Volume 1

Capítulo 2

Dia 11

Voltando tarde para casa, eu encaro meu tinteiro em silêncio.

Mesmo que este seja um dia que não irei esquecer, não vou escrever nada no meu caderno.

Não importa quão difícil o julgamento, não importa quão grande minha desgraça seja, eu devo rir.

Mas, por agora, só existe silêncio.

 

Leio o papel na minha mesa no escritório. As notícias estão caóticas a manhã toda. Repórteres sensacionalistas enchem a televisão e a internet.

VISITANTES DE YOKOHAMA DESAPARECIDOS FORAM ENCONTRADOS MORTOS

A INVESTIGAÇÃO DE UMA AGÊNCIA DE DETETIVES PARTICULARES FOI A RESPONSÁVEL PELAS MORTES DAS VÍTIMAS?

E então as imagens. O gás branco, as vítimas sofrendo e eu, com a minha mão na gaiola. É só uma questão de tempo até que as fotos sejam capa de algum jornal. O telefone da Agência está tocando sem parar a manhã toda, sem sinal de que vá parar. Até agora, todos foram reclamações, mas não vai demorar até que as famílias das vítimas comecem a ligar para ameaçarem ações legais. Para deixar as coisas piores ainda, nós ainda não temos nenhuma pista do paradeiro das outras sete pessoas desaparecidas.

Quem tirou as fotos no momento que as vítimas foram mortas e por que as tornou públicas?

O telefone na minha mesa faz um barulho estridente. Eu tento atender, mas Dazai prontamente o desliga e coloca de volta no gancho. O som do toque para.

“Parece que isso era exatamente o que o inimigo queria, hein?” Dazai diz, animado. Ele tem uma foto em suas mãos. “Se serve de consolo, essa aqui é uma ótima foto sua.”

Eu tento tirá-la dele silenciosamente, mas ele rapidamente levanta seu braço no ar antes que eu consiga.

“Por que você não tira o resto do dia de folga? Você está horrível.”

“... Não. Tenho trabalho a fazer.”

“Uau. Você não pode tirar um dia de folga mesmo depois de tudo isso? Sabe, alguém atirou pedras em mim em dois locais diferentes enquanto eu tentava chegar ao escritório hoje.”

Olho para fora. Alguns manifestantes estão na frente da Agência, causando uma confusão desde a manhã. Sem dúvida, amanhã serão ainda mais.

“‘Tirar o dia de folga’? Você ficou louco? Temos uma missão de prioridade máxima: Encontrar o criminoso por trás disso.”

“É... tá bom. Você está certo.” Dazai concorda com um olhar vazio em seu rosto.

“E onde está a senhorita Sasaki?”

“Ela está na enfermaria sendo examinada pela Yosano-sensei. Parece que ela vai ficar bem.”

“Vamos fazer uma pequena visita a ela.”

Levanto de minha cadeira. A senhorita Sasaki é a única vítima que sabemos ter tido contato com o assassino que sobreviveu para contar história. Provavelmente poderemos descobrir quem é o autor dos crimes se conseguirmos descobrir como ele está sequestrando as pessoas.

Casualmente olho para a foto antes de seguir o Dazai até a enfermaria. Você pode ver claramente o meu rosto nas fotos junto do da senhorita Sasaki e das vítimas, mas a maior parte que se consegue ver do Dazai é a faixa de seu sobretudo. Como ele foi capaz de evitar as fotos secretas?

 

 

“Me desculpem... eu realmente queria ser capaz de ajudar vocês, mas...”

A senhorita Sasaki encara o chão, impotente.

“Eu sempre fui propensa a doenças e sou anêmica, o que faz com que eu desmaie de vez em quando. Eu estava me sentindo particularmente fraca no dia em que fui sequestrada... Então desmaiei na estação de trem, provavelmente por causa da anemia.”

Nesse caso, acho que ela não teria como saber a forma que foi sequestrada. Contudo...

“Então isso significa que alguém te sequestrou no meio da confusão depois que você desmaiou.”

Sequestrar alguém no meio de um lugar tão lotado quanto a Estação de Yokohama seria impossível. Carregar uma mulher inconsciente chamaria mais atenção ainda. Ou se trata de um caso com mais de um sequestrador, ou alguém está usando um método muito inteligente...

“Me deixem apenas... agradecer por terem me salvado ontem, eu... eu não tenho amigos ou família para voltar, então...”

A senhorita Sasaki abaixa a sua cabeça em silêncio. Ela não diz mais nenhuma palavra depois disso. Com as suas feições naturalmente delicadas somadas à sua pele de porcelana, ela me lembra uma marionete que teve suas cordas cortadas. Na verdade, a sua experiência pessoal não está muito longe disso. Como se seu fio da vida houvesse sido cortado, ela quase foi morta por um assassino em série não identificado por motivos desconhecidos, e a vida dela pode muito bem ainda estar em perigo.

“Você até permitiu que eu passasse a noite na sua casa...”

... Hmm?

“Espera aí. Onde você ficou na noite passada?”

“Na minha casa.” Dazai responde, indiferente.

............

......... As coisas estão desse jeito hoje em dia?

“Muito obrigada, Dazai-sama. Você... Você foi muito... gentil comigo na noite passada...”

A senhorita Sasaki cora fortemente por algum motivo.

“O que foi, Kunikida-kun? Você está fazendo uma cara muito estranha, aí.”

“Dazai... Não acha que você está indo rápido demais?”

“Eu... Fui eu que pedi para que ele me acolhesse. Eu basicamente o forcei.”

“Ei, não precisa se preocupar com isso. Eu simplesmente fiz o que qualquer cavalheiro faria. Além disso, estou ficando acostumado a receber pedidos de pessoas que acabei de conhecer.” Ele responde com um sorriso.

............

 

 

Eu não tenho interesse em casos amorosos frívolos. Duas pessoas devem ter respeito mútuo entre elas enquanto estão construindo um relacionamento. Se você me perguntar, uma única noite de paixão passageira não planejada é imperdoável e vergonhosa. Então, por esse motivo, não importa o quão popular um idiota como o Dazai seja, eu não estou nem um pouco ciumento ou frustrado.

Nem um pouco ciumento!

 

 

“Que linda e infeliz mulher.” Dazai diz com um sorriso. Nós voltamos ao escritório para preparar a nossa próxima investigação.

“Então esse é o seu tipo?”

“Eu gosto de todos os tipos de mulher. Elas são as portadoras de toda a vida humana, uma fonte de mistérios. Mas prefiro o fato de que a senhorita Sasaki provavelmente cometeria suicídio comigo se eu pedisse.”

“Vá se casar com uma cigarra ou algo do tipo, então.”

Relacionamentos entre os dois sexos devem ser puros e fortes. A única companhia feminina que quero manter será a minha esposa ideal, onde nos completamos e nos levantamos, e eu estarei com ela até o dia onde respirarei pela última vez. Esse é o meu ideal.

Isso também está escrito no meu caderno.

“E você, Kunikida-kun? O que acha da senhorita Sasaki?”

“Ela é uma vítima e uma testemunha do caso. Só isso.”

“Estou perguntando porque não consigo nem imaginar, mas... qual seu tipo de mulher ideal?”

“Você pode ler sobre isso aqui.”

Abro meu caderno na página intitulada ‘Esposa’ e mostro para ele. Todos os meus planos futuros estão escritos nele.

“O que é isso, uma enciclopédia?!”

Sua expressão vai lentamente endurecendo enquanto ele desliza o dedo pela página.

“...Uau. Ah, não, não, não... Isso é muito... Uau. Eu...”

“Que diabos de reação é essa? Por acaso é estranho?”

“Não, não exatamente. Eu acho que qualquer cara pode concordar com os ideais de cada seção.”

“Não é? O que há de errado em ter padrões?”

“Exatamente. Eu concordo cem por cento com você, Kunikida-kun. Mas te dou um conselho: nunca mostre isso pra uma mulher. Isso realmente a irritaria. Quer dizer, até eu estou tendo dificuldade pra me segurar e não gritar ‘Uma mulher assim não existe’”

É realmente tão exigente assim?

“Ok, eu entendi. Agora vamos trabalhar e encontrar esse sequestrador. Falando nisso, você encontrou mais alguma coisa sobre?”

“Só tem uma coisa que eu reparei.”

“O que é?”

“Se você realmente deseja conquistar a sua mulher ideal, nós vamos ter que fazer algo sobre esses seus óculos entediantes primeiro.”

Dazai rapidamente tira os óculos do meu rosto e os coloca. Eles ficam horríveis nele.

“Chega! Me devolve!”

Desde que meu trabalho não seja prejudicado, nada mais importa. E mais, usar óculos bonitos não vão magicamente fazer a diferença na minha vida. E o Dazai parece mais cômico com eles... Mais ridículo que o usual por algum motivo esquisito.

“... Óculos?”

Óculos. As fotos das vítimas. Seus rostos. Os equipamentos de monitoramento. O hotel que eles ficaram em-

“Algum problema, Kunikida-kun?”

Todas as pessoas desaparecidas deixaram o hotel por vontade própria e todas estavam em Yokohama sozinhas. Então isso significa que as imagens que as câmeras de vigilância captaram de todos eles saindo e entrando do hotel são...

“Vamos, Dazai. Estamos saindo.”

Pego meus óculos e os coloco de volta.

“Eu descobri quem é o sequestrador.”

 

 

A brisa marítima sopra pelo Porto de Yokohama. Dazai e eu estamos no dique, bem perto da praia. Eu olho para o céu. O sol já está bem alto, espreitando por entre o mar de nuvens e brilhando sobre nós. Eu não me sinto leve como o clima, no entanto. Um táxi familiar para na minha frente.

“Detetive Kunikida! Por favor, entre.”

Um taxista conhecido acena para mim, e nós não perdemos tempo para entrar.

“Peço desculpas pelo chamado repentino.”

“Ah, não precisa. Eu atravessaria fogo e água por você e pela Agência, Detetive! Então, está apressado para chegar a algum lugar? Não se preocupe! Os limites de velocidade não significam nada para mim!”

“Mas deveriam. De qualquer forma, você lembra do caso das pessoas desaparecidas que comentamos noite passada? Bom, eu descobri quem é o sequestrador.”

“O que?! Eu vi as notícias sobre o hospital abandonado. Eu sinto tanto por aquelas pobres vítimas... então estamos indo prender o sequestrador, certo? Entendido! Temos que correr ou ele vai fugir. Onde está o criminoso?”

“Bem aqui.”

“Como assim?”

“Você é o sequestrador e esse táxi é o local onde os sequestros têm acontecido.”

“Hm... eu não acho que estou entendendo, Detetive. O que quer dizer?”

“Eu pensei, ‘Quem seria capaz de sequestrar alguém nessa cidade sem que ninguém percebesse? Onde em Yokohama uma vítima ficaria sozinha com um completo estranho?’ A resposta está bem aqui. Você usou gás sonífero nas vítimas e depois as sequestrou. Entanto usava uma máscara de gás, claro.”

“Espera. Não, não, não. Espera um pouco. Eu tenho certeza que a investigação apontava que as vítimas todas saíram por vontade própria, sozinhas e misteriosamente desapareceram. Eu ouvi que não existem filmagens deles entrando em veículos ou em prédios. Se todas as vítimas entraram nesse táxi, então não haveriam registros de telefonemas deles me chamando?”

“Sim, haveriam. E é por isso que não tenho dúvidas de que todas as vítimas entraram nesse táxi. Claro, a polícia não conseguiu encontrar registros não importando o quanto procuraram. Por que? Porque estavam procurando na data errada. As vítimas não embarcaram nesse táxi no dia em que desapareceram.”

“O que... o que você está tentando dizer?”

“Ok, Kunikida-kun, não vamos chegar em lugar algum tentando responder cada uma das perguntas dele. Me deixe explicar exatamente o que aconteceu.” Dazai entra na conversa. “Motorista, você estava procurando por certas pessoas durante a sua rotina diária de trabalho. As condições para um alvo eram simples: eles tinham que estar sozinhos e indo para seus hotéis, eles tinham que estar usando algo que cobrisse parcialmente seus rostos, como um chapéu, óculos ou óculos de sol e eles também deveriam ser mais ou menos da sua altura. Você é um tanto pequeno, então por isso mulheres seriam candidatas ideais caso cumprissem essas poucas condições. Tudo isso faria parecer que você não teve nada a ver com a vítima e poderia interromper as investigações.”

“Eu... eu acho que não estou entendendo...”

“Sim, sim. Espere eu terminar primeiro, certo? Você é um taxista que trabalha na área. Essas condições são um pouco restritas, mas você conseguiria achar alguém que combinasse em dois ou três dias, no máximo. Então, quando aconteceu da pessoa certa apareceu, você usou gás sonífero nela, assim como Kunikida-kun disse. Depois, você foi até um esconderijo secreto, fez a vítima de prisioneira lá e roubou suas roupas e pertences. É por isso que as vítimas no hospital estavam só com as roupas de baixo. Agora é o momento em que você realmente começa a brilhar.” Dazai bate palmas antes de continuar. “Depois, você se vestiu com as roupas das vítimas e se disfarçou como elas. Aí, é bem como você disse na noite passada. Tudo que você teve que fazer foi colocar um pouco de maquiagem, encher um pouco as suas bochechas e roupas que se torna outra pessoa. Claro, você deve ter religiosamente praticado e escolhido pessoas que você tinha confiança que conseguiria fingir ser. Você foi até o hotel que as vítimas planejaram ficar e garantiu que foi visto pelas câmeras de segurança de propósito.”

Relembro as imagens que vi durante a investigação. Em retrospectiva, havia um número estranhamente alto de pessoas com seus rostos cobertos: seis usando óculos e dois com óculos de sol. Os outros três usavam um chapéu ou tinham cabelo comprido, deixando apenas uma parte de seus rostos expostos para as câmeras. Isso só foi possível porque ele escolheu pessoas que estivessem usando roupas específicas que seriam fáceis de imitar.

“O resto é simples. Você deixou os pertences das vítimas nos quartos do hotel e saiu no dia seguinte em plena luz do dia. Deixando registros do que parecia ser a vítima entrando, fazendo check-in e saindo do hotel, a polícia iria apenas focar em investigar o que aconteceu com as vítimas depois que elas saíram. Naturalmente, eles não encontraram nada, claro, já que você, sem dúvidas, conhece Yokohama como a palma da sua mão. No mínimo, você sabia onde seria gravado e onde poderia escapar para evitar as câmeras de vigilância. É por isso que, quanto mais investigamos, mais parecia que as vítimas se afastaram intencionalmente, enquanto garantiam que não haveria registros disso.”

“Isso é um absurdo. Essa situação hipotética e puramente especulativa que você está propondo não é nada sem... sem evidências. Isso mesmo, você não tem evidências para comprovar sua ideia.”

“Eu não teria tanta certeza disso. Você poderia ser mais do que capaz de conduzir o sequestro da senhorita Sasaki sozinho, também.” Eu continuo explicando de onde Dazai parou. “Sequestrar a senhorita Sasaki depois que ela desmaiou na estação deve ter sido seu trabalho mais fácil até agora. Aposto que se sentiu o homem mais sortudo do mundo. As pessoas geralmente chamam uma ambulância se eles verem alguém desmaiar de repente, mas leva tempo até que a ambulância chegue do hospital. Mas sempre existe um táxi esperando por passageiros na frente de uma estação, e para a sorte da senhorita Sasaki, um Bom Samaritano estava presente para salvá-la. Esse indivíduo bem-intencionado queria que ela chegasse ao hospital o mais rápido possível, então ele decidiu pedir para um táxi levá-la. E foi aí que você a levou, super confiante, exceto que não a levou para o hospital como deveria.”

“Eu...”

Parece que o motorista quer dizer alguma coisa, mas ele não fala mais nem uma palavra. Eu não consigo ver sua expressão claramente de onde estamos sentados, também. Eu dirijo meu olhar para o interior do carro, onde encontro algumas partículas brancas em uma das fendas. Eu puxo o que posso com meus dedos.

“Se você vai se entregar, deveria fazer isso logo. Não vai demorar muito até que achemos provas. Tenho certeza que você limpou o interior desse carro, mas ainda há alguns resíduos do gás. Uma análise em laboratório vai confirmar isso rapidamente.”

“Eu... eu não faço ideia de onde isso veio. Talvez tenha sido de algum dos meus passageiros. Isso não conta como evidência.”

O motorista mal consegue gaguejar as palavras. No entanto, ele admitiu sua culpa no momento em que começou a inventar desculpas.

“Evidências não são nem necessárias para provar que você é o único que poderia ter feito isso.” Eu começo a expor a base dos argumentos. “A única forma de usar o truque que Dazai mencionou seria colocar as vítimas em um táxi e você teve duas delas no seu carro, o que não é diferente de admitir você também fez corridas para as outras nove.”

“Isso não é evidência física, Detetive Kunikida.” O motorista afirma enquanto evita contato visual. “Tudo que vocês apresentaram são evidências circunstanciais. Não é como se você tivesse achado uma arma na minha casa ou tenha evidências minhas cometendo um crime em vídeo. Claro, você pode prestar queixa, mas eu não seria condenado.”

É a minha vez de ficar em silêncio. Ele está certo. Nós precisaríamos de evidências físicas para conectá-lo às vítimas: sangue, impressões digitais, vídeos, uma confissão com informações que só o culpado saberia...

Nós não temos as provas brutas necessárias.  Na verdade, o nosso caso poderia ser engavetado como está agora devido à falta de causas prováveis. Da forma que o motorista está falando, parece que ele fez questão de se livrar de todas as provas físicas. Ele é mais esperto do que eu esperava. Qual vai ser minha próxima jogada?

Mas o que ele diz a seguir refuta completamente as minhas suposições.

“Detetive Kunikida... vamos fazer um acordo. Se você aceitar as minhas condições, eu vou me entregar.”

“O quê?”

“Eu gostaria que a Agência de Detetives Armados me protegesse e garantisse a minha segurança em troca da minha confissão. Eu só peço setenta e duas horas do seu tempo até eu receber a proteção da testemunha após a investigação da promotoria.”

“Um acordo de proteção à testemunha? Do que você está falando?”

“Eu não tenho tempo... Eu vou ser morto. Eles vão me matar.”

“Espera. Eu não estou entendendo. Me diga detalhe por detalhe o que está acontecendo. Quem vai te matar? E por quê?”

“Eu queria nunca ter feito negócio com essas pessoas... Eu nunca deveria ter tentado entrar no negócio de tráfico de órgãos sozinho! E agora eu os deixei com raiva! Isso é ruim... Isso é muito ruim. Eu não consigo entrar em contato com os compradores, também. Eles me cortaram! E por que? Eles não deveriam nem ter descoberto... Mas agora já estão atrás de mim. E estão se aproximando...”

“Entendi. Então é isso que está acontecendo aqui.”

Dazai coloca uma mão em seu queixo e concorda.

“Dazai, o que está acontecendo? Sobre o que ele está falando?”

“É exatamente o que ele disse. Eles estavam vendendo as vítimas para um sindicato de tráfico de órgãos, mas o carregamento mensal subiu muito em relação à demanda. Naturalmente, isso levou a uma queda nos preços, tornando o mercado uma confusão. Imagine um negócio privado de um homem só entrando em um mercado controlado por uma corporação grande. Como a corporação se sentiria?”

“Eles ficariam irritados, eu acho?”

“Seguia uma competição saudável se fossem companhias legais, normais. Mas esses negócios de tráfico de órgãos são controlados por grupos clandestinos que lucram com sangue e violência. Causar problema no território deles apenas irritaria--”

No momento seguinte, o carro é alvejado do nada, depois, de novo, e tão agressivamente que suas rodas deixam o chão. Um som muito agudo se segue. O lado direito do táxi se eleva no ar enquanto as janelas se quebram junto ao som de tiros.

“Estamos no meio de um tiroteio! Se abaixem!” Eu grito.

O carro balança de frente para trás como se estivesse sendo acertado por um martelo e cacos de vidro caem dentro dele.

“São eles! S-Socorro, me ajude... Eu não quero morrer!”

“Ei! Espera!”

O motorista abre a porta do carro antes de correr na direção oposta ao tiroteio.

“Kunikida-kun, temos que alcançá-lo antes do inimigo, ou nunca vamos saber o que realmente aconteceu! Não podemos deixar que ele escape ou acabe morto em um bosque qualquer!” Dazai grita, mantendo sua cabeça abaixada. Mas é mais fácil falar do que fazer! “Ok, eu vou atrás do motorista, você distrai os inimigos!”

“Dazai, espera! É perigoso ir sozinho!”

Dazai sai correndo do carro sem nem ouvir meu aviso. Eu não posso deixar que um novato saia sozinho no meio do seu primeiro tiroteio. Mas nós não temos outra opção. Eu xingo baixinho enquanto dou uma olhada no inimigo. Três homens vestindo ternos pretos e usando óculos escuros, equipados com submetralhadoras contrabandeadas do exterior por meio do mercado negro. A julgar pelos seus trajes, habilidades e sua vontade implacável de transformar o local em uma zona de guerra, está claro quem eles são...

“Merda! Isso não podia ficar pior... é a Máfia do Porto!”

A Máfia do Porto é uma organização clandestina que utiliza o Porto de Yokohama como sua base de operações. Eles são o mais cruel e insensível grupo de criminosos da cidade, dispostos a seguir as ordens de seu chefe e esmagar aqueles que vão contra eles. Esses três homens aqui são parte dessa organização. Quanto mais tempo passa, mais vantagem eles têm.

Poeta Solitário: Granada de atordoamento!”

Escrevo as palavras em meu caderno antes de arrancar a folha. O pedaço de papel se transforma em uma granada do tamanho do meu punho. Mirando no grupo, eu jogo a granada pela janela quebrada. Granadas de atordoamento são armas sônicas não-letais utilizadas para desorientar os sentidos do inimigo temporariamente. Ela explode bem na frente deles, emitindo uma luz tão forte e criando uma explosão tão ensurdecedora que poderia causar um ataque cardíaco em uma pessoa doente. Eles caem de joelhos enquanto cobrem seus ouvidos, talvez completamente pegos de surpresa por terem sido atingidos pela granada. Uso essa distração momentânea para checar os inimigos. Dou uma cotovelada no pescoço do homem mais perto de mim, derrubando-o no chão. Mantenho meu cotovelo erguido, acerto o próximo criminoso, seguido de um chute alto no rosto. O último armado tenta me acertar com sua arma, mas eu desvio para o lado, evitando o tiro. Quando ele cambaleia para o lado, agarro seu pulso e o giro enquanto puxo para dentro. Depois, o arremesso no ar com um arremesso projetado nas quatro direções. O mafioso voa e aterrissa com a cabeça primeiro, imediatamente perdendo a consciência.

“Minha nossa.”

Depois de verificar que todos estão apagados, eu volto para o táxi.

Eu realmente espero que o Dazai esteja bem...

Nesse momento, eu sinto de repente uma sede por sangue crescente vinda de trás de mim. Algo passa voando do meu lado antes mesmo que eu consiga me virar. A torrente negra passa justamente onde eu estava parado, acertando o táxi e passando direto por ele, também. Enquanto o veículo se divide ao meio completamente, molas e faíscas voam no ar, se espalhando por todos os lados. Sem esperar um momento para que minha surpresa passe, eu pulo do chão para escapar. As placas e corrimão próximos estão cortados em pedaços. Após rolar no chão e olhar para trás, eu vejo um homem de estatura pequena vestido de preto à distância.

“Cof, cof...”

Essa deve ser a fonte da aura assassina.

“Cof... Eu vim pensando que esse seria um trabalho fácil. Eu não estava esperando encontrar alguém habilidoso o suficiente para neutralizar três homens em um piscar de olhos. Estou impressionado. Agora, vamos ver como você se sai contra o Rashoumon.”

Sem nenhuma arma nas mãos, o jovem simplesmente anda em minha direção com suas costas curvadas, tossindo às vezes. No entanto, a malícia que escorre de seu corpo se transforma em uma silenciosa, porém furiosa tempestade.

Um homem de estatura pequena, vestido com um sobretudo preto, com a habilidade de controlar uma torrente negra - o cachorro infernal da Máfia do Porto.

“Você... Você é o Ryuunosuke Akutagawa da Máfia do Porto, não é?”

“O primeiro e único. Fui mandado aqui pelo meu Chefe para me livrar do idiota que invadiu nosso território. Onde ele está?”

“Ele não está aqui. Fugiu com o rabo entre as pernas.”

Eu aponto na direção que o motorista correu, mas meus olhos continuam fixos em Akutagawa. Eu não desvio o olhar nem por um segundo. Esse homem é o pior dos piores. Até os criminosos mais durões fogem em lágrimas quando ouvem o nome desprezível de Akutagawa. O Cão Infernal de Presas Negras, o Usuário de Habilidade da Destruição e do Desastre, o Apóstolo da Calamidade e do Desespero: existem apelidos demais para se contar. Essa é a minha primeira vez o encontrando, mas só de julgar pelo que ele fez com o táxi, ele é ainda mais perigoso do que os rumores o fizeram parecer.

Então, o que farei a seguir? É simples. Seu alvo é o sequestrador e não há motivos para que eu arrisque minha vida protegendo um sequestrador de alguém tão perigoso. Tudo que preciso fazer é recuar.

“Ele é uma testemunha. Eu não posso permitir que você o mate até que ele nos conte onde as outras pessoas desaparecidas estão. Se você quer ir atrás dele, vai ter que passar por mim primeiro.”

“Você está disposto a arriscar a sua vida por um assassino? Bem como eu esperava.”

Merda. Eu não consigo acreditar no quanto eu consigo ser idiota. Mas, como membro da Agência de Detetives Armados, não posso permitir que nossa testemunha seja morta impotentemente por esse lixo desprezível.

Faça o que tem que ser feito. Eu mentalmente repito a frase escrita no meu caderno. O sobretudo preto de Akutagawa se contorce. É como se mil espectros se reunissem e se fundissem, tomando forma. Não é mais um sobretudo, uma parte dele se transformou em garras, enquanto outra parte começa a tomar a forma de presas afiadas.

 

 

“Ryuunosuke Akutagawa, o cão de ataque da Máfia do Porto.”

“Doppo Kunikida, da Agência de Detetives Armados.”

Akutagawa lança uma lâmina sombria em um movimento explosivo. Ela se desfaz em uma chuva negra, indo direto na minha direção. Eu pulo para o outro lado. Algumas agulhas escuras rasgam a minha camisa enquanto outras acertam a parede atrás de mim, deixando vários buracos. Eu escrevo algumas palavras no meu caderno e rasgo a folha antes que ele mova suas lâminas para atacar. O pedaço de papel se transforma imediatamente em uma wire gun. Apertando o gatilho, eu atiro o gancho... mas momentos antes que o gancho que pode perfurar até ferro o alcance, ele é desviado por uma parede invisível.

“O que...?!”

Eu não vi sinal algum dele se movendo para se defender. Essa é mais uma de suas habilidades? Antes que eu consiga enrolar meu gancho no ar, o sobretudo de Akutagawa se transforma em uma criatura sombria. Com um rugido, ela balança a cabeça. É muito rápida!

Eu me afasto para esquivar, mas suas presas rasgam meu ombro esquerdo. Sangue jorra da ferida, mas eu não tenho tempo para estancar o sangramento. Dou um passo para trás enquanto desvio das presas implacáveis da criatura. Eu não tenho chance alguma de atacar, nem mesmo de me aproximar dessa coisa!

“Fugir é a única coisa que você sabe fazer? Você está me deixando com sono.” Ele zomba, ainda de pé. Uma gota de suor escorre pela minha bochecha. Ele é forte.

Akutagawa rapidamente dispara suas lâminas sombrias e letais na minha direção há apenas alguns metros de distância, não me dando chance de fazer outra coisa sem ser desviar. Para piorar as coisas, qualquer coisa que eu dispare na sua direção é facilmente jogada para o lado. Mesmo que eu o acerte, ele ainda é protegido por esse misterioso campo de força. Ele não tem aberturas.

Eu desvio da enxurrada de ataques até alcançar uma via asfaltada, onde um repentino calafrio não identificado atinge a minha espinha.

Uma lâmina sai da calçada antes de voltar ao ar como uma fonte de lanças.

Ele estava me fazendo focar nos ataques vindos de cima enquanto usava outra lâmina para perfurar o chão! Eu tento virar o meu corpo e pular para longe, mas o chão é instável e é tarde demais. A lâmina negra perfura minha lateral e sai pelas minhas costas.

“Gah...!”

A minha visão fica turva por causa da dor insuportável e eu caio de joelhos no chão. Isso não é bom. O próximo ataque está vindo. Se parar de me mover por um segundo, morro... mas não há nada que eu possa fazer. O tecido preto do Rashoumon envolve meu pescoço, me levantando do chão. Ele se dobra como o pescoço de uma serpente e depois me joga na parede mais próxima.

“Patético. Eu acho que não deveria ter esperado muito de uma Agência de Detetives que trabalha para idiotas. Não se preocupe. Tudo isso vai acabar quando eu cortar sua cabeça fora.”

O tecido aperta mais o meu pescoço. Eu começo a enxergar tudo vermelho.

“Sempre tem alguém... alguém que quer... se meter no meu trabalho!”

Enquanto a habilidade especial de Akutagawa me estrangula, eu atiro minha wire gun. Mas o meu alvo não é o Akutagawa. O gancho de metal acerta diretamente um cano de água subindo o prédio ao lado dele, o encharcando.

“O que...?”

Ele levanta um braço para bloquear, mas a corrente de alta pressão o encharca completamente e o chão ao seu redor também.

“Idiota. Você acha mesmo que um pouco de água vai me assustar?”

Eu levanto outro pedaço de papel na minha mão esquerda, onde eu escrevi algo a mais enquanto fazia a pistola de arame.

Poeta Solitário: arma de choque!”

Imediatamente, eu ligo a arma de choque de alta tensão portátil antes de jogá-la na poça de água. Um flash de luz dispara e faíscas voam.

“Nnng... Gaaah?!”

Usando a água como condutor, a arma de choque submersa emite raios de luz violeta e branca. Um clarão de relâmpago roxo atinge o corpo molhado de Akutagawa como uma jiboia envolve sua presa. O flash brilha tanto quanto o sol antes de eventualmente desaparecer junto do assobio do vapor e a fenda do chão se dividindo sob ele.

O aperto do Rashoumon no meu pescoço afrouxa e eu caio na calçada abaixo. Enquanto seguro meu pescoço e meu lado machucado, olho para Akutagawa. Ele está de joelhos e vapor e uma fumaça branca sobem de seu corpo.

“Heh, heh... ah-ha-ha-ha!”

Os ombros de Akutagawa tremem enquanto ele ri. Ele ainda consegue se mexer depois de um choque como aquele?

“Parece que eu estava errado sobre a Agência de Detetives Armados. Heh. Isso é maravilhoso. Realmente maravilhoso.”   

“... Venha até mim se quiser continuar. Eu ainda tenho bastante papel sobrando.” Eu me forço a ficar de pé, depois volto à posição com a wire gun.

“Certamente, eu adoraria a oportunidade de ver se você tem o que é preciso para me matar, mas parece que nós temos convidados.”

Eu sigo o olhar de Akutagawa e vejo a polícia se aproximando com suas sirenes tocando. Alguém deve ter denunciado os barulhos de tiro.

“Um traidor patético não vai conseguir se esconder por muito tempo antes de acharmos ele. Eu vou me retirar por hoje. Continuaremos isso em breve.” Ele tossiu e virou suas costas para mim. Ele sai assim, tão indiferente quanto se estivesse voltando para casa após uma caminhada. Honestamente falando, continuar lutando e se retirar não são muito diferentes no seu ponto de vista.

“Eu preferiria que você não voltasse...”

Caio de joelhos enquanto observo ele se afastando. O Akutagawa da Máfia do Porto é justamente como... não, ele é ainda mais feroz do que os rumores dizem. Agradeço, mas recuso a revanche. Por agora, eu só quero ir para casa e dormir como os mortos.

 

 

Infelizmente, não há tempo para cochilar. Depois de uma curta pausa, eu volto para a Agência para reportar o que aconteceu. Na enfermaria da Agência, tenho meu estômago temporariamente remendado, depois volto para o escritório. É onde eu encontro Dazai bebericando uma xícara de chá como se ele estivesse relaxando após um dia duro de trabalho.

“Dazai, você pegou o taxista, certo?”

“Claro. Eu o amarrei e o entreguei à polícia. Na verdade, ele estava muito feliz que a Máfia não será mais capaz de matá-lo.”

Estou aliviado. Parece que o Dazai não é tão estúpido quanto eu pensava que era. Estava quase preocupado achando que ele sabia que era a Máfia que estava nos atacando e que estava perseguindo o sequestrador como desculpa para fugir. No final, tudo acabou dando certo, então acho que era apenas um medo sem fundamento.

“Parece que o taxista vai ser condenado pela série de desaparecimentos. Caso encerrado.”

Eu trabalhei como um condenado nesse caso e, em troca, não recebi nada. A polícia militar vai nos mandar uma carta de agradecimento e um pequeno presente para expressar sua gratidão e vai ficar por isso mesmo. Sinceramente.

“Eu não estou mais com vontade de trabalhar. Vamos terminar as obrigações de hoje e sair para beber.”

“Você vai pagar?” Dazai pergunta, radiante de alegria.

“Você dá trabalho demais. Vou pagar, mas é melhor você trabalhar até a morte amanhã.”

Eu volto para a minha mesa e tomo conta das coisas que faltam. Examino alguns documentos que estão sendo distribuídos e faço algumas ligações comerciais. Depois disso, começo a gravar os detalhes do caso até distraidamente olhar para meu computador de trabalho e perceber que recebi um e-mail. Prestando pouca atenção, eu começo a acompanhar as frases com os olhos. Depois de terminar o e-mail, recomeço a ler desde o início.

“Dazai.”

O momento que eu o chamo é quando percebo que eu estava segurando a minha respiração.

“Vamos ter que remarcar essa saída para beber. Temos trabalho a fazer.”

“O queee? Mas eu já estava pronto para beber. Tem um buraco no meu estômago no formato exato de um copo de saquê.”

“Nós recebemos uma proposta de trabalho... do cliente que nos levou até o hospital abandonado.”

Minha garganta está seca e minha língua está presa no seu lugar. As próximas palavras não querem sair.

“É um pedido para desarmar uma bomba. Se não encontrarmos e desarmarmos até o pôr do sol de amanhã, mais de cem pessoas vão morrer.”



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