Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 13: O Mundo Antes Que Eu Sumisse

— Mortes esquisitas…

A notícia na tela do celular o impactou de um modo que nunca fez antes. De repente, o que antes seria apenas relevado, agora o causava um tipo horrível de pânico.

“Caso ‘Perfurador de Elderlog’ permanece sem qualquer solução ou pista ao fim da terceira ocorrência em um prazo de duas semanas. Autoridades não sabem como guiar as investigações.”

Massageou levemente o espaço entre os olhos.

“Não sei o que pensar sobre isso.”

Ainda não estava plenamente acostumado com sua nova realidade e sentia isso na pele. Metade de sua cabeça ainda desejava continuar a acreditar que nada disso era real.

“Mas, isso não é só um sonho ruim, né…? Seria muito agradável se fosse.”

Os últimos três dias foram de pensamentos acelerados. Depois de toda a confusão feita no supermercado, o caso acabou caindo na mídia como mais um dos mistérios rondando os EUA.

Muitas revistas digitais se interessaram pelo “supermercado virado do avesso”, porém nada fez o caso crescer muito, em especial, por falta de qualquer evidência.

“Eu me pergunto como eles reagiriam se soubessem que toda aquela destruição foi causada por três adolescentes com poderes… Provavelmente passariam o ano inteiro ou talvez mais falando apenas desse caso.”

Sabia que devia estar pensando bem mais seriamente a respeito, mas não tinha a energia para isso. Se qualquer coisa, sentia não valer a pena trabalhar com tão poucas informações.

“Como será que o mundo reagiria ao saber que existem pessoas com poderes? Ou melhor… Quantos já sabem disso?”

Mesmo sem necessariamente mostrar coisa alguma, já era o objeto de algumas das maiores fofocas atuais. Por onde andava, era o motivo de alguns cochichos, todos sobre o começo da semana.

“Engraçado que nenhum deles tem a coragem de vir falar comigo na cara…” 

Talvez não quisesse continuar pensando em todos os seus novos problemas.

Azedo por dentro, mostrou os dentes para si mesmo, entrando na nova sala de aula.

“Mark e Lira ainda não estão aqui… Será que é alguma coisa importante?”

Lamentava não terem a possibilidade de conversar mais e, honestamente, duvidava muito que o contariam qualquer coisa assim tão cedo.

“Ainda assim, tenho que descobrir o quanto eles sabem.”

Tocar em qualquer um poderia significar sua ruína, já que os dois sabiam de suas capacidades. Logo, tudo o que lhe restava era tentar descobrir de modos mais sucintos.

“E isso vai demorar bastante. Tenho que investigar a cidade e esses poderes de alguma outra maneira.”

Ainda era cedo, e por isso, repousou os livros na mesa e saiu da sala. O lugar ainda tinha poucos alunos, e ao contrário daqueles do lado de fora, não pareciam querer muita coisa com ele. 

Esses não se importavam muito com sua reputação, e isso era algo bom.

“Se eu puder continuar agindo desimpedido, poderei descobrir mais rápido sobre as estranhezas que estão rolando.”

O país inteiro passava por uma absurda alta dos crimes violentos, sem qualquer justificativa plausível para as ocorrências.

Todos os dias, as pessoas viam incêndios a prédios públicos, ataques em residenciais, massacres, furtos em escala milionária, e todos desprovidos de possíveis respostas.

“Eu não queria ter que ser levado a pensar que o início de tudo isso bate com a época em que eu acordei…”

Planejava continuar sua caminhada pelo andar, mesmo sem rumo. Queria apenas pensar em como tudo isso poderia estar se ligando.

“Mark e Lira… Eu não sei nada sobre eles. Não sei sequer por quanto tempo eles têm esses poderes.”

Não iria culpar os dois, mas não podia negar a estranheza dos fatos. Tudo o que tinha em mãos era um monte de pontos sem ligação.

“Essas coisas tem começado há um tempo… Não me lembro de como o mundo era antes, mas sei que, desses últimos anos para cá…”

A guerra no oriente teve seu fim, e os eventos se iniciaram logo em seguida. Não seria demais supor uma relação entre as duas coisas.

“Os Russos cortaram o contato com o restante do planeta inteiro.”

2023, ano em que a guerra, ao menos teoricamente, acabou. Os ataques apenas cessaram quando, avassaladoramente e contra toda expectativa, o conflito foi vencido em um mero dia.

Após isso, no entanto, não houve comemoração ou proclamação por parte deles, somente o isolamento completo, como um urso indo hibernar.

“Será possível que…”

O mundo não era desse jeito antes de perder suas memórias.

“Será que tudo isso é trabalho de pessoas como eu…? Como nós?”

A existência do par implicava que haveriam outros. Seria inocente demais pensar que pararia ali.

— Eu nunca me incomodei de fazer essa ligação.

— Porra, o cara até fala sozinho…! Mas é um maluco mesmo!

“Hein?”

Sentiu a pressão do ar a passar perigosamente perto do seu nariz. Em um flash, o novato moveu o pescoço para trás, desviando do golpe que seria certeiro.

Seu corpo entrou em estado de alerta, deixando-o ver a ameaça que acabou de surgir.

— Tu vai pagar por esses rumores que tá espalhando sobre mim, Savoia…

Reconheceria aquele rosto de qualquer distância, especialmente por causa da deformação no nariz. Vincent, queimando em raiva, estalou os punhos no meio do corredor vazio, mas não estava sozinho.

Ao vê-lo, a primeira reação foi um suspiro cansado.

— Olha, Vincent… Eu sei o que você tá pensando… — dirigiu um olhar semi-compreensivo. — Mas, não é isso que vai estar acontecendo hoje. Eu não vou perder a minha paciência com você, até porque já não tenho muita.

Tentou ignorá-los e continuou fazendo seu caminho qualquer, mesmo ciente de que não seria assim.

— Aonde é que tu tá pensando que vai, filho da puta?!

O braço de Vincent cruzou na frente de seus olhos, colidindo de palma aberta na parede e fechando o caminho. Ryan não pareceu impressionado, no entanto.

— Sério mesmo?

A encarada incrédula e incrivelmente calma dele tirou o mais musculoso ainda mais do sério. Ele não os estava levando a sério.

— Eu tenho outros problemas, então ou você sai da minha frente…

Seus olhos frios perfuraram as almas dos três, instalando um medo que logo foi ignorado pelo desejo de se fazer forte. Mesmo sem lembrar, era como se pudesse sentir.

— … Ou eu vou fazer questão de que você se lembre bem dessa segunda vez… Além de garantir de que não vai ter uma terceira.

Haviam mais três juntos dele. Naturalmente, uma pessoa comum seria dizimada por um grupo assim e, como o esperado, todos riram dele.

— Heh! Tô vendo que a tua atitude mudou…! Eu não me manteria tão confiante agora, já que eu não tô sozinho contigo…

O som dos dedos do mais forte estalando afastou os demais estudantes, que se distanciaram apenas para assistir e gravar.

— Agora vai ser diferente!

Mas aquele rapaz em particular não iria aguentar mais um minuto daquele problema idiota e que poderia ter sido tão simplesmente evitado senão por um deslize seu.

“Foi um erro meu apagar as lembranças dele ao invés de ter simplesmente nocauteado. O alvoroço disso foi muito grande… E eu não vou nem chegar no mérito de que foi isso que me fez apanhar do Mark.”

Se não fosse por aquela cena, não teria sido encontrado pelos dois. Graças a Vincent, chegou ao conhecimento de Lira a capacidade que tinha.

“Isso quer dizer que, mesmo indiretamente, foi por causa desse cara que eu acabei me ferrando no começo da semana…!”

Sabia que pensar assim era um pouco demais, mas desde precisava de um jeito bom de espairecer e colocar todo o estresse para fora.

 Então, por que não se rebaixar um pouco ao nível deles para isso?

— Ah, é? E como é que você sabe que a minha atitude mudou? Nem se lembra da pancadaria de segunda! — O novato o provocou, entrando na brincadeira. — Ou será que acabou lembrando depois de se recuperar da porrada?

Vincent mostrou os dentes. Todos os outros eram de porte físico similar ao dele, e isso se fez preocupante para Ryan.

“Antes eu briguei só com ele, mas agora são quatro… Isso sem falar que eu acabei de entrar nesse negócio de brigar na escola…”

Não sabia se conseguiria lidar com todos.

— Eu vi os vídeos… Eu não sei o que diabos você fez, mas não vou deixar se repetir de novo. Ninguém mexe comigo daquele jeito e sai inteiro, Savoia…

“Esse cara pegou um encarno pessoal comigo. Se eu não der um jeito nisso agora, ele não vai parar.”

Não sabia, mas iria tentar mesmo assim.

— O vexame que eu tô passando na escola agora por tua culpa… Todo mundo rindo da minha cara quando eu passo… — respirou fundo. — EU NÃO VOU CONTINUAR VIVENDO COM ISSO!

Era hora de mostrar tudo o que seus poderes eram capazes de fazer.

— Oh, que pena — riu. — Parece que esse é um problema seu!

— Tá muito engraçadinho…!

A ausência de alunos ali tornaria a luta mais espaçosa. No momento, apenas dois ou três observadores ficavam pelos cantos, assistindo o espetáculo prestes a começar.

— Bora ver qual a tua, Savoia!

E assim, todos os companheiros de Vincent armaram punhos para o recém-chegado, inconscientes do que já havia preparado para a ocasião.

“Não sabem com o que estão lidando… Chegou a hora de apelar um pouquinho!”

Ryan desviou de um soco duplo, agachando. Depressa, encontrou uma abertura na formação imperfeita dos quatro e usou isso para rolar fora, escapando do cerco formado ao redor.

— Volta aqui, seu merda!

— Como se eu fosse simplesmente esperar você acabar comigo…!

E assim, tomou a estratégia que muitos o julgariam de covarde por fazer: fugir. Sem esperar mais, passou a fugir pelos corredores o mais depressa quanto podia.

— A GENTE VAI TE PEGAR, MERDINHA!

O grito de um dos baderneiros o alertou do quão próximos estavam e, com isso, aumentou sua velocidade. Não planejava continuar para sempre, todavia.

“Se eu não me engano, vou encontrar algo que sirva no corredor à esquerda!”

Ryan, acelerando, dobrou o corredor em questão com pouca vantagem sobre seus perseguidores. A súbita entrada dos cinco foi suficiente para fazer uma garota derrubar seus livros.

“Perfeito. Não é exatamente o que eu buscava, mas… Isso vai funcionar bem”, pensou. — Com licença…!

Do chão, aproveitou a grande velocidade para puxar o grossíssimo livro de matemática da terceira-anista.

“Esse meu poder não é lá grande coisa para lutar…”

Durante aqueles últimos dias, refletiu sobre a humilhação absoluta que passou nas mãos do par. Sequer conseguiu tocar em Mark e Lira o podia vencer de qualquer distância, apenas causando sensações.

“Olhando assim, é um sistema bem injusto. Minha alteração de memórias é bem fraca em comparação.”

Mas, além de critérios objetivos, existiam os fatores únicos. 

“O conceito do que é uma memória é amplo demais.”

Pensou em tudo isso em um tempo menor que três segundos. Ryan segurou o livro com força, ainda acelerado por conta da corrida ininterrupta, e mirou bem no centro do rosto de algum deles.

— E isso me dá um grau de abertura para fazer uma coisa legal…!

Seu grito em voz alta foi seguido pelo veloz impacto do grosso livro. Assim que acertou, fez o primeiro perder o compasso de sua corrida e bater de cara com o armário.

— E aqui vem…!

Se agachou, preparando um soco firme que acertasse o estômago do segundo. Iria ser um golpe certeiro.

Chamou por seus poderes, desta vez com um foco diferente. Pensou na imensa dor que sentiu ao ser socado por Vincent antes, focou em seu punho, e desferiu um golpe fraco demais.

O soco sem potência acertou o braço do segundo, que tentou defender. Uma terrível escolha.

ARRGH!

Tudo o que se ouviu foram seus intensos gritos, vindos de uma dor que não tinha como ser causada por um golpe tão fraco. Diante dos olhos dos poucos ali, convulsionou, se tremendo no chão enquanto gritava em sofrimento.

Isso foi mais do que suficiente para fazer os outros quatro pararem.

— Savoia… Mas que porra é essa que tu fez com ele?! — perguntou um dos amigos de Vincent.

Era uma cena impossível. Não tinha como alguém ser colocado em tanto sofrimento assim.

— Vai saber se fui eu mesmo? Vai que ele já tinha problema? — Ryan respondeu. — Eu não esperaria diferente de um monte de playboyzinhos que acham engraçado infernizar a vida dos outros.

Pela primeira vez, nenhum daquele grupo tinha palavras diante do corpo já desmaiado. Ryan Savoia, seja lá o que fosse, era uma besta completamente diferente dos outros alunos dos quais costumavam caçoar.

— Eu me deixaria em paz de agora em diante. Conselho prudente, mesmo — falou. — Não vão querer acabar como ele, ou vão?

— Tu ainda não respondeu… 

Vincent, tomado por raiva, parecia atônito diante do estado esparramado de seu amigo. Lentamente, fechou os punhos, concebendo a possibilidade de estar ficando louco com toda a história.

— Tu ainda não explicou o que fez com ele…!

Rumou sozinho em direção a ele, em um surto. Os outros estavam com medo demais para tentar o mesmo.

— NÃO VAI FICAR ASSIM, SAVOIA!

Mirou um soco potente em seu tronco, que foi desviado com proficiência. Como um bailarino, Ryan deslizou rumo à lateral esquerda.

— PARA DE DESVIAR, CARAMBA! LUTA QUE NEM GENTE!

Um chute rasteiro foi respondido com um salto pequeno. Logo percebeu, porém, que não poderia continuar apenas desviando.

“É melhor eu dar logo uma lição nesse vagabundo… Para ele parar de ser um pé no saco!”

Focou outra vez em si mesmo, puxando a sensação de dentro. Bastaria dar a ele uma lição cuja qual jamais esqueceria.

— Sabe de uma coisa…? A dor ensina, Vincent…!

Agarrou o próximo soco e os dois se viram, olho no olho, pelos vários milésimos que se passaram. Foi nesse instante em que ele finalmente viu que o púrpura nas lentes do Savoia não era decorativo.

“O olho dele… Tá brilhando…?”

Foi no que conseguiu pensar, antes de ser submetido à pior das torturas: uma súbita e injustificada descarga de dor, que cortou cada simples célula de sua carne.

GAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

“Meu Deus”, pensou a garota, tremendo de medo.

Ela observou tudo, mas caso fosse solicitada para explicar o que viu, seria incapaz de dizer qualquer coisa.

O novato só encostou no braço dele por alguns segundos, só bastou isso para o temido Charles Vincent cair igual uma porta velha.

Seja quem fosse, as ações desse cara bizarro desmaiaram dois dos mais temidos causadores de problemas da escola.

“Ele… Ele tá vindo para cá…!”

Restaram apenas os outros dois, já que os outros foram covardes — ou talvez prudentes — demais para tentar lidar com isso. Sendo assim, ele poderia tentar qualquer coisa.

— O seu livro — falou, entregando o objeto. — Olha, foi mal por isso…

A pobre menina não tinha reação. Seus olhos vidrados e corpo encolhido focaram em se esconder dele a todo custo, nem que apenas por se pressionar contra o armário.

— Hmm… Eu deveria ter imaginado… Ok, não faz mal.

“Do que ele tá falando?! O que vai fazer comigo?!”

Entrou em ainda mais desespero ao ver aquela mão sendo levada ao seu rosto. Queria fugir ou gritar, mas o choque não a permitia isso.

E foi quando ele…

— Huh…? Por que… Por que essa sensação de que eu esqueci de alguma coisa…?

A garota olhou em seu relógio de pulso. Ainda faltavam quatro minutos para o começo das aulas.

— Será que eu peguei mesmo todos os livros?

Checou a pequena pilha acima dos armários. Lá constavam todos os três livros que usaria no dia. Não era essa a origem de sua sensação de esquecimento.

— Também não esqueci o celular ou a identidade — olhou os bolsos. — Eu não… Esqueci nada.

E ainda assim, a estranha impressão continuava. Tinha algo que deveria se lembrar, e algo grande.

— Hmm… Talvez foi só um deja vu

Focou de novo em seus livros, notando os pequenos amassados e uma estranha marca vermelha fresca em um deles.

— Onde será que eu sujei o livro de matemática? E por que isso parece ser… Sangue?

Isso não importava. Independentemente de quantas perguntas se fizesse, não chegava a qualquer conclusão. Seu dia foi tão normal quanto qualquer outro até esse ponto. 

— Estranho… Mas… Acho que não vale a pena ficar se preocupando com coisas que não consigo lembrar…

Era melhor só esquecer aquela besteira. Só nisso, já perdeu dois minutos do tempo a mais que tinha, e sua sala não era das mais próximas.

Precisava começar a correr caso não quisesse se atrasar.



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