Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 118: Dilema

— Você tem estado um tanto tranquila demais, a julgar as circunstâncias… Eu esperava por um pouco mais de reatividade, vinda de sua parte. Devo dizer que me encontro impressionada.

A garota no canto da sala permaneceu em silêncio. Sentada na cama desarrumada, abraçada aos próprios joelhos, mirava um ponto aleatório do chão cinzento da sala mal iluminada.

À esquerda, sobre a pequena mesa, a prateleira usada para alimentação repousava vazia, quase polida; se qualquer coisa, ela se comportava bem demais.

— É surpreendentemente comum… me refiro a esse seu comportamento. Normalmente, se esperaria ver alguém desesperado, louco por sair dessas paredes frias o quanto antes, só que nem sempre é assim.

A porta metálica, dotada de uma pequena portinhola, rangeu de forma ensurdecedora ao ser aberta e, travada logo em seguida, o estouro gerado pela tranca abalou a pacata atmosfera do vazio.

— Cinco minutos — alertou, não para ela. — Protocolo 03.

O movimento das sombras no lado de fora durou pouco, assentindo ao comando. A partir de tal instante, não menos de três agentes manteriam vigilância absoluta sobre a dinâmica da cela.

— Se sente à vontade para ter uma conversa hoje, senhorita Suzuki?

Do canto mais escuro, puxou uma cadeira simples e metálica, que ausente de assento acolchoado, se provava um tanto desconfortável.

— Vamos começar do início, sim? E já antecipo que faremos isso quantas vezes for necessário.

Até ela se sentia desconfortável, ao levar em conta já se tratar da quarta vez, em dois dias, das tentativas de extrair respostas.

— Hoje, na data de 6 de junho de 2025, sexta-feira, às 2:27 PM, horário de Washington, eu, Agente Perez, conduzo a quinta tentativa de interrogatório de Lira Suzuki.

A diminuta lâmpada vermelha no canto da cela mudou o tipo de brilho, passando a emitir um frágil fio esverdeado ao fim das formalidades.

— Eu imagino que ainda queira ser tratada como uma humana, senhorita Suzuki, e eu não vou dar mais chances. Não é profissional da minha parte dizer isso, mas, se as respostas não saírem dessa boca por livre e espontânea vontade…

Os olhos castanhos traçaram linhas firmes em direção às gemas róseas.

— … vão precisar ser extraídas e me atrevo a pensar que não vai desejar sequer saber como ocorre o processo — citou, compassadamente. — Fomos morais demais com você até agora, então não gaste de nossa rasa paciência.

Palavra nenhuma escapou dos lábios secos, maltratados pela falta de sono, porém um fato trouxe certa luz ao contexto desesperançoso.

Lira apertou o cotovelo esquerdo com os dedos; após dois dias, suas defesas começaram a ruir. Ela só tinha de atingir os pontos certos para garantir a queda total.

— Sua inteligência é notável, sabia? Preparamos um cerco de vinte atiradores em todos os prédios próximos do hotel, prontos para captarem os mais diversos ângulos… Me chamou atenção quando decidiu só sair e se entregar.

O barulho das páginas na prancheta e a remoção da tampa da caneta deram lugar, outra vez, ao mais profundo silêncio.

— Será uma estratégia? Querendo me fazer pensar que pode se comportar e ser boa? Talvez a busca por uma regalia ou tratamento especial? — elevou a sobrancelha. — Sinto muito, mas não vai encontrar nada disso por aqui.

A caneta de alumínio refletiu a iluminação amarelada do foco único e central.

— Lira Suzuki, descreva com máximo detalhe o ocorrido do dia 29 de Maio em Elderlog, Montana.

O comando da pergunta nunca mudava, pronunciado com as mesmas entonação, velocidade e até ânimo, quase como se tratasse de uma mera gravação.

E em cada caso, vinha acompanhada daquele olhar repleto de expectativas, mascarado de frieza e distanciamento profissional.

De tal modo, realizar qualquer alteração no conjunto ficaria fora de cogitação e tal qual repetiu nas demais quatro vezes, a garota permaneceu em silêncio.

— Gostaria que eu me repetisse? — O incômodo na fala da agente foi sensível. — Essa é a última vez em que te damos a regalia de poder responder pela própria volição, garota. Se não separar esses dentes agora e começar explicar as coisas…

A explicação foi interrompida, quando, do nada, a adolescente traçou uma linha horizontal com o olhar. Devagar, Lira encarou de um sapato ao outro da interrogante, em apatia.

— Lira Suzuki…

Tentativa e erro acumulados acendem um sinal singular, e se não funciona ao tentar outra vez, existe uma solução óbvia: mudar de estratégia.

— … O que deseja para responder à minha pergunta?

Perez não sabia se era estúpida ou se já estava caindo no joguinho psicológico da mera adolescente diante de si, mas a luz da esperança se fortaleceu, pelo simples fato de surtirem efeito.

A Suzuki tremeu sobre o lençol, afogando até o nariz entre as pernas juntas.

— A concessão vai ser analisada, mas é claro, nem pense em pedir coisas impossíveis e sei que sabe bem ao que me refiro.

Perez tentou assumir as rédeas, depois de já ter falado demais. Em caso de qualquer pergunta, bastava dizer não existir intenção de ser honesta com a menina.

“Por que não tentou nada ainda? Vamos, garota! Vamos!”

Todavia, não podia se enganar quanto ao sentimento no âmago da alma, superficializado a cada ocasião em que via o rosto dela.

“Lira, faça a coisa certa.”

E Perez assistiu, ansiosa, conforme os lábios da jovem enfim se partiram após dois dias de silêncio absoluto.

— … Mark… — suspirou, quase inaudível, à princípio. — … O Mark…

A investigadora precisou se conter, para não expressar o profundo descontentamento com o caminho escolhido.

“Escolha errada…”

A dor no centro do peito, mastigada e engolida rumo à lixeira do profissionalismo, beirou o infinito, ao perceber a infeliz realidade a poucos metros de distância.

“Nada mudou.”

— … Eu quero saber do Mark… — anunciou, mais intenso por pouco. — … Vocês… capturaram ele também, eu sei…! Me conta… me conta sobre ele…!

Lira Suzuki permanecia a mesma garotinha frágil e quebrada de quase dez anos atrás.

— Ele me falou de vocês…! Me mandou uma mensagem e…!

— Sim, nós sabemos disso — interrompeu, friamente. — Por qual motivo acha que não está com o seu celular agora?

Dizer que ficou “frustrada” seria dar um apelido para o tumulto no coração de Perez.

— … Então me conta…! — protestou, exibindo os dentes cerrados. — Eu quero saber dele…! Me deixa falar com o Mark!

— Essa informação está fora de qualquer cogitação.

— … Me deixa ao menos ver ele…!

A potência da exclamação exacerbou a sala, se espalhando pela ampla série de corredores da localização secreta.

Frente ao portão, a guarda fortemente armada carregou os rifles com monstruosa praticidade, prontos para adentrar.

— Não foi nada de mais… — Perez levantou a mão. — Sem perigo.

Imediatamente, os homens retornaram às posições predeterminadas.

— Okay, vamos começar de novo… — A agente se recompôs, a começar pelos papéis sutilmente amassados.

Indisponível para muito mais novidades, agarrou a caneta até sentí-la torcer e moldar sob seus dedos.

— Lira Suzuki… — suspirou, estressada. — Descreva com máximo detalhe o ocorrido no dia 29 de Maio em Elderlog, Montana.

Dessa vez, porém, ela teve uma resposta.

— Me fala sobre o Mark primeiro… O que vocês fizeram com ele…?!

A postura adotada passava a impressão de estar pronta para pular em seu pescoço, mas a mulher não se sentiu ameaçada.

— Não — assertou secamente. — Antes, me ofereça o que eu quero, porque enquanto eu não receber essas respostas, você não receberá nada quanto ao garoto.

Deixando a prancheta de lado, ela rebateu o olhar furioso da menina com um de frieza própria.

— Você não está em posição de negociar e sinto muito se foi isso o que pensou. Saber disso te faz ter raiva de mim?

De caráter destemido, Perez inclinou para a frente, antes de continuar a falar.

— Te deixa desapontada? Decepcionada? Te faz querer esmagar o meu coração e desejar estar morta?

Os espasmos de cada célula da Suzuki a expuseram por completo, desarmando as barreiras e defesas, até incendiar os argumentos.

— Por que não tenta? Existo eu aqui dentro, os outros agentes armados do lado de fora… Se quer tanto vê-lo, faça!

Sem alternativas, voltar para a cama foi o único jeito.

— Me convença a te falar sobre ele!

A condutora da investigação chegou ainda mais perto.

— Eu…

A meio-japonesa se contorceu, incapaz de achar conforto nos lençóis bagunçados.

— Eu… não consigo…

— Como…? Diga de novo!

A revelação iniciou a fagulha da incessante curiosidade na investigadora. Impaciente, jogou caneta e prancheta de lado, prestando máxima atenção.

— Eu não consigo mais usar os meus poderes… — Lira cuspiu. — Não dá…

A pequena luz verde retornou ao vermelho original.

— … Eu não lembro de nada…! — exclamou. — Do dia, das coisas que aconteceram…! Nada!

A adolescente bruscamente e enfraquecida pelo prolongado tempo sentado, quase caiu.

— Tira as mãos de mim…!

O empurrão inesperadamente fraco mais assustou do que serviu para afastar.

Presa em um estado quase enlouquecido, a Suzuki correu para o canto da sala.

— Não era para ser assim… Não era para nada ser desse jeito…!

Ali, se sentou em posição fetal, rosto de frente para a parede, cobrindo os olhos pesados de lágrimas.

— As coisas ficaram bem… Ele… ele me prometeu que as coisas iam ficar bem… Ele disse que ficariam…! Nós tínhamos um plano…!

— Que tipo de plano? Com qual utilidade? — manter a calma se tornava difícil, em especial frente aos limites circunstanciais. — Recomponha-se, Lira Suzuki…!

Passos pesados e acelerados cortavam o corredor. Não havia mais tempo.

— E teria tudo dado certo… Tudo! Se não fosse por culpa dele…!

— Culpa de quem?! Quem é ele?! — Exaltada, ficou de pé. — Lira…!

Ele estragou tudo…!

Devorada pela ansiedade a cursar pelas veias, a agente Perez se esforçou para alcançá-la ao longe, porém, antes que os segundos dilatados vissem o melhor fim, a temida interrupção tomou curso.

— Os seus cinco minutos finais acabaram, Perez.

O grupo armado de três homens, vindo do portão aberto por ordem superior, desferiu três disparos na Suzuki.

— Uuuuh…

O composto nos dardos teve ação praticamente instantânea e tão logo fundido ao seu sangue, levou-a ao mais pesado sono de sua vida.

“Mas que merda…”

Para o agente comum, perder uma fonte tão honesta, embora errática de informação, seria um desapontamento para dizer o mínimo.

— Menendez…

Para ela, no entanto, simbolizava um nível de frustração impossível de se imbuir em meras palavras.

— … O que você tá pensando…? — fitou a entrada da cela, odiosa. — Ouviu o microfone… Sabia que eu estava a um passo de conseguir…!

Dois dos atiradores se juntaram para levar a garota, conduzida a mais dois, aguardando com uma maca do lado de fora.

Com o novo vazio do lugar quase oco, ele adentrou.

— Ordens superiores. Grazianni não queria perder mais um minuto com as suas tentativas de extrair informação. Gastamos tempo demais com essa brincadeira de ajoelhar para uma pirralha.

O homem de cabeleira escura e barba bem-feita levantou a mão destra e com o sinal, os demais conduziram a garota para longe.

— Tch…! — resmungou. — Então é isso que ele tá fazendo agora? Arrancando as missões de uns, passando por cima de ordens que ele próprio deu?!

— É, eu também não curto o sujeito, mas subjetividade à parte… — tomou alguns passos dentro da cela, rodopiou devagar e retornou à entrada. — Deixar questões pessoais atrapalharem a missão é perigoso, Perez.

Menendez voltou ao corredor, observando ao longe o caminho traçado pelos subordinados no corredor de luzes esbranquiçadas.

— Entendo o que quis fazer, de verdade, e não te condeno. É natural criar ligações com as pessoas e vejo os motivos do Grazianni em te escalar…

O tom desinteressado, postura preguiçosa e fala lenta montavam aquele responsável pela pedra em seu caminho.

— O problema é que eu não concordo.

Os passos secos tomavam distância, propositalmente aborrecentes, de tão lentos. Enquanto andava, puxou do bolso isqueiro e cigarro, se deixando ser governado pelos dedos nervosos.

— Se fossem pessoas, seria diferente, Perez. Mas a partir do momento que são tão diferentes dos outros 99%, passam a ser monstros… E nós não queremos o pior acontecendo.

Os barulhos metálicos da entrada de acesso principal evidenciaram a real solidão presente em estar preso ali dentro.

— Não somos amigos dessas coisas! São terroristas bestiais, espalhando morte e ameaçando a nossa soberania enquanto nação! Veja se pensa bem nisso da próxima vez!



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