foi destruído no passado. No mínimo em dois anos ele consegue construir um novo para habitar e andar entre nós. 

 

Entidades celestes são mais poderosas. Como colocar um oceano em um jarro de água, a água irá vazar e com a pressão o jarro quebra. Eles demoram décadas para construir um corpo capaz de suportar seus poderes, e tem que abrir mão de muitas vantagens para estar aqui. Um dos poucos registrados por fazer isso sumiu a muito tempo. 

 

Então como isso aconteceu tão… Um gongo soou em minha mente. Ele está aqui a quanto tempo? Essa é a pergunta certa para essa situação, ele existe a mais tempo e é por isso que já está aqui. Meu olhar desnorteado foi para Vanilo, sua expressão parecia estranha enquanto ele olhava para além de mim.

 

Olhei ao redor para ver que todos tinham o mesmo olhar de respeito em minha direção. Antes que pudesse girar para trás, um cobertor pesado de poder inundou minha consciência. A realidade parecia falhar enquanto eu grunhia de dor e me escorei no altar à minha frente. 

 

Vi uma silhueta contornando meu assento em direção a Vanilo. Virei-me para trás e vi meu filho com ambas as mãos na cabeça com uma expressão de dor. Juntei cada grama de força que tinha para olhar para Vanilo. Isso é diferente da sensação de dor da sua obra… essa dor estava entrando pela marca. 

 

Meus olhos se arregalaram e minha mandíbula ficou frouxa. Vanilo deu seu assento para uma pessoa de manto e esperou ao lado dela. A pessoa tinha um longo cabelo grisalho e seu rosto não se prendia a um gênero específico enquanto me encarava. Seu manto branco com costura e estampas laranjas complementaram sua beleza única.

 

Suas feições elegantes e um pouco efeminadas perdiam o foco para seus olhos. Quatro olhos vermelhos me encaravam com curiosidade, o par extra de olhos em suas bochechas tinham os mesmo cílios alongados que os de cima e pareciam naturais mesmo estando onde estavam. Ele mexeu em seu manto e reparei que ele possuía quatro braços. 

 

Talvez pelo manto ele parece um pouco mais robusto. Seus quatros braços e a silhueta do seu corpo através do manto entregavam sua estatura magra e delicada. Eu perdi os sentidos por um instante enquanto assimilava o que estava vendo. O ser inclinou a cabeça para o lado, senti seu olhar curioso dissecando minha mente através da marca. 

 

Você terá alguma utilidade. — Sua voz soou em minha consciência, calma e ao mesmo tempo carregava o porte de um comandante. 

 

Seu olhar foi para meu filho. A pressão em minha mente diminuía, mas ainda era como respirar com um joelho pressionado na garganta. Suas feições tinham descontentamento enquanto dava o mesmo olhar avaliador para meu filho. O medo cresceu em mim, o que aconteceria se não houvesse utilidade?

 

Pode ser melhorado. — Sua voz surgiu com reprovação. 

 

A criatura nos observava em silêncio junto a Vanilo. Estar na presença dele era mais que sufocante, como estar na frente de um predador enquanto ele decide se você vive ou morre. Os filhos do Vanilo tinham suas cabeças baixas enquanto a criatura apenas os ignorava.

 

— Eu… eu estou honrado em estar em tua presença — Minha voz mudava da certeza ao medo. 

 

Você deixou uma péssima impressão para mim, os próximos passos irão acontecer, mas você é capaz de nos acompanhar? 

 

— Sim! 

 

Os olhos do Emissário se estreitaram. 

 

— Prove sua utilidade e se redima por seus fracassos… Samuel, a criança tem algo que eu quero, traga-o para mim… viva.

 

Olhei para Vanilo e ele apenas me encarou. Essa missão é mais que insana, vai demorar muito pouco para Leonardo dizer que eu dei a localização para Glória e Goro vai me colocar na sua lista de alvos. Pior que ele, a cúpula também poderá aparecer, eu serei levado a julgamento e isso é o fim para o legado da minha família. 

 

Mas eu posso recusar?

 

Se eu recusar será morte certa. Ferramentas inúteis ou que se rebelam são descartadas, Vanilo não vai arriscar que o segredo vaze. A Dama da Lua tem defesas fortes e ninguém que a segue vai entregar a criança para mim de boa vontade, as terra protegidas por ela banem qualquer sinal de malícia. Preciso de um jeito e posso descobrir qual!

 

Isso é melhor do que morrer pelo Contágio ou pela as mãos de um celeste. 

 

— Eu farei isso, senhor. — Morrer nessa situação é melhor que fracassar. 

 

O olhar do anjo parecia satisfeito. Vanilo me deu um aceno de cabeça e o silêncio durou por algum tempo. 

 

Sua missão já está dada, agora vá. 

 

Eu assenti respeitosamente e puxei meu filho pelo braço. 

 

— Eithor — chamou Vanilo.

 

Olhei para trás retendo meu medo. 

 

— Sim?

 

— Não falhe. — Seu olho com cicatriz estava aberto, um brilho laranja intenso pulsando em sua pupila cega enquanto meu medo crescia. 

 

Acenei rapidamente e com passos rápidos saímos do pergolado. Tropecei algumas vezes na trilha de pedra até chegar no nosso carro. Ordenei meu filho a entrar e me debrucei contra a janela e o teto enquanto assimilava tudo. Terei que burlar as defesas de um celeste para pegar a criança, ou serei morto por outra entidade. 

 

O arrependimento surgiu e se cravou muito fundo na minha cabeça. O medo tomou conta até o ponto em que meu corpo inteiro tremia. Não dá pra voltar agora, preciso fazer isso, pelo legado da minha família e se quiser que ela ainda exista. Deve haver um jeito e eu vou encontrar, nada é invencível… eu acho. 

 

Com um suspiro trêmulo entrei no carro. Dei uma ordem ao motorista e começamos a nos mover. Usei o momento para arquitetar as coisas, com meu celular fiz algumas ligações para meu agentes de campo pessoais. Vou fazer isso direito, não tenho espaço para falhas agora. 

 

A criança vai ser entregue… de uma forma ou de outra. 

 



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