Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 135: "Conversa"

— Tá bom — ergueu as mãos para o alto, sem preocupação com tentar soar minimamente interessado. “Embora eu já saiba para onde isso vai…”

O calor a quase alcançar suas costas fez cair uma gota de suor da testa, atrapalhando o foco de seus olhos e, consequentemente, borrando a forma quase pálida à frente da noite quase sem lua.

O sorriso afiado, porém, não teve como ser oculto.

— Eles são mesmo bonitos, hein! — O homem apontou para o próprio rosto, acima do nariz. — Esses seus olhos… Vê-los pelas filmagens não é tão nítido. Geralmente, eles só viram clarões em púrpura…

Deu um passo à frente, a exibir o pico de sua vaidade, enquanto arrumava os cabelos pretos, com traços de cinza. Foi apenas então que Ryan notou o detalhe que fez o perfil do investigador.

“Um pirulito…?”, pensou, se esforçando ao máximo para ocultar qualquer traço de hesitação. “Esse é o agente que mandaram atrás de mim…? Que folgado.”

O comentário interno veio intencionado de piada, porém, ele sabia como ninguém que o livro não podia ser definido pela capa, e o escopo da operação em si servia do mais óbvio sinal disso.

“Incrível o quanto eles se esforçaram para pegar um moleque que pode ler mentes…”, satirizou. “Se bem que, se eu tiver certo…”

— Pode ficar relaxado aí! A gente até tá com esse tanto de snipers aqui e tudo mais, só que, não é o interesse chegar e te matar — anunciou de cara. — Obviamente, qualquer tentativa e você vai ser tão sedado que vai passar um mês dormindo, mas…

O agente levantou a destra e estalou os dedos. De imediato, a tropa entre as árvores respondeu ao ativar a mira laser visível de cada um dos rifles de precisão.

Eram várias dezenas deles, bem mais em comparação aos que ele conseguiu contar ao observar os reflexos das miras.

Um passo errado ou uma mera ameaça de fazer algo, e sabe-se lá quantas cargas seriam aplicadas em seu corpo.

— Contanto que você colabore, só um dardo vai entrar — puxou o próprio revólver do bolso. — O meu.

A mira, direta, foi de algum modo pior em sensação, quando comparada às outras várias.

— Mas eu vou te contar umas duas, três coisas… Eu sou um cara legal, sabe? Meu humor, meu jeito de ser… O negócio é que as coisas são feitas assim, né? Burocracia, sistema… Sabe que eu tô só seguindo ordens! E meter isso aqui em ti é uma delas.

A mira, baixa, não trouxe o mínimo a mais de segurança.

— O que eu tô querendo dizer é: fica frio, porque não é nada pessoal.

Até, porque, qualquer um poderia dizer com categoria que ele estava mentindo.

— Trabalho legal, esse que você fez… Nunca estudei esse caso, só ouvi falar. O cara matou, fez a desgraça toda com a família… E depois que o pessoal virou estatística, o lugar ficou assim, abandonado… — comentou, soando frio. — A gente sabia que você veio para cá… várias vezes, até. Os vizinhos não estavam nem aí para você… Tivemos uma trilha em você e eles trataram de nos dar o resto.

A expectativa de ser capturado já, há muito, havia se consolidado na mente dele, porém, por mais tranquilo e colaborativo que se tornou com a própria realidade, nada o preparou para o seguimento do argumento dado pelo agente.

— No topo disso, ela nos contou tudo — cuspiu, tratando a informação com trivialidade. — E, deixa eu te contar… é a primeira vez que eu escutei um relato tão colorido e fofinho, sobre como um grandioso herói salvou a donzela do perigo iminente…! Ah! De tão doce, me deu até um pico glicêmico.

A informação o fez tremer dos pés a cabeça, dada a associação basicamente instintiva feita com base na fala.

— Ela… ela tá bem… né? — perguntou, se contorcendo e tentando se conter. — A Abigail… ela…

— Ah! Olha só! E eu pensando que ia falar sozinho o tempo todo! Boa, isso aqui não é um monólogo, garoto. Quero mais dessa sua atitude! — afirmou, soando sincero o bastante. — E bem, se você quer saber onde ela está agora, eu te conto.

Outra vez, sorriu, quase inocente, e ao guardar a pistola de volta, estalou os dedos, um a um, conforme falava.

— Abigail Halsey está agora no conforto de uma cama aquecida, embora coberta por um padrão floral de muito mau gosto, sejamos sinceros… Quando acordar, talvez ela passe por uma ou duas horas de amnésia anterógrada, mas vai passar… Aliás, sabe o que é amnésia anterógrada?

Ele sabia o significado, mas se recusou a dar a satisfação e a mera ideia de entreter o “papinho” do desconhecido por mais um segundo quase materializou uma tampa no fundo da garganta do Savoia.

A diversão desse cara precisava acabar. Com tanto fogo, vizinhos não custariam de se aproximar e envolver terceiros nesse problema seria inconcebível.

— Pode deixar cair essa máscara de agente bonzinho e solícito — respondeu, sério. — Nós dois sabemos que “conversar comigo” não foi o que você veio fazer, então, por que não faz logo?

Mediante a menção, a expressão do adulto rapidamente mudou de “divertimento” para “surpresa” e, no fim, parou em “curiosidade”.

— Mete logo esse tiro, me joga num cárcere e faz sei lá quanto te prometeram neste trabalho, só vê se para de me amolar com essa tua conversa, até porque…

O encarou, preto contra púrpura — um contato de segundos, estendido por horas, internamente — e ao fim do choque, o próprio tempo pareceu quebrar.

— … Quem sabe a quantos metros o meu poder funciona e até que grau pode te afetar?

A ameaça se fez séria e, ao longe, alguns homens já se preparam para atirar.

— Fiquem tranquilos — levantou o braço. — Não vamos precisar de ações precipitadas, agora que as coisas ficaram interessantes…

O agente andou até chegar a quase dois metros de Ryan e logo ao fazê-lo, começou a andar lentamente, em círculos.

— Pensando bem… você tá certo, sabia? Tá completamente correto sobre isso aqui que tá rolando entre nós dois…

Cada passo colidia com a terra do chão, já com traços de fuligem misturada. Nas pupilas pretas, o fogo a dançar refletia, sinalizando as reais intenções dele.

— Eu não ligo mesmo. Por mim, você já estaria morto — citou, gélido. — Você é um monstro, moleque, e ter que ficar me lembrando de não mencionar isso a cada vez que eu te encaro é… chato, para dizer o mínimo.

O clique da arma gerou uma cascata de reações nos arredores, e enquanto os snipers aliviaram a tensão de suas posições, era como se o misto completo se somasse nele.

— Mas até monstros têm seus usos, sabe? E tem uma galera atrás de descobrir o que te torna tão especial… Não vai ser para mim, nem para esses civis quaisquer… Vai ser por algo muito maior.

O tempo passou a correr curto. Logo, as chamas trariam atenção e a operação seria descoberta.

— Não que eu ligue demais, nem nada do tipo, mas… — bocejou. — Se te perguntarem, lá na nossa base, pelas mãos de quem foi, fala que foi pelo Menendez. Faz a boa para mim com a galera da adminsitração, tá? Salário tá baixo para lidar com tanta porcaria.

“É agora…”

A agulha a entrar por suas costas aplicou o conteúdo artificial em sua corrente sanguínea, e em questão de segundos, a visão falhou e a musculatura começou a perder força.

— Vai ter bastante tempo para conversar e muita gente interessada em te ver, moleque. Vê se dá a devida atenção para eles e coopera direitinho. Se fizer, talvez resolvam te fatiar e congelar mais rápido.

“Por favor… sobrevivam até eu chegar…”

A rápida depressão na atividade cerebral o levou a cair no chão, e nos últimos segundos de consciência, teceu o último pensamento relativo ao par capturado.

“... Mark… Lira…”

THUD!

— Heh… A coragem dessa coisa…! — Menendez riu, guardando a arma. — Querendo falar comigo como se fôssemos da mesma laia…!

O sorriso fez óbvio o estado de diversão e ele não quis esperar mais, dando um pisão firme nas costas do garoto caído.

— Que trabalheira você me deu, [Quebra-Mentes]... endereço falso, informações forjadas… Nem a sua cara existe nos nossos registros.

A casa infestada pela queima não teria salvação e, até uma equipe competente, o lugar já haveria de ter caído.

— Um pequeno sacrifício. Não é como se fossem se importar.

Ele riu, ciente de estarem fazendo um favor indireto para as vítimas dos crimes bizarros de Elderlog, pois quanto antes as coisas voltassem à “normalidade”, menos críticas e cobranças viriam.

— … E o nosso trabalho vai poder tomar trejeitos mais importantes — mordeu o açúcar do pirulito de cereja, antes de atirar o palito no chão.

— Senhor…! — Das árvores no outro lado, surgiram dois membros subordinados. — Devemos apagar as chamas?

— Não, não o façam — respondeu, suave. — Só joguem ele aí e vamos embora. Essa pilha de lixo pode servir para chamar atenção.

— Afirmativo! — O outro acenou, antes de falar pelo walkie-talkie que levava consigo. — Iniciar protocolo de transporte seguro!

O helicóptero silencioso desceu e, depois de prontamente algemado, trouxe o rapaz ao seu interior com o uso de um jogo de cordas.

Envolto na rede, um grupo de outros dois agentes o elevou, deixando-o preso em um confinamento reforçado, em seu interior.

— Muito bom.

Menendez outra vez sorriu, agarrado à escada vertical do veículo. A missão, afinal, foi um sucesso.

— Acabei de entregar uma mina de ouro nas suas mãos, velho gagá… Melhor ter de onde tirar algo grande…!

[...]

— Não importa quantas vezes eu olhe esses dezessete segundos de gravações…

Por um número certamente maior que a quinquagésima vez, o homem em vestes formais reiniciou a curta gravação de vídeo de baixíssima qualidade, recuperada das câmeras da finada Elderlog High.

— … Só fica melhor a cada instante…!

A filmagem, repleta de fantasmas e pixels em horrível interferência, mostrava o refeitório da escola, cerca de três minutos depois do começo da misteriosa invasão de insetos.

Contudo, não era o empenho dos estudantes em evitar as criaturas o fator a mais chamar atenção e a melhor parte somente se iniciava aos oito segundos e meio.

O instante do surgimento dele: o [Quebra-Mentes].

— É uma fonte de valor inestimável… Se obtivemos o conhecimento acerca de como ele fez aquilo, poderemos atingir horizontes nunca antes descobertos em nossas estratégias de negociação e persuasão! Descobriremos segredos até hoje desconhecidos sobre a natureza da mente humana.

A chegada do par de brilhos roxos o empolgava do mesmo modo a cada nova visualização, a ponto de quase saltar de cadeira em “torcida”, ao vê-lo, com expertise tão aparente, manipular as memórias de outro estudante.

O toque, seguido do súbito desmaio do outro adolescente chamava atenção, ambos por suas forças e potencialidades e, também, por suas fraquezas.

— Se a informação estiver correta e ele for de fato incapaz de otimizar o uso desse poder à distância, então não devem ter muitos problemas no processo de pesquisa… Ryan Savoia é um artefato cuja posse tínhamos de possuir para ontem.

Do lado de fora da Casa Branca, guardas atrasavam o avanço da massa midiática e suas câmeras, sedentos por respostas e maiores esclarecimentos.

Problema com aquilo não haveria, pois as justificativas, semi-verdadeiras à medida do possível, já estavam encaixadas na ponta da língua, prontas para o tiro.

— Não confio no Menendez e nem em nenhum outro para lidar com isso, nem mesmo nos médicos e especialistas… Sem falar que as suas cartas de recomendação são deveras promissoras. Se as informações não fossem de origem confiável, desconfiaria se tratar de um esquema.

Sua própria foto o encarou de volta, presa no canto da parede do escritório, e em reconhecimento, o homem mais importante dos Estados Unidos deixou fugir um riso.

— Com sua habilidade, não me restam dúvidas de ser a única capaz de descobrir os segredos por trás das capacidades sobrenaturais dos adolescentes envolvidos em Elderlog High, e é por esse exato motivo que a colocarei lá.

Do pequeno gabinete abaixo da mesa, puxou um papel envelopado, cuja nobreza se via indicada com a marca do carimbo presidencial.

— Já solicitei o envio da versão digital dessa carta de recomendação, mas vai precisar disso para começar. Grazianni já está ciente da sua chegada, então apenas o mostre isso.

— Fico agradecida pelo reconhecimento, Senhor.

A jovem mulher aceitou o envelope com delicadeza, erguendo-se da cadeira em simultâneo a ele. Juntos aos três, ao menos doze guarda-costas armados esperavam nas proximidades da entrada do escritório.

— É incomum encontrarmos talentos tão jovens, mas não se permita deixar subir à cabeça. Esperamos muito de você e iremos cobrá-la.

— Sim, eu compreendo — acenou, um leve sorriso tímido preso nos lábios. — Farei o impossível por essa missão.

— É o que a nação como um todo espera. Seja bem-vinda ao ofício patriota, Senhorita Robinson.

A imprensa somente aumentaria nos próximos minutos e a urgência de atendê-los escalou-lhe a cabeça. Apressado, o presidente então a dirigiu as últimas palavras.

— Agora, eu preciso ir. Eles não vão calar a boca até ouvirem de mim… — bufou, visivelmente chateado. — Não há mais nada a conversar por hoje. Estão todos liberados.

Ao comando dele, os doze homens, junto à própria Srta. Robinson, deixaram o escritório, ambos tomando rumos diferentes.

Os protetores armados se dividiram em dois grupos: seis permaneceram, guardando às proximidades do escritório, enquanto os demais seis seguiram o presidente pelos corredores, a caminho do lado de fora, a deixando livre para fazer o que bem quisesse.

— Uhm, com licença…! Pode me informar onde fica o banheiro daqui?

O sujeito em questão, um dos vários portadores de terno e óculos escuros, apontou o corredor à imediata esquerda, sem dizer uma palavra.

— Obrigada…! — acenou, sorrindo.

Nem mesmo o treinamento intensivo foi capaz de impedi-lo de corar por pura satisfação ao receber tamanha graça. 

Sem se conter, ele dançou um pouco no lugar, segurando um riso bobo, antes de ser cobrado pelo colega a alguns passos de distância.

Tsk! — estalou a língua, em forma de alerta ao primeiro.

… … …

“Até agora, deu tudo como o planejado…”

Como esperado, a instalação de mármore branco se encontrava plenamente vazia.

“Mas criar a identidade falsa foi só a parte mais fácil. De agora em diante, não vai ter mais chance de cometer o mínimo deslize.”

Lentes de contato castanhas e conhecimento o suficiente sobre o funcionamento das camadas mais ocultas da burocracia estadunidense compunham detalhes surpreendentemente simples de conseguir…

… Ao menos, ao se tratar de uma pessoa como ela.

“Agora que eles todos acreditam piamente na existência de Jane Robinson e em suas capacidades espetaculares, começa a parte mais delicada…”

A remoção de uma das camadas escuras revelou no reflexo do espelho os firmes tons de arroxeado na íris direita.

“Hora de ensinar para essas crianças que nem todo brinquedo é deles para destruir.”



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