Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 140: Arma Biológica, Ato 3

— Aaaaaah…! Aaaaah! — Em pânico, o homem armado tremeu da cabeça aos pés.

Os dedos em espasmo, no contato do gatilho do rifle acenderam o máximo alerta aos colegas, de alguma forma já conscientes do próximo movimento do agente em pânico.

— Senhor…! — gritou, desesperado. — Eu… eu não vou conseguir… EU NÃO VOU CONSEGUIR ME CONTROLAR MAIS…!

Abriu fogo, olhos em traição máxima à série de eventos. Sem qualquer trabalho próprio, o corpo inteiro dele se moveu sozinho e os projéteis voaram em trajetórias quase por inteiro certeiras.

— Me… ME PERDOEM…! — exclamou por uma última vez, de rosto coberto por suor e lágrimas.

— Ehehe!

O riso divertido do monstro de cabelos rosados ecoou fundo na cabeça do homem feito de marionete por sua estranha habilidade. Por dentro, era como se ele pudesse ouví-la, dentro da própria cabeça.

— Aaaaagh…! Para…! PARA COM ISSO…!

— Você já matou vários dos seus colegas e marcou tantos pontos de uma só vez! Nós ganhamos! Não foi divertido brincar do meu lado nesse jogo?

— Aaaah…! — Ele apontou o cano contra o próprio queixo, em contradição à própria vontade. — Não… NÃO…! 

— Foi legal, não foi? Ehehe! — falou ela, antes de vir o grande frio vazio. — É uma pena que eu prefira jogar sozinha…!

O combatente treinado lutou como pôde, mas nada o livrou da força hercúlea a dominar-lhe os músculos e nervos que, ao tomar toda a autoridade do corpo para si, o obrigou a findar consigo próprio.

Foi uma morte rápida — um tiro no queixo, a atravessar as regiões mais importantes —, e que a fez parecer quase misericordiosa.

— Hora de acabar com esse jogo! Yay, eu vou marcar mais pontos!

A mão saiu pela boca mutilada pelos disparos, para se conectar de volta ao restante de uma maneira fluida, tal qual um pedaço de massinha de modelar. 

Ao fim do processo, já não haviam mais quaisquer marcas, fossem essas da estranha aplicação de seu corpo, ou das balas mutilantes dos rifles e pistolas.

— Ehehehe! O nosso joguinho acabou de começar…!

Ver a horrível criatura a sorrir atravessou com profundo gelo o peito de cada defensor do hospital e conforme a verdade desceu pelas gargantas, profunda ansiedade e medo destruíram as noções prévias.

— A gente… A gente não vai vencer…

Um dos poucos que se mantiveram por pouco intactos deixou um suspiro escapar, captado pelos aguçados instintos dos outros.

— A gente não tem como vencer… — sentiu a voz falhar, desolado. — Isso… Isso é coisa de doido… Nós… Eu…!

No pico da desesperança, ele fez algo que qualquer outro não preso pelo dever de “proteger e salvar” já teria feito.

EU QUERO VIVER…!

O atirador largou o peso incômodo do rifle e correu o quanto pôde na direção do lance de escadas no outro lado da edificação; por ali ficava a saída de emergência, sua única chance de escapar com sucesso.

“EU NÃO VOU FICAR AQUI MAIS NEM UM MINUTO…!”

Ele sempre soube se tratar de loucura… Afinal, qual o ponto de lutar contra algo capaz de regenerar continuamente? Os outros deviam ter notado quando o primeiro tiro letal falhou!

“Esses malditos… Eles nos colocam para lutar contra monstros…! Nós… Nós somos só pessoas…!”

Ele não se importava com o fato de agir com tamanho egoísmo; o trabalho na CIA jamais foi sobre ajudar pessoas, portanto, qualquer julgamento teria raízes em pura hipocrisia.

No final, os mais altos na patente só queriam saber da própria sobrevivência e sobre como viver o máximo dos luxos que o dinheiro pode pagar.

“Eu vou fugir…!”

O corredor vazio do térreo crescia em iluminação a cada metro percorrido pelo excesso de pressa. Felizmente, a maioria das pessoas ali embaixo conseguiu escapar, a criar a diferença de cenas entre esse e os andares acima.

A ausência de corpos e mortes o deixou uma mensagem de esperança: ali, o caminho para o lado de fora seria livre.

“Que se dane o trabalho… Que se dane se vão me exigir explicações depois…!”

Ele só correu até o ponto mais iluminado, indicativo da entrada daquele lugar maldito e, ao deixar a escuridão…

— … Ah…! Enfim…! Alguém que pode me ajudar…!

Sozinha, logo em frente à saída, a mulher loira trajada em seu jaleco o olhou de cima a baixo e sorriu satisfeita, aparentando felicidade genuína em se deparar com mais alguém vivo.

[...]

— Ahahaha…!

As chuvas de tiros não encontravam um fim, embora o tempo as tornassem menos densas a cada nova morte. Entregues, os agentes restantes só tinham como caminho a opção de morrerem, um por um.

— Eu imaginei que vocês fossem ser um pouco mais divertidos, mas parece que errei.

Dos mais de vinte e cinco homens disponíveis ao começo do ataque no térreo, somente quatro mantinham a fútil resistência final contra a força imparável.

— NÃO PODEMOS NOS DEIXAR DESMORALIZAR, HOMENS…! — O membro comandante recarregou a pistola, única arma para a qual restavam balas. — LEMBREM! SE SANGRA, UMA HORA MORRE!

Nesse ponto, talvez nem o próprio pusesse confiança nos argumentos, porém a responsabilidade sobre a operação ainda recaía sobre ele.

“Eu tenho que agir como o lider”, prontificou a arma e mirou. “Contanto que eu continue lutando… eles também vão se motivar a lutar…!”

PAH! — O disparo certeiro atingiu o centro da cabeça da criatura em forma de garota. Com a explosão, massa nervosa e sangue voaram mistos e mancharam a bela parede clara atrás.

— HOMENS! — chamou, ao topo dos pulmões. — FOQUEM OS ALVOS NOS PONTOS FRACOS…!

— … Eeeh? Pontos fracos…? O que são esses?

O breve momento de parada no combate teve vida curta, quando a menina regenerou de forma espontânea os ferimentos sérios em seu crânio, a mostrar não terem significado coisa alguma.

— Ele bem que costuma sempre me chamar de “burra” ou algo do tipo, mas… — lambeu os lábios sujos com o próprio sangue, ao tempo que dirigiu um olhar perfurante ao homem careca.

— CONTINUEM O ASSALTO…!

Às ordens, balas voaram de todos os cantos no corredor suficientemente largo, a intensidade de cada projétil a ponto de ensurdecer.

Ela, porém, os tomava como se fossem meras agulhas de vacina.

— … Já deveriam ter entendido que coisas assim não conseguem me matar, né? Nesse caso… Quem seria o verdadeiro “burro”?

Anastasia caminhou até o homem paralisado de medo, o dano em seu corpo reduzido a uma série de leves incômodos. Ela, então, esticou a palma aberta para a frente e os loucos olhos azuis brilharam de novo.

— Parece que vou precisar te mostrar na própria pele… COMO EU ME SINTO!

— Líder…! — exclamou um dos sobreviventes. — Santo Deus… SANTO DEUS!

O único segundo necessário para o início do processo quebrou as mentes fragilizadas dos demais quando, em um passe de algo que só podia ser mágica, ela “adentrou” o agente e sumiu dentro dele.

— UURRGH…! AAAAGH…! — gritou, em pura angústia, sentindo o próprio corpo perder a noção de pertencimento.

A monstruosidade de face humana mergulhou nele como algo pesado afunda em uma porção de água, sem deixar marcas ou sinais, a desaparecer tal qual jamais houvesse existido.

— AAARGH…! ME MATEM…! — ordenou, incapaz de suportar a onda de terríveis sensações dolorosas, sem mais forças para lutar contra o próprio descontrole. — ATIREM…! É UMA ORDEM…!

Os outros apontaram para ele canos de rifle instáveis em espírito e compreensão do contexto, sem vontade; com as coisas que viam, chumbo e fogo se tornaram, em essência, inúteis.

Por baixo das vestes, eles presenciaram as mudanças de volume e formato na caixa torácica, em expansão e retração constante, a assumir as posições e conformações mais opostas ao natural.

— AAAAAAAAAARGH…!

As costelas quebraram, uma por uma e mais de uma vez, continuamente remendadas por seja lá qual tipo de força agisse sobre ele. De novo e de novo, ouviram os estalos — tak-tak… tak-tak — e o rubor na face torturada tratou de contar o resto.

PAH — um único disparo cortou o denso mar de agonia, o atingindo no centro do peito.

— Aaah… Aaaaah…!

O atirador admirou o trabalho, horrorizado. Nenhum dos anos de treinamento o preparou para tal situação, mas se algo de sabia, é que as ordens de seu superior não deviam ser questionadas.

— AAAAH…! 

PAH, PAH, PAH, PAH — conforme mais balas vinham, o semblante da loucura crescia naquele que tomou para si a missão de ganhar mais tempo. 

O fim das balas não teve como se evitar e, sem elas, o discurso em murmúrios sangrentos ecoou dentro dos ouvidos.

— Morrer… Não dá para… morrer…

O corpo se ergueu contra a própria vontade, cheio de buracos hemorrágicos de uma ponta a outra, movido como um boneco de ventríloquo, sem mais um pingo de luz nos olhos, em meio a tanta dor.

— Aaaah… Eu… Aaaaah…!

O coração destruído ainda bombeava sangue e o esforço dos pulmões em puxar o ar era pesada; não precisava ser treinado para entender não existir modo de alguém estar vivo em tais condições.

— Só… machuca….! Os tiros… só machucam…! Aaaaagh…!

Quando o pesadelo não parecia ter jeito de ficar pior, ela resolveu retornar, materializada na forma de um tumor na bochecha direita do homem.

— Foi o que eu disse desde o início. — A massa de carne, composta por somente uma boca, riu de desprezo. — Balas não podem fazer nada contra mim. Continuar tentando só vai ser perda de tempo.

— AAAAAAAGH…! — O corpo começou a inchar com rapidez, a tomar proporções cada vez mais distorcidas.

— Eu já lidei com muitas pessoas como vocês… gente malvada, que merece ser punida…!

AAAAAAAAAAAAAAGH!

O abdômen distendido quase quadruplicou de tamanho, pele e músculos estirados como se fossem filetes de chiclete mastigado.

Os tecidos dele se esticaram tanto que o próprio líquido a rodear os órgãos foi visto empoçado através da pele.

E, não importando estar sujeito a tamanha tortura…

ME MATA LOGO!!!

— Como quiser!

[...]

— Ainda bem…! Ainda bem que você tá aqui…! Ainda bem…!

Sem um segundo a mais de espera, a médica de óculos redondos se atirou no homem de colete e o envolveu em um firme abraço de corpo inteiro.

— Tô tão feliz que alguém pode me ajudar a sair daqui…!

Ela afundou o rosto no peito dele e o cheiro de flores do shampoo usado nos fios sedosos invadiu-lhe as narinas.

Ambos estavam a poucos metros da saída e ainda assim, algo estava profundamente errado.

— Uh… Bem, se acalme. Eu… já estou aqui agora… e…!

A necessidade de exibir profissionalismo o levou a agarrá-la pelos braços e quebrar o gesto de conforto. Por longos segundos, os dois se entreolharam e algo se tornou bastante claro.

“Ela é muito bonita… E cheirosa também!”

O brilho castanho dos olhos, focados só nele, quase o fez esquecer do dever auto atribuído de fugir… quase.

— Uh…! — atrapalhou-se um pouco, movido pelo cenário peculiar. — A saída já é ali…! Você não deveria ter evacuado?! Por que continua aqui?!

Na quebra do aspecto sério, veio o peso da culpa ao notá-la se acuar diante da cobrança. Assustada com a reação explosiva, a moça desviou o foco e se afastou do agarro dele.

— Uh… Ei…! Eu…!

— Eu senti muito medo…!

Os sapatos em contato partiram os pedaços do vidro azulado sobre o chão, um mero espiar para suas mãos a bastar como indicativo da generalizada ansiedade proporcionada pelos últimos minutos.

— Lá em cima, todos morreram… Mas eu… Eu consegui me esconder…! Eu só… Eu só queria fugir… de verdade…!

Lágrimas pesadas escaparam dos cantos dos olhos e o brilho neles se amplificou do pior modo e a já fraca imagem da profissional se permitiu afundar na própria vulnerabilidade com as palavras a seguir.

— … Mas eu não consegui…! — exclamou, ao topo dos pulmões. — As minhas pernas travaram…! Eu cheguei aqui e elas só pararam…! Eu não consigo ir sozinha! EU NÃO CONSIG…

— Tá tudo bem — cortou ele, em asseguração. — Eu… eu te levo para fora daqui…

Desta vez, veio dele a iniciativa de garantir-lhe a proteção e o cuidado com um breve abraço. 

— Eu te levo para fora. Confie em mim.

— Sério…? Não tá… zangado…?

— Por que eu estaria? Olha… antes… Olha, é só que eu não sabia, tá?

— De verdade…? — O encarou, penosa. — De verdade mesmo?

A mesma estranheza do princípio o mordeu na nuca ao alcance dos gestos quase infantis daquela mulher, porém, como antes, ele só decidiu ignorar.

— Vamos. Passo por passo, um depois do outro.

Ela tomou a mão esticada, a sorrir de canto de boca.

— Certo…!

A médica esticou os finos dedos trêmulos sobre as luvas táticas do atirador treinado e as tocou.

PAH!

“Eh…?”

E tão logo o fez, caiu ao chão — morta —, vítima de um único disparo advindo do corredor à direita.



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