Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 30: Interrogatório, Ato 1

“Onde… Onde é que eu tô agora…?”

Sentiu seus olhos abrirem para revelar quase tanta escuridão quanto viu nos segundos com a sensação de horas, corridas em sua cabeça. Seus sentidos voltavam aos poucos, nunca todos de uma vez.

Primeiro a visão. Além da escuridão quase plena, ele passou a ver uma fina linha luminosa que crescia continuamente à distância, até atingir a forma fixa no centro do que parecia ser o teto do lugar.

Depois, o tato, que possibilitou sua pele de sentir a superfície fria do metal, assim como as cordas a roçarem ao redor de seus punhos…

“Espera… Cordas?!”

Desesperado, se debateu, sem sucesso na tentativa, além de adquirir mais consciência de sua condição como cativo em seja lá qual lugar fosse.

E por fim, com esse choque de realidade administrado como remédio em suas veias, recobrou também sua audição plena, para poder ouvir o que as vozes tanto falavam em suas proximidades.

— Ora, ora…! Parece que a nossa estrelinha enfim despertou do seu soninho de beleza…! Bom dia, raio de sol! Como se sente?

O fato de conhecer tão bem aquela voz foi o que mais o encheu de raiva. Mostrou seus dentes e olhou em busca, caçando no meio da escuridão o seu responsável.

— MARK…! — gritou tão alto quanto podia. — Seu merda! Eu vou me soltar daqui e te pegar por essa!

Tentou aplicar toda a força nas amarras firmes em torno de seus punhos, mas não encontrou a menor chance de romper as cordas.

— Minha força…!

— Pode continuar tentando! Garanto que não vai conseguir nadinha! Ela nem mesmo tá mais contigo, cara!

Uma forma conhecida tomou o pódio de luz logo ao centro, aos poucos fazendo sentido. Em passos lentos, Mark Menotte se moveu até o ponto do único foco luminoso esbranquiçado.

— Yo! — O saudou, erguendo a mão destra com um sorriso. — A gente vai te fazer umas perguntinhas, e é bom você ser generoso, porque a gente não tá com a maior paciência do mundo, seu filho da puta.

O modo como seu tom mudou em todo um gradiente que ia desde a zoação até a mais absoluta seriedade irritadiça o forçou a engolir sua saliva para o espetáculo, ao passo que pensava em seu escape.

“Se eu conseguir atrair algum pedaço de metal enferrujado ou uma pedrinha usando os meus poderes… Até mesmo areia vai acabar servindo…”

Ele focou, impondo o máximo de sua concentração em tentar encontrar algo.

“Minha habilidade vai procurar qualquer coisa em uma distância próxima… Isso vai até gastar um monte de energia, mas eu não posso deixar acabar assim.”

— Ah, deixa eu te contar uma novidade! — Sua voz outra vez cortou os ouvidos. — Não vai conseguir usar o seu poder. A gente já tem noção de todas as tuas fraquezas.

O argumento congelou seu coração e mordeu a ponta da língua. Contudo, ao pensar bem, isso o fazia entender o motivo de sequer ter conseguido puxar um mísero grão de poeira.

— Como?! COMO VOCÊ DESCOBRIU ALGUMA COISA SOBRE O MEU PODER?!

— Ah, quanto a isso aí… — Mark assobiou, dirigindo seu olhar para a direita. — Parece que, pela primeira vez, um certo alguém conseguiu contribuir de alguma forma… E do jeito certo!

Não demorou muito para que a resposta vinda das sombras logo chegasse, pronta para satisfazer sua curiosidade.

— Ah, corta essa, Mark… — A também conhecida voz se manifestou.

— Heh! Espero que isso sirva para te fazer ver que vai precisar da gente de agora em diante, seu filho da mãe!

— Se estiver se perguntando… Não, isso não foi um insulto… Eu acho…

Tinha certeza que era aquela voz — a voz dele —, mas algo estava diferente em sua entonação e ritmo. Era como se estivesse abatido.

Mark estalou a língua contra o céu da boca como resposta e finalizou com uma curta gargalhada própria.

— É mesmo! Eu quase me esqueci que é a hora de te deixar ver as coisas um pouco melhor! Foi mal por estar deixando a parte divertida para depois.

O fantasma pálido de olhos vermelhos — muito mais parecido com um vampiro, por sinal — estalou os dedos de sua destra, para revelar os segredos que a escuridão fabricada de sua ilusão escondiam.

— Ei… Vocês não podem estar falando sério… — Nem o próprio e infame Perfurador de Elderlog pôde deixar de rir, repleto de ansiedade, do que via. — Isso… Vocês três são um bando de loucos…!

Podia distinguir claramente o lugar em que se encontravam. Aquela era a famosa quadra abandonada da Elderlog High, um canto cheio de lixo usado por qualquer estudante em busca de aventuras, fossem essas drogas, encontros sexuais e até, aparentemente, sequestros de pessoas com superpoderes.

— Ei, Ryan…! — olhou para o rapaz. — Sério que tu concordou com isso? Pensei que a tua relação com esses dois não fosse a melhor… Pelo menos foi o que a nossa conversa de antes deixou exposto…!

O Savoia se encontrava em um estado bem diferente dos outros dois. Ao contrário de Mark e sua companheira Lira — até então silenciosa como uma rocha —, Ryan não se encontrava nas melhores condições.

O rapaz de pele escura jazia semi-deitado, com a nuca reclinada contra uma das barras de proteção antigas e arruinadas da quadra. Em seu rosto, carregava uma expressão azeda e que  remetia à dor. 

Seu rosto revelava estar aborrecido, em sofrimento físico e extremamente cansado.

Essa noção era refletida ao se olhar um pouco mais de perto. Não tinha certeza do que via, mas Keith podia jurar que aquilo a escorrer pelo nariz dele era um traço de sangue.

Para terminar com a noção de que não estava em seu melhor estado, uma toalha de rosto branca e embebida em água cobria seus olhos, como se faria ao cuidar de uma pessoa doente.

— Fica com pena dele não! — Mark falou, com uma risada satisfeita. — Ele sabia que ia ter que acabar desse jeito… A gente só deu um empurrãozinho para chegar até aqui.

O pálido estalou seus dedos e em seguida fez o mesmo com o pescoço. Keith não soube dizer se foi o uso de seus poderes de ilusão ou o eco natural do lugar abandonado, mas o barulho soou muito mais horrível do que deveria.

— À vontade, minha cara Lira…!

Em um gesto extravagante, o magro rapaz de olhar escarlate deu caminho para a sua companhia, antes de dar dois passos para longe, absorvido pela escuridão do lugar ao fim disso.

A inexpressiva Lira Suzuki deu seus primeiros passos à frente na pequena reunião. Sua forma esbelta e magra não o poupava da agonia que logo viria.

— Keith Webb…

Sua voz tranquila, embora tão pesada e cheia de presença, chamou por seu nome. O assassino adolescente não podia explicar com clareza, mas sabia não se tratar de sua habilidade. 

Todavia, não foi isso que o impediu de lançar uma brincadeirinha do pior gosto.

— Heh… Que pena que aqueles três buracos que eu meti no seu corpo eram só ilusões… Teria dado a minha maior obra de arte até então.

E foi então que o frio e firme punho de Mark ameaçou tirá-lo de sua consciência novamente.

— Aqui não é lugar para gracinhas. O próximo não vai ter um quarto da piedade que eu fiz questão de ser tão bom em colocar nesse!

O mais novo assassino de Montana foi forçado a mastigar as dores e o sabor de sangue vindo de sua bochecha esquerda. Sua face se encheu de amargura, mas isso durou apenas um segundo.

— Sabe que eu vou só passar isso para outra pessoa e ficar de boa, né? — Ele zombou abertamente. — Seja um soco, um tiro… Ah, e por falar em tiro…

Seu olho esquerdo lacrimejava incontrolavelmente e os dentes deixavam claro o tamanho do dano causado, pintados quase totalmente de vermelho.

— Lira… Aquele seu tiro que você deu no meu peito… Aquilo matou alguém, sabia? Você é responsável pela morte de uma pessoa inocente agora, sabia?!

Os segundos de silêncio correram entre eles com a sensação de serem horas, e aos poucos, as palavras ditas tinham a sensação de terem perdido seu efeito. 

Para fechar com chave de ouro, tudo o que recebeu da Suzuki foi uma encarada duvidosa, com direito a uma leve inclinação superior de sua sobrancelha direita.

— Tiro? Oh, creio que entendo do que você está falando… — Ela o respondeu, olhos aos poucos deslizando para baixo. — Vai querer olhar para a sua roupa agora, eu acho.

O Perfurador de Elderlog, um tanto orgulhoso, levou seu olhar para o centro de seu peito e tremeu da cabeça aos pés ao se deparar com a verdade.

— O tiro…!

— Exatamente — interrompeu. — Nunca houve tiro nenhum no seu peito. Você nunca foi atingido por nada… Sequer chegou a passar desse ponto naquele embate patético que teoricamente tivemos no corredor.

Aproximou seu rosto até que estivessem perigosamente próximos. Seus olhos afiados perfuravam-lhe o fundo da alma sem o mínimo de piedade, banhando-a em sua luz rosada.

— Oh, deve estar se sentindo tão confuso, não é mesmo? As balas que me acertaram, o zumbi feito de meu corpo morto a te perseguir, você conseguindo se desvencilhar da ilusão com a falsa sensação de ter se livrado do perigo ao passá-lo para outra pessoa… Olhando assim, não consigo sentir nada além de pena ao refletir sobre o quão medíocre a sua forma de ver as coisas é.

— Ihhh! Atacou no sentimento mesmo, viu…! — Mark comentou. — Continuem! Isso tá bom demais! Uma pipoquinha aqui iria bem!

Lira fez seu melhor para ignorar o comentário desnecessário, mostrando os dentes em um mínimo exibível de frustração. Sem mais perder tempo, tornou o foco onde era necessário e solicitado.

— Como eu dizia, antes desse inconveniente… Acho que deve estar se perguntando o que aconteceu para chegar até aqui… Todos os momentos que vivenciou lhe pareceram tão certos, não?

“Eu não consigo curar… Eu não consigo me livrar dessa dor…! Por quê?!”

Em pânico interno, Keith Webb não parava de pensar em como não sentia mais as presenças das pessoas às quais foi conectado.

— A verdade é que você foi nocauteado e capturado muito antes de sequer ter desenvolvido uma noção consciente disso.

Lira retirou algo do bolso de seu cardigã rosa — um pequeno objeto de cor preta, com um gatilho simplista e uma única função clara —,  e o fez estremecer ao entender.

O apertou quando apontado para cima, e de seu topo, saiu uma ruidosa faísca azulada, que demorou exatos três segundos para se dissipar.

— Foi durante aquela sua corrida… Pensou que ninguém pudesse te alcançar, não é? Bem, acho que agora sabe como  terminou para você.

Ver a destruição interna do assassino lhe trazia satisfação e não mentiria sobre aquilo.

— Não… Eu teria sido salvo… Ela teria me salvado disso…! Teria sido passado para mais alguém!

— Agora você acabou de trazer um ponto bem importante para todos nós aqui.

Lira chutou a cadeira à qual o corpo dele foi afixado por grossas cordas. Seus pés foram amarrados preventivamente longe do chão, evitando contato com uma superfície sólida.

— Os policiais continuam lá fora, mas eles não vão encontrar nada. Para nós é um interrogatório, mas, para eles, essa quadra não vai passar de um canto sujo e vazio, sem nem mesmo uma alma viva, então não conte com a possibilidade de ser salvo, porque isso não vai acontecer.

Seus punhos amarrados por trás do encosto da cadeira eram dolorosamente esmagados pelo peso de seu próprio corpo somado à pressão da perna, e virado em 90 graus, era obrigado a encarar o teto escuro.

— E você vai responder tudo o que queremos saber, desde as suas motivações, até os nomes de cada um dos que estão com você nesse esquema, Keith.

A Suzuki moveu seus lábios em gestos circulares por um tempo e preparou uma cuspida, acertando em cheio o olho esquerdo do criminoso.

— Agora começam as perguntas, e você não tem o direito de ficar calado.



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