Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 100: O Ódio Vindo do Fundo Daquela Alma

— HKKK…! — Sem tempo, Samantha cruzou os braços como pôde, apartando o golpe de impacto profundo.

O fulgor rubronegro, culminado em um chute, estremeceu as estruturas internas com força inimaginável, movendo-a alguns poucos centímetros para trás.

Mediante tamanho poder bruto, a resistência física roubada de tantos quase alcançou o limite.

— Mark…! — Em meio a mil pensamentos, focou no jovem franzino e solidificou a própria defesa. — A sua raiva… NÃO É MAIOR QUE A MINHA…!

Contra-atacou com um soco potente, advindo do cúmulo de sua habilidade; a potência combinada de vinte e um fortes lutadores encontrou a camada de sombras líquidas, a repudiando.

Sem sequer um grunhindo de dor, o jovem recoberto de escuridão teve o corpo lançado a quase dez metros de distância e, acelerado, rolou várias vezes pelo chão arruinado, até colidir com a parede.

Mas, o que soou como óbvia vitória, logo se mostrou tão distante do agarro da loira quanto a mais alta ave do céu, quando, quase sem cerimônia, a forma arruinada do Menotte se reergueu, sem traumas.

“Essa porra…” estremeceu, dando passos retrógrados em meio a tanto medo.

— … — travou o olhar com o dela, transmitindo as várias e densas emoções da mente tão perturbada.

O fluído sombrio descia em peso, vindo de cada corte e orifício, de abundância infinita. Seletivo em natureza, passava pelas roupas sem sujá-las, somando-se ao no instante em que o deixava.

“... Mas que merda é isso…?!”

Nem mais um traço de sangue escorria, totalmente substituído pela estranha substância sem odor e cuja sensação de roubar estufou-a de incalculável agonia.

— … — Mark pegou do chão a metade de uma barra de ferro, previamente seccionada no combate, sem tirar o foco de Samantha.

O poder da fugitiva a permitia tomar aspectos de outros para si, desde que estejam conectados por duas metades de um fio de cabelo, possibilitando-a desde compartilhar coisas a roubá-las descaradamente.

Por meio de tal, podia roubar desde coisas físicas, como a glicose do sangue de alguém, até fenômenos metafísicos, tais quais ferimentos sofridos em combate, motivação de vencer ou até…

“Sentimentos…” vacilou, rendida a tremores de horror. “Não me diga que isso é…”

— …! — bateu em disparada ao encontro da mulher, afogado nas profundezas dos intensos impulsos advindos do coração.

Em questão de segundos, ele cobriu de volta a distância adquirida com tanto trabalho, traçando um caminho em padrão de relâmpago, cheio de curvas e saltos, ganhando impulso.

“Como ele ficou tão rápido?! Eu drenei todo açúcar no sangue…!”

O chute giratório no rosto foi desviado com dificuldade e o fator surpresa deixou imperdoáveis aberturas na estância da baderneira; aproveitando-se do susto, veio a segunda parte do ataque.

“O quê?!” se jogou para a esquerda, surpreendida. “Ele quebrou a minha defesa e…!”

A barra de ferro, atirada como uma lança, resvalou na bochecha esquerda e a pequena sensação de queimação imediata apontou ter sido atingida.

— …! — Samantha sequer pôde respirar, antes de levar um soco no meio da cara.

— GUUKH…!

Por um segundo, o mundo inteiro girou, mas ao entrar em contato com o chão, notou ter ocorrido o contrário.

— Não vai… ME JOGAR NO CHÃO ASSIM DE NOVO…!

Odiosa, levantou com um potente salto, olhando-o de frente. O corte na bochecha e o dano do soco não existiam mais, sendo transferidos para outra pessoa.

— Que eles… LIDEM COM ISSO…! — sorriu, pronta para tomar postura ativa no combate.

Samantha explodiu numa carga veloz, munida de outro golpe com potencial total, tendo posto o máximo possível de ser extraído em uma única vez.

— Eu não vou deixar essa sua palhaçada continuar, seu arrombado…!

Soco e chute entraram em choque e o impacto não teve claro vencedor. Quase perfeitamente, as forças se anularam e o excesso foi transmitido pelo chão em um raio de vários metros ao redor.

A potência residual transformou-se em uma série de vibrações, movimentando a madeira podre e os objetos ao redor, de forma semelhante a um pequeno terremoto.

— Hmm… Isso até que é bem interessante… — anunciou um sujeito observador, a analisar no próprio corpo os efeitos gerados. — Pode-se dizer que a força de cada um quantifica o bastante para derrubar uma porta metálica reforçada com um golpe…!

À frente, o combate seguia frenético, com trocações bilaterais bem distribuídas e lutadores dispostos a irem até o fim e embora o cenário tornasse difícil dizer com certeza quem ganharia, existiam hipóteses.

— Mas uma coisa que tenho que dizer… — relaxado, arrumou os cabelos. — … Faz tempo que eu não vejo esse tipo de evento se apresentar de forma tão contundente…!

O foco no líquido semelhante ao petróleo, no entanto, lhe foi depressa roubado pelo chamado incessante e incômodo da segunda voz no lado de fora da arena.

— Ei, ei…! Do que você tá falando?! Como assim “faz tempo”? E acima de tudo, o que é essa coisa preta?! Hein?! … Me responde…! Não fica sendo maldoso comigo assim! Ei…!

Em certos momentos, odiava o próprio trabalho.

Hunf… Tudo bem, eu trato de explicar, só não continue tentando me tocar. Isso é altamente incômodo, Anastasia.

A cada tentativa, ele sumia, somente para reaparecer do outro lado em um piscar de olhos — uma parte a mais da dinâmica de grupo —, evento detestado do fundo da alma.

— Hunf…! Seu chato! Se me deixasse te abraçar mais, talvez não fosse uma pessoa tão amarga na vida…! — simulou a expressão de raiva e tentou socá-lo, sem sucesso.

Como sempre, o rapaz de somente um olho à mostra desviou magicamente, ressurgindo alguns centímetros à esquerda da atacante.

— Huh… Acho que também posso dizer que estou impressionado, Anastasia, afinal, isso que acabou de dizer agora foi surpreendentemente inteligente para uma criatura do seu calibre!

Contudo, a vantagem de trabalhar com tal tipo de gente residia em saber de quais formas e quantos botões pressionar, quando em busca do resultado desejado.

— Eu… Eu disse uma coisa inteligente…!  — Em questão de segundos, o estado emocional da rosada mudou da água para o vinho. — Eu sou inteligente!

— Sim, sim… minha coleguinha estupidamente inteligente… — sorriu sem mostrar os dentes. — Agora, deixe eu explicar como as coisas funcionam, sim? Já que é tão inteligente, precisa memorizar as coisas direitinho!

— Eu vou…! — altiva, deu dois pulos de entusiasmo. — Eu vou aprender tudinho, professor Da…!

CHAK!

— Guh…! Ghkkk…! — A mulher ajoelhou ao se afogar no próprio sangue, cobrindo o profundo corte na garganta. — Gaaack…!

Copiosos volumes de sangue manchavam o chão da quadra, jorrando aos litros pela aorta seccionada da mulher; desprovido de preocupações, ele continuou, admirando a lâmina tingida do canivete.

— Ouça, Anastasia. O que vou ensinar pode ser um pouco difícil de entender para o seu cérebro defeituoso, mas, vamos trabalhar juntos, sim? — guardou o objeto no bolso, vidrado na luta. — Mas, antes de começar, alguma pergunta?

Trêmula, a pálida moça via o próprio reflexo agonizante na imensa poça rubra formada a abaixo de seus joelhos. 

Ela apresentava óbvias dificuldades para respirar, jorrando mais do líquido por ambos nariz e boca, e a secção precisa das cordas vocais inibia qualquer som diferente de gemidos molhados.

— Muito bem, sem perguntas! Vejo que estou lidando com gente inteligente de verdade aqui…! Então, vamos à aula! Em primeiro lugar, é importante saber que esse é um fenômeno raríssimo, onde alguns fatores não muito conhecidos se envolvem.

Mark conectou três socos seguidos em Samantha, que apresentou dificuldades para defender-se, respondendo com uma cambalhota para trás, se colocando na defensiva.

— Um conhecido meu começou a estudar sobre isso e as pesquisas ainda são recentes, mas, aparentemente, existe uma relação entre aquilo que nos torna especiais e a capacidade de produzir energia a partir de nossas próprias emoções.

O punho da loira chocou-se com os braços cruzados do moreno pálido, que titubeou, atordoado.

— Não sei dos detalhes específicos e outra questão é que esse processo não aparenta ocorrer de forma totalmente consciente, mesmo para nós.

Inabalado, a atacou com uma investida de corpo inteiro, desviada graças ao salto sobre as arquibancadas.

Ódio… Fortifica o corpo, enquanto danifica a mente; em altas concentrações, se torna uma massa líquida turva e visível para indivíduos talentosos, de tom escuro profundo… É exatamente esse tipo de manifestação que vemos agora, minha cara.

O combate cessou e os lutadores aguardavam pacientemente pela ação um do outro.

— São apenas hipóteses experimentais, mas deve haver algo que nos diferencie do restante dessas pessoas em tal quesito, nos permitindo converter essas experiências em uma forma de energia de utilização direta por nossos corpos.

O sorriso adquiriu proporções maníacas e, ao pressentir a mudança, até gargalhou.

— Ódio, medo e até essa besteira que chamam de “amor”... Ao contrário do que acontece a esse monte de macacos estúpidos, enfurnados em telas e reclamando de cada mínima coisa, os nossos sentimentos se tornam em poder, Anastasia…!

O evento massivo se concretizou, envolvendo-os no sufocante esplendor de sua magnitude e ele o recebeu de braços abertos, extático no grau mais absoluto.

— Nos mostre…! — Em animação, andou rumo ao centro da quadra. — Me deixe ver de tudo o que é capaz, Mark Menotte…!

[...]

“Ele conseguiu me machucar demais…”

O cansaço da luta beirava o limite e as dores no corpo já contavam em tantas que nem mesmo dividi-las ou mandá-las por inteiro a outra pessoa resolviam o problema.

E acima de tudo, não podia arriscar uma manobra tão perigosa, afinal, poucos golpes dele seriam acima do suficiente para matar um qualquer.

“... E eu não posso tomar características de quem já morreu…”

Perder o suporte não era opção, mas levar tamanha sova também não. Em meio a tal cenário, as opções se encurtaram, deixando um único caminho que jurou não tomar…

“Fugir…” pensou, de punhos à frente. “Não… Eu não quero ter que deixar isso de lado e sumir com o rabo entre as pernas…”

Definiu vencê-lo como questão de orgulho próprio e mesmo tão ferida, não arrancou da cabeça a ideia de fazê-lo pagar pela tamanha humilhação de viver um ano atrás das grades.

“Só que… Ele é… demais… Eu não vou conseguir aguentar mais disso… Não por muito tempo…”

Não erguiam um dedo para ajudá-la, em óbvio divertimento com sua situação e, no fundo, sempre soube da pouca importância que tinha para o plano-mestre daqueles dois.

“Eles querem que eu morra aqui…”

Escolheram o oponente e as condições de forma estratégica, facilitaram um combate fajuto, mitigativo de suas chances, mas, quando o cenário se inverteu, não hesitaram em abandoná-la.

“Mark…”

Tal nome injetava raiva sem fim nas veias da presidiária fugitiva, trazendo a urgência de destruí-lo para a equação e tal fúria, acumulada no fundo do peito, viveu seu auge ao ouvi-lo gritar pela primeira vez.

— …

“Que merda… Que porra tá rolando…? O que é essa coisa preta e por que ele continua se levantando dos meus ataques?!”

Nenhum golpe surtia efeito permanente no Menotte; ele se atordoava por um, talvez dois segundos, mas nunca falhava em levantar daquele jeito mecânico, semelhante a uma marionete.

“E acima de tudo…”

A intensidade no brilho sangrento dos olhos vermelhos tomava os últimos centímetros de ar.

— … Por que não diz nada, Mark…?! — O provocou, de braços abertos. — Vem para cima…! Ou vai dizer que ficou cansado?!

Desespero de inimagináveis proporções a penetrou ao notar a abertura da boca arruinada.

— A minha determinação…

Um suspiro — quase inaudível — transformado no mais alto do sons pelo ar pesado.

— … Não vai ser por nada.

Bateu palmas e as luzes rubras sumiram no horizonte. Num piscar de olhos, o corpo pálido foi envolto em sombras, formadas de nuvens espessas em torno de cada centímetro da quadra.

— A tua determinação?! — A Wilson reagiu travando os dentes. — Não vem me falar sobre determinação, palhaço de merda…!

Não haveria retorno, então que se danem os outros envolvidos. Na manobra final para garantir a vitória, decidiu apostar com todas as fichas.

— Eu vou calar essa tua boca… e quando isso aqui acabar…!

Energia pura, advinda de vinte vidas tomadas se uniu em seu interior, e ela passou a ver e ouvir tudo, do sopro mais distante aos sons dos passos dele, em meio à ilusão.

— A TUA “DETERMINAÇÃO” VAI SER MINHA…!

O monte de sombras se consolidou e tomou forma, aglutinado na maior das monstruosidades.

— É o melhor que pode fazer? — zombou, gargalhando. — POIS CAI PARA CIMA!



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