Volume Único

Capítulo 1: Um Dia na Agência de Detetives

“Kunikida-san, por que será que a Agência foi fundada?”

Jun’ichirou Tanizaki perguntou inclinando a cabeça. Ele pôde ver a testa do homem alto sentado à sua frente se enrugar de preocupação logo antes de ouvir a resposta para sua pergunta vir numa voz séria e grave:

“E eu que sei?”

“Ah, claro... Sinto muito por ter perguntado.”

A noite avançava, silenciosa. Na mesa que os dois homens ocupavam num canto mais reservado do café estavam bolinhos e xícaras de chá-verde; a seriedade no rosto dos dois podia ser notada de longe. Se um desconhecido passasse por ali e os notasse, talvez considerasse a cena algo um tanto incomum. Entretanto, a dupla fazia parte da Agência de Detetives Armados, e estavam bem no meio de uma reunião tardia. O Café Uzumaki, lugar escolhido por eles como ponto de encontro, tinha um ar antigo e ficava no primeiro andar do prédio que funcionava como sede da Agência de Detetives Armados.

“Mesmo sendo membro da Agência, eu não tenho nem ideia de como ela foi criada. Você sabe alguma coisa a respeito, Kunikida-san?”

“É óbvio que sim.”

O homem alto sentado à frente de Tanizaki, Doppo Kunikida, confirmou com um aceno de cabeça, e Tanizaki respondeu com um sorriso.

“Como já era de se esperar.”

“Mas é mais por cima.”

“Como assim?”

“É só isso. O que eu ouvi dizer é que, dez anos atrás, o Presidente acabou encontrando uma pessoa, e que isso fez com que ele acabasse fundando a Agência.”

Tanizaki concordou com a cabeça.

“É bem por cima mesmo, não é?”

“Mas foi o que eu te disse, que diabos. Não sei de mais nada, e nunca tive nenhuma oportunidade de investigar. Por que não vai e pergunta você mesmo?”

A sugestão fez Tanizaki entrar em pânico.

“E-eu? Sem chance, eu sou só um funcionário sem importância.”

“Não me vem com essa de funcionário sem importância. Eu não acho que o Presidente se negaria a responder alguma coisa.”

“Ainda assim... e você sabe aquela cara que o Presidente faz quando se enfurece. Parece que os olhos dele são feitos de lâminas de aço, sei lá. Se eu fosse uma menininha, tenho certeza de que eu choraria se visse aquela cara.”

“É.” Kunikida concordou com um aceno de cabeça. “Ele é mestre em inúmeras artes marciais, e já acabou com sabe-se lá quantas organizações criminosas desde que fundou a Agência. É outro nível. Já cheguei a ouvir uns boatos de uma ou duas crianças que levaram uma dessas encaradas dele, que sangraram pelos olhos, e morreram na hora... na hora.” Kunikida repetiu, mais para si mesmo.

Tanizaki completou, sugerindo que isso talvez fosse, na verdade, uma maldição.

“É exatamente por isso que ele é nosso Presidente.” Kunikida afirmou. “Mas por que é que você quer saber sobre a Agência? ...Não, como funcionário, é normal você ficar curioso. Mas por que você resolveu perguntar só agora?”

“Ah, é que...” Tanizaki tomou um gole de seu chá, que ainda estava quente demais. “Tá quente!” Ele exclamou baixinho, antes de dar uma resposta apropriada. “O Dazai-san tava me perguntando.”

“O Dazai?!”

No mesmo instante, o rosto de Kunikida se contorceu numa careta.

“Hm... Sim, foi ele que...”

“Espera. Espera aí, me dá um segundo pra eu me acalmar.” Kunikida gesticulou com a mão para que Tanizaki parasse de falar. “De uns tempos pra cá, só de ouvir o nome desse infeliz eu já sinto a gastrite atacar. Só de saber que ele tá por perto, vejo tudo piscando em preto e branco na minha frente. A reação é automática. Só me dá um segundo pra eu me acalmar.”

“S-Sinto muito... Se bem que eu entendo como você se sente...” Tanizaki se solidarizou, e a expressão de quem quer sair correndo que tomou conta de seu rosto era prova disso.

“Não existe mais nenhum outro ser humano na agência que seja capaz de controlar aquele vagabundo do Dazai. Quer dizer, na verdade ninguém daria conta mesmo, mas eu recebi a incumbência de treiná-lo diretamente do Presidente, o que é basicamente um voto de confiança dele. Por isso mesmo é que pretendo manter o Dazai com as rédeas bem cur...”

Kunikida parecia ter perdido a linha de pensamento, e parou a frase no meio. Algo no teto havia chamado a atenção do veterano da Agência, e esfregando os olhos, ele continuou, confuso:

“Ué? Parece que tem alguma coisa errada com a iluminação...”

Tanizaki imediatamente voltou sua atenção para as lâmpadas fluorescentes no teto, mas aparentemente não havia nada de errado com elas.

  “Isso aí é porque eu cheguei! ♪”

Essa resposta cantarolada desafinadamente vinha direto da entrada do café.

“AAAAAAAAAAAAAAAAAARGH!”

Kunikida levantou-se de supetão, e o som estridente de seu assento sendo empurrado pôde ser ouvido por todo o estabelecimento. Ali, na porta de entrada, um jovem alto e esguio se destacava com seu sobretudo cor de areia e o cabelo escuro bagunçado, que eram suas marcas registradas. Na mão direita, ele trazia um saco de papel.

Osamu Dazai, colega de Tanizaki e Kunikida na Agência de Detetives Armados, havia chegado.

“Aiai, é sempre tão bom ouvir o Kunikida-kun gritando de desespero. Dá pra ver de longe que essa reação tá diminuindo sua expectativa de vida, sabia?” Dazai então chamou a atenção da senhora que atendia os clientes com um gesto e fez seu pedido:

“Ah, o chá-preto de sempre, senhora.”

A dona, de meia idade, do café saiu dos fundos.

“Oh, Dazai! Está bonito como sempre, pelo que vejo!,” gritou ela para ele.

“Eu digo o mesmo para você, senhora!” Dazai devolveu o elogio com um aceno, depois sentou-se ao lado de Kunikida.

A mesa, que já era apertada, tornou-se ainda mais apertada.

 “Dazai... O que diabos você veio fazer aqui?” A indagação de Kunikida soou mais como o rugido de uma fera que tenta fazer o inimigo recuar.

“Ué, é óbvio que eu vim pra diminuir sua expectativa de vida, Kunikida-kun.” Dazai respondeu sorridente apesar das mãos de Kunikida em seu pescoço, balançando os braços em movimentos ondulares.

“Seu infeliz!” Kunikida parecia fora de si, enquanto descontava sua frustração fisicamente. “O que mais você! Precisa aprontar! Pra me deixar em paz! E sossegar seu facho? Até quando!?”

“Hehehehehehehehehe!” Dazai soltou uma risada debochada.

“E-ei, vocês dois. Por favor, lembrem que a gente tá num estabelecimento público.” Tanizaki se remexia inquieto em seu assento, lançando olhares cheios de preocupação e vergonha ao seu redor. Esse lugar ficava, porém, em um dos andares do mesmo prédio em que se situava a sede da Agência de Detetives. Exatamente por essa razão, os funcionários do café — e até mesmo os clientes regulares — já estavam perfeitamente habituados ao comportamento excêntrico de Dazai e aos berros de Kunikida. Mais que isso, tanto os funcionários quanto os clientes observavam com carinho a mesa que Tanizaki e seus companheiros ocupavam, como se estivessem acompanhado nada além de uma briguinha entre dois irmãos de sete, oito anos de idade.

Ao perceber o olhar condescendente que ele e seus colegas recebiam, Tanizaki deu um sorrisinho sem graça; era só isso que lhe restava fazer.

Enquanto isso, Kunikida continuava sacudindo Dazai feito um boneco de pano, e Dazai continuava rindo, divertido, ainda sendo sacudido feito um boneco de pano.

“Você só faz o que quer! Muito bonito isso, dar as caras aqui numa hora dessas... O que cê tava fazendo até agora, justo no horário de trabalho, hein? Aposto que tava por aí dando trabalho pra alguém, aposto! Quem você acha que vai ter que lidar com as consequências depois?”

“Ué, é claro que é você, Kunik-”

“Foi uma pergunta retórica!”

Kunikida torceu o pescoço de Dazai, o que produziu um estalo alto; Dazai parecia felicíssimo com isso.

“Hum, de qualquer maneira...” Tanizaki falou. “Eu estava falando com o Kunikida-san sobre o que conversamos mais cedo. Você sabe, quando me perguntou por que a Agência de Detetives Armados foi fundada.”

“O quê?” Kunikida lançou um olhar duvidoso para Dazai.

“Sim.” O pescoço torcido de Dazai estalou enquanto ele o ajustava. “Me encontrei com Tanizaki-kun hoje ao meio-dia.”

“Aonde?”

“Em um bar.”

Enquanto os segundos passavam, a expressão de Kunikida gradualmente começou a fazer ele parecer um paciente com neurotoxinas envenenando lentamente seu corpo.

“Imaginei que você estava bebendo em algum lugar quando deixou de trabalhar hoje, então tudo bem. Guardarei minha raiva para mais tarde. No entanto, Tanizaki, o que você estava fazendo lá? Não me diga que você também é um viciado? Certamente um garoto de dezoito anos não deveria deixar de trabalhar para beber diariamente. Vários estudos e estatísticas demonstraram os efeitos negativos do consumo de alcool em menores de idade, e há provas claras de que o álcool afeta a secreção de testosterona. Mas, independentemente dos estudos, se você começar a beber agora, seu cérebro se transformará em um mingau, assim como o dele!” Kunikida apontou firmemente para Dazai ao seu lado.

“Você pode me chamar de Cérebro Murcho.” Dazai rapidamente abaixou a cabeça e curvou-se.

“N-não, você entendeu errado!” Tanizaki balançou as mãos, agitado. “Eu estava lá para trabalhar. Disseram-me para ir ao bar e, quando fui, encontrei Dazai e...”

“Sim. Foi um prazer vê-lo lá!”

“O quê...? Então você foi lá a trabalho? Para um bar onde Dazai estava? ...Acho difícil acreditar que isso tenha sido uma coincidência... O que significa que Dazai pediu para você encontrá-lo lá. Ele pediu para você pagar a conta dele? Ou ele causou uma cena e precisava que você...?”

Kunikida se conteve. Seu rosto ficou pálido antes de se inclinar para a frente com a cintura.

“N-não me diga que... Foi o contrário? Mais problemas o encontraram novamente? É isso?”

“Sinto muito, Kunikida-san.” Tanizaki baixou o olhar apologicamente.

“Nossa, não foi grande coisa. Certamente nada que valha a pena para se preocupar tanto.” Dazai sorriu alegremente. “Tudo o que fiz foi beber e me divertir com o pessoal do bar, conversar, ouvir suas histórias e voltar para casa. Eu prometo... Ah, e havia uma bomba em algum lugar lá dentro.”

“...”

A parte superior do corpo de Kunikida balançou lentamente para frente e para trás enquanto ele se sentava em silêncio.

“...Kunikida-san?” Preocupado, Tanizaki chamou o nome de seu colega.

“Eu... Desmaiei por um segundo aqui,” Kunikida disse fracamente enquanto levantava a cabeça. “Uma bomba...? Tanizaki, por que você não falou sobre isso quando nos encontramos? Quem plantou a bomba? A polícia da cidade fez algo a respeito? O esquadrão antibomba da polícia militar cuidou disso? O que aconteceu com a bomba?”

“Está bem aqui.” Dazai deixou cair um saco de papel na mesa, fazendo barulho.

“Aggghhh!” Assustado, Kunikida pulou para trás — com a cadeira e tudo.

“Não se preocupe. Apesar de sua aparência realista, é falsa.” Dazai deu de ombros. “Eu vou resumir. A bomba foi entregue ontem ao meu local de refúgio, endereçada a mim por um remetente anônimo. Abri o pacote e encontrei isso lá dentro. Logo, quando eu o desembrulhei, o fusível se soltou. Mesmo o menor movimento poderia ter causado sua explosão, então a polícia da cidade e a Agência de Detetives foram devidamente contatados.”

“E foi por isso que fui enviado para lá,” disse Tanizaki.

“Eu juro, toda vez... Como você consegue se envolver constantemente nessas bagunças?”

O rosto de Kunikida estava torcido em angústia, como se ele tivesse acabado de comer um cogumelo venenoso.

“Ah, qual é, era algo falso.” Naquele momento, o chá que Dazai pediu foi trazido para a mesa. Sorrindo, Dazai deixou cair alguns cubos de açúcar em sua xícara antes de tomar um gole. Então ele disse: “Esta bomba acabou sendo um temporizador sem componentes explosivos dentro. Nada mais que uma réplica. Alguém estava apenas brincando comigo. De qualquer forma, eu já falei com o autor da bomba, então está tudo bem agora.”

“Ele foi preso?”

“Sim. Encontrei um pedaço de papel quando abri a bomba que dizia: ‘Mantenha seus olhos em mim e apenas em mim’. Acontece que era a maneira única e extrema de uma mulher de me dizer que estava obcecada por mim. Eu tinha algumas ideias sobre quem poderia ser, então entrei em contato uma a uma até encontrar a criminosa. Depois de uma boa bronca, convenci-a de que não daria certo entre nós dois. Além disso, eu não seria capaz de me divertir no bar se ela continuasse me enviando bombas todos os dias.”

Kunikida, naquele momento, sendo a própria imagem de exaustão, encarou Dazai.

“...Entendo.”

Sua resposta foi breve, mas o olhar em seu rosto dizia essencialmente: “Não consigo nem entender por que alguém como ele é tão popular entre as mulheres.”

“E então um dos policiais que apareceu me disse: ‘É graças aos esforços da Agência de Detetives Armados para manter a cidade segura que podemos fazer nosso trabalho corretamente’. Ou algo assim. Quero dizer, o quão estranho isso é?”

“Oh?” Kunikida levantou uma sobrancelha. “Bem, isso não é legal... Não que você estivesse em posição de reclamar se o policial o chutasse por receber ameaças de bomba, graças ao seu flerte meio idiota com todas as garotas que você vê! Você é uma ameaça para as mulheres em todos os lugares!” Kunikida gritou enquanto chutava severamente a cadeira de Dazai.

“Mas certamente é uma coisa boa,” afirmou Tanizaki com um sorriso tenso. “Fiquei em partes iguais, agradecido e desconfiado. Quero dizer, é o trabalho da polícia proteger a cidade para que os cidadãos possam trabalhar em paz, não é? Isso me fez pensar por que o presidente abriu um negócio que até mesmo a polícia gosta.”

“E foi sobre isso que conversamos hoje no bar,” acrescentou Dazai com um sorriso.

“Entendo.” Kunikida cruzou os braços. “O perigo vem com o trabalho. Abrir uma Agência não é algo que você pode fazer por um capricho. Mas como você sabe, o presidente é um homem de humanidade e justiça. Procure pelo país inteiro e você ainda não encontrará alguém tão apto para o trabalho como ele. Pessoalmente, acredito que a fundação da Agência foi providência divina.”

Kunikida tomou um gole de chá e depois fez uma careta para Dazai pelo canto do olho.

“Falando na Agência de Detetives,” Kunikida continuou com uma nota ácida em seu tom, “eu acabei de me lembrar de uma coisa — Dazai, o que aconteceu com aquele garoto?”

“Que garoto?”

“O sem-teto que você pegou ontem,” respondeu Kunikida enquanto colocava sua xícara na mesa. “Você mencionou que queria empregá-lo na Agência. Você estava falando sério? Porque isso não é algo que qualquer pessoa sã faria. Ele não é apenas um total estranho, o garoto também é um usuário perigoso de habilidade e é uma ameaça bestial na ala local. E você quer que a Agência o contrate?”

“Heh-heh-heh. Eu estou mais do que sério sobre isso. De fato, é por isso que vim aqui hoje. Ah, mal posso esperar.”

“Oh, eu ouvi sobre isso,” disse Tanizaki, inclinando-se para a frente em sua cadeira. “Este é o caso em que você teve que pegar um tigre devorador de homens que acabou sendo um menino de rua com capacidade de se transformar em um tigre, certo? Não acredito que vocês foram capazes de resolver um caso tão bizarro em menos de um dia, e levar um usuário de habilidade sob custódia sem problemas. Vocês não são conhecidos como a melhor dupla da agência por nada.”

“Oh, pare. Você está me envergonhando.”

“Não somos uma ‘dupla’.”

Dazai e Kunikida falaram exatamente ao mesmo tempo.

No entanto, o fato era que eles eram a dupla mais talentosa da Agência quando se tratava de resolver casos difíceis, e eles tinham um histórico de resolver os casos mais difíceis desde que Dazai ingressou na organização há dois anos. Pessoas de fora que não conheciam suas personalidades ou o quanto não se davam bem, geralmente achavam que eram o par perfeito. Ignorância é uma benção.

“De qualquer forma...” disse Kunikida enquanto olhava para Dazai. “Sou contra a ideia, mas se está falando sério sobre isso, precisa conversar a respeito da situação com o presidente. Se ele concordar, não direi outra palavra sobre o assunto.”

“Já está tudo certo,” respondeu Dazai, radiante. “Ele me disse para fazer um exame de admissão.”

“Ah, sério? Então você está dizendo que ele lhe deu permissão?” perguntou Tanizaki.

“Sim. Só uma coisa...” Dazai colocou o polegar nos lábios, como se estivesse pensando profundamente. “Ainda não pensei no que vou pedir ao Atsushi para fazer no exame de admissão. Um assunto tão sério não deve ser deixado para mim decidir sozinho. Certo, parceiro?”

Dazai deu ao Kunikida um sorriso malicioso após terminar de falar.

“Claro.” Kunikida cruzou os braços rabugento. “O exame de admissão é um importante rito de aprovação, um teste de compatibilidade com a Agência e a autenticidade de sua própria alma. Além disso, esse recém-chegado é uma ameaça designada para a ala local. Um movimento errado, e a própria Agência poderia ficar sob suspeita por abrigar ilegalmente um animal perigoso. Não posso discutir com você se o presidente lhe deu permissão, mas devemos ser mais detalhados do que o habitual com este exame. De jeito nenhum eu vou deixar você tirar uma ideia da sua bunda para testá-lo.”

“Então está resolvido.” Dazai devolveu o resto do chá com alegria antes de se levantar. “Vamos lá. Já chamei todo mundo para a sala de conferências da Agência.”

“...Para quê?” Kunikida perguntou categoricamente.

“Para começar o que você acabou de dizer.” Dazai esticou o dedo indicador para chamar a atenção de todos e sorriu. “Ordens do chefe. Precisamos da sabedoria de todos para determinar o que esse recém-chegado — nossa nova estrela em ascensão — pode fazer pela Agência.”

Dazai respirou fundo e declarou:

“Que comece a primeira reunião sobre o exame de admissão!”

 

★ ★ ★

 

A Agência de Detetives Armados era uma organização privada composta por usuários de habilidades. Havia os investigadores que solucionavam os casos dos clientes e a equipe do escritório encarregada de reunir informações, lidar com as relações com os clientes e cuidar de assuntos contábeis. Embora a Agência não tivesse um número definido de funcionários, a equipe usual totalizava cerca de uma dúzia, incluindo o presidente.

Quase todos os investigadores tinham algum tipo de habilidade.

  • Usuário de Habilidade: Jun’ichiro Tanizaki
    Habilidade: Neve Leve

 

  • Usuário de Habilidade: Doppo Kunikida
    Habilidade: Poeta Solitário

 

  • Usuário de Habilidade: Osamu Dazai
    Habilidade: Fracasso Humano

Outros também tinham suas próprias habilidades, usadas no trabalho. A Agência de Detetives Armados era um bando de usuários de habilidades que supervisionava o crepúsculo entre os mundos do dia — onde reinava a autoridade governamental da polícia — e a noite, governada pelo ventre escuro da sociedade.

A agência foi fundada há mais de uma década pelo presidente após um encontro casual com um certo usuário de habilidade. Mas isso é uma história para mais tarde.

Esse é o conto do mais novo funcionário da Agência de Detetives Armados e o exame de admissão que determinou sua adequação ao trabalho.

Atsushi Nakajima — na noite anterior à sua contratação.

 

★ ★ ★

 

O escritório da Agência de Detetives Armados estava localizado no quarto andar de um prédio de tijolos marrom-avermelhado. Dentro, havia um piso de escritório, uma área de recepção, uma sala de conferências, o escritório do presidente, uma enfermaria, uma sala de operações e uma cozinha compacta. Uma escada em espiral para uso emergencial ficava nos fundos, mas todos costumavam pegar o elevador único e antiquado.

Os três agentes entraram no elevador e foram para a Agência de Detetives. Era noite; a maioria dos funcionários já estava voltando para casa e apenas alguns ainda permaneciam no escritório, sentados sob as luzes fluorescentes brancas. Um estava escrevendo uma carta, outro estava lendo um romance e o último estava comendo macarrão. Eles pareciam ter ficado por escolha própria, e não por causa do trabalho restante.

O litoral era visível pelas janelas do escritório, e o apito de vapor de um navio mercante podia ser escutado algumas vezes ao longe. Kunikida, Dazai e Tanizaki acenaram casualmente e cumprimentaram a equipe antes de irem para a sala de conferências no final do escritório.

A sala já estava ocupada.

“Oh, deus. Olha só quem chegou atrasado. Se estiverem procurando por algo, receio já termos fechado por hoje.”

Com as pernas esguias cruzadas enquanto se sentava, a senhorita Yosano levantou a cabeça ao ler o jornal nas mãos.

  • Usuária de Habilidade: Akiko Yosano
    Habilidade: Não Morrerás

Yosano era a médica pessoal da Agência e uma usuária de habilidade de cura, o que era raro mesmo em escala global. Ela cuidou sozinha de todos os tratamentos médicos na Agência de Detetives, e nunca houve escassez de novas feridas. Médica imensamente capaz que não amava nada além de realizar cirurgias e autópsias, Yosano costumava tentar operar pacientes com os menores cortes ou arranhões, tornando-a muito mais assustadora para os colegas do que qualquer inimigo. Para piorar a situação, sua principal ferramenta cirúrgica era uma machadinha.

“Yosano-sensei.” Tanizaki, o primeiro a entrar, piscou surpreso. “O que você está fazendo na sala de conferências?”

“O que parece que tô fazendo? Estou lendo o jornal,” respondeu Yosano enquanto batia o jornal nas mãos dela. “Eu estava realmente ocupada hoje, então não tive a chance de conferir as notícias,” acrescentou ela enquanto continuava lendo uma coluna em particular. “Outro ótimo artigo de hoje, devo acrescentar.”

“Eu nunca pensei que você era do tipo que gosta de ler o jornal...,” disse Tanizaki enquanto dava uma espiada no periódico. “Então, o que é esse ‘ótimo artigo’ que você está lendo?”

“A melhor seção do jornal: os avisos do obituário,” disse ela com um sorriso alegre. “A morte é o juiz mais justo de todos.”

“Você pode dizer isso de novo?” acrescentou Dazai, todo sorridente quando  apareceu na porta.

Após a breve troca de assentos, Tanizaki, Kunikida e Dazai entraram na sala e sentaram-se nessa ordem. Os ponteiros do relógio de parede faziam um barulho retumbante tick, tick.

“Então, o que vocês estão fazendo aqui?” perguntou Yosano depois de tirar o rosto do jornal.

“Heh-heh... Estamos tendo uma reunião para decidir sobre o próximo exame de admissão,” respondeu Dazai brilhantemente. “Lembra daquele menino tigre de ontem? Acontece que vamos fazer o exame dele democraticamente. Eu quero ouvir a opinião de todos.”

“Democraticamente, hein?” Yosano levantou uma sobrancelha. “Que tal nós fazermos a mesma coisa que fizemos com Tanizaki-kun? Que tal isso?”

Yosano olhou na direção de Tanizaki, e ele instantaneamente empalideceu, balançando a cabeça.

“E–eu nunca... Quero ser lembrado disso novamente.”

Quando Tanizaki era novo na Agência, ele teve que passar no que poderia ser chamado de um exame muito difícil. No entanto, foi tão difícil que todas as memórias de Tanizaki daquele dia acabaram enterradas no fundo de seu subconsciente. Lembrar o que aconteceu traria apenas o trauma subjacente de volta.

“Enfim, isso não é sobre mim.” Tanizaki se inclinou para frente. “Vamos fazer esse exame ser leve.”

“Ooh, olhem este artigo,” Yosano interrompeu ao ler o jornal. “‘MUITOS MORTOS OU FERIDOS APÓS O FORNECEDOR DE CARANGUEIJOS ILÍCITOS DE SHANGHAI FICAR EM CHAMAS.’ Aposto que cheirava maravilhosamente bem. Talvez eu ande pelo lugar a caminho de casa.” Ela lambeu os lábios.

“V-você não acha que isso é só um pouco demais...?” Tanizaki parecia perturbado. “Além disso, Yosano-sensei, esse jornal é de dois meses atrás. É velho. Você não seria capaz de apreciar a rica fragrância de caranguejo recém-cozido, mesmo que fosse até lá.”

“Oh, ei... Você está certo.” Yosano verificou a data do jornal e franziu a testa. “Quem foi o inteligente que deixou esse jornal velho em cima da mesa? Tch. E aqui estava eu empolgada com minha chance de cortar alguns corpos do fogo —vivos ou mortos — sob o pretexto de ajudar em uma autópsia legal.” Yosano jogou o jornal de lado, decepcionada.

“Sim, eu não sei como me sinto sobre mutilar pessoas vivas com uma machadinha...”

Tanizaki, que frequentemente se encontrava embaixo da faca, expressava o tipo de simpatia que apenas uma vítima de primeira mão podia.

“O caranguejo grelhado é o maior tesouro do mundo,” comentou Dazai, perdendo completamente o ponto.

“Dazai.” Kunikida finalmente falou em tom baixo. “Esqueça os caranguejos. O que aconteceu com a reunião? Pensei que você tivesse dito que chamou todos para a sala de conferências, mas a Yosano-sensei parece ser a única aqui.”

“Hmm...” Dazai olhou para o relógio enquanto inclinava a cabeça. “Entrei em contato com todo mundo, mas os agentes aqui são muito descontraídos, sabe? Provavelmente demorará um pouco mais para chegarem.”

Cruzando os braços, Kunikida olhou para Dazai. “Sim, quem está falando é você, Dazai. Você é basicamente o rei da terra descontraída.” Kunikida fez beicinho com os lábios. “Você disse que era uma reunião, mas tem alguma ideia específica sobre como proceder?”

“Sim, sim, eu já criei um plano. Nem mesmo o Primeiro-Ministro da Terra de Procedimentos para Reuniões, Kunikida-kun, vai reclamar.”

Dazai então se levantou e começou a escrever no quadro branco no canto da sala.

  • Trocar ideias.
  • Escolher a proposta mais adequada dada.
  • Atribuir funções apropriadas.

“...Assim? Bastante sistemático, você não concorda?” Dazai reivindicou enquanto batia no quadro branco.

“É sistemático... E é por isso que tenho um mau pressentimento sobre isso.” Kunikida franziu a testa. “Essa parte das funções me preocupa, especialmente. Afinal, é você quem está falando. Aposto que criou algum tipo de esquema para sair de qualquer trabalho. Estou errado?”

“Estou ofendido. Eu nunca seria tão enganoso. Certamente meu colega Kunikida-kun confia em mim, certo?” Dazai abriu bem os braços, alegando inocência.

“Não,” respondeu Kunikida.

“Desculpe, eu também não acredito em você...” acrescentou Tanizaki.

“Nunca acreditei menos em ninguém,” disse Yosano.

Dazai pulou da cadeira de uma maneira divertida. “Tão cruel!”

“Estaremos de olho em você. De qualquer forma, não vamos nos preocupar com a etapa três por enquanto. Precisamos começar a trocar ideias,” disse Kunikida enquanto verificava o relógio mais uma vez. Os únicos dois agentes faltando eram Ranpo e Kenji. A decisão final precisaria da maioria dos votos, o que significa que a presença deles seria essencial, mas era mais do que possível uma reunião para trocar ideias com os atuais membros.

“Esse é o espírito!” Dazai disse com um sorriso. “Se Kunikida-kun quer começar, então que comece a reunião. Tudo bem, então... Alguma proposta?”

Dazai sentou-se, depois olhou para todos em rotação, um por um. Cada um dos ocupantes da sala trocou olhares, hesitante em falar. Eles poderiam enfrentar os usuários de habilidades mais violentos enquanto cantarolavam uma música alegre, mas mesmo esses detetives veteranos não eram bons em tudo, e ler a situação era uma dessas dificuldades para eles. Quando cada agente em uma reunião possuía uma habilidade extraordinária e uma personalidade incomum, um teria uma chance melhor de encontrar tesouros nos cantos inexplorados da América do Sul do que tentar adivinhar o que o outro estava pensando. No entanto, o silêncio logo foi quebrado.

“Uau! Olhe para Tanizaki-kun! Veja como ele está brilhando! Ele está morrendo de vontade de falar!” Frustrado, Dazai jogou Tanizaki para os lobos.

“Hã? E-eu?” Tanizaki apontou para si mesmo, intrigado.

“Eu posso ver isso! A ideia radiante está iluminando seu corpo! Continue. Conte-nos sobre esse ás na manga! Conte-nos sobre a sua querida proposta que nos fará pular de nossos assentos e bater palmas! Nossos corações estão prontos!”

“Por favor, não torne isso mais difícil do que já é!” Tanizaki gritou, confuso. “De qualquer forma, acho que não precisa ser um exame complicado. Por que não olhamos apenas para os pedidos que recebemos dos clientes e escolhemos algo razoável a partir daí? Acredito que soube o que eles fizeram com você, Dazai.”

“Oh! Boa ideia! Obrigado, Tanizaki-kun.” Dazai passou a escrever “lidar com um caso” no quadro branco. “Alguma objeção?”

“Você já sabe a resposta para isso, Dazai,” disse Kunikida. “Isso funcionaria se fosse um novato comum. No entanto, a polícia militar está sob ordens para abater a fera que aterroriza o distrito. Em outras palavras, ele é procurado. A agência não terá nenhum problema em esconder sua identidade até certo ponto, mas isso não significa que devemos jogá-lo no meio do caos antes mesmo dele ser contratado. Certamente o presidente já lhe disse isso.”

“Eles não o chamam de o maior aprendiz do presidente por nada!” Dazai colocou as mãos nas bochechas. “O presidente basicamente me disse a mesma coisa. Hum... Foi uma proposta bastante razoável, mas temos que apresentar um teste que não atraia muita atenção externa. Sinto muito, Tanizaki-kun.”

“Oh...” Tanizaki disse com um tom de decepção. “Então... Que tal fazê-lo resolver um problema dentro da Agência?”

“Tipo?”

“Hmm... Talvez como limpar um congestionamento de papel ou limpar os canos?”

“Não é vaga para um zelador.” Kunikida franziu a testa. “Além disso, não há realmente nenhum incidente na Agência que possa ‘testar a veracidade da alma de alguém.’”

“Voltaremos a este.”

Então, Dazai escreveu “resolver um problema interno” no quadro branco antes de adicionar um “?” no final da frase.

“Vamos apenas sentar aqui e criticar todas as ideias? Não estamos chegando a lugar nenhum,” reclamou Yosano, apoiando o queixo na palma da mão. Ela apontou para Dazai. “Dazai, você é quem quis fazer isso. Conte-nos a sua ideia. Certamente você pensou em algo.”

Dazai permaneceu em silêncio por alguns segundos.

“...Hehe.”

Ele riu como se estivesse esperando alguém dizer exatamente isso. Então, lentamente, pegou um maço de papel de um saco e o colocou onde todos podiam ver. As folhas estavam cheias de frases, mas era difícil dizer se haviam sido rabiscadas rapidamente ou se era apenas uma caligrafia horrível de alguém do jardim de infância.

“Claro, eu vim preparado! Deleite-se com os inúmeros planos infalíveis que eu inventei!”

Todo mundo olhou para Dazai com admiração — exceto Kunikida, que tinha visto isso chegando e fez uma careta.

“Minha primeira proposta é um teste que se concentra nas habilidades físicas e resistência. Primeiro, pegaremos o trem a trinta minutos para o zoológico da cidade de Yokohama e entraremos furtivamente após o fechamento. Em seguida, jogaremos nosso candidato na exposição asiática de ursos negros e o deixaremos lá durante a noite. Se ele derrotar os ursos ou escapar quando voltarmos na manhã seguinte, o contrataremos.”

“Dazai,” Kunikida entoou profundamente enquanto olhava para Dazai.

“Se ele se reconciliar com os ursos, então o manteremos em espera.”

“Dazai.”

“Mas estaríamos completamente errados do ponto de vista dos ursos, então estamos passando para a minha próxima ideia. Esta proposta se concentra na capacidade de pensar e na solução de problemas. Há um velho no sexto distrito que é tão mesquinho que você deve se perguntar se ele era um cofrinho no formato de um porco em uma vida passada. Dizem que uma vez que seu troco de cinco ienes não foi dado, ele criticou o funcionário por duas horas seguidas. Vamos pedir ao recém-chegado dar algum motivo para pedir emprestado mil ienes ao velho.”

“Dazai.”

“E se ele puder continuar se fazendo de bobo por um mês sem pagar o homem, nós o contrataremos.”

“Dói apenas imaginar isso!”

“Depois disso—”

Dazai continuou folheando sua pilha de papel até Kunikida o parar.

“Espere, espere, espere. Todas as ideias que você teve são assim? O que você acha que é o exame? Além disso, não há como você evitar esse velho por um mês inteiro. O puro estresse faria você ficar careca.”

“Nesse caso, pediremos ao recém-chegado que peça emprestado o dinheiro em seu nome,” afirmou Dazai, enquanto olhava para o cabelo de Kunikida.

“Não ouse!” Kunikida gritou enquanto cobria a cabeça. “...Ahem. O que eu quis dizer é que esse garoto é um potencial membro da Agência! Tem que haver algo mais adequado para isso! O exame deve testar o senso de justiça de um candidato, suas habilidades, seu conhecimento, sua moralidade!”

“Poxa, sério? Ok, então que tal este: se ele comer quatro quilos de açúcar em menos de cinco minutos, então...”

“Todas as suas ideias são lixo! Elas estão se tornando cada vez mais absurdas! O que é isso, um espetáculo de circo? Tch. Certamente deve haver alguém lá fora com uma ideia melhor do que...”

Bem quando Kunikida estava prestes a arrancar os cabelos dele...

“Desculpe por fazer vocês esperarem!”

...A porta da sala de conferências se abriu com um rangido estranho nas dobradiças.

“Desculpa. Eu estava arando o campo em frente à minha casa e perdi a noção do tempo. Confira os rabanetes enormes que colhi hoje. Você pode matar um cara com um desses! Não se preocupem. Vou garantir que todos recebam sua parte mais tarde!”

A voz animada e enérgica pertencia a um jovem de porte pequeno, vestindo um chapéu de palha e macacão de algodão. As luvas enfiadas no bolso estavam sujas de terra fresca e, ainda por cima, ele estava descalço.

Este era Kenji Miyazawa, o agente mais jovem da Agência de Detetives.

“Ei, Kenji-kun! Estávamos esperando por você!” Dazai estava com um sorriso estampado no rosto ao receber seu colega. “Você se lembra por que eu te chamei aqui, certo? Bem, deixe-me dizer, tem sido uma discussão acalorada! Venha Kenji-kun, dê-nos uma ou duas de suas ideias mais brilhantes!”

“Verei o que posso fazer!” O jovem detetive respondeu alegremente antes de entrar. Seus pés descalços bateram no chão enquanto ele atravessava a sala para ler o quadro branco. Então ele se virou para encarar os outros.

“O exame precisa testar se ele é talentoso o suficiente para ingressar na agência, certo?”

Kenji ponderou por alguns segundos antes de encarar Dazai e levantar a mão.

“Oh, eu sei!”

“Sim, Kenji-kun?” Dazai apontou para Kenji, permitindo que ele falasse.

“Faça-o ter uma queda de braço comigo! Se ele vencer, está dentro!”

Todos ficaram em silêncio, suas expressões mortalmente sérias. Até Dazai ficou sem palavras.

Era um objetivo inatingível. A habilidade de Kenji, Invicto pela Chuva, concedia-lhe força sobre-humana e tornava seu corpo essencialmente indestrutível, repelindo fisicamente o que o atingisse. Ele poderia facilmente jogar um carro, se quisesse. De fato, ele uma vez lutou com três lutadores de sumô experientes e simultaneamente os jogou no ar. Ninguém sabe se eles caíram no chão. Todos na sala imaginaram o recém-chegado tentando lutar com Kenji até que seu braço fosse arrancado e o deixasse-o gritando.

“Não acho que seja uma boa ideia...” Tanizaki falou timidamente, quebrando o silêncio. Com o rosto rígido, ele olhou para os outros.

Mas quando ele notou o murmúrio de Yosano nas proximidades, baixinho, “Isso poderia funcionar,” com um sorriso, ele imediatamente tentou mudar de assunto.

“A-alguma outra ideia?”

“Outra ideia, hein?” Kenji repetiu, sem se importar. Ele andou de um lado para o outro, algumas vezes, profundamente pensativo enquanto seus pés descalços batiam audivelmente no chão. “Acho que a maioria dos trabalhos de detetive se resume a fazer um esforço, um dia de cada vez.” Kenji bateu na palma da mão com um punho antes de continuar. “Estou bastante certo de que o presidente concordaria que não se trata de entrar imediatamente em ação, enlouquecer o inimigo e ter um final de conto de fadas. Então, que tal ele arar o campo ao lado da minha casa, pouco a pouco, e se isso levar a uma boa colheita no outono, ele poderá se juntar à Agência. Parece maravilhoso, se quiser saber!”

Todo mundo olhou fixamente para Tanizaki em silêncio — “Diga alguma coisa!” eles pareciam estar insistindo.

“Uh... S-sim...” Tanizaki relutantemente deu uma resposta ambígua. “Nós estávamos com você durante o primeiro semestre, mas... Acho que esperar até o outono pode demorar um pouco demais. Certo, Kunikida-san?”

“D-de acordo.” Kunikida pareceu assustado quando a situação explosiva foi jogada repentinamente para ele.

“Oh... Se você diz...” Os olhos inocentes e infantis de Kenji mostraram uma pitada de decepção. “Então, que tal um dos rituais de passagem mais comuns que usamos no interior de onde sou?”

“Ah? Que tipo de ritual é esse?” Tanizaki levantou as sobrancelhas.

Kenji era de uma vila extremamente remota no fundo das montanhas da região de Touhoku, logo depois de um riacho que cortava a floresta. Até o dia em que foi observado pelo presidente e levado para a agência dois meses antes, Kenji viveu uma vida simples, cercada por vacas e campos, motivo pelo qual ele pode parecer incivilizado para alguns.

“Em casa, tínhamos uma associação de jovens que ajudava no trabalho agrícola geral. Havia algumas maneiras de se tornar um membro, por exemplo...” Kenji levantou o dedo indicador e continuou: “...Prevendo o tempo.”

“Huh... Parece legal. Acho que o clima é muito importante para os agricultores, afinal. Então, basicamente, se você prever corretamente o tempo do dia seguinte sem verificar a previsão, você passa?”

“Não é apenas o clima do dia seguinte. Um mês inteiro.”

“...Perdão?”

“Você prevê o clima verificando o solo e o comportamento dos animais. Eu posso fazer isso também! Aqui: ensolarado, nublado, ensolarado, ensolarado com chuva de manhã e à noite...”

Depois disso, Kenji divagou, prevendo o tempo para um mês inteiro. Infelizmente, todo mundo apagou, e todas essas informações entraram em um ouvido e saíram no outro.

“Isso é realmente impressionante...” Tanizaki finalmente falou. “Algo mais?”

“Se você consegue conversar com uma vaca, você passa. Ou um cachorro.”

“Sua vila parece incrível, Kenji-kun...,” Tanizaki murmurou com espanto.

“Além disso, qualquer pessoa que possa convocar chuva recebe um passe livre. O mesmo vale para as pessoas que podem cultivar uma muda em uma árvore dentro de um dia.”

“Esse é um grupo de primeira linha que você tem em casa!”

“Se você construir um centro comunitário em uma noite, você passa.”

“Quem mora lá, Hideyoshi Toyotomi?!”

“Se você derrotar um espírito amaldiçoado, você passa.”

“Isso existe?!”

“Além disso...”

“E-espera.” Tanizaki o deteve, incapaz de aguentar mais. “Acho que estamos saindo do assunto. Além disso, sinto que, se ouvirmos mais disso, esqueceremos completamente a reunião, então vamos parar por hoje.”

“Oh... Bem, se você diz.” Kenji inclinou a cabeça para o lado de uma maneira desanimada. Nesse momento, Tanizaki se virou e encontrou Dazai escrevendo “Hideyoshi Toyotomi” no quadro.

 

★ ★ ★

 

O debate sobre o exame havia chegado a um ponto febril. Tudo o que Dazai propôs, Kunikida rebateu, enquanto Yosano levantava uma objeção a tudo o que Kunikida sugeria. E sempre que Yosano trazia algo à tona, Tanizaki dizia: “Sim, isso é um pouco demais...”

Todos juntaram suas cabeças e debateram apaixonadamente o tópico, em um esforço para selecionar o melhor para o novato... Ou pelo menos, era o que deveriam ter feito. Na realidade, esse grupo era simplesmente excêntrico demais para apresentar uma proposta que pudesse ser considerada até meio decente.

“Um novato precisa de coragem,” Yosano argumentou com uma curva de seus lábios sensuais. “Que tal fazer isso: todos vocês têm dedos mindinhos na mão esquerda, certo?”

Todo mundo olhou para os seus dedos mindinhos.

“Começamos pelo dedo mindinho esquerdo... E arrancamos um dedo até chegarmos ao mindinho à sua direita. Se ele conseguir passar por todos os dez dedos, está dentro.”

“Isso é cruel demais!” Tanizaki gritou.

“Tudo bem, oito dedos, então.”

“Que tipo de compromisso inútil é esse?!”

“Ah, vamos lá. Eu sempre posso curá-lo com a minha habilidade.” disse Yosano com um beicinho. “Se você não vai me deixar fazer isso, então que tal  lixar a virilha dele e ver quanto tempo dura até ele chorar? Esse poderia ser o exame.”

Todos os homens na sala agarraram suas virilhas e saltaram de suas cadeiras ao pensar na dor insondável.

“Nós não vamos torturá-lo!”

“Então, que tal ele me desafiar para um concurso de bebida? Se ele vencer, ele será contratado.”

“Isso é ruim!” Tanizaki gritou de volta.

“Ei, Kunikida-kun, você ficou muito quieto,” apontou Dazai. “Já era a hora de a estrela do programa aparecer, não acha? Por favor, agracie-nos com uma de suas ideias estelares.”

“...Você fingiria ajudar alguém antes de tirar a escada que estava abaixo dele. Eu te conheço bem o suficiente para que nenhum elogio seu possa me motivar. De qualquer forma, isso me dá ansiedade.” disse Kunikida, olhando para Dazai. “Suspiro. Não importa. Que tal isso? Se ele chutar o Dazai daqui, será contratado.”

“Oh, uau,” disse Tanizaki em admiração, batendo palmas levemente.

“...Algo mais?” perguntou Dazai, olhando Kunikida pelo canto do olho.

“Se ele convencer Dazai a ficar em silêncio e o fizer refletir sobre todos os seus crimes, então ele é contratado.”

“Uau! Boa ideia.” Tanizaki assentiu com entusiasmo. “Algo mais?”

“Sim, ele poderia levar o Dazai...! E então, colocá-lo entre duas tábuas de madeira ou algo assim, depois lentamente aplicar pressão nos dois lados do seu corpo e soprar um vapor quente no rosto dele. Poderia apunhalá-lo com inúmeras agulhas minúsculas e dar um choque elétrico ocasionalmente e sussurrar em seu ouvido, ‘Tudo isso é culpa sua. Isso é tudo culpa sua.’ E depois disso, ele poderia...!”

Em um frenesi aquecido, Kunikida gesticulou como se estivesse batendo em algo no ar antes de torcer e sacudir. Seus olhos estavam vermelhos. Tanizaki, assim como os outros que estavam assistindo na sala de conferências, estavam levemente constrangidos.

“Hum... Eu... Me desculpe,” Dazai murmurou lentamente. No entanto, Kunikida-kun não parecia ouvi-lo.”

“Mas você realmente não refletiu sobre seus crimes, certo, Dazai-san?” Perguntou Tanizaki.

“Não,” veio a resposta usual. Nesse momento, houve uma batida na porta da sala de conferências.

“Perdoe minha intrusão.” Era a voz de uma garota, clara como um sino. “Vocês todos devem estar absolutamente exaustos de uma reunião tão longa. Um de nossos frequentadores nos trouxe um presente, então que tal fazerem uma pequena pausa e se servirem?”

Uma garota do ensino médio entrou, seus longos e brilhantes cabelos pretos caíam em cascata pelas costas. Ela estava vestindo um uniforme escolar e segurava uma bandeja de comida com suas mãos delicadas.

“Naomi!” Tanizaki levantou a cabeça em surpresa. “Eu pensei que você já tinha ido para casa.”

“Eu estava esperando por você para que pudéssemos ir juntos.”

Naomi sorriu gentilmente. Debaixo de um de seus olhos havia uma marca de beleza que lhe dava um apelo sedutor além de sua idade. Naomi Tanizaki, irmã mais nova de Jun’ichiro Tanizaki, trabalhava no escritório da agência quando não estava na escola. Com uma mão experiente, ela colocou uma xícara de chá verde e um pão de carne na mesa de conferência para cada pessoa lá. O vapor subia dos pães, juntamente com um aroma delicioso; eles deviam ter acabado de sair do forno. Ela passou pelo irmão e se inclinou tão perto que ele pôde sentir a respiração dela.

“Nii-sama...” disse ela, com um toque de calor em sua longa expiração, “você está tão bonito, como sempre.”

Naomi acariciou a nuca dele com as pontas dos dedos. Todos na sala fingiram não perceber. Aparentemente, esses dois eram irmãos de sangue; Tanizaki já havia admitido isso antes, e Naomi também não fez disso um segredo. No entanto, eles não se pareciam em nada. Comparada com Tanizaki, que tinha olhos tímidos, porém honestos, e um sorriso sempre sem autoconfiança, Naomi tinha uma certa sensualidade que desafiava sua tenra idade. Ela tinha lábios voluptuosos e cílios que você podia os ouvir quando ela piscasse. Seus olhos eram grandes, como poços sem fundo que absorveriam qualquer jovem ingênuo o suficiente para olhá-los, prendendo-os em um mundo de fantasia enquanto todo o sangue corria para uma determinada parte do corpo.

Para piorar as coisas, ela sempre tentava ter algum tipo de contato físico com o irmão, independentemente da localização ou de quem estava por perto. Ela tocava seu ouvido durante a conversa, esfregava sua coxa durante o trabalho e soprava em seu ouvido sempre que ele não estava prestando atenção. Tanizaki começava a agir autoconsciente todas as vezes, e seus olhos vagavam, mas Naomi até parecia gostar das reações de seu irmão.

“Oh, Nii-sama, tem um pedaço de algodão no seu peito. Deixe-me pegar isso para você.”

Naomi traçou suavemente a clavícula de Tanizaki com a unha. Claro, não havia nenhum pedaço de algodão. Tanizaki ficou vermelho e piscou desconfortavelmente. Todo mundo desajeitadamente desviou o olhar.

“Vocês dois são realmente parentes? Como dois irmãos podem viver sozinhos juntos e agirem assim?”

Essa é uma pergunta que nem uma única pessoa na agência teve coragem de perguntar. Todo mundo acreditava firmemente que algo estava acontecendo, mas eles nunca podiam bisbilhotar por medo de que seu palpite estivesse certo.

“Ei, nii-sama... Eu trouxe o que você pediu. Está na minha bolsa. Hoje à noite, poderíamos usá-lo para...”

“Hã? O-oh sim. Obrigado.”

E era exatamente por isso que ninguém poderia perguntar sobre o que eles estavam conversando, apesar de se perguntarem sobre o significado dos sussurros sugestivos de Naomi e o fato de Tanizaki estar olhando para tudo, menos ela.

“Esses pãezinhos de carne são incríveis!”

Kenji, que estava sentado ao pé da mesa, era o único mastigando alegremente os pães de carne que Naomi trouxe. O apetite superava o apelo sexual de Naomi que o preocupava.

“Ei, Naomi, que tal nos ajudar um pouco já que você está aqui?” Dazai sugeriu brilhantemente. “Estamos discutindo ideias para o exame do novato.”

“Oh, isso parece maravilhoso!” Ela colocou a bandeja debaixo do braço, depois sorriu com entusiasmo. “Embora me pergunte se eu poderia inventar algo útil...”

“Ainda estamos nos estágios iniciais. Pode falar. Qualquer coisa,” assegurou Dazai. “Pode ser algo que você seja boa ou que conhece bem, se quiser.”

“...!”

Kunikida lançou um olhar para Dazai pedindo para ele calar a boca.

“Hmm... Deixe-me pensar...”

Naomi inclinou a cabeça para o lado enquanto pensava. Alguns momentos se passaram antes que ela corasse e oferecesse três propostas.

 

Infelizmente, nada do que ela disse poderia ser escrito aqui.

 

★ ★ ★

 

A sala estava silenciosa enquanto todos comiam seus pães de carne. Nesse ritmo, a reunião nunca terminaria. Todo mundo começou a perceber que conferências e debates não eram seus pontos fortes. Eles precisavam encontrar um terreno comum.

Escritas em preto no quadro branco da sala de conferências, havia oito ideias: “Lide com um caso,” “Resolva um problema interno,” “Hideyoshi Toyotomi,” “Arranque oito dedos,” “Enganar,” “Esmagar Dazai,” “*****ndo” e “Esses pães de carne são deliciosos”.

A bateria interna de Tanizaki estava começando a morrer. Embora um tanto óbvio que essa seria uma reunião complicada, ninguém esperava que concordar com uma única ideia fosse um desafio tão grande, nem previram que o processo de encontrar interesses em comum fosse tão sem graça. Construir um castelo de areia teria sido de uso mais construtivo para o tempo deles.

Tanizaki e Kunikida trocaram olhares. Eles previram que isso iria acontecer. A reunião anterior no café era para planejar uma situação como essa. Uma reunião de resposta à reunião. Eles pensaram no que fazer quando reuniões como essa não estavam indo a lugar algum, e especificamente se certificaram de manter isso em segredo de Dazai. Kunikida aproveitou a oportunidade para falar como havia planejado anteriormente no café.

“Dazai, que tal restringir nossas escolhas? Já estamos presos no primeiro passo há muito tempo. Se não decidirmos algo agora, ficaremos aqui a noite toda. Não estou dizendo que temos que escolher uma das ideias no quadro, mas, pelo menos, nos dar uma orientação básica.”

“Hã? Mas discutir essas coisas juntos é divertido. Vamos continuar assim a noite toda!”

“Não importa se você está se divertindo ou não. Viemos aqui hoje por uma razão,” disse Kunikida, franzindo a testa com severidade. “Além disso, temos menores aqui também. Apresse-se. Tudo o que resta é decidir uma ideia e delegar funções, certo?”

“Mas ainda estamos sentindo falta de alguém.” Dazai coçou a cabeça. “Ranpo-san não está aqui, e precisamos de todos presentes antes que possamos decidir sobre o exame. Eu me pergunto o que ele está fazendo agora tão tarde da noite? Talvez ele esteja trabalhando em um caso difícil, e está demorando mais do que ele pensava...”

“Oh!” Naomi colocou a mão na bochecha. “Na verdade, Ranpo-san está no escritório agora.”

“Hã?”

“Eu o vi quando estava andando alguns minutos atrás. Ele estava envolvido em um daqueles quebra-cabeças que vem com as caixas de doces.”

“Esse é o nosso Ranpo-san. Nada o incomoda.” Dazai elogiou Ranpo por qualquer razão.

Edogawa Ranpo, vinte e seis anos, era o principal detetive da Agência de Detetives Armados e o cérebro da operação. Ele possuía notáveis poderes de observação e dedução para alguém tão ingênuo e simples de natureza. Mesmo assim, ele era impossível de entender e não se rende a ninguém. Ranpo só estava disposto a se envolver em um caso, desde que ele sozinho o resolvesse. Embora não desse nenhum dano, ele diria a todos que são estúpidos, mesmo que fosse a primeira vez que se encontrassem, e ele nunca hesitaria em dar um tapinha na cabeça de alguém — seja vítima, agressor, o que você quiser. E não havia um único caso que ele não pudesse resolver. Não seria exagero dizer que ele era o pilar central da agência.

“Eu vou buscá-lo,” disse Naomi antes de sair da sala de conferências. Depois de vê-la partir, Dazai disse: “Tudo deve ficar bem agora. Não há nada que ele não possa resolver.”

“Eu concordo, mas isso é realmente algo que vale a pena para incomodá-lo?” Kunikida perguntou com relutância. “O cérebro dele deve ser usado apenas para resolver casos. Existem muitos casos difíceis em que ele poderia estar resolvendo, em vez de gastar seu tempo com algo tão trivial como esse.”

Não havia uma única alma na vizinhança que não conhecesse a habilidade de Ranpo. Até os figurões de organizações governamentais como a polícia da cidade iriam  implorar por ajuda.

  • Usuário de Habilidade: Edogawa Ranpo

Habilidade: Super Dedução

Enquanto a maioria das habilidades eram eventos sobrenaturais que influenciavam as leis da física, a de Ranpo se destacava como extraordinária, mesmo entre os melhores detetives — a habilidade de ver a verdade.

Não importa o caso ou evento, ele podia ver a verdade com um único olhar. Sua habilidade quase parecia trapaça, até. A existência de tal habilidade tornaria toda e qualquer organização investigativa totalmente sem sentido. E, no entanto, Ranpo possuía essa habilidade e a usava para resolver mistérios. A verdade nunca escapou de seu olhar perspicaz.

E foi exatamente por isso que ninguém poderia se opor a ele, o que consequentemente deixou Ranpo ainda mais arrogante. Isso permitiu que ele resolvesse os casos da maneira que quisesse, mesmo que isso significasse arrastar outras partes relevantes. Depois de deixar a cena do crime, ele sempre deixava todos os envolvidos mentalmente exaustos, apesar de ter resolvido o caso. Ninguém poderia controlar o gênio infalível... Exceto o presidente, a quem Ranpo ainda ouvia seriamente por algum motivo. Ele ficaria deprimido se o chefe ficasse bravo com ele, e isso lhe trazia muita alegria caso fosse elogiado. Ninguém sabia exatamente por que ele era tão obediente, mas de acordo com os outros agentes: “Bem, você sabe como é o presidente. Acho que não é uma verdadeira surpresa.”

Tmp. Tmp. Tmp. Ranpo caminhou até a porta da sala de conferências com força em seu passo.

“Ei, pessoal! Vejo que todo mundo está em outra reunião inútil,” brincou Ranpo com um sorriso. “Suspiro. O que vocês fariam sem mim?”

“Estávamos esperando por você, Ranpo-san,” disse Dazai, sorrindo de volta. “Estamos tendo uma reunião sobre o exame de admissão que mencionei a você anteriormente. Tem alguma ideia?”

“Eu odeio usar minha cabeça para coisas chatas,” reclamou Ranpo. “E, de qualquer forma, sinceramente não me importo se esse recém-chegado tiver o que é preciso. Existem dois tipos de pessoas no mundo: aqueles que choram de alegria quando eu resolvo um caso e aqueles que choram de frustração!”

“Você levantou uma boa questão.” Dazai assentiu em concordância.

“Mas é claro, minha habilidade sempre me leva à verdade, seja um assassinato ou até algo tão trivial quanto isso. Além disso, amanhã estarei fora em uma viagem de negócios, então não poderei participar do exame. Houve uma série de assassinatos na região de Hokuriku que eu estava morrendo de vontade de investigar. Mas, como presente de despedida, suponho que não seria contra o uso da minha Super Dedução para prever o curso desta reunião, se você quiser.”

Ranpo tirava do bolso um par de óculos de armação preta, óculos antigos que acionavam sua habilidade, Super Dedução, sempre que os colocava. Nenhuma alma sabia onde ele os havia conseguido, mas segundo Ranpo, eles tinham uma longa e distinta história de operar milagres. Eles pareciam nada mais do que um par de óculos desgastados para qualquer pessoa comum, embora.

“Você tem certeza, Ranpo-san?” Kunikida perguntou, um pouco confuso. Afinal, Ranpo nunca usou sua habilidade para algo não relacionado a um caso.

“Claro que—”

Ranpo fez uma pausa abrupta e respirou fundo.

“—não. Você realmente achou que eu faria isso?”

O grupo concordou em uníssono. Você não está errado nisso.

“Vocês estão aqui, quebrando todas as células do cérebro que têm; seria uma pena se eu resolvesse o problema rapidamente. Além disso, todos vocês comeram pães de carne sem mim, e isso é inaceitável!” Ele apontou para os pratos vazios alinhados sobre a mesa.

“Hã? Mas eu pensei que você estava se estufando com doces em sua mesa...” Tanizaki parecia perplexo.

“Ok, claro, obviamente eu prefiro doces e pães doces, e também gosto de coisas comuns, como hambúrgueres e omurice, também! Mas é noite, veja, e não há nada que mói minhas engrenagens mais do que cheirar pães de carne no meio da noite e saber que não há nenhum por perto para eu comer!”

“Deixe-me perguntar a Naomi se ainda sobrou.”

Tanizaki levantou-se às pressas, passou correndo por Ranpo e abriu a porta da sala de conferências. Mas enquanto passava, Ranpo o encarou com olhos estranhamente vazios. Depois disso, ele olhou para frente mais uma vez antes de voltar o olhar para uma pilha de jornais velhos no canto da sala.

“Tanizaki,” Ranpo chamou.

“Sim?”

Tanizaki se virou, mas Ranpo não respondeu imediatamente. Em vez disso, ele balançou a cabeça gentilmente antes de finalmente dizer: “Bem, boa sorte.”

 

★ ★ ★

 

Tanizaki conversou com Naomi na cozinha e pediu que ela procurasse restos de pão de carne. No caminho de volta para a sala de conferências, ele encontrou Kunikida.

“Kunikida-san, como as coisas acabaram?” Perguntou Tanizaki.

“Dazai está cuidando da reunião. Eu disse a ele que tinha alguns negócios para cuidar e fui embora.” Kunikida olhou para ter certeza de que não havia ninguém por perto antes de continuar. “Mais importante, Tanizaki, como estão as coisas com o você-sabe-o-quê?”

“Tudo está pronto.”

Tanizaki assentiu e depois ergueu a mochila que recebeu de Naomi agora quando conversaram na cozinha. Ela também aproveitou a oportunidade para tentar algo com Tanizaki, mas ele conseguiu escapar. Dentro da bolsa havia um grande envelope marrom.

“Tanizaki — você sabe o que fazer.”

“Eu sei.” Ele assentiu. “Tudo até agora foi exatamente como você previu, Kunikida-san.”

“Não tenho me juntado ao Dazai por muito tempo para nada.” O rosto de Kunikida se torceu em total e genuína repulsa. “Meus instintos me avisam quando ele está planejando algo. Minha visão estava tremendo tanto durante a reunião que quase desmaiei. Eu não vou deixar ele seguir o seu caminho. É hora de ele pagar por sua auto-indulgência.”

Tanizaki assentiu, depois voltou para a sala de conferências sozinho, para que ninguém suspeitasse de nada.

 

★ ★ ★

 

Quando Tanizaki voltou, Ranpo já tinha sumido. Ele partiu para procurar por seus próprios pães de carne, desejando, sem entusiasmo, a todos boa sorte antes de sua partida. Não que um mero “Ei, temos uma reunião” foi suficiente para chamar a atenção de qualquer pessoa na agência, é claro. O resto dos participantes trocaram olhares estupefatos, depois voltaram sua atenção para o quadro branco com expressões que diziam: “É, era um tempo razoável para sair.”

“Solucione um problema interno” — a proposta de Tanizaki.

Estabelecer-se em uma das propostas extremamente genéricas anteriores no final de uma reunião barulhenta e acalorada não era uma ocorrência rara, seja em uma agência de detetives ou em alguma outra organização. No entanto, isso não significa que a reunião terminou. Havia inúmeros problemas internos que precisavam ser resolvidos. Coisas grandes, coisas pequenas — problemas arriscados, problemas leves. Para o exame, no entanto, eles teriam que escolher apenas a tarefa mais adequada.

“O elevador não está funcionando ultimamente.”

“Vamos entrar em contato com a empresa de gerenciamento.”

“A sala de operações está ficando sem suprimentos.”

“Farei um pedido na farmácia habitual!”

“A equipe do escritório disse que quer comida entregue para o almoço...”

“O que você quer, que o novato abra uma loja de soba?”

Ninguém conseguia pensar em nada digno. Kunikida voltou à sala de conferências alguns minutos depois de Tanizaki e juntou-se ao grupo na busca de ideias. No entanto, com todos os agentes altamente qualificados da agência, todas as questões adequadas foram cortadas pela raiz desde o início. Tudo o que restava eram tarefas tediosas e inúteis, como limpeza, reparos e reclamações sobre a comida.

“Parece que estamos de volta aonde começamos,” Yosano murmurou descontente. “Não há problemas maiores que precisam ser resolvidos por aqui?”

“Bem, o presidente ainda está solteiro...,” ofereceu Tanizaki.

“Sem problemas tão grandes!”

Todo mundo se desesperava por uma ideia enquanto trocavam olhares e, em pouco tempo, chegaram a uma conclusão: “Se não há problemas, teremos que criar um, nós mesmos.”

Um caso falso para resolver — em outras palavras, um estratagema.

Alguém criaria um problema falso, e o novato, que estaria ali, seria solicitado a resolver esse problema para testar suas capacidades. O clima na sala deixou claro que era a única opção; todo mundo estava cansado de pensar nisso. No entanto, havia uma pessoa corajosa o suficiente para se opor.

“Espere.” Kunikida falou. “É um truque muito bom, mas há um problema fundamental com essa ideia: Dazai.”

Ele olhou para Dazai, que alegremente apontou para si mesmo. “Eu?”

“Sim, você. Com esse plano, provavelmente não estaríamos incomodando ninguém fora da agência. Alguém poderia simplesmente causar uma comoção e criar o problema. Esta parte do plano está certa. Contudo...”

“‘Contudo’...?”

“Quero que todos pensem no que nos trouxe aqui em primeiro lugar.” Kunikida se levantou da cadeira, colocou as duas mãos na mesa e se inclinou para frente. “A pessoa que nos meteu nessa confusão e convidou o recém-chegado a se juntar à nossa agência não era outra senão Dazai. Embora o recém-chegado fosse uma ameaça designada, Dazai não pensou em capturá-lo ou em detê-lo. O Cérebro de Pedra aqui só teve a brilhante ideia de deixá-lo ingressar na agência, porque isso só surgiu aleatoriamente em sua cabeça.”

“Oh, pare. Você está me envergonhando.” Dazai sorriu e coçou a cabeça.

“Isso não é um elogio. De qualquer forma, não aconselho ninguém a reconsiderar. O presidente já deu a luz verde. No entanto, conheço a natureza de Dazai mais do que jamais desejei, e é dolorosamente óbvio para mim o que ele está fazendo.”

Kunikida fez uma pausa, depois olhou ao redor da sala antes de continuar.

“‘Estou decidido a ver isso e envidarei todo o trabalho duro para outra pessoa.’ Certamente foi isso que você pensou. Certo, Dazai?”

Dazai sorriu alegremente e assentiu. “Parece que o coelho está fora da toca agora. Estou impressionado, Kunikida-kun.”

“Seu elogio não significa nada para mim. De qualquer forma, fui queimado com muita frequência por causa de como ele faz as coisas. Forçando a responsabilidade sobre os outros, deslocando-a para os outros, evitando-a — ele lisonjeia as pessoas apenas para chutar a escada debaixo delas. Sempre que juro que nunca mais serei enganado por ele, me vejo de alguma maneira andando pelo caminho que ele estabeleceu para mim. Graças a isso, fiz tantas coisas nos últimos dois anos em que fui seu parceiro: limpei os drenos no refrigerador, caí no provador de mulheres de uma loja de departamentos, e até fui forçado a beber tanto que acordei no quarto de outra pessoa sem nenhuma lembrança da noite anterior.”

“Vocês realmente fizeram algumas coisas interessantes juntos,” disse Yosano em choque.

“Você é uma pessoa forte, Kunikida-san!” Kenji elogiou Kunikida, perdendo completamente o objetivo.

“Portanto, estou convencido de que Dazai criou algum tipo de esquema para que ele seja o único que não precisa fazer nenhum trabalho árduo. Ele é astuto — eu darei esse elogio a ele. O que estou tentando dizer é... Dazai, você está planejando conseguir alguém a fazer o exame enquanto não está fazendo nada! Admita!”

“Uau, Kunikida-kun. Você realmente gosta de fazer o papel de vítima, hein?”

“De quem você pensa que é a culpa?!”

Dazai assentiu algumas vezes antes de responder. “Mas eu entendo por que você está preocupado. Ao longo dos anos, tenho evitado trabalhos entediantes e tediosos sempre que podia. Mas desta vez seria difícil forçar a responsabilidade sobre outra pessoa nessas condições. Esta é uma reunião, afinal. Seria bastante surpreendente se a opinião de todos atendesse às minhas necessidades.”

“Sério? Eu acho que é exatamente o contrário,” disse Kunikida enquanto cruzava os braços. “Por exemplo, a reunião praticamente decidiu criar um problema que não existe. Em outras palavras, precisamos apenas de um indivíduo infeliz para lidar com o estratagema, e então você estará livre. Além disso, foi você quem escolheu a hora e o local da reunião e quem viria, então não posso deixar de me perguntar se você previu que acabaríamos com essa proposta. Você esperou até que todos decidissem, porque calculou seu esquema para que alguém que não fosse você tivesse que fazer todo o trabalho. Estou errado?”

“Você está realmente me bajulando hoje, Kunikida-kun.” Dazai sorriu audaciosamente. “Eu entendo agora. Então você ficou em guarda o tempo todo, hein? Tudo bem, Kunikida-kun, vamos ouvir sua proposta, então.”

“Não vou forçar você a fazer todo o trabalho, mas, no mínimo, quero que isso seja justo,” afirmou Kunikida. “Não quero desonestidade. Sejam fáceis ou difíceis, os papéis devem ser decididos de maneira justa, com todos concordando.”

“Entendido. Esse é um argumento muito convincente,” disse Dazai antes de olhar para todas as pessoas na sala. Então, do nada, ele acrescentou: “O que você acha, Tanizaki?”

“O-o quê? Eu? Hum... Eu...”

Tanizaki entrou em pânico depois de ser chamado de repente. Ele olhou para Kunikida, que o encarava como se quisesse dizer alguma coisa. Tanizaki era uma pessoa tímida desde o dia em que nasceu, e ele tentou pensar através de sua confusão. Não deveria haver problema se ele simplesmente concordasse.

“Eu... Eu acho que é uma ótima ideia.” Tanizaki conseguiu juntar algumas palavras. “O exame sempre foi difícil, então acho que forçar papéis um no outro não vai melhorar nada.”

“Então, que tal nós fazermos isso?” Dazai bateu palmas antes de continuar. “Que tal deixarmos Tanizaki decidir como vamos alocar os papéis? Você pode usar Amidakuji, ou cartas, ou... Bem, basta escolher algo que seja justo. É assim que vamos determinar quem recebe o trabalho pesado. O que acha, Kunikida-kun?”

Kunikida silenciosamente lançou um olhar para Tanizaki. Tanizaki começou a entrar em pânico silenciosamente mais uma vez; tudo estava indo muito mais suavemente do que ele imaginara.

“Certo...”

Tanizaki fingiu pensar enquanto tentava se acalmar. O que ele deveria fazer? Ele pensou no que Kunikida disse quando eles discutiram o assunto. Segundo ele, “Dazai nunca diz diretamente o que quer. Ele sempre consegue que alguém diga isso por ele.” Se Ranpo fosse a própria arte da dedução na agência, Dazai seria o epítome da manipulação. As cordas de marionete que ele usava para amarrar e controlar o coração das pessoas eram complexas e abstrusas. Ninguém podia ver para onde eles levavam. Mas ele não poderia parar aqui.

“Que tal sortear tiras de papel?” Tanizaki sugeriu com um sorriso forçado. “Vamos escrever números neles e fazer com que todos sorteiem um. Quanto menor o número, mais estressante será o papel.”

Dazai concordou instantaneamente.

“Isto não é suficiente.” Kunikida franziu as sobrancelhas. “Certamente você sabe o quão complicado os dedos deste homem podem ser. Eles são assustadoramente hábeis. Ele podia abrir uma fechadura do cofre de um banco com uma única agulha; portanto, é claro que fazer tiras de papel falsas e trocá-las não seria nada para ele.”

“He-he...” Dazai colocou a mão sobre a boca enquanto ele ria, balançando em sua cadeira. “Não posso dizer o quanto estou grato por Kunikida-kun me elogiar tanto hoje.”

“Pare de rir. É assustador.”

“Então por que não fazemos isso?”

Tanizaki voltou o olhar para o jornal velho no canto da mesa de conferências — o qual Yosano estava lendo. “Vamos usar este jornal velho. É de dois meses atrás, então provavelmente seria difícil preparar um falso ou escrever sobre ele.”

“Interessante...,” Yosano murmurou enquanto arrastava o jornal velho em sua direção. “Tem razão. Eu acho que seria difícil, mesmo para um mágico, ser rápido com isso. Mas o que exatamente você vai fazer?”

Tanizaki esperou alguns momentos antes de responder.

“Cortaremos as datas com o número da página e as dobraremos.”

Ele olhou para o velho periódico.

“Como você pode ver, há apenas um de cada número nas páginas. Este jornal começa na página um e vai para a página quarenta. Além disso, seria difícil encontrar o mesmo jornal de dois meses atrás, por isso, se cortarmos as datas com as tiras de papel, você não poderia ser capaz de recriá-las a menos que chamasse uma empresa que coletasse e reciclasse jornais antigos.”

“Aham.”

Dazai assentiu alegremente. “Esse é realmente um bom sistema anti-trapaça para algo que você acabou de descobrir no local. O que você diz, Kunikida-kun? Parece infalível para mim.”

Kunikida olhou para Dazai. “Nada me deixa mais nervoso do que quando você afirma que algo é infalível. Embora suponho que eu poderia comprometer-me.”

Tanizaki soltou um suspiro de alívio. Eles superaram o primeiro obstáculo. O maior obstáculo, no entanto, veio a seguir.

“Tudo bem, farei os papéis que usaremos para sortear,” disse Tanizaki quando começou a dobrar as datas do jornal. Sem nada melhor para fazer, os outros decidiram passar o tempo discutindo os detalhes desse “distúrbio encenado”:

“E se o fizéssemos como em um conto de fadas, onde uma princesa é capturada por algum bandido? Poderíamos estar com o novato, andando aqui, quando de repente isso acontecesse.”

“Espere. Quem será o bandido?”

“Não é por isso que estamos sorteando tiras de papel?”

“Eu quero ser a vilã! Parece ser muito divertido!”

“Não, você quebraria o crânio do novato.”

“Bem, eu não me importaria.”

“Espere. Pare por um momento. Vamos descobrir quem interpreta o vilão através do sorteio; ainda há a donzela em perigo.”

“Quem vai interpretar a princesa?”

“Quero dizer, também podemos decidir pelo sorteio, mas as princesas são geralmente interpretadas por mulheres, então...”

Silêncio.

“Eu? Claro, mas depois eu vou quebrar o crânio do novato.”

“Eu imaginei...”

“As coisas estão indo de mal a pior...”

“Ah eu sei! Kunikida-kun poderia bancar a princesa!”

“Você está louco?!”

Enquanto Tanizaki preparava as coisas, ele imaginou o Kunikida em um vestido branco com babados enquanto dizia com paixão: “Oh, meu Deus! Alguém, me ajude!” Uma imagem bastante repulsiva, mas que se encaixava em Kunikida por algum motivo. De qualquer forma, isso seria suficiente para desmascarar o exame em um instante.

Tanizaki de repente começou a ficar ansioso. Isso realmente iria funcionar? Isso realmente faria Dazai finalmente assumir a responsabilidade, como Kunikida disse que assumiria? Kunikida assegurou-lhe que isso funcionaria enquanto eles se mantivessem no plano. E ele disse que acima de tudo... Isso também era por causa de Dazai. Ele alegou que ninguém seria capaz de derrotar Dazai novamente depois disso.

De acordo com Kunikida:

“Eu estava encarregado de mostrar as cordas para Dazai quando ele ingressou na agência, mas ele já havia atingido o auge de suas travessuras naquele momento. Ele já havia enrolado suas cordas de marionete em torno de inúmeras pessoas envolvidas, e até manipulou os movimentos que nossos inimigos faziam.

O maior detetive da Agência é, sem dúvida, Ranpo-san, mas seu intelecto é usado para controlar casos e cenas de crimes. Dazai, por outro lado, usa seu intelecto para manipular as pessoas, algo que ele usa para tomar uma posição de poder sobre elas. Não seria surpresa se ele liderasse a agência um dia em um futuro não tão distante como o braço direito do presidente. Tenho a sensação de que todo esse calvário com o novato também foi o primeiro passo para isso. Não podemos ter alguém tão despreocupado quanto aquele na agência. Não vou permitir que ele continue transferindo suas responsabilidades para os outros. Este exame precisa ser uma oportunidade para ele experimentar em primeira mão o quão difícil é contratar e gerenciar alguém.

É por isso que todo esse exame precisa ser realizado apenas por Dazai e Dazai.”

Todo esse estratagema foi criado para esse único motivo. Enganar Dazai — esse era o plano mestre que Kunikida tinha criado depois de ser parceiro dele por dois anos.

O plano de Kunikida foi esse:

Primeiro, eles colocariam um jornal velho na sala de conferências antes da reunião.

Então, quando eles estivessem decidindo os papéis de todos e as coisas começariam a ficar complicadas, alguém iria sugerir casualmente a necessidade de todos sortearem tiras de papel para decidir seus papéis no caso, já que nem mesmo a personificação da própria trama, Dazai, seria capaz de manipular os resultados. Portanto, todos receberiam aleatoriamente seus papéis, o que seria justo. Uma vez que isso acontecesse, sem falhas, alguém sugeriria usar o jornal antigo para fazer os pedaços de papel para a loteria. Se, por acaso, ninguém dissesse nada, Tanizaki ou Naomi esperariam o momento certo e sugeririam eles mesmos.

Kunikida iria derrotar Dazai, ele tinha dito. Ele continuou dizendo que iria forçar Dazai a perceber como é carregar seus próprios encargos e assumir alguma responsabilidade — tanto por ele quanto por parte da agência de detetives.

Quando as tiras de papel estavam finalmente ficando prontas para serem usadas, Naomi parou na sala de conferências com a sua mochila de escola na mão.

“Diga, nii-sama, eu estava pensando em voltar para casa agora. Você precisa de algo antes que eu vá?”

“Oh, Naomi.” Tanizaki pareceu tomado de alívio. “Estamos prestes a usar tiras de papel para decidir nossos papéis no caso. Você tem uma bolsa ou algo em que eu possa colocar elas?”

“Que tal isso?” Naomi respondeu antes de tirar um grande envelope marrom da mochila. Tudo estava indo como planejado. “É um envelope que sobrou de um trabalho da escola. Você pode usá-lo, se quiser.”

Quando Kunikida traçou o plano, ele propôs a inclusão de alguém que não participasse da reunião. Dazai certamente veria através do esquema de Kunikida se fosse apenas ele. Por outro lado, envolver todos na reunião correria o risco de vazamento de informações. Este era Dazai, afinal. Ele poderia facilmente extrair as informações de alguém — muito provavelmente Kenji. O parceiro de Kunikida no crime tinha que ser o melhor dos melhores; assim, ele acabou indo com os irmãos Tanizaki.

O próprio Tanizaki não tinha ideia de por que foi escolhido. Talvez ele estivesse simplesmente incluído no pacote por causa da Naomi. Estava começando a se sentir assim. Quando as pessoas pediam ajuda a Tanizaki, geralmente era porque qualquer um faria, ou elas precisavam de sua habilidade, Neve Leve, para alguma coisa. Mas as habilidades eram inúteis contra o atual oponente, Dazai... O que poderia significar que ele foi escolhido por ser uma escolha segura e aceitável.

No entanto, Tanizaki sentia que era medíocre em seu trabalho, mantinha princípios medíocres e tinha um senso medíocre de justiça, o que o tornava um ser humano medíocre. Ele não teve coragem de responder ou enfrentar Dazai. Simplificando, ele era incrivelmente passivo.

Tanizaki disse que ele era apenas um cara normal, e ele estava bem com isso. Além disso, como o penúltimo agente no ranking, o que mais há para fazer além de seguir as obrigações que um funcionário sênior me atribui? Tanizaki pensou enquanto dobrava as tiras de papel.

“Eu terminei,” ele anunciou.

Todo o clamor sobre o exame de admissão de repente parou quando todos se viraram ao som de sua voz. Alinhados a Tanizaki, vinte tiras de papel com os números “1” a “40” escritos dentro. Pode-se perguntar por que havia vinte tiras de papel e não quarenta — e isso porque os artigos foram impressos nos dois lados do papel. Portanto, o número “2” seria impresso no verso da página um; os números “1” e “2” vieram como um conjunto, assim como “3” e “4”. E assim, foi o mesmo até “39” e “40,” daí o motivo de haver apenas vinte tiras de papel.

Tanizaki empilhou os papéis antes de cuidadosamente colocá-los no envelope. “Ok, pessoal. Em que ordem vocês desejam pegar as tiras de papel?”

Kunikida cruzou os braços e falou. “Tanizaki, você fez as tiras, por isso seria lógico que você fosse o último.”

“E quanto a mim?” Dazai perguntou enquanto apontava para si mesmo.

“Você... Pode inventar um esquema imundo se dermos muito tempo para você pensar. Você vai primeiro.”

“Você não confia em mim!” lamentou Dazai enquanto tirava um pedaço de papel do envelope.

“Não abra ainda.”

“Por quê?”

“Porque ainda não decidimos os papéis. Não seria justo confirmar quem perdeu logo de cara, certo?”

Kunikida falou com confiança, nem mesmo dando uma dica de que tudo isso fazia parte de seu plano.

“Isso faz sentido. Acho que todos devemos abri-los juntos no final.” Dazai agarrou o pedaço de papel na mão. “Mais importante, Kunikida, eu apenas tive a ideia perfeita para o exame de admissão.” Ele ainda tinha o papel segurado fortemente.

“E o que é isso?” Kunikida tirou o envelope das mãos de Dazai e depois misturou o conteúdo antes de pegar um para si mesmo.

“Bem, você sabe a bomba que acabei de receber? Eu trouxe comigo.”

Dazai apontou para o saco de papel com a bomba falsa que ele havia mostrado para eles no café. Aparentemente, uma mulher tinha enviado para o bar para ele como presente, mas quase se transformou em um grande susto.

“Seria um desperdício se não a usássemos.”

“Você quer usar uma bomba?” Kunikida esticou o pescoço. Yosano observou a troca de olhares deles pelo canto do olho e pegou um pedaço de papel também.

“Claro. De repente, um homem-bomba aparece na agência de detetives, trancando-se no interior enquanto toma um refém civil. Poderíamos ver como o novato lida com uma situação tão arriscada. Obviamente, o presidente fará a chamada final, mas se ele puder desarmar a bomba ou convencer o homem-bomba a desistir, o garoto passará. O que você acha? Parece um caso muito agradável, se você me perguntar.”

Kenji tirou um pedaço de papel do envelope. Normalmente, Ranpo iria em seguida, mas ele não estaria lá no dia do exame, por isso ficou aliviado com essa responsabilidade. A última pessoa a tirar do envelope... Foi Tanizaki.

“Aqui está, nii-sama.” Naomi estendeu o envelope para ele.

Tudo estava indo conforme o planejado até agora. Foi fácil a partir de agora em diante. Um sorteio simples era tudo o que restava.

“Então, quem tirar o menor número... interpreta o homem-bomba,” disse Tanizaki.

“Você está certo,” respondeu Dazai casualmente.

Tanizaki lançou um olhar para Kunikida, que sutilmente acenou de volta para ele tão fracamente que mal podia ser visto. Tanizaki já estava profundamente nisso, então sentiu que poderia deixá-lo acontecer até o fim. Ele pegou um pedaço de papel.

 

O esquema de Kunikida era extremamente simples.

Tiras de papel falsas.

A pilha da qual Dazai tirou o papel não era a mesma daquela que todos os outros tiraram.

Obviamente, isso só foi possível porque eles prepararam várias cópias do jornal antigo e mexeram no envelope. Como se poderia esperar de alguém que trabalhou com Dazai por tanto tempo, Kunikida foi capaz de prever que os papéis para o exame de admissão seriam inevitavelmente decididos através de sorteios e que o ponto de compromisso seria usar um jornal antigo para fazer as tiras de papel para evitar trapaça.

Se eles fossem incapazes de usar o jornal antigo ou envelope, Kunikida afirmara que então ficaria como está. Sua habilidade, Poeta Solitário, e Neve Leve de Tanizaki seriam fracos diante do Fracasso Humano de Dazai, uma vez que poderia nulificar qualquer habilidade simplesmente por Dazai tocá-los. A única escolha deles seria se preparar para o pior e rezar a Deus para fazer a decisão certa.

Mas tudo foi bem dessa vez. Justo como planejado, Dazai tirou da pilha falsa.

Primeiro, o trabalho de Tanizaki era conseguir onze velhos jornais no dia anterior, e então fazer numerosas tiras dobradas de papel com os mesmos números de página e de datas. Razão pela qual, ontem, ele pediu a um conhecido, que reciclava jornais velhos, para trazer a ele múltiplas cópias de um jornal velho com a mesma data. Ele usou estes jornais para criar tiras de papel com pares de números a partir de “1” e “2” até os de “39” e “40” (números de página foram impressos em ambos os lados do papel como fora mencionado acima, então cada tira de papel tinha um número em cada lado dela).

Em seguida, seu trabalho era coletar todos os pares de “1” e “2,” juntamente com os pares de “3” e “4,” antes de colocá-los dentro de um pequeno envelope. Eram dez jornais com pares “1 e 2” e pares “3 e 4,” totalizando assim vinte pedaços de papel dobrados. Em resumo, isso era uma pilha falsa de sorteio, de vinte pedaços de papel, para substituir a pilha original de tudo, dos pares “1 e 2” aos pares “39 ​​e 40”.

O plano era forçar Dazai a tirar desta pilha, dando a ele somente a chance de puxar um número de “1” até “4”. Qualquer pessoa que obtivesse o menor número seria derrotado, o que significa que a derrota de Dazai já havia sido decidida. Em outras palavras, ele ia obter o papel do homem-bomba. Após isso, Tanizaki só teria de trocar as pilhas novamente antes que qualquer outra pessoa tirasse o sorteio. Havia dezenove tiras de papel na outra pilha, a qual começava com o par “5 e 6” e ia até “39 e 40”. Qualquer número acabaria sendo maior do que o que Dazai tirou.

A pilhas precisavam de ser trocadas somente duas vezes. Contanto que isso fosse feito, então o resto do esquema era extremamente simples e extremamente difícil de descobrir — uma trapaça com altas chances de sucesso. E é por isso que treino meticuloso era necessário para a troca das pilhas. É aí aonde Naomi e Kunikida entrariam. Na sala de conferências, Tanizaki fingiria misturar a pilha de vinte tiras de papel, quando, na verdade, ele estaria trocando-as com os pares de “1 e 2” e “3 e 4”. Depois que Dazai tirasse uma tira, Kunikida iria então trocar a pilha para a de pares “5 e 6” a “39 e 40” quando tivesse a sua vez.

No entanto, o envelope em si foi preparado com um fundo falso antes da reunião, então trocar de pilha em si não seria de tamanha dificuldade.

Era um mecanismo bastante simples. O fundo falso, com a pilha falsa, tinha uma corda presa que só precisaria ser puxada para trocar as pilhas. Esta era a arma definitiva de Kunikida contra Dazai que ele tinha estado preparando laboriosamente com bastante antecedência.

Todas as armadilhas tinham sido montadas.

Cada detetive — Dazai, Kunikida, Yosano, Kenji e Tanizaki — estava segurando um pedaço de papel. Quem quer que tinha o menor número assumia o trabalho mais oneroso, o qual nesse caso seria o papel do homem-bomba.

Tanizaki recordou todo o desenrolar dos acontecimentos. Até agora, tudo tinha ido de acordo com o plano. Contudo, eles estavam contra Dazai — um homem quem tinha manipulado pessoas, amigo ou inimigo desde que se juntou à agência. Ele era esperto, e seu comportamento sempre tornava suas intenções pouco claras enquanto levava aqueles ao seu redor à confusão e ao pânico. Seu passado era quase um completo mistério, e mesmo antes que alguém perceba, tudo estava indo pelo caminho que ele colocou. Ele era como um certo trapaceiro folclórico.

Será que esse truque funcionaria em Dazai?

“Ok, vamos começar por mim.”

Dazai desdobrou o pedaço de jornal velho.

“3 e 4.”

“Hã...”

Dazai franziu a testa.

Funcionou. Tanizaki conteve-se antes que essa palavra escapasse de sua língua.

“Parece que você finalmente está conseguindo o que você merece,” Kunikida disse ao Dazai.

Apesar de ser arrastado para este esquema, até mesmo o autoproclamado “cara normal”, Tanizaki se sentiu bem em ver o plano correr tão perfeitamente. Dazai muitas vezes engambelava Tanizaki e empurrava sua responsabilidade sobre ele, embora não na medida em que ele fazia com Kunikida. Seria um exagero dizer que isso era vingança, ainda era bom pensar nisso como um pequeno troco.

Em seguida, Kunikida desdobrou seu pedaço de papel: “7 e 8”. O mecanismo que ele criou para trocar as pilhas estava funcionando como deveria. Em outras palavras, a segunda troca foi realizada com sucesso antes que Kunikida tirasse seus números. Kunikida balançou seu papel no ar enquanto se gabava.

“Eu te venci, Dazai! Só isso já me trouxe toda a satisfação que eu preciso.”

“Droga, eu estava realmente ansioso para vê-lo chorar enquanto segurava uma bomba e agindo como um louco...,” Dazai murmurou em extremo desapontamento.

Yosano então abriu seu pedaço de papel: “27 e 28”.

A seguir foi Kenji: “33 e 34”.

Kenji, o detetive mais jovem e mais recente contratado, teve a melhor sorte de todos. Do ponto de vista de Tanizaki, enquanto Kenji era o único agente mais jovem que ele, nunca acreditou honestamente que poderia vencê-lo. Tanizaki era o único que restava que ainda não tinha desdobrado seu pedaço de papel.

“Deixe-me lhe dizer uma coisinha antes que abra isso, Tanizaki,” Dazai comentou abruptamente.

“Sim?”

“Nesse ritmo, não há dúvida de que vou terminar com o número mais baixo. Talvez este seja o pagamento pelo meu estilo de vida selvagem. Então aceitei meu destino e inventarei uma história para um homem que perdeu a esperança na humanidade e sonha com entusiasmo em se explodir enquanto leva todos com ele. Mas primeiro... Eu preciso de um favor.”

“Um favor?” Tanizaki inclinou a cabeça para o lado curiosamente.

“Quando pensamos em homens-bomba, pensamos em pessoas que se trancam em edifícios, e quando fazem isso, eles têm sempre um refém. Se possível, eu realmente gostaria de alguém doce e passivo para esse papel — alguém cuja a aparência grite refém. Eu pensei que eu poderia pedir a sua irmã para desempenhar o papel. Tudo bem para você?”

Tanizaki olhou para Naomi ao seu lado. Nem surpresa nem confusa, ela colocou a mão na bochecha.

“Eu adoraria, se você não se importa,” Naomi respondeu enquanto olhava para seu irmão por algum motivo. Ele teve a sensação de que algo não estava certo, mas mesmo assim deu uma evasiva: “Quero dizer... Desde que Naomi esteja bem com isso,” e acenou com a cabeça.

“Fico feliz que esteja de acordo. Agora, vá em frente, Tanizaki-kun. Desdobre seu papel. Seus números gloriosos esperam por você,” disse Dazai.

O mais tênue dos sorrisos apareceu em seu rosto.

Kunikida levantou-se quase simultaneamente, derrubando a sua cadeira.

“Impossível,” Kunikida murmurou. “Tanizaki, abra isso!”

A pedido de Kunikida com o rosto pálido, ele desdobrou seu pedaço de papel em pânico.

“1 e 2.”

“Quê...?”

“Ora, o que temos aqui? Quais eram as chances?” Dazai sorriu. “Parece que o deus dos sorteios é um travesso. Não acredito que tirou um número ainda menor que o meu, Tanizaki. Você tem a pior sorte.”

Frustrado, Tanizaki checou a data na tira de papel. Foi de dois meses atrás, a mesma como as dos outros. Esta foi, sem dúvida, a mesma que as outras que Tanizaki tinha preparado. A forma como foi cortada não era diferente de como Tanizaki tinha cortado as outras, também. Isto foi claramente feito de um dos onze jornais. Mas isso não poderia ser possível. Havia somente duas pilhas. Uma continha vinte tiras de números “1” até “4”, e a outra continha dezenove tiras de números “5” até “40”. Kunikida, Yosano e Kenji certamente tiraram da última com os números maiores, assim como Tanizaki. Em nenhum momento as pilhas poderiam ter sido trocadas novamente. Então, como Tanizaki conseguiu uma tira com o número “1” nela?

Tanizaki instintivamente olhou para ver a reação de Dazai — um sorriso fraco. Era como se aquele sorriso pudesse penetrar no coração de Tanizaki, como se Dazai soubesse que Tanizaki sabia que ele sabia.

“Isto é...”

Impossível. Mas Tanizaki não poderia dizer isso. Afinal, os números foram sorteados aleatoriamente. A única razão pela qual uma pessoa poderia fazer tal afirmação seria porque ela trapaceou.

Mas quem vazou a informação? Não havia como Kunikida fazer algo assim. Nem o próprio Tanizaki. O que deixou a eles com...!

Surpreendido, Tanizaki olhou para Naomi, que o olhou de volta com os olhos marejados.

“Eu só...”

Tanizaki podia ver os corações pulsando nos olhos da irmã. Ela cobriu as bochechas levemente carmesins com seus dedos longos e delicados, então disse: “Eu só queria... Ser sua refém para que você pudesse me amarrar e me ameaçar, meu querido e doce Nii-sama...”

 

★ ★ ★

 

A noite caiu sobre a agência. A reunião tinha finalmente chegado ao fim, em todos os aspectos. Todos saíram da sala, cada um dando suas impressões e, em seguida, voltaram para casa. Embora ainda totalmente confuso, Tanizaki acabou sendo designado para o papel de homem-bomba para o exame de admissão de amanhã, e sua irmã, Naomi, iria fazer o papel de refém. Mesmo assim, Tanizaki não tinha que fazer isso sozinho. Tanto Dazai quanto Kunikida — os quais tiraram “3” e “7” respectivamente, os próximos menores números — estariam ajudando-o. Especificamente, eles iam chamar o novato para que ele corresse para o homem-bomba e resolvesse o caso.

“Bom trabalho hoje, Tanizaki.” Yosano sorriu levemente e deu a Tanizaki uma palmadinha no ombro ao sair. “Me diverti muito.”

“Boa sorte amanhã!” Kenji despediu-se alegremente. “Eu realmente espero que o novo cara passe no teste!”

Ranpo já havia saído do prédio antes que alguém percebesse. Em sua mesa estava um saco de doces baratos, um cortador de biscoitos, uma embalagem de pão de carne e alguns rabiscos do escritório detalhando os melhores lugares para um homem-bomba se trancar. Esta deve ter sido a maneira do Ranpo de o animar, mas Tanizaki apenas olhou tristemente para aquilo... Porque este tanto de detalhe significava que Ranpo devia ter começado o esboço antes mesmo deles realizarem o sorteio.

Tanizaki ponderou sobre a viagem de negócios de Ranpo no dia seguinte. Ele deve ter previsto que seria quando o exame de admissão ocorresse, então providenciou para que ele pudesse ir para evitar o incômodo — como seria de se esperar do possuidor da Super Dedução, que podia ver todas as verdades.

O mais assustador, porém, era o fato de que Ranpo na verdade não era um usuário de habilidade. Ele realmente acreditava que era, mas ele apenas possuía poderes divinos de observação e dedução, que ele subconscientemente usava. Mas a verdade quanto ao porquê e como Ranpo acreditava nisso era um mistério para todos na agência.

 

★ ★ ★

 

“Isto é uma merda!” Kunikida gritou no bar.

“Qual é, Kunikida-san... Está tudo bem...,” Tanizaki implorou lentamente.

Eles estavam em um bar não muito longe da agência de detetives, que ficava aberto até tarde. Uma luz laranja irradiava das lanternas penduradas enquanto os clientes de rosto vermelho clamavam como o mar agitado. No altar da família perto do teto, havia um pequeno boneco daruma à vista.

Kunikida e Tanizaki atravessaram a cortina do bar para uma reunião de revisão e uma recompensa por seu trabalho árduo. Em outras palavras, uma celebração meio alimentada pelo desespero.

“Cara, aquilo foi divertido, hein?”

Dazai sorriu enquanto provava seu saquê. Ele estava acompanhando sem ter sido chamado, sabe-se lá por quê. Tanizaki, que ainda era menor de idade, deu um gole em seu refrigerante. “Mas, falando sério, eu simplesmente não posso acreditar que você nos descobriu...”

“Heh. Eu estive tramando desde que você usava fraldas,” Dazai disse com uma risada, depois inclinou seu copo de saquê. “Mas a razão pela qual vocês falharam desta vez foi por causa do erro de Kunikida-kun. Arrastar seu júnior para isso — especialmente quando esse júnior era você — era muito óbvio. Faz muito sentido. Um plano como esse é melhor feito sozinho.”

Kunikida olhou para Dazai, fazendo beicinho. “Infelizmente, tenho que concordar com você,” ele murmurou.

“Mas, Dazai, como você fez isso? Se você tivesse puxado um número grande, então eu entenderia. Mas como você me fez tirar um número um?”

Tanizaki tirou da pilha por sua própria vontade. A única maneira de fazê-lo tirar um “1,” você precisaria transformar as últimas cinquenta tiras de papel em “1” s. Embora tenha convencido Naomi a se juntar ao seu lado, ele claramente não teve tempo de trocar os pedaços de papel depois que Kenji tirou um “33” antes da vez de Tanizaki.

“Um verdadeiro mágico nunca revela seus segredos.” Dazai maliciosamente colocou um dedo nos lábios. “Eu recomendo descobrir por si mesmo, antes mesmo de tentar me enganar novamente.”

“Eu estive tramando desde que você usava fraldas.”

Dazai não estava exagerando. Kunikida então abaixou a cabeça para Tanizaki se desculpando.

“Desculpe, Tanizaki.”

“Não se preocupe com isso.” Tanizaki sorriu. “Foi uma boa experiência.”

Essa era a verdade. Ele tinha chegado longe na vida porque era facilmente influenciado pelos outros. Ele concordou com o esquema de Kunikida porque lhe foi pedido, e ele iria bancar o homem-bomba porque esse foi o papel empurrado a ele. Apesar de ter uma habilidade um pouco bizarra, ele não era ótimo em combate como os outros agentes, nem era especialmente astuto. Tanizaki não tinha inimigos mortais, nem um passado sombrio ou qualquer trauma. Ele era um cara comum. A única coisa que ele realmente desejava era a felicidade de sua irmã mais nova.

Mesmo assim, ele não se importava para onde a maré o levava, contanto que ele estivesse na agência de detetives. Portanto, ele até planejou se divertir com o papel do homem-bomba que foi empurrado para ele. Felizmente, ninguém jamais o repreendeu por ser fraco de vontades.

“Não há nada de errado em ser fraco. Deixe a maré levá-lo para algum lugar longe.”

Tanizaki lembrou-se de algo que um ex-professor havia dito uma vez para ele. Justamente quando ele levantou a cabeça com um sorriso irônico, o garçom trouxe a comida deles para a mesa.

Suspiro. Perdemos um dia inteiro para nada,” murmurou Kunikida. “Tanizaki, pegue o quiser. Eu sei que não é o suficiente para pagar a você por todo o tempo perdido, mas esta noite é por minha conta.”

“Viva!” aplaudiu Dazai.

“Não vou pagar para você.”

Kunikida pediu à garçonete outro copo de saquê antes de se voltar para mesa.

“A propósito, nunca terminamos de falar sobre por que a agência de detetives foi fundada, não é?” Tanizaki comentou enquanto pegava uma fatia de batata com seus hashis.

“Ah, certo...” Depois de provar o seu saquê, Kunikida soltou um suspiro profundo. “O presidente raramente fala sobre seu passado ou sobre si mesmo. Ele também não dá muitas instruções. Quando chegar a hora, ele nos contará como a agência foi fundada.” Kunikida olhou para o nada e continuou como se estivesse falando sozinho. “Eu adoraria conhecer a pessoa que convenceu o presidente a iniciar a Agência.”

Dazai sorriu de forma ambígua. Tanizaki então pensou consigo mesmo que se fosse alguém que conhecia bem a agência, então não seria uma surpresa se eles já tivessem conhecido a pessoa. Talvez fosse até alguém que conheciam muito bem.

“Mas aposto que todo mundo está morrendo de vontade de saber. Vá perguntar ao chefe da próxima vez que estivermos no trabalho, Kunikida-kun.”

“Por que eu? Vai você.”

“Tudo bem, vamos todos sortear tiras de papel para decidir...”

“Nunca mais vou fazer sorteio de novo.” Kunikida fez uma careta para Dazai.

“Que tal jogarmos um jogo em que nós quatro, incluindo o presidente, sorteamos e o perdedor tem que contar uma história embaraçosa de seu passado? Isso poderia funcionar, penso eu.”

“Bem, ‘penso eu’ de que você precisa se calar!” Kunikida gritou. “O único resultado que vejo sou eu contando histórias embaraçosas sobre o meu passado sozinho!”

Ele bebeu um trago de saquê, e então, preguiçosamente abaixou a cabeça. Tanizaki inclinou-se um pouco quando a garçonete lhes trouxe outro prato.

“Eu acabei de alguma forma ajudando você a evitar assumir a responsabilidade hoje. É humilhante. Eu realmente pensei que tinha te pegado desta vez,” suspirou Kunikida. “Eu não me importo como eu faço isso. Eu só quero ganhar e fazer você dizer Oji-san.”

“Ha-ha. Tudo que você precisava fazer era pedir, e direi quantas vezes você quiser. Oji-san. Oji-san... Agora, eu me pergunto que tipo de comida nos espera sob esta tampa aqui,” Dazai disse enquanto estendia a mão para o prato que a garçonete havia deixado.

“A propósito, Dazai, você tirou um três, o menor número depois do meu... O que significa que você supostamente teria que trazer o cara novo no dia do teste.” Tanizaki curiosamente inclinou a cabeça para o lado. “Por que você não tentou evitar fazer isso também?”

Oji-san, Oji-san, Oji-san. Isso porque, durante a reunião de hoje, senti que Kunikida-kun não estava apenas tentando me fazer pagar por tudo que faço com ele diariamente. Era como se ele também quisesse que eu aprendesse algo durante esse exame de admissão, e, bem, você tem que mostrar um pouco de gratidão pela boa vontade das pessoas de vez em quando.”

“Hmph. Você é simplesmente o pior,” cuspiu Kunikida antes de desviar o olhar como se quisesse esconder sua expressão.

Dazai arrastou o prato para mais perto e alcançou a tampa. Quando ele olhou para a parte de trás do bar, ele comentou: “Hum... Sinto como se tivesse visto aquela garçonete de algum lugar antes...”

Ele removeu a tampa, que imediatamente fez um clique.

“...Hmm...?”

 Embaixo não havia comida, mas algum tipo de engenhoca bizarra e elaborada e um combustível sólido feito de uma massa semelhante a argila. Saindo da engenhoca estava um fusível com um cabo que se conectava à tampa na mão de Dazai. Preso na parte de trás da tampa estava um pedaço de papel que caiu lentamente sobre a mesa:

“Eu disse para manter os olhos em mim e apenas em mim.”

Enrolado ao redor da borda da tampa estava um cabo de um sensor de movimento.

“...... Hã... Isso é... O que eu acho que é...? Uma daquelas coisas que explodem se eu puxar a tampa mais do que isso...?”

Com o rosto ainda congelado em um sorriso, Dazai se virou para seus colegas. Contudo...

“Hã...? Tanizaki-kun? Kunikida-kun?”

...Eles se foram antes mesmo que ele percebesse. Sentindo o perigo, eles fugiram de lá como coelhos assustados. Tudo o que restou foi Dazai, que não conseguia nem mover um músculo, a bomba em um prato e os outros clientes, que começaram a perceber o que estava acontecendo e a entrar em pânico.


“...Hã...”

Dazai ponderou, olhou para cima, olhou para baixo, pensou sobre a posição em que estava, então considerou o que deveria dizer a seguir antes de murmurar lentamente:

“...Oji-san.

 

 

 

 

Era a noite anterior ao novo funcionário, Atsushi Nakajima, ingressar na agência — e a noite estava apenas começando.



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