Volume 1

Posfácio

É um prazer conhecer todos vocês e, se essa não é a primeira vez que nos encontramos, é bom revê-los! Sou o Kafka Asagiri. Eu escrevo o enredo do mangá Bungou Stray Dogs. Elas geralmente são mais ou menos assim:

Dazai: “Ei, Atsushi. Já acabou o trabalho de hoje?” Dazai sorri alegremente.

Atsushi: “V-Você tentou se afogar de novo?” Atsushi faz uma careta.

Esse é a minha desleixada escrita típica, mas o ilustrador Sango Harukawa é quem realmente dá vida aos personagens. A arte dele faz as coisas mais fáceis para mim. Mas, dessa vez, as coisas foram diferentes.

Eu tive que me responsabilizar por todas as frases que escrevi nessa novel. Tudo, desde descrever um copo na mesa até um velho na cidade, eu tive que editar, ajustar e me arriscar sozinho. Se eu tivesse que descrever meu trabalho no mangá em termos de cinema, eu diria que o ilustrador Harukawa é o ator, cinegrafista, técnica de iluminação e editora de cenas, enquanto eu apenas escrevo o enredo e ajudo com a direção. É por isso que esse livro foi uma tarefa difícil e uma responsabilidade enorme. A pressão de escrever o meu primeiro livro foi tão grande que eu tremia quase o tempo todo, como um celular vibrando. Mas valeu a pena no final. De alguma forma, eu fui capaz de criar um mundo mais rico que nos quadrinhos, que eu espero que você tenha gostado.

Essa novel é um spin-off sobre os acontecimentos de dois anos antes do mangá de Bungou Stray Dogs. No entanto, eu escrevi de uma forma que você não precisaria de nenhum conhecimento prévio da obra para aproveitar o suspense e a surpresa. Além do mais, eu planejo escrever uma segunda novel com detalhes sobre o passado da Máfia do Porto. A pressão e a responsabilidade já estão me fazendo tremer tanto que as pernas da minha mesa estão provavelmente prestes a quebrar. Eu planejo finalizá-la antes que eu cave um buraco no chão, então, por favor, esperem por isso.

Finalmente, eu gostaria de agradecer algumas pessoas: Katou, o editor chefe do mangá; Konikawa, o editor chefe desta novel, da Beans Bunko; Sango Harukawa, que sempre desenha as capas e personagens mais estilosos (e sem as ilustrações dele, essa novel pareceria apenas com uma fraude estranha de Bungou Stray Dogs!); e aos anunciantes, agentes, livrarias e a você, o leitor! Obrigado a todos vocês.

Vamos nos encontrar novamente na próxima edição.

 Kafka Asagiri.

 

Os Dias

Brilhantes de

Katai &

Kunikida

 

À tarde, em uma rua onde o cheiro do jantar sendo preparado estava no ar, uma nuvem preguiçosa passava no céu acima. Na esquina dessa rua do centro, em uma velha casa japonesa, tão velha que a estrutura estava ligeiramente inclinada, o som de uma porta sendo aberta podia ser ouvido.

“Sou eu, Katai. Eu vou entrar.”

Sem tocar a campainha ou bater, nem mesmo esperar por uma resposta, Kunikida entrou. Empurrando os socos de madeira espalhados com seus pés, ele abriu espaço para seus sapatos. Ele os tirou e entrou no corredor, rangendo nas tábuas do chão sem hesitar. O morador desta casa quase antiga não parecia nem surpreso nem desconfiado deste intruso repentino.

“O que está nessa bolsa, Kunikida?” Ao ver Kunikida entrar, ele perguntou descuidadamente.

“Maçãs.”

Kunikida respondeu, levantando sua bolsa. De seu futon, Katai respondeu com algo que soou como um “Oh” ou um “Huh.” Kunikida olhou para baixo da sala inteira. Por um momento, ele colocou uma expressão que parecia dizer “Seu quarto está bagunçado, como sempre” e “Limpe seu quarto, droga.” Mas Kunikida não disse nada. Isso porque essas coisas haviam sido ditas por Kunikida duas mil ou três mil vezes. Kunikida gostava de arrumar o quarto. Mas era mais uma obsessão do que um simples gosto. Como esta sala fez com que a amante da limpeza, Kunikida, desse uma olhada e pensasse “Oh, bem” em resignação, é uma história muito longa e profunda para ser contada aqui.

Katai sempre alegou isso, “Apesar de parecer assim, tudo é ordenado em um padrão que só eu conheço. Portanto, estragar este padrão significa estragar o meu estilo de vida.”

Era um raciocínio lógico próprio. Após limpar vinte vezes o quarto de Katai, Kunikida finalmente concluiu que talvez ele estivesse certo. Desde então, Kunikida havia desistido de todas as tentativas de pregar a Katai sobre os benefícios da organização e da arrumação.

Doppo Kunikida e Tayama Katai.

Os dois são Usuários de Habilidade, que possuem poderes fora do comum. Não relacionado a isto é o fato de terem passado quase uma década como amigos íntimos de alguma forma, forjando um vínculo impenetrável. Não foi como se os dois tivessem formado sua amizade por meio de dificuldades rigorosas, nem porque suas habilidades eram a combinação perfeita um para o outro, tornando-os parceiros inseparáveis. Foi apenas porque eles perceberam que estavam passando o maior tempo um com o outro, assim como passavam com suas famílias. Neste ponto, nenhum deles se lembrava como chegaram a ser amigos em primeiro lugar. Aqueles que os conheciam achavam seu relacionamento peculiar, enquanto os dois não viam nada fora do comum. Basicamente, eles tinham esse tipo de relacionamento.

Kunikida desistiu de observar o quarto e, sem permissão, entrou na cozinha. Ele tirou uma faca e começou a descascar suas maçãs. Katai tirou os olhos de Kunikida e voltou para suas telas de computador ao redor de seu futon. Nas muitas telas, inúmeras cadeias de letras e gráficos se desdobraram, parecendo nunca parar. Katai controlava esses números apenas com o movimento de seus olhos. 

“Em que você está trabalhando agora?” Kunikida perguntou da cozinha.

“Trabalho,” Katai respondeu de forma nebulosa.

Kunikida, não tendo muito interesse em sua pergunta ou na resposta de Katai, apenas respondeu,

“É isso?” e voltou para as maçãs.

Nenhum dos dois falou depois disso. Somente o som dos sistemas de resfriamento dos computadores pôde ser ouvido. Era uma cena comum para os dois, uma cena cotidiana que se repetia centenas de vezes.

Brevemente, Kunikida, com a maçã cortada em oito pedaços em um prato, rumou para Katai. Evitando os itens espalhados no chão - copos, garrafas de água, livros, uma lata de lixo - ele colocou o prato ao lado do travesseiro da Katai. As maçãs foram perfeitamente cortadas em oito, idênticas umas às outras em tamanho. Katai olhou para ela e, esquecendo sua primeira pergunta a Kunikida, perguntou:

“Então, o que é isto?”

“Maçãs. O cliente do último caso deixou um monte delas como agradecimento por resolver o caso.”

“Oh.”

Ele acenou com a cabeça. Kunikida voltou para a cozinha, lambendo a seiva da maçã em seus dedos. Vislumbrando a tela do computador, ele se virou.

“Qual é o novo trabalho que você está fazendo? “

“Isto? O de sempre. Estou tentando invadir informações ultra-secretas de alguma empresa internacional.”

Kunikida examinou as telas múltiplas por um tempo, depois respondeu: “Oh,” depois de um tempo e acenou, voltando para a cozinha. Ninguém mais falou por um tempo. Havia apenas o tique-taque do relógio na parede acima, na sala silenciosa.

“Katai, depois de amanhã é o dia do lixo inflamável. Só acontece uma vez por mês, então não se esqueça, está bem?”

Kunikida disse a Katai enquanto ele fazia a limpeza na cozinha. Katai devolveu um “Hmph” enquanto ele olhava para a tela. Não ficou claro se ele estava ouvindo ou não. Havia o som da geladeira sendo aberta.

“Woa, esta batata já tem brotos. Eu lhe disse para jogar fora se você não vai comê-la.”

“Uh-huh.” 

“Além disso, suas roupas ainda estão lá fora. É quase noite, leve-as para dentro... Espere um minuto, você foi lá fora desde a última vez que vim há dois dias? Eu sempre levo sua roupa para dentro porque me incomoda, mas não me diga que você está sempre esperando que eu o faça. Faça-o você mesmo desta vez.”

“Uh-huh, eu farei isso mais tarde.”

Katai não tirou seus olhos da tela. Kunikida abriu uma cadeira dobrável no canto da sala, sentou-se sobre ela e comeu suas maçãs em silêncio. Enquanto comia, ele dava uma olhada nas roupas penduradas do lado de fora. Após comer três fatias de maçã, incapaz de suportar mais o impulso, ele caminhou até onde estavam as roupas e começou a levá-las para dentro. Ele separou, dobrou e as colocou nas gavetas de Katai, no outro quarto, como sempre fez. Kunikida voltou para seu assento e suas maçãs com uma expressão mais satisfeita.

“Está ficando mais frio, não está?”

“Bem, eu acho que sim.”

“Terei que substituir o recheio da Yoshiko em breve.”

Yoshiko era o nome do futon que Katai estava sempre enrolado.

“Uh, oh, sim, está ficando frio.”

“A propósito, Kunikida... está muito frio hoje, que dia é hoje?”

“Huh?”

Kunikida, que havia terminado suas maçãs, voltou-se para ele.

“Você está brincando comigo? É véspera de Ano Novo, 31 de dezembro. Você deveria se interessar mais pelo mundo exterior, Katai.

“Não é que eu não me importe.” Katai coçou a cabeça. “Só estou esperando o dia em que terei que me preocupar com isso. Sendo assim, esse dia nunca chega, apenas isso.”

“Sua vida está cheia de espera, não está?”

“Este futon é mais do que perfeito para esperar.”

Ele coçou sua cabeça novamente.

“Véspera de Ano Novo, não é? Então, acho que vamos pedir um pouco de soba.”

“É muito cedo, o sol ainda nem se pôs.”

“Tarde demais, eu já pedi.”

Ao lado dos monitores de Katai para trabalhos de hacking, uma tela menor pendurada na parede exibia ‘Pedido Completo: Soba x2’. Katai tinha usado sua habilidade de controlar diretamente as linhas de comunicação e tinha completado seu pedido rapidamente naquele momento.

 

“Você pediu dois.”

“... Você vai ficar e comer, certo?”

“É claro.”

Kunikida pegou o prato vazio de Katai e o lavou. Havia uma escrivaninha no canto da sala. Kunikida empurrou o conteúdo da escrivaninha para fazer um pequeno espaço. Lá, com uma expressão tensa no rosto, começou a escrever, furiosamente. Ele havia começado a trabalhar no ponto onde havia parado anteriormente.

Katai olhou de relance para Kunikida, mas não disse nada. Franzindo as sobrancelhas, Kunikida proferiu coisas como “Está difícil” ou “Agora, como vou lidar com isso…”

“A Agência de Detetives Armados é um trabalho difícil?”

Katai perguntou, mas não de verdade. Foi mais uma observação do que uma pergunta.

“Não, não, na verdade não.”

“Oh, tendi. No caderno sagrado da grande Kunikida, está escrito: ‘Não importa o quanto você esteja ocupado, não deve andar por aí dizendo isso, como se fosse algo para se gabar’. Portanto, quanto mais ocupado ele fica, menos Kunikida diz que ele está ocupado. Mas, infelizmente, eu posso dizer apenas pela sua expressão.”

Kunikida parecia perplexo, coçando sua testa com a ponta de sua caneta.

“Bem... Você está certo, a Agência está com faltaa de membros. É bom que a agência esteja ganhando reputação, mas agora começamos a assumir casos ainda mais difíceis por causa disso. Ranpo-san está chateado há algum tempo por causa disso. Neste ritmo, o presidente pode se voluntariar para trabalhar nos casos ele mesmo. Mas se isso acontecer....”

“... se isso acontecer?”

“Ranpo-san vai me chamar de ‘Inútil’ e bater na minha cabeça.”

Kunikida parecia estar com dores por ter ficado com mochi preso na garganta.

“Hm, isso deve ser um caso difícil. Nunca conheci o sempre famoso detetive Ranpo, mas já ouvi o suficiente de você para adivinhar como ele é. Se isso acontecer, ele nunca mais vai falar contigo.”

“Exatamente.”

Kunikida suspirou. Ele acenou com a cabeça, parecendo abatido, o que era incomum para ele. Katai olhou fixamente para o topo de sua cabeça como se estivesse com inclinada, com um olhar sério no rosto. Mas então disse:

“Mas vai dar certo, né? Além disso, nem uma única coisa neste mundo inteiro pode deter os grandes ideais do Kunikida.”

“Definitivamente. Eu vou administrar isso de alguma forma.”

Kunikida declarou, e retornou ao seu caderno. Katai também voltou para as telas de seu computador.

“Qualquer coisa, só falar, tá?”

Ele murmurou isto enquanto enterrava seu rosto em um travesseiro. Ele sussurrou isto em uma voz baixa, de modo que não alcançou o ouvido de Kunikida. Novamente, nenhum dos dois falou por um tempo. Kunikida arranhando ferozmente com sua caneta foi o único som na sala. Depois de algum tempo, havia um pequeno som de ‘Ping!’ de uma das telas de computador de Katai.

“Deve ser isso. Meu trabalho para este ano está feito.”

Katai se esticou em seu futon. Um par de documentos foi mostrado na tela.

“Então você ganhou desta vez, ou perdeu?”

“Dê uma olhada.”

Katai apontou orgulhosamente para a tela. Kunikida deu a dica ao lado do futon, e olhou para dentro.

“Este é... um esboço para a fusão entre a Misaka Trading e a Madarame News Agency. Ouvi dizer que a administração deles era complicada, mas uma grande corporação como elas se fundirem neste ponto... No dia em que isto for lançado, a bolsa de valores estará em confusão para cima e para baixo.”

“Ah, sim. Então você ganha desta vez novamente.”

“É um rascunho inédito. Se tivesse vazado, as perdas teriam ascendido a vários bilhões de ienes. Eles têm sorte de me ter. Eu posso ver os executivos saltando de alegria.”

A habilidade de Katai lhe permitia controlar eletrônicos. Ele podia usar qualquer dispositivo eletrônico na sua frente como seus próprios braços e pernas. O trabalho de Katai é entrar furtivamente e roubar informações de redes corporativas usando sua habilidade. Mas não importa quanta informação Katai roube, ele nunca é repreendido pela lei. Isso porque quem o contratou para o assalto são as próprias corporações. As corporações estão preocupadas que suas contramedidas contra o hacking possam ter uma falha nelas, que suas informações confidenciais possam ser roubadas por um hacker malicioso. Eles estavam especialmente preocupados durante épocas de gerenciamento como agora. É por isso que eles contratam Katai para invadir seus próprios sistemas. Se os sistemas o mantêm fora, então tudo está bem, mas se ele conseguir invadir, eles pedem um relatório sobre como o sistema foi invadido, e que vulnerabilidades ele tinha. Então, eles consertam imediatamente esses buracos no sistema. Katai era confiado por muitas corporações por causa de sua habilidade como hacker de chapéu branco.

“Quantos dias levou este trabalho?”

“Três horas, suponho.”

Katai bocejou enquanto olhava o relógio na parede.

“Um dos executivos da Divisão de Assuntos Gerais tinha como senha o aniversário de seu amante. Foi uma estupidez da parte dele, na verdade. A partir daí entrei em contato com a Divisão de Informações Comerciais através de um falso e-mail dizendo que meu transceptor quebrou e consegui que eles me atribuíssem uma nova senha. Naquele momento, cada terminal do computador da empresa era como meu quintal.”

“Esse é um final trágico para um sistema de segurança multibilionário... Acho que no final, todos os erros são erros humanos, não é?”

“Torna meu trabalho mais fácil, no entanto.”

Um relatório estava sendo escrito apenas por Katai olhando para a tela - por sua habilidade de controlar qualquer eletrônico dentro de sua visão - e logo as palavras ‘Arquivo Enviado’ apareceram.

“Então você terminou o trabalho deste ano antes de mim desta vez.”

Como Kunikida suspirou, houve uma batida na porta.

“Nosso soba chegou.”

Lá fora, já era uma fria noite de inverno.

Enquanto eles se deliciaram no soba, Katai falava sobre seu trabalho. Ele ia doar a maior parte do seu salário novamente para a caridade. Katai já o fazia há alguns anos. Deixando algumas centenas de milhares de ienes para o aluguel, custos de vida e despesas relacionadas ao seu trabalho, ele doou o resto a um grupo de caridade aleatório. Esta era a sua maneira. Ele não fazia isto por gentileza ou porque tinha um coração nobre. Como prova, ele sempre escolhe os grupos aleatoriamente, e nunca verifica como o dinheiro foi usado. A razão pela qual o faz foi simplesmente por causa de sua crença de que ‘Nada de bom vem do fato de ter muito dinheiro’.

“Isso foi um fiasco.”

Kunikida observou, babando em seu soba.

“Definitivamente. Exibicionismo nunca resulta no melhor.”

Katai acenou com a cabeça, também babando em seu macarrão soba. Um dia, há alguns anos, Katai ficou preso em um problema duplo de ‘Odeio sair, mas ao mesmo tempo, estou entediado de estar em minha casa’. Katai, depois de sair um pouco do fundo do poço, decidiu: ‘Oh, já sei! Eu deveria ficar rico!’, uma decisão que Kunikida não podia compreender exatamente. Katai foi e promoveu suas habilidades a todas as empresas. Ele assumiu trabalhos de hacking com estipêndios bilhões, e completou cada um deles sem falhas. Por causa disso, ele foi quase assassinado.

Era apenas uma questão de tempo até que a conta bancária de Katai, que havia acumulado dinheiro suficiente para virar a lista dos milionários de cabeça para baixo, fosse conhecida no lado mais obscuro da sociedade, o lado onde o sangue, a violência e a máfia governavam. Katai era um hacker ligeiramente conhecido antes de ficar rico, mas a forma como ele se tornou uma espécie de escravo para essas corporações em nome do dinheiro, virou muitos outros hackers contra ele.

Os hackers, por natureza, são anti-estabelecimento e contra interesses particulares. Katai, que havia se tornado um servo do estabelecimento, era para eles um exibicionista e um traidor. Como resultado, alimentado pela indignação, ciúmes e ‘porque todos os outros hackers estavam fazendo isso’, um tsunami de ciberataques inundou os sistemas de Katai. Katai os combateu de frente, resultando no que só poderia ser chamado de uma Grande Guerra Cibernética. Não lhe foi dado, nem um momento de sono. Através da longa e dura luta, Katai ficou fisicamente e mentalmente desgastado.

Mas isso não foi o fim para Katai, pois o conflito se estendeu para o mundo real. Finalmente, um assassino invadiu sua casa, o que foi a gota d'água para Katai. Ele abriu mão de sua conta bancária, largou todos os seus bens, deixou sua casa e foi se esconder. (Era mais como se Kunikida o ajudasse a se mudar para a cidade vizinha)

O ódio de Katai contra a sociedade subterrânea e a máfia decorre deste incidente com o pistoleiro. Katai não queria voltar a ver muito dinheiro, mas se ele assumisse casos de graça, o preço de mercado viria a cair, perturbando muitos outros. Por causa disso, Katai só guarda o que precisa do seu salário, e dá o resto.

“Já estou farto de dinheiro.”

Katai murmurou enquanto bebia a sopa do soba.

“Tudo o que preciso é deste lugar batido e do meu futon, Yoshiko.”

“E seus computadores.”

“Isso também.”

Katai riu ao dizer isso.

“De qualquer forma, Kunikida, quais são esses ‘casos difíceis’ com os quais você está lidando?”

“Desculpe, mas tenho que mantê-lo confidencial. Não posso contá-lo a ninguém, nem mesmo ao meu melhor amigo de dez anos.”

“Você se preocupa com isso agora? Eu até sei sobre a estrutura familiar de seus clientes porque você me fala sobre eles.”

“Bem, sim, mas...”

“Os ideais são bons e tudo, mas você não pode viver sua vida apenas com base em ideais. Você tem que encontrar um equilíbrio em algum lugar.”

.”.. O que você sabe sobre ideais?”

Kunikida amuou por um tempo, depois pronunciou num tom de rendição.

“Estou atualmente lutando com um caso que envolve um grupo anti-governamental. Eles já destruíram várias instalações de propriedade do governo e de grandes corporações. Tenho tentado encontrar o esconderijo deles, mas não tenho conseguido entender nada.”

“Hm, é o ‘Rei Azul’ de que ouço falar tão frequentemente hoje em dia?”

“Isso.” Kunikida acenou com a cabeça.

“Ele é um terrorista atroz.”

Um traidor ao seu país. Escondendo seu rosto com um pano de uma bandeira azul.

Encontrá-lo e prendê-lo havia se tornado uma prioridade número um para manter a paz.

“Ou ele ou um de seus associados possuem um intelecto excepcional. Por causa deles, não encontramos nem um traço do Rei Azul, mesmo com toda a força policial na busca. Qualquer ataque via eletrônica também tem sido inútil. Se há alguém que poderia derrotá-los...”

Kunikida olhou para Katai, encurtando suas palavras ali.

“Então...”

“... Nada.”

Kunikida pegou a tigela de Katai e a lavou, deixando-a do lado de fora para que o entregador a pegasse. Depois ele procurou nas prateleiras da Katai, escolhendo um livro aleatório para ler. Houve silêncio entre eles novamente. Do lado de fora da janela, folhas caídas baralhadas umas contra as outras pelo vento do inverno. Nem Kunikida nem Katai pareciam estar sentindo nada sobre o silêncio entre eles. Na verdade, eles ainda nem se deram conta de que havia um silêncio entre eles. O final do ano passou devagar, como mel pingando de uma panela.

“Espere,” na metade do livro, Kunikida levantou sua cabeça. Eu quase esqueci. Eu vim aqui porque tinha algo a lhe dizer.”

“O quê?”

“Eu ia lhe dizer, mas fiquei preso em nosso ritmo habitual enquanto comíamos as maçãs.”

“Eu pensei que você só estava aqui para compartilhá-las.”

“Bem, há isso também, mas na verdade, a mensagem é da senhorita que enviou as maçãs.”

“Hmph,” Katai de repente fez uma expressão perturbada. “Daquela jovem senhorita?”

“Sim, essa seria ela. No entanto, as maçãs são apenas um excedente de sua mensagem - ela quer expressar sua gratidão por resolver seu caso há quatro semanas.”

“Já faz um mês, hein?” Katai suspirou. “Se uma senhora justa foi mais ou menos salva, então acho que nascer com uma Habilidade tem algumas regalias.”

Há um mês, uma cliente apareceu na agência. Ela era como uma flor, cultivada cuidadosamente em uma estufa durante toda sua vida, sem nenhuma experiência com a crueldade do mundo exterior. Ela havia se formado em uma escola feminina naquele ano e começara a trabalhar, mas havia sido incomodada por um stalker. Sempre que ela voltava para casa, era claro que outra pessoa tinha estado lá antes dela. Sua pia estava molhada, e seus pratos estavam nos lugares errados. Quando ela tentou andar de bicicleta pela manhã, encontrou os dois pneus deflacionados. De tempos em tempos, as cartas desapareciam de sua caixa de correio. Mensagens telefônicas silenciosas eram frequentemente deixadas em seu correio de voz.

Ela chamou a polícia e teve a segurança reforçada ao redor de sua casa. Mas as ocorrências peculiares não cessaram, ao invés disso aumentaram, como se fossem provocá-la e à polícia. O problema era que ela era a filha de um homem famoso e rico. Por causa disso, sua casa, seu estacionamento de bicicletas e sua caixa de correio estavam protegidos por um sistema de segurança digital de alto nível. Sem sua íris, sua impressão digital e sua chave real, nenhuma delas se abriria.

Kunikida, que tinha sido encarregado do caso, pensou em um plano e colocou uma carta com um dispositivo de rastreamento na caixa de correio. Se o culpado a levasse, eles poderiam localizá-lo com ela. Mas, no dia seguinte, a carta de Kunikida foi rasgada em pedaços e jogada no chão. Além disso, as câmeras para capturar o perseguidor quando ele entrou no quarto da senhora foram de alguma forma invadidas, tendo as imagens trocadas. Quando ele descobriu isso, Kunikida estava cansado e no fim de sua inteligência.

Ficou claro que o perseguidor tinha experiência com eletrônicos.

Infelizmente, ninguém era adepto de lidar com hackers ou eletrônicos na Agência de Detetives. Naturalmente, identificar o perseguidor seria uma tarefa fácil com a observação de Ranpo-san como Deus. Mas sem provas físicas de crimes mais graves, a única coisa de que poderiam acusar o culpado era invasão de propriedade e danos materiais, o que só traria sentenças leves mesmo que fosse considerado culpado. Havia uma chance de que o culpado, vencido com amor e ódio distorcidos, tomasse sua vingança sobre o cliente.

A cliente estava completamente dominada pelo estresse, prejudicando sua saúde devido à falta de sono. Mas se ela fosse hospitalizada agora, não poderia escapar do perseguidor. Sem mais opções, Kunikida disse a ela:

“Ele não costuma aceitar empregos como este, mas...” e apresentou Katai.

Katai imediatamente começou a trabalhar. Três horas desde que soube o nome da cliente por Kunikida, antes mesmo de conhecê-la, ele já havia localizado a casa do perseguidor. Katai havia rastreado a porta dos fundos que o culpado havia usado para invadir o sistema de segurança da cliente. De lá, ele descobriu o local de trabalho do perseguidor, de onde ele era, e até mesmo sua conta bancária. Descobrindo que o perseguidor trabalhava para um grande banco, pensou Kunikida,

“Um cara como ele... pode estar desviando algum dinheiro.”

Katai pensou o mesmo, e abriu uma porta traseira para o telefone do local de trabalho do perseguidor. Após dois dias, ele contabilizou cuidadosamente a diferença entre a soma nos livros de contas e a soma real enviada pelo perseguidor.

A soma total foi de 18 bilhões de ienes.

Kunikida rapidamente entrou em contato com o Ministério Público e a polícia a respeito disso, e conseguiu que empresas relacionadas também fizessem um movimento, perseguindo o perseguidor tanto no tribunal criminal quanto no civil. Ele já era de idade avançada, então eles conseguiram dar-lhe uma sentença suficientemente longa para que quando terminasse já estivesse morto.

A imagem da Agência não estava envernizada, a cliente pôde voltar à sua vida normal e comum, e Katai recebeu agradecimentos por seu trabalho não tão duro. Tudo estava bem para todos.

--até agora.

Kunikida tirou um envelope branco de sua bolsa.

“Ela quer conhecê-lo e expressar sua gratidão.”

“Hwaaaaaaaaa???”

Katai rolou em seu futon e caiu para fora. Olhando para Katai, que bateu com a cabeça na esquina da porta e tremeu de dor, Kunikida suspirou.

“Bem, é claro que seria assim...”

“Eu me recuso!”

“Você não pode. Já dissemos que sim, e reservamos um restaurante.”

Kunikida mostrou a Katai sua página no caderno.

“Recebi alguns conselhos da Yosano-sensei quando escolhi o lugar. É um café de estilo europeu que é popular por seu design elegante. Programamos para que ele seja na hora do almoço. Eu sugeri jantar em um restaurante com uma bela vista noturna, mas ela me repreendeu, dizendo: “Você é estúpido? É a primeira vez que eles se reúnem.” Não entendo por que, mas...”

Kunikida parecia intrigado, mas suas palavras não conseguiram chegar a Katai, que estava em estado de pânico.

“S… Sair!” Katai se esborratou e rolou no chão. “Com... Com uma senhorita!” Ele rolou de novo, desta vez na direção oposta.

“F... Falar com as pessoas!” Ele mudou de direção novamente, e bateu com a cabeça na porta, no mesmo lugar novamente.

“Não adianta se preocupar com isso. Ela realmente quer conhecê-lo. Ela disse: ‘Tenho que expressar minha gratidão ao homem que me salvou a vida!’ Descobri que as senhoritas nascidas no alto nível têm uma vontade mais difícil do que eu imaginava. Ela até fez um pedido à Agência para marcar um encontro para ela. Ranpo-san achou isso engraçado e disse ‘sim’ a ela.”

“Mmmmmmphhhhh!!!!!” No canto da sala, Katai lamentou.

“E o mais importante... Katai, esse encontr é algo que eu quero que aconteça, não por causa dos outros, mas... Katai, quando foi a última vez que você falou com alguém, fora do seu quarto?”

“Faz...” Katai engoliu. “Falar com o entregador conta?”

“Não.”

“Então... dois meses, não, três... cinco meses?”

“Seu idiota. Já se passaram três anos, oito meses e 25 dias.”

Kunikida suspirou enquanto agitava seu caderno de anotações.

“E foi quando fomos ao casamento de nosso senpai, quando você ficou com os pés frios e foi para casa só porque a senhorita da recepção falou com você!”

“Isso é porque… ela me perguntou meu nome…”

“Bem, ela é a recepcionista! Oh meu Deus... Katai, sua falta de interação humana é abismal. Você está planejando se tornar um ermitão nesta idade?”

“Espere, não Kunikida! Ainda não se passaram três anos! Nós saímos no ano passado, não foi?”

“Não conte isso, idiota! Isso foi quando de repente você disse ‘Eu quero ver o oceano’ com olhos mortos, então eu o levei até lá! Tudo sozinho! Dois caras! Para ver o oceano no inverno!”

“Heh, estava um frio terrível.”

“Frio? Você acabou se enrolando em seu futon no banco de trás  jogando videogames! Eu era o único que estava com frio! E éramos só nós e o mar!”

“O fato de terem sido apenas dois caras no mar deve ter sido frustrante para você.”

“Você poderia ao menos soar um pouco mais arrependido!”

Kunikida, depois de berrar em Katai, suspirou e disse:

“A questão é... Katai, você deveria ir conhecê-la. Estar envolvido na sociedade. Você diz que está feliz em sua condição atual, mas e o futuro? Você está planejando murchar em seu futon? Com um intelecto como o seu?”

“É inútil, Kunikida. Já falamos sobre isto antes.”

Katai desligou da borda do futon, olhando de relance para Kunikida.

“E nós já chegamos a uma conclusão. Meu futon é meu único mundo. Este apartamento é o meu universo. Não tenho nenhuma preocupação com o mundo exterior, e sequer o mundo exterior se preocupa comigo. Nossos interesses coincidem. Este é um tipo de tratado de paz amigável. O mundo exterior e eu escolhemos não interferir um com o outro e trocamos um aperto de mão apertado.”

“Eu sei.”

Kunikida descansou o queixo em suas mãos.

“Mas Katai, o que que estava em sua tela há um tempo atrás? Um trabalho que vale mais de dez milhões de ienes. Portanto, quer você queira ou não, o mundo não deixará seu intelecto e suas habilidades em paz. Um tratado de paz é apenas uma mera fantasia. Passar toda sua vida enrolada em um futon é simplesmente insalubre e impossível.”

Kunikida cruzou seus braços e implorou solenemente:

“Desista, Katai. Desistir e interaja com a sociedade. Vá conhecê-la. Além disso, você não se sente exuberante por uma senhorita tão bonita quanto ela ter interesse em você?”

“Claro que estou!” Katai disse enterrado em seu futon, enquanto esbateu isso. “É por isso que estou sofrendo tanto! Ela vai me ridicularizar! Olhe para mim! Ela dirá ‘Você é muito menos impressionante do que eu pensava’, e suspirará! Eu não sou tão idiota para não perceber isso! Já estou farto disso!”

Katai se desmanchou em seu futon como uma criança.

“Os humanos aprendem com a experiência. Por causa disso, eu ativo propositalmente minha aprendizagem!”

Katai gritou de seu futon.

“Sem dúvida, sua gratidão me faz feliz, e as maçãs estavam muito deliciosas. Mas eu não irei a esse encontro! Não irei conhecê-la! Se ela tiver que ir, coloque uma moldura fotográfica em uma cadeira e diga para agradecer a isso!”

Katai se afastou de Kunikida em seu futon. Kunikida suspirou profundamente.

Ele sabia que isso iria acontecer. Fazia muito tempo que Katai decidiu se estabelecer como um eremita social. Arrastá-lo para fora exigia potência extrema. Como prova, eles haviam discutido sobre temas semelhantes a este muitas vezes. Toda vez, a discussão ficava enredada, saindo do tema em várias direções, não levando a lugar nenhum e sem uma conclusão. Kunikida compreendeu completamente a dificuldade de convencer Katai a sair, chegando ao ponto de colocar essa dificuldade em ‘uma exceção a seus ideais’ com base na amizade’.

Mas hoje havia algo diferente em Kunikida.

“Mas Katai, ela não é um demônio rancoroso nem um criminoso notório tentando enganar você. Ela é uma moça bonita e com uma boa impressão sua. Até eu estou meio assustado com isso. E além disso, o Ranpo-san diz que ela está segura para que você se encontrem. Não há absolutamente nada com que se preocupar.”

Katai foi enterrado em seu futon em silêncio.

Ele havia se implantado nele e se recusava a sair. Arrastá-lo para fora não foi uma tarefa fácil, e Kunikida sabia disso desde o início.

A primeira tentativa foi importante. Desde que houvesse uma primeira tentativa, então Katai poderia perceber que há pessoas de fora que precisam dele.

Kunikida queria que essa primeira tentativa fosse aquela dama.

“Katai, envolva-se com o mundo. Faça dela sua primeira tentativa. Todos querem que você o faça.”

“Todos, exceto eu,” murmurou Katai de seu futon. “Kunikida, há um sofisma intencional em seu argumento.”

“Um sofisma?”

“Exatamente.” respondeu Katai com uma expressão azeda em seu rosto. “Kunikida, você tenta tantas vezes me levar para fora, mas como você pode provar que ‘interagir com a sociedade é a coisa certa a fazer?”

“O quê?”

“O que estou dizendo é que, o fato de estar envolvido na sociedade e viver entre outras pessoas não é considerado a norma, uma condição distorcida e absurda? Sem pensar nas condições prévias existentes para isso?”

“Bem... quanto a isso.”

“Ouça Kunikida. A vida neste mundo tem sido, desde o início, uma luta para sobreviver, e um lugar onde a sobrevivência do mais apto é a lei. Eles não são feridos largados ou vacas jovens sendo caçadas por predadores em documentários de animais? É disso que estou falando. O que os predadores fazem não é maligno. Eles estão apenas seguindo as regras estabelecidas desde o início da existência. No mundo natural, os estúpidos e fracos são os primeiros a morrerem. Não há simpatia por eles.”

“Bem, você está certo. Essa inclinação para a sobrevivência levou à evolução.”

Kunikida acenou com a cabeça.

Para explicar, quando há dois nerds em uma sala, e um começa a conversa com um ‘Bem, em primeiro lugar…’, essa conversa será, indefinidamente, em uma escala exageradamente exagerada. Isto é por instinto natural, portanto, não há nada que alguém ou qualquer coisa possa fazer a respeito.

“E assim o tempo passou, e a terra primitiva estava repleta de nós, humanos bípedes. E aqui os humanos chegaram a uma ideia, o oposto de ‘tomar ou ser tomado’. O sofisma de que todos deveriam ‘ser amáveis com todos’. Claro que, se todos fossem gentis uns com os outros, então isso seria o mesmo que ser tratado com gentileza por todos. É uma ideia maravilhosa. Mas isso não muda o fato de que se trata de um sofisma. Porque, no final, o mundo exterior não é ‘bondoso para todos’.”

Kunikida o escutou silenciosamente. O seu rosto ficou com um olhar sério.

“O mundo ainda é meio ‘tomar ou ser tomado’'. Os fracos estão fadados a perecer, e a culpa é deles quando o fazem. Os que são explorados estão no erro. Usar os fracos como um trampolim é o caminho da natureza. Muita gente que pensa assim está à espreita na sociedade. Neste caso, quem acreditar cegamente que todos devem ‘ser gentis com todos’ só será pisado por aqueles que ‘tomam’. No final, a ideia de que os fracos devem ser salvos é falhada pela lógica. Além disso... Olhe para mim, estou definitivamente do lado que é pisado.”

Katai estendeu seus braços ao dizer isso. Kunikida não deu um resposta.

“Não sei como ver através das pessoas com intenções maliciosas, nem posso lutar contra a violência. Não tenho a inteligência de dizer nada quando alguém me ridiculariza. Mas… mesmo para uma pessoa como eu, tenho vontade e conhecimento, assim eu planejo minha própria estratégia para sobreviver.”

Katai enfiou seu braço fora do futon e apontou para ele.

“Vou fugir para este futon, onde ninguém pode interferir. Porque temo outras pessoas. Temo este mundo que me ordena a colaborar com outras pessoas. O medo vem do desconhecido. Tenho medo das possibilidades que outras pessoas possam estar carregando. Não quero me acobardar das possibilidades e dos ‘e se’.”

“Mas há pessoas que são gentis.”

“É verdade, pessoas como você e as pessoas da Agência. Talvez essa senhorita também. Mas isso não é suficiente para garantir. Você deveria saber disso melhor do que todos os outros. Quantos nomes de pessoas, que foram espancadas só porque eram fracas, você já escreveu nesse seu caderno?”

“Bem, uh...” Era a vez de Kunikida se surpreender.

Criminosos, terroristas, organizações ilegais.

Kunikida havia listado aqueles que haviam sido vítimas de suas formas inescrupulosas e ilegais em seu caderno de anotações.

“Pessoas como eu que rejeitam a sociedade são chamadas de ‘fracassos’, e ‘aberrações da sociedade’ e criticadas por causa disso. Mas esta é uma conclusão a que cheguei através de um plano de sobrevivência lógico. Kunikida, sei que você está tentando cumprir seus ideais - criar um mundo onde todos possam ‘ser gentis com todos’. É um objetivo nobre, e eu o apoio. Mas a realidade ainda está muito distante desse mundo ideal. Então, não é um mundo onde as ‘aberrações da sociedade’ podem sobreviver normalmente - prova de que o mundo é 'gentil para todos'?”

Mesmo Kunikida não poderia argumentar contra isso imediatamente.

Katai estava certo. Ele recusou-se a ir lá fora por causa de sua própria coerência lógica. Era equivalente à sua filosofia de vida. Por mais que ele expusesse palavras ou argumentos, estes não poderiam reverter a filosofia de vida de Katai. Se ele entrasse sem perceber isso, nunca seria capaz de retomar o que fez.

Mas hoje, havia algo diferente em Kunikida.

“Mas apesar disso...” Kunikida abriu sua boca depois do que parecia ser muito tempo. “Apesar do que você acabou de dizer, você deve ir lá fora. É assim que deve ser.”

Ele não tinha mais argumentos, nenhuma palavra para usar, nenhuma eloquência colorida para convencê-lo.

Mas Kunikida era um idealista. Além disso, ele carregava um peso muito mais pesado desta vez.

“Katai, eu tenho uma boa ideia. Por que você não...”

Ele não tinha boas ideias. Katai olhou para Kunikida com olhos que pareciam dizer: “Que tipo de ideia você poderia ter além disto?” Olhos que pensavam que Kunikida não tinha um plano, mas, ao mesmo tempo, antecipando que tipo de plano Kunikida tinha.

Kunikida proferiu suas próximas palavras sem confiar nelas.

“Entrar para a Agência de Detetives Armados.”

Katai tinha um olhar de surpresa no rosto. Kunikida também tinha um olhar surpreso em seu rosto.

Em uma salaa suja, ao estilo japonês, dois homens adultos se olharam com o olhar em branco no rosto.

“O q-” Katai foi a primeira a se manifestar. “Uh, você, eu, uh... você está me dizendo isso agora? Depois deste tempo todo?”

“Uh, uh-huh. Agora, depois de todo este tempo.”

Kunikida acenou solenemente com a cabeça. Honestamente, ele não tinha ideia do que diria um segundo depois.

“Claro, eu nunca lhe pedi para entrar para a Agência. Mas com suas habilidades, você pode desempenhar um papel ativo nela. Não apenas isso, você terá planos de ir para fora. A Agência é um ninho para pessoas excêntricas, por isso você não se destacaria. Na verdade, você está mais do lado chato em comparação com eles.”

“… Estou a ser elogiado com isso…?”

“Katai, este tipo de coisas são o resultado do esforço.”

Kunikida continuou falando rapidamente como aqueles peixes migratórios que morrem se pararem de nadar.

“Se você adquirir o hábito de ir trabalhar todos os dias, terá um estilo de vida equilibrado. Você terá no mínimo um aspecto apresentável. Terá o privilégio de ter uma posição social adequada. Além disso, terá um local de trabalho à prova de máfia.”

 

“Você é um apresentador de um programa de TV de compras ou algo assim?”

“Além disso, o local onde você vai almoçar com a senhorita é perto da Agência. Você pode simplesmente passar no caminho de casa ao trabalho. Tipo, apenas finja que você está encontrando um cliente. Então, você não deve ter nenhum problema. É o mais importante.”

Houve uma pausa momentânea nas palavras de Kunikida.

“Com suas habilidades, você pode definitivamente desempenhar um papel importante na Agência.”

Um silêncio caiu entre eles.

Katai tirou seus óculos, limpou-os em um pano que estava ali deitado e os colocou novamente.

“Essa é sua conclusão final?”

“Sim.”

Katai pensou por um tempo, depois voltou a falar com o queixo apoiado em suas mãos.

“Mas temos aqui um problema sério, Kunikida. Eu sei como funciona o exame de admissão de Agência, desde ouvir suas reclamações.”

“... Merda.”

A Agência de Detetives Armados tem um exame de admissão separado e secreto do exame normal. Um membro experiente da agência determina se o novo membro tem a mentalidade adequada para fazer parte dela.. A existência do exame deve ser escondida do membro mais novo por causa de sua finalidade.

“Bem... poderíamos pensar desta maneira.” Kunikida prosseguiu. “Se você vai participar, provavelmente sou eu quem vai realizar o exame. E eu sei que você é adequado para a agência. Portanto, você passará no teste com antecedência.”

“Duvido,” respondeu Katai, inclinando sua cabeça. “Além disso, você evita coisas sombrias assim. Tipo os resultados dos exames serem influenciados por conexões pessoais.”

“... Merda.”

Katai poderia facilmente prever o que Kunikida diria dos anos em que o conhece. Katai olhou preguiçosamente para Kunikida, que ficou ali sentado em silêncio com uma expressão amarga em seu rosto. Katai, então, sorriu ironicamente e se levantou.

“Eu vou ao banheiro.”

Ele disse, e caminhou pelo corredor. Kunikida ficou ali, congelado na mesma posição.

Katai encostou-se na parede em frente ao banheiro na borda do corredor por cinco minutos. Então ele abriu a porta, enxaguou-a, lavou suas mãos completamente limpas, e voltou a entrar, bocejando.

“Deus, o banheiro está frio nesta época do ano.”

Katai aconchegou-se de novo em seu futon.

“Então, você mudou de ideia, Kunikida?”

Kunikida estava olhando para a parede com seus braços cruzados.

“Não.”

Ele o disse com muita determinação em sua voz. Cinco minutos haviam passado, mas a decisão de Kunikida não tinha mudado. Isso significava que ela nunca mudaria.

“Tudo bem. Vou me juntar à Agência.”

“O… quê?” Kunikida olhou para ele de olhos redondos. “O quê?” Kunikida repetiu.

“Bem, não aja como se você estivesse surpreso. Foi você quem o sugeriu em primeiro lugar.”

Katai estava calmo ao dizer isto.

“Você tem um ponto no que acabou de dizer. Eu vou sair. Mesmo que isso me leve a ventos frios, ao olhar de outras pessoas, e ao acordar cedo, enfrentar coisas que considero um inferno… não posso recusar se for por você.”

Kunikida olhou para Katai, depois para o futon, depois para a porta da frente, depois para seu caderno, e depois novamente para Katai.

“Você está falando sério?”

“Por que você se surpreende quando o sugere em primeiro lugar?”

“Mas eu... você... não importa o quanto ou por quanto tempo eu lhe dissesse, eu...”

Kunikida torceu seu pescoço em confusão.

“De qualquer forma, é bom que você tenha tomado uma decisão. Acho que… tem uma papelada pra você antes que mude de ideia. Não saia daí! Voltarei em trinta minutos.”

“Eu não me moverei. Eu sou muito bom nisso.” Katai riu.

Quando Kunikida deixou a sala, folheando furiosamente as páginas de seu caderno, parou no caminho.

“Katai.” Ele se virou, e disse com uma expressão mais séria, “Obrigado pela ajuda.”

Ele partiu quando o disse. Katai olhou de forma confusa para a porta que Kunikida havia fechado. Então, zombando de si mesmo, não disse a ninguém em particular.

“É claro.” Katai sorriu para seu amigo que tinha acabado de sair. “Não posso estar em um lugar para ajudá-lo se não fizer algo assim.”

Ao longe, os sinos do templo da noite de Ano Novo começaram a tocar. A noite estava vindo tarde.

O mundo não era um lugar cruel e frio, desde que tivessem um ao outro. Isso, os dois sabiam mais do que qualquer um.

Depois disso, Katai saiu de seu quarto e entrou para a agência. Mas sua tendência a ser fechado permaneceu. Ele assumiu a cozinha da agência, colocou seu futon lá, e começou a morar ali. Kunikida ficou profundamente envergonhado com isso, e os outros membros da agência, meio temerosos, mas meio envergonhados com isso, dependiam de Katai, o ‘Deus da cozinha’, quando ocorreria problemas relacionados à eletrônicos. Quando esses problemas eram resolvidos, eles o recompensavam com pãezinhos de feijão e tangerinas. Como resultado, Katai ganhou três quilos.

Em outra adição: Em seu encontro de almoço com a senhorita, Katai desmaiou devido a dispneia. Ele acordou no hospital, mas a pessoa sentada ao seu lado também era a dama, portanto seu coração parou e vagou entre a vida e a morte por três dias. Agora eles aparentemente são amigos por correspondência.



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