Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 68: Caminho

“Como eu bem esperei, longe de estar morto.”

O tiro acertou o pulmão direito da criatura que, há não muito tempo, já foi um ser humano como eles.

Urggggh…

“Isso não vai morrer. É óbvio que não seria tão conveniente.”

O estampido do disparo foi insignificante e se perdeu, afogado pelos sentimentos de pura adoração de seus tão fiéis seguidores. 

— Vocês dois — Lira os ordenou, tranquila. — Peguem ela e a levem para um local seguro.

Não questionariam, sem depender do quanto quisessem, prontamente se arrumando em um esforço organizado e conivente, correndo, sem medo, em direção à moça caída.

— Mas… E quanto a você? Não vai precisar que um de nós fique para te acompanhar? — Lindsey a perguntou. — Posso ser eu…! Você sabe que eu daria a minha vida por você!

Mike, que tinha a garota caída em seus braços, não gostou da ideia.

— Nada disso! — esbravejou, enciumado. — Eu sou quem vou acompanhá-la! Ela precisa de um homem! Alguém forte! E você tá longe de dar para o gasto com esse seu físico magricelo, Lindsey!

— Ora, seu…! — A jovem exibiu os dentes. — Você não venha se colocar como melhor do que eu…!

Os dois continuariam discutindo ad infinitum, se assim fossem permitidos, porém, o que tomou o lado mais azedo do humor da Suzuki e o externalizou foi essa infeliz menção.

“Mark… Eu tenho que encontrá-lo…”

Mirou sua arma na cabeça daquela zombaria à humanidade, logo adiante. Lira de fato precisava de um homem, mas esse estaria longe de ser qualquer um.

— Vocês dois, parem de brigar imediatamente! Eu não ordenei que nenhum de vocês ficasse. 

O par cessou suas disputas imediatamente, tomados pelo terror de a ouvirem dizer algo tão absurdo.

— Mas… Lira… Você… — A loira tentou debater.

— Não me questionem! — elevou o tom para o mais alto já presenciado pelos dois. — Vão! E nem mesmo se atrevem a questionar as minhas ordens, seus dois imbecis…!

O comentário violento calou suas bocas e os forçou a um estado de paz. Hesitantes, Mike e Lindsey se encararam, lançando ao ar a rivalidade, consumidos pelos mútuo conceito de derrota.

Sem mais delongas, a dupla, destemida graças à potente influência sobre suas mentes e corações, cataram o corpo da garota, sumindo com ela nos corredores próximos.

— Enfim, um pouco de privacidade…

Em momento algum, Lira tirou os olhos da coisa, se rastejando tão devagar pelos cantos, erguendo-se, pouco a pouco, até ficar em pé novamente.

Urrrrrrgh…

Do buraco em seu peito, uma fina linha de sangue manchava as roupas, tendo trabalho para escapar e passar por tudo a dividir espaço com suas vísceras comprimidas.

— Eu entendo… Você é realmente inteligente, eu tenho de admitir. Escondendo todos eles, se organizando de uma forma tão baixa e, ao mesmo tempo, eficaz…

A interrupção na continuidade de seu casaco de carne deixou fugir alguns de seus componentes, que escolhiam voar, tingidos de escarlate, ao redor de onde seus irmãos e irmãs ocupavam.

As barreiras musculares e cutâneas perderam seu sentido e, ao se olhar cuidadosamente, notaria o singelo movimento por baixo, se reorganizando de forma cada vez mais eficiente, em fileiras.

Todos aqueles insetos, enfiados até a garganta no corpo de uma colegial qualquer. Como mestre marionetistas, controlavam movimentos semi-organizados, embora convincentes o suficiente, caso vistos à distância.

— Você sabe que não pode me matar desse jeito.

Se lançou no chão do qual acabou de se levantar, convulsionando.

— Então é por isso que você vai aderir à sua estratégia habitual.

Saíram, centenas de uma vez, de cada abertura e cavidade possível.

Mariposas esvoaçavam para além de sua boca, escapando rumo ao ar livre outra vez. As baratas cavaram seus olhos, os levando a saltar para fora como duas bolinhas de gude e, pelo nariz, escalaram formigas e moscas.

A câmera no canto do corredor captou cada momento, mas ela escolheu não destruí-la, ciente de que, nesse ponto, tomar essa ação seria algo fútil.

— Ei, eu sei que você consegue me entender pelas câmeras, então eu vou deixar uma mensagem.

Quase como em expectativa, a nuvem se acumulou em um ponto, aguardando por sua conclusão e embora tal ato fosse tão contra-intuitivo, sentiu-se feliz por estar correta em sua aposta.

Seu oponente a poderia ter executado nesse mesmo momento, porém, escolheu ouví-la, a marca de mais um ser que julgou estúpido.

— Você sabe onde eu estou, mas eu também sei onde você está…

Com isso, a nuvem se agitou em reação à ameaça e prontamente, as dezenas de abelhas, dispersas em seu interior, se puseram na camada mais externa, brandindo ferrões.

— … Então eu proponho que acabemos com isso rápido… Não julga ser uma opção melhor?

Ciente de que só teria o luxo de alguns poucos segundos a mais, focou seu alvo, tingido de um brilhante tom de vermelho.

— Porque, partindo de um ponto de vista bastante honesto…

Bzzzzzzz!

A nuvem tomou noção de sua estratégia e partiu para o ataque; de uma única vez, as abelhas formaram uma parede organizada que tomou todo o corredor, formulando um ataque do qual não haveria chance de desvio.

— … Eu também já estou bem cansada desse joguinho sem fim ou utilidade no qual nos encaixamos.

Lira atirou e em uma fração de segundo, o caminho foi consumido por uma espessa nuvem fria.

“Eu ainda vou precisar me abaixar…!”

Cessou sua respiração e foi de encontro ao chão; desorganizadas, as abelhas passaram por cima, perdendo seu foco em meio à inexistente visibilidade e a imensa carga de CO2 no ar.

“Essa é uma batalha que eu vou vencer.”

Em seu caminho, presenciou a queda de cada inseto, com frio e sem ar respirável para se manter, agonizando, distantes da voz daquele que os controlava, talvez agora notando estarem em uma armadilha.

“São todas criaturas altamente nojentas…”

Porém, para Lira Suzuki, um inseto era um inseto, algo asqueroso e cujo qual não podia se incomodar menos com o perecer e ao invés de despertar simpatia, notar os insetos mortos apenas reforçou uma velha perspectiva.

“Os que não forem capazes de planejar e se superar, são aqueles que vão acabar morrendo. É assim que a vida funciona.”

Sua mão tocou o mais aquecido lado de fora e quando outra vez seu rosto alcançou o ar, aspirou tanto quanto pôde, mandando toda a energia para suas pernas.

— E nessa luta, eu vou vencer.

Bateu em disparada, tendo calculado sua rota. Dali, não levaria tempo algum para chegar ao responsável por toda a situação.

— E eu vou enfiar um tiro bem no meio da testa dessa pessoa.

Ao longe, os barulhos dos insetos aumentaram, tomando sua nova localização. Em reação, a Suzuki acelerou os passos, até atingir um lance de escadas particular.

“Foram essas mesmas escadas as que usei para lidar com aquela policial.”

Ao invés de descer, saltou delas, amortecendo o impacto de um modo pobre. Sem tempo para reclamar das dores em seu quadril esquerdo, focou em manter o ritmo e acabar com isso.

“Eu só preciso tomar mais um corredor…”

Sua visão em túnel, reduzida por seu hiperfoco, não a permitiu ver a cena grotesca logo abaixo da altura de sua cintura e, no alto, a cortina de fumaça pendia, pesada, reduzindo a luminosidade para que fosse incapaz de ver mais que o bastante.

Antecipação sob a forma de adrenalina fez seus dedos estremecerem e teve de tomar cuidado para não acabar acionando a pistola de uma vez. Apressada, tomou o primeiro corredor à esquerda.

— Lira…! Lira, nós vamos te… 

Ela não esperou. Em um gesto reflexo, deixou a bala escapar do cano.

— Lira! Mas que merda foi essa?!

O disparou não o acertou, ao invés, passando de raspão por seu pescoço, deixando um sutil sagramento.

— Sua maluca…!

Uma força a prendeu contra a parede, porém, ela não via nada.

— Sua louca! — gritou uma voz diferente. — Você quase matou ele!

Não reagiu à pressão do aperto e, para ela, talvez sequer estivesse ali.

— Por quê você tá trazendo uma arma para a escola?! Eu sempre soube que você não passava de uma estranha!

As três silhuetas à frente estavam no caminho até a porta e a única coisa em que pensava era no qual rapidamente precisaria eliminá-las.

— Ei! Você tá ao menos me ouvindo?! — ergueu a mão. — Fala alguma coisa, sua louca…!

Um tapa em sua bochecha, a despertando de seu transe caótico.

— Olha para cá e me dá uma explicação convincente… — A garota de cabelos pretos, a centímetros de seu rosto, a olhou com raiva. — Me diz o motivo de você ter trazido uma arma para a escola…!

Não a conhecia, ou apenas não tinha memórias de sua presença tão sem importância, embora esses detalhes não importassem. Ela estava em seu caminho e precisava sair.

Tentou erguer a pistola e acionar o gatilho outra vez, apenas para se deparar com a leveza de sua própria preensão e a ausência da frieza metálica de sua ferramenta favorita.

— Eu vou ficar com isso…! Eu não sei o que você tá planejando, mas… Eu não posso deixar você levar isso adiante, Lira…!

Lindsey cuidava do ferimento de Mike e em seus semblantes, viu o mesmo medo esboçado pela terceira. A influência de suas habilidades havia cedido há um tempo.

— Lira… O seu nome é Lira, não é…? — questionou Lindsey, aterrorizada. — Por que você fez isso…? E o que você fez com a gente, mais cedo…?

Seu talento não funcionava como o de Ryan Savoia. Depois que seus efeitos passassem, as pessoas se lembrariam de tudo o que fizeram e sentiram em seu nome.

— Você nos fez fazer coisas… Me fez brigar com a Lindsey… por sua causa… Você é podre…

E, naturalmente, assim que as lentes cor-de-rosa cedessem, veriam suas ações pelo que, de fato, foram: uma coerção.

A voz rouca de Mike quase não foi percebida, entre grunhidos e murmúrios de dor.

— Mike, não fala…! — A loira o tomou, em socorro. — Vai aumentar o sangramento…!

— Tá tudo bem… — assegurou-a. — Eu não sei o que aconteceu… Mas… eu não acho… que eu vou ficar calado… sobre isso…

Os três se juntaram ao longe, frente à porta, escolhendo estar em seu caminho.

“Vocês estão no meu caminho…”

— Você nos manipulou… De alguma forma, você nos manipulou para fazermos o que você queria! Você nos fez te amar e a gente não conseguia dizer não a nada do que você mandasse, por mais que quiséssemos! — Lindsey mostrou os dentes em um sorriso decepcionado. — Eu… Eu nem entendi o que eu tinha feito, de primeira…!

— … caminho… 

— Isso… Isso tudo é esquisito demais… Mas… eu não vou te deixar fazer o que quer… Eu nem o que você fez com eles exatamente, mas eu sei que foi culpa sua…! — A garota de preto esbravejou. — Seja lá o que foi, cedeu quando você se distanciou deles…!

A dor dentro de seu crânio alcançou seu pico, mandando pulsos e pulso de pressão líquida em suas veias e artérias.

— … no meu caminho…

Não escutavam seus sussurros, exaustos de conter a onda crescente em seu interior.

— A gente vai contar o que você fez… para todo mundo… — Foi o turno de Mike falar. — Talvez… Talvez isso seja a explicação para essa loucura toda…

— Você nem tá nos escutando, né?! — A jovem em preto bufou. — Para de agir como uma psicopata, garota! Para de olhar para a gente assim, sua louca!

Silêncio.

— Vocês estão no meu caminho…

Enfim, o ar a escapar de sua boca se fez audível e os três congelaram ao notarem a mudança em cor e brilho de seus olhos.

— Santo Deus… — suspirou Lindsey. — A gente precisa atirar… Vanessa, atira…!

Vanessa, com a arma em mãos, tentou usar de toda a sua manualidade para encaixá-la do jeito certo.

— Vocês estão no meu caminho…!

Sensação de náusea corroeu seus estômagos. O monstro de olhos rosados não olhava para eles e isso era assombroso.

— Vanessa! Atira…!

— Eu… Eu tô tentando, mas…! — Mais uma vez, errou no modo de pegar na arma. — Eu…!

Lira olhou através deles, os levando a entender que nunca foram o alvo, mas sofreriam tanto quanto por se colocarem em seu caminho.

— Vocês vão sair do meu caminho… VÃO SAIR DO MEU CAMINHO…!

Tomou um passo a mais e, enfim…

BANG!

… … …

Um longo e pesado silêncio tomou os corredores da Elderlog High.



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