Volume 1
Capítulo 15: Colisão de Maldições
— Como vai ser, Cavaleiro!? Venha me pegar! — gritou Draevoth.
Kant firmou os dedos no cabo das foices e avançou um passo.
Zane o puxou pelo braço, cortando o impulso.
— Ai! Tem muitos deles! Não sei o que esse desgraçado fez com você, mas não dá pra deixar ele mexer com a sua cabeça desse jeito!
No entanto, ele se desvencilhou com um movimento brusco.
— Fica na sua.
— Presta atenção! — retrucou, firme. — Temos que proteger a garota! Se eles querem vocês dois, é melhor pensarmos em um plano antes de agir!
Kant retomou a caminhada, em direção ao inimigo, sem virar o rosto.
— Já tenho um plano. Vocês protegem os civis…
Parou. Olhou por cima do ombro.
— … e eu cuido dos demônios.
— O quê!? — Zane explodiu, partindo na direção dele.
Tyler, no entanto, segurou o parceiro pelo ombro, firme.
— Eu fico com a garota. Vou garantir que não encostem nos civis. E vocês dois cuidam dos demônios.
Zane o fitou, surpreso.
— Do que tá falando? Você sempre é o primeiro a correr pra cima.
— Não dessa vez... A prioridade é manter os civis e o artefato seguros — respondeu, indicando com o queixo a figura de Marie, que ajudava o padre a se levantar.
— Entendi… — murmurou, antes de caminhar na direção de Kant.
“Bom ver que ele tá mais calmo…”
— Certo então — estalou o pescoço, girando os ombros. — Hora do show.
Colou os mindinhos, um no outro.
No instante seguinte, rajadas envolveram seu corpo. Correntes de ar giraram com força crescente, serpenteando dos punhos aos cotovelos como redemoinhos contidos. A pressão fez seus pés se afastarem do chão, elevando-o levemente. Flutuava com leveza, mas com controle absoluto.
Ele então seguiu lado a lado com o cavaleiro, que unia suas foices em uma única.
Draevoth soltou uma gargalhada estridente, carregada de escárnio, como se aquilo fosse um espetáculo cômico. Ergueu o queixo, apontando para os dois rapazes com o dedo estendido.
No mesmo instante, a massa demoníaca se lançou à frente. Gritos selvagens, dentes expostos, garras afiadas — o próprio Inferno avançando como uma onda faminta.
— Oitavo passo para a morte… — sussurrou Kant, os olhos cravados no inimigo — Expurgo! — disparou-se como um raio.
Zane partiu junto, girando como um vendaval contra a horda.
No caminho, criaturas foram dilaceradas em meio a cortes secos. O impacto era devastador, mas o golpe final de Kant encontrou resistência: Draevoth aparou o ataque, agarrando a foice pela lâmina. A palma rasgada escorria sangue, embora o sorriso em seu rosto parecesse se alargar com a dor.
O metal da lâmina, onde era tocado, ganhava um tom opaco e amarronzado, como se estivesse enferrujando sob os dedos da criatura.
— Ah, Kant… pobre Cavaleiro… está assim tão fraco? — zombou, a voz carregada de veneno. — Quem sabe, se tivesse cumprido com suas obrigações, talvez ainda tivesse a força de antes! — rugiu, lançando-o com violência em direção à multidão.
Kant deslizou pelo chão, amparando-se com uma mão contra o solo. Ergueu o olhar para a lâmina da arma, cuja superfície, aos poucos, se livrava da corrosão, recuperando o brilho metálico original.
Cerrou o semblante. Num piscar, disparou novamente com o mesmo ataque, direto contra o demônio.
Enquanto isso, Zane enfrentava sozinho uma horda crescente. Golpes e esquivas se sucediam em velocidade feroz, como se enxergasse cada movimento antes mesmo que viesse.
Uma sombra então se projetou em sua direção — rápida, certeira.
Sem hesitar, uniu os anelares prateados e cruzou os braços, absorvendo o impacto. Ainda assim, foi lançado para trás. Um estrondo acompanhou o choque, rachando o chão sob seus pés.
— Impressionantes reflexos, Monge. Absorveu bem o ataque. — disse Severin, surgindo entre os demônios menores. Empurrou-os para longe com um giro de seus braços demoníacos.
Zane pousou um joelho no chão e se ergueu em silêncio, já assumindo a postura de combate.
Seu corpo parecia mais firme. Os braços reluziam como aço recém-polido. Os olhos, duros e brilhantes, refletiam a mesma energia. Até os cabelos assumiam aquele mesmo aspecto metálico, vibrando sob a pressão do ar ao redor.
— Eu estava distraído. Nem consegui me defender direito. Um ataque fraco desses não dá nem pra aquecer.
Severin soltou uma risada rouca e avançou.
— Então vejamos como reage prestando atenção. — abriu um sorriso largo antes de disparar outro golpe com brutalidade.
Zane se esquivou por um fio. No mesmo movimento, agarrou o braço demoníaco que se estendia em sua direção. Um sorriso surgiu em seu rosto em provocação.
— Que cena familiar.
Firmou os pés, puxou o inimigo com força, lançando-o em sua direção.
Severin, no entanto, não se assustou. Aproveitou o tranco e lançou as lâminas dos braços em linha reta, mirando o rosto do oponente.
Zane soltou o braço no último segundo e segurou ambas as lâminas com as mãos. O aço negro estancou a centímetros de seus olhos.
Marie, observando tudo à distância, apertava a Bíblia contra o peito, escondida entre as tendas.
— Eles não vão conseguir... — sussurrou, com a voz trêmula.
As freiras próximas se ajoelharam, murmurando preces.
O padre, sem forças, deitou a cabeça sobre o chão frio, o rosto tomado pelas lágrimas.
Tyler observava em silêncio, imóvel. Nenhuma palavra. Apenas analisando cada detalhe do campo de batalha.
— Por favor! — Marie se aproximou, a voz firme apesar do medo. — Você precisa ajudá-los! Não se preocupe comigo!
Ele sequer reagiu. Nem um olhar. Como se ela fosse invisível. Ou irrelevante.
— É só isso que tem, Kant!? — zombou Draevoth, gargalhando enquanto uma dúzia de braços se estendia em direção ao cavaleiro.
Kant recuava, cortando os membros disformes com precisão. Mas cada braço arrancado se regenerava no instante seguinte. De novo. E de novo. E os demônios continuavam a cercá-lo.
Num giro rápido, arremessou a foice em linha reta. A lâmina girou no ar como uma serra viva, abrindo caminho entre os inimigos — decapitando, dilacerando. Em seguida, ele sumiu num piscar.
— Aaah, isso! Isso, Cavaleiro! O vazio! — rugiu, girando em êxtase. — Eu daria tudo por essa terra... Ceifeiros sob meu comando... Como pode ser tão ingrato? Recusar o presente que te foi dado?
Kant surgiu ao lado da foice ainda em rotação. Apanhou a arma no ar, separando-a em duas com um movimento seco. Lançou uma delas direto contra o inimigo, enquanto uma corrente se formava entre ambas, cortando o espaço como um chicote vivo.
— Isso não é presente! — gritou, tomado pela fúria. — É uma maldição!
O golpe, porém, foi interceptado com facilidade.
Draevoth revidou de imediato, disparando dezenas de facas presas às costas por correntes negras, como espinhos vivos. Elas serpenteavam pelo ar, buscando o alvo com ferocidade.
Kant desapareceu antes que o enxame o atingisse, deixando apenas o vento e o aço zunindo no vazio.
Ele reapareceu alguns metros adiante. Levou a mão até um ferimento no abdômen. O sangue escorria entre os dedos, quente.
A pele ao redor do corte parecia se deteriorar, como se uma podridão silenciosa se desfizesse ali, dissolvendo-se junto da dor.
Ofegante, precisou de um instante para firmar os pés. A visão oscilava.
— Pessoas gritando… suplicando. Dizendo que tinham filhos esperando por elas. Que eram tudo o que alguém tinha no mundo. Que não podiam morrer daquele jeito, sozinhas, no escuro, com o nome da família ainda preso na garganta.
Fez uma leve pausa. Sua voz vacilou, mas continuou.
— Já viu os olhos de uma criança que entende que você veio por ele? Não tem choro. Não tem grito. Só aquele silêncio… E aí você o leva. E um Recém-nascido? Ainda quente dos braços da mãe... enquanto tudo ao redor desmorona, o pai ajoelhado, implorando, a mãe tentando segurar o que não pode mais, e você simplesmente vai embora, deixando uma casa vazia onde havia um lar.
Draevoth escutava em silêncio, a língua deslizando devagar pelos dentes, feito um predador saboreando o cheiro do medo.
— Então é isso que você chama de maldição? — a voz saiu seca, quase entediada. — Porque, pra mim... soa como um privilégio.
Kant baixou o olhar por um momento. Encarou o chão, depois buscou com os olhos o vulto de Zane, ainda mergulhado na batalha.
— Vem mais! — ele gritou, sorrindo ao redor, como se a multidão demoníaca fosse pouco.
A horda se espalhava como uma mancha viva. Severin caminhava à frente, abrindo caminho entre os monstros.
— Isso vai ser divertido… — continuou, unindo os polegares.
Seus braços se incendiaram. Chamas brotaram como explosões contidas, envolvê-lo dos punhos até os cotovelos. Os olhos ganharam o brilho das brasas vivas. Os cabelos se ergueram, dançando como uma lareira acesa. O ar ao redor estalava como o som seco da lenha em chamas.
Mas sua pele permanecia intacta. Como se fosse parte do próprio fogo.
Num movimento seco, socou o solo.
O impacto gerou uma onda incandescente que varreu tudo à volta. Os demônios ao redor se contorceram, engolidos pelas chamas que rugiam como um animal faminto.
Severin, mais atrás, estancou diante do muro de chamas. O calor ondulava no ar, vibrando ao redor de Zane, que arfava do outro lado, firme atrás da cortina flamejante.
Ele podia lidar com aquilo. Sabia disso. Mas até quando?
Virou o rosto, e seu olhar cruzou com o de Kant.
Kant percebeu de imediato o traço de preocupação. Em seguida, virou-se para Marie. Ela tremia entre as tendas, os olhos marejados, abraçada a uma das freiras.
Aquela sensação voltou — sufocante, antiga. O desespero estampado nos rostos alheios. E ele, apenas assistindo.
Baixou a cabeça, cerrou os dentes. Reuniu forças e se ergueu mais uma vez.
Zane espelhou o gesto. Assumiu posição, pronto para recomeçar.
Draevoth sorriu com um prazer doentio.
— Kant... — murmurou, virando-se em direção ao portal flamejante que pulsava atrás de si. — Eu ia esperar mais. Mas ele está ansioso demais pra conhecer você.
Do outro lado, algo imenso cruzou o véu de fogo.
Uma criatura colossal surgiu, grotesca, disforme. Presas irrompiam pelos cantos da boca. A pele fendida lembrava couro podre. Sua presença bastava para derrubar paredes, esmagar telhados. Cada passo rachava o chão. Casas desabaram só com a aproximação.
— Então é esse o rapaz? — a voz era grossa, grave como pedra partindo. — Esse é quem matou meus irmãos ontem?
Apontou para Kant com um dedo grosso como um tronco.
— Não se preocupe — disse Draevoth, interrompendo. — Terá sua vingança, meu amigo.
Avançou em passos lentos, afundando o solo sob o peso.
As chamas ao redor de Zane finalmente cederam.
E como um sinal, a horda correu. Demônios de todas as formas vieram como enxame. Zane girou o corpo e se lançou contra eles, desferindo golpes flamejantes, esquivando com precisão, destruindo tudo ao redor em um ritmo frenético.
— Kant! — rugiu Draevoth, já envolto por monstros e pelo titã às suas costas. — Me mostre! Vamos! Quero ver a ira que despertou naquela noite fria de inverno!
Kant fechou os olhos por um instante e puxou o ar com força. Tentava abafar as provocações, apagar o ruído e focar no que realmente importava. Quando tornou a abrir os olhos, o olhar era outro — firme, direto. Encarou o colosso à frente com serenidade.
“Pelo tamanho... esse aí vai causar um belo estrago.”
Ergueu o braço na direção da criatura.
Draevoth e os demais interromperam o avanço, atentos ao movimento súbito.
Kant virou a palma para o chão.
Desapareceu.
Nenhum deles teve tempo de processar. Num lampejo, surgiu de volta — e a lâmina já cortava o ar com um silvo seco, cravando fundo no olho do colosso.
O urro veio atrasado.
Sem pausa, Kant puxou a corrente — ela vibrou como um trovão em linha reta e, num estalo seco, chicoteou a perna do monstro, cortando o membro com facilidade.
— A intenção era arrancar a cabeça. — murmurou, com frieza. — Mas isso serve por enquanto.
O membro decepado da criatura tombou com um baque seco. Ela rosnou de dor, desequilibrada, desabando de joelho sob o próprio peso.
Draevoth observava em silêncio, o sorriso sumiu por um instante.
— Vejo que você e seu parceiro ainda têm “gás”... mas por quanto tempo?
— Não se preocupe com o nosso “gás”. É só o tempo necessário até eu arrancar a sua cabeça.
O demônio caiu na risada, empolgado com a ousadia. Mas, assim que deu o primeiro passo à frente, um disparo cortou o ar e atingiu um de seus braços. Ele se virou confuso, os olhos varrendo os arredores em busca do responsável.
Do lado de Kant, o chão se rompeu em sombras. Um portal negro se abriu, e uma figura esquelética emergiu — girava uma moeda entre os dedos finos como galhos secos, enquanto sua risada arranhada ecoava pelo campo de batalha.
— Cacetada, Mavet… dois dias! Dois dias e já tá metido nesse caos todo? Tá aí o motivo pra eu nunca tirar folga. Certeza que fiz falta.
— Ducare… — arfou o Cavaleiro — você sabe que agora se condenou junto comigo, não sabe?
— É, eu sei. — ergueu os ombros, zombeteiro. — Mas que se dane. Nunca fui muito fã de demônios mesmo.
Draevoth arqueou uma sobrancelha, encarando a cena com certo prazer.
— Então um dos ceifeiros ainda te apoia, Kant? Interessante… Só mais um fio solto que preciso cortar.
Ducare riu. Seus ossos rangiam com o movimen
to do peito arqueado.
— Pode tentar, cara de defunto. Só saiba de uma coisa: eu sou osso duro de roer.
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